A quesitação da tese absolutória e sua ordem de importância no Tribunal do Júri.
I - Introdução
A Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, alterou muitos atos da sistemática do tribunal do júri, um desses exemplos é a formulação dos quesitos, conforme disposto no art. 484 do CPP, que regulava o teor e a ordem dos quesitos perante os jurados, passou a ser em ordem de prolação; a materialidade do fato; a autoria ou a eventual participação; se o acusado deve ser absolvido; se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, além de outras teses aventadas.
Houve uma procura do legislador em trazer ao procedimento ortodoxo e formal do Júri, mais simplicidade e clareza de quesitação justamente vindo ao encontro da necessidade de tornar claro o fato para o devido entendimento dos jurados e assim ao exercício pleno do veredicto. Contudo, acreditamos que, em comarcas onde o nível de absorção intelectiva dos jurados e do homem comum da comunidade apresentam dificuldades cognitivas, devem os operadores do direito ter cuidado na correta sequência da formulação, mormente quando existem duas teses, uma principal sendo a absolvição, e a subsidiária sendo a desclassificação. Isto porque, pode haver comprometimento da vontade do júri se o quesito desclassificatório vir antes da absolvição.
II - Da possibilidade de não apreciação da tese de absolvição quando não preterida à desclassificatória.
Há duas valorações de princípios jurídicos em jogo neste momento; a amplitude de defesa versus o cambiamento de competências do júri para o juiz singular. Entretanto existe dano ao correto andamento do procedimento do júri se princípios de ampla defesa não forem aceitos aceitando-se passivamente a mudança de competência operada pela tese de desclassificação.
O parágrafo 4º do art. 483 do Código de Processo Penal (nova redação) assim dispõe, dando discricionariedade na sequencia:
“Art. 483. omissis. (...)
§ 4º. Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2º (segundo) ou 3º (terceiro) quesito, conforme o caso.”
A necessidade de que a quesitação da absolvição venha a frente da tese de desclassificação se materializa vez que se não for bem esclarecido de que se o acusado não tinha a intenção de causar o delito contra a vida, operando outro e, se não for bem frisado ao júri que se aceito esta tese, automaticamente, haverá imputação de crime a ser julgado pela competência juiz presidente e não o direito da absolvição ser devidamente apreciada. Corre-se o risco de prejudicar uma tese que por se só poderia abarcar as duas, no caso, a absolutória. Nota-se que o problema se refere na confusão de que os jurados podem ao mesmo tempo estar convencidos de que o acusado não tinha a intenção de atentar contra a vida e ao mesmo tempo entenderem até por qualquer motivo de que este merecia a absolvição.
Assim, se perguntado sobre a desclassificação em que, intrinsecamente há ou não evidente questionamento sobre a intencionalidade do acusado, a verificação da tese da absolvição fica prejudicada. E, ainda que os jurados queiram absolver na autonomia dos seus vereditos não poderão exercê-lo.
Ainda que se argumente que os jurados delegam a sua competência quando aceitam a desclassificação e que há necessidade de por a prova essa competência pela antecipação da tese desclassificatória, há de se sopesar que a autonomia do júri quando está em jogo a ampla defesa por ser mais ampla deve ser tida como de maior comprometimento e importância para a sintonia com os ditames e princípios do direito penal.
III - Da tese de absolvição como amplitude de defesa e o respeito a sua predileção na ordem dos quesitos.
Na importância do quesito de absolvição temos que é de caráter obrigatório, tal sua importância, e abrangente por carregar matizes de diversas possibilidades de defesa, daí sua importância na frente de outras teses subsidiárias.
Neste sentido o professor Gustavo Badaró opina:
“Neste caso, portanto, o critério a ser seguido para a ordem dos quesitos deverá ser o da amplitude de tese defensiva e, por questão de lógica e de plenitude de defesa, a tese principal e mais benéfica ao acusado (por exemplo, legítima defesa) deve ser formulada antes da tese subsidiária e, portanto, menos ampla (por exemplo, desistência voluntária). Em suma, a ordem deverá ser: materialidade, autoria, absolvição e, se for o caso, tentativa.” 1
O experiente Promotor de Justiça do. Estado de São Paulo Walfredo Cunha Campos também vaticina no tocante a correta sequência de quesitação:
“Se esta tese desclassificatória for única, deverá o seu quesito correspondente ser disposto após o segundo quesito (o que trata da autoria ou participação); se a tese desclassificatória for subsidiária (a principal, por exemplo, é a legítima defesa), o quesito que trata da desclassificação deverá ser redigido após o terceiro quesito (aquele que indaga ao jurado se o acusado deve ser absolvido). É o que dispõe o art. 483, parágrafo 4º, do CPP.”
IV - Conclusão
Assim, no nosso entender, há dois obstáculos provenientes da quesitação da desclassificação na frente do quesito de absolvição; um de natureza cognitiva que se traduz pela falta do correto exercício da autonomia da vontade dos jurados, outra, pelo não comprometimento do procedimento do júri com a ampla defesa, o que, em ambos os casos desemboca em sua nulidade.
Bibliografia e notas
(1) BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Tribunal do Júri, incoord. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis, As reformas no processo penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 207-208.
(2) LOPES, Jefferson Lima; OLIVEIRA, Daniel Bernoulli Lucena de. O novo tribunal do júri. O quesito da tese absolutória pode vir antes do desclassificatório?. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2192, 2 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13085>. Acesso em: 8 dez. 2011.
(3) CAMPOS, Walfredo Cunha. O novo júri brasileiro, São Paulo: Primeira Impressão, p. 229.
Notas sobre o autor: Advogado, Procurador Municipal, Defensor Dativo, formado pela UNIEURO – DF, atuante no Estado do Maranhão.