A Constituição Federal prevê o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Ora, se a própria Lei Maior se preocupou em dar um tratamento bastante rigoroso ao delito, pode-se concluir que o racismo pode ser considerado como um crime grave dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Os crimes resultantes de discriminação de raça ou de cor foram definidos pela Lei n° 7.716/89. São várias as condutas definidas como crime pela Lei. O cidadão que impede o acesso de um negro a um restaurante, por exemplo, poderá ser punido com até 3 (três) anos de reclusão. Se uma escola recusar a matrícula de um aluno em virtude de preconceito de cor as penas podem chegar a até 5 (cinco) anos de reclusão.
Interessa-nos em particular o art. 20 do referido diploma legal. De acordo com esse dispositivo, pode ser punido com até 3 (três) anos de reclusão o agente que pratica discriminação por motivo de cor. A princípio, parece ser essa a conduta que teria sido praticada, em tese, pelo jogador do Goiás.
Todavia, o Código Penal Brasileiro prevê um delito que melhor se amolda às particularidades desse caso. Trata-se do crime de injúria qualificada, previsto no art. 140 do CP.
Fala-se em injúria qualificada quando o agente ofende a honra subjetiva de outra pessoa, utilizando-se, para tanto, de elementos de cunho racista. Entendemos que a conduta que teria sido praticada pelo jogador goiano se amolda a esse tipo penal. Isso porque o objetivo do mesmo ao proferir as ofensas foi exclusivamente ferir a honra subjetiva do zagueiro cruzeirense. Não houve intensão de ofender a comunidade negra como um todo. Apenas se os impropérios fossem dirigidos aos negros como comunidade é que poderia se falar em crime de racismo.
Em suma, a solução da questão reside no bem jurídico protegido pela norma. O artigo 20 da Lei de Racismo e o art. 140 do Código Penal protegem bens jurídicos diferentes. O primeiro tutela a igualdade e o respeito étnico; o segundo, a honra subjetiva do cidadão. Diante disso, sabendo que as ofensas teriam sido proferidas contra o zagueiro André Luiz com o escopo único de ofender-lhe a integridade e o decoro individuais, o crime em questão não seria o de racismo, mas a injúria real.
Exemplificando o exposto, ter-se-ia o crime de racismo se um determinado jogador, ao final do jogo, dissesse que “todo negro é macaco”. Nesse caso, o bem jurídico ofendido seria a igualdade e o respeito entre as etnias, pelo que o crime seria de racismo.
A injúria real prevê penas que também variam de 1 (um) a 3 (três) anos. Daí muitas pessoas acharem que a diferenciação entre os crimes não tem qualquer conseqüência prática. Ledo engano. Apesar da pena prevista para o delito ser a mesma em ambos os casos, a Constituição Federal estabeleceu restrições severas para o crime de racismo, quais sejam a imprescritibilidade e a inafiançabilidade. Logo, o jogador goiano poderia se valer do instituto da prescrição em sua defesa, ou efetuar o pagamento de fiança em caso de prisão em flagrante, o que não poderia ocorrer se a hipótese fosse de racismo.
Ainda, o crime de injúria real somente se procede por iniciativa da parte interessada, que seria, no caso, o zagueiro André Luiz. Caso a hipótese fosse de racismo, a vítima não seria uma pessoa específica, mas toda uma raça ou etnia, pelo que a ação penal seria pública, de iniciativa do Ministério Público.