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A INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DO PIS/COFINS NAS FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA


Autoria:

Cristiano Poter


Cristiano Poter Advogado - OAB/PR 68402 Pós-Graduado-Direito Tributário-Ucam/RJ E-mail: cristianopoter@hotmail.com Toledo/PR

Endereço: Largo São Vicente de Paulo, 1085 - Apto 01
Bairro: Centro

Toledo - PR
85900-215

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Resumo:

O presente estudo tem por objetivo dispor sobre a legalidade ou a inconstitucionalidade do pagamento dos tributos - PIS/COFINS - nas faturas de energia elétrica. Para isso, trata dos princípios constitucionais orientadores da tributação no Brasil.

Texto enviado ao JurisWay em 01/04/2015.



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A INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DO PIS/COFINS NAS FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA

Cristiano Poter, Helena Nickel e João Luís Emmel 

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “[...] a expressão primária e fundamental da vontade coletiva organizando-se juridicamente no Estado, que com ela principia a existir e segundo ela demanda os seus fins”1, segundo Fagundes, encontram-se os princípios que conduzem o Estado e norteiam os direitos e deveres individuais e coletivos.

Dentre os direitos fundamentais elencados no art. 5º da Constituição Federal, atenta-se para o que dispõe o inciso II, segundo o qual deve ser definido em lei aquilo a que está obrigado o cidadão. Nesse contexto, Falcão ensina que, em nosso atual Estado Moderno Constitucional, é uma atribuição do Legislativo a elaboração de normas que criem aos indivíduos ou cidadãos deveres e obrigações com objetivos sociais e democráticos.2

A Constituição apresenta, também, os objetivos que fundamentam o Estado Democrático de Direito, destacando-se, no art. 3º, o inciso I: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. No que toca àqueles objetivos, os descreve Falcão como a fonte das normas do conjunto que compõe o ordenamento positivo de nossa nação, esclarecendo ser a Constituição organizadora também da Administração Pública, principalmente no assunto tributação.3

Ao dispor sobre matéria tributária, deverão a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dentro de suas competências, fazê-lo por meio de lei complementar (art. 146). Cretella Junior ressalta que “lei complementar é toda norma que completa disposição constitucional, seguindo, de modo preciso, o rito estabelecido na Constituição”.4

 

O DIREITO TRIBUTÁRIO

Sobre o Direito Tributário, Nogueira afirma que “[...] é a disciplina da relação entre Fisco e contribuinte, resultante da imposição, arrecadação e fiscalização dos impostos, taxas e contribuições”.5 Para Machado, o Direito Tributário é o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”.6

Portanto, a competência para tributar é do Poder Legislativo e, nessa trilha, Jardim usa o magistério de Roque Antonio Carrazza e aduz que a “competência tributária é uma aptidão para criar tributos, descrevendo (ou alterando), por meio de lei (no caso, ordinária), seus elementos essenciais (hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota)”.7

A iniciativa das leis complementares, que tratam das normas gerais,e ordinárias, que cuidam da criação, modificação ou extinção de direitos ou obrigações, cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos na Constituição (art. 61, CF). As matérias que devem ser disciplinadas por lei complementar encontram-se taxativamente indicadas no texto constitucional e, no processo legislativo, as leis complementares exigem quorum de aprovação por maioria absoluta, nos termos do art. 69 do texto constitucional.

Assim, cabe à lei a instituição do tributo para a cobrança e o recolhimento de contribuição social, aduzindo Falcão: “[...] exige-se que em lei formal estejam determinados [...] o fato gerador do tributo, a sua alíquota, a respectiva base de cálculo e os sujeitos passivos diretos e indiretos da obrigação tributária”.8

No tocante aos tributos PIS e a Cofins, entretanto, convém atentar para as alterações na forma do seu recolhimento promovidas pela Lei nº 9.718/98, quando as empresas prestadoras de serviço público, de forma geral, e, no caso, as geradoras de energia elétrica passaram a recolher o PIS e a Cofins não mais somente diretamente sobre o fato gerador praticado por cada uma delas, mas também pelos fatos geradores a serem praticados no futuro, presumidamente, pelas distribuidoras e pelas concessionárias de energia, em um sistema de não cumulatividade, na forma autorizada pelo art. 150, § 7º, da Constituição Federal, com base no fato gerador presumido: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.


INCONSTITUCIONALIDADE

Em recentes decisões e publicações de Resoluções pela ANEEL, nota-se a influência direta no aumento da carga tributária do consumidor.

Alterações no ordenamento tributário, através de Resoluções, ferem os princípios basilares da Constituição Federal, que asseguram o direito do cidadão, bem como promovem usurpação de função do Poder Legislativo, necessitando urgentemente do controle jurisdicional. Tais Resoluções Administrativas são eivadas de ilegalidade e de abuso de Poder, com isso, ameaçam e trazem prejuízos ao consumidor.

A ANEEL, por meio de Resolução Homologatória, autorizou as concessionárias de energia elétrica e de distribuição a incluírem, no valor total a ser pago pelo consumidor, a partir de 1º de julho de 2005, as despesas do PIS e da Cofins efetivamente incorridas pela concessionária, no exercício da atividade de distribuição de energia elétrica. Foi o caso da autorização concedida à Cemig D., por exemplo, pela Resolução Homologatória nº 87/05 (art. 10).

De fato, a Súmula nº 659, do Supremo Tribunal Federal, estabelece que “É legítima a cobrança da Cofins, do PIS e do Finsocial sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País”. E o Enunciado está correto; os tributos PIS/Cofins e do Finsocial são mesmo devidos, pois têm fundamento no art. 195, inciso I, da Constituição Federal.

Quando a Súmula se refere à cobrança destes tributos sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais, entretanto, está sendo direcionada, especificamente, às empresas que geram e distribuem energia elétrica, ou executam operações relativas a energia elétrica, assim como às dos demais ramos mencionados, mas não para o consumidor final.

“Operações”, no sentido do que comporta a Súmula nº STF 659, no caso da energia elétrica, são a geração de energia na usina, a transmissão dessa energia pela geradora, a distribuição pela concessionária e ponto final. O consumidor não compra energia para revendê-la, data venia.

O PIS e a Cofins são contribuições sociais que convivem, perante o ordenamento jurídico brasileiro, com a mesma base de cálculo e sujeição passiva: faturamento mensal do empregador, da empresa ou da entidade a ela equiparada (art. 195 da CF, com redação dada pela EC nº 20/98), e o sujeito escolhido na legislação, para fazer parte do polo passivo da relação jurídica tributária é, pois, o empregador, a empresa ou a entidade a ela equiparada que obteve faturamento mensal.

A ilegalidade verifica-se evidente quando o art. 10 da Resolução Homologatória ANEEL nº 87/05 autoriza as concessionárias de energia elétrica e de distribuição a “incluir no valor total a ser pago pelo consumidor, a partir de 1º de julho de 2005, a exemplo do ICMS, as despesas do PIS e da COFINS efetivamente incorridas pela concessionária, no exercício da atividade de distribuição de energia elétrica”.

Todavia, para que a cobrança de qualquer tributo seja legítima, deve obedecer à reserva legal própria e prévia. Na lição de Baleeiro, “instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, inciso I, da Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do Poder Legislativo”. Ademais, o Jurista afirma que “Fato gerador e base de cálculo são conceitos constitucionais [...] indissociavelmente vinculados à legalidade porque fornecem o elemento fundamental para a identificação, classificação e diferenciação dos impostos que a Constituição, nos arts. 21 a 26, discriminou à União, aos Estados e aos Municípios”9, e, portanto, devem também constar da legislação.

Nesse sentido, analisando-se a Resolução Homologatória em comento, por óbvio que se está diante de um ato administrativo ilegal, tanto da ANEEL, quanto das concessionárias, pois tais pessoas jurídicas não reúnem as características fixadas em lei para que possam legislar neste caso. Destarte, o tributo constituído pela Agência deve ser legislado por lei, e, tratando-se de tributo federal, o órgão legislador deve ser o Congresso Nacional, e não uma agência reguladora.

Quando a ANEEL, através de resolução, atribui responsabilidade do repasse de um tributo federal (PIS e a Cofins) a sujeitos estranhos à relação (consumidores), isto se afigura ilegal, também inconstitucional, pela usurpação de competência legislativa tributária, ensejando nulidade absoluta do ato. Conforme descreve Poter, “as nulidades considerar-se-ão absolutas quando o interesse tutelado pela norma for público, um interesse unicamente do Estado”.10 Esta prática, ainda, fere o princípio da legalidade, segundo Coêlho:

 

O princípio da legalidade da tributação, como estatuído no Brasil, obsta a utilização da chamada interpretação econômica pelo aplicador, mormente por parte do Estado-Administração, cuja função é a de aplicar a lei aos casos concretos, de oficio. [...]. Para logo, não existe nenhuma interpretação econômica, toda interpretação é jurídica. O Direito opera pela jurisdicização do fático, como diria Pontes de Miranda. Ora, uma vez jurisdicizado o real, isto é, uma vez que um fato é posto no programa da lei, a interpretação que dele se possa fazer só pode ser uma interpretação jurídica.11

 

Com a mesma defesa, Cretella Junior já escrevia que “se a lei complementar criar novas regras, a medida é contra legem ou praeter legem. Ilegais, mais ainda, inconstitucionais, quaisquer regras jurídicas, que não as do texto constitucional”.12

Por fim, justifica-se a ilegalidade do ato normativo da ANEEL pela inclusão indireta de um terceiro sujeito na relação tributária (contribuinte-Fisco), quando autoriza à Agência o repasse indevido dos tributos PIS e a Cofins, o que só poderia ter sido feito, se fosse o caso, por lei complementar.Expressa está a ilegalidade desta tributação, portanto, pois o art. 195 da Constituição Federal garante que o custeio da Seguridade Social deve ocorrer na forma da lei.

Cretella Junior abraça a Lei ao escrever que:

 

Além de recursos, provenientes de receitas das pessoas jurídicas públicas, o custeio ou ‘financiamento’ da Seguridade Social é proveniente das contribuições sociais dos empregadores, incidentes sobre a) a folha dos salários; b) o faturamento; e c) o lucro. Relevante, pois, a contribuição do empresário para o custeio da Seguridade Social.13

Não é uma concessionária que tem a competência para tributar, mas sim o Poder Legislativo. Sabbag assegura que “o princípio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação”14, assim, cada órgão deve se manter adstrito à própria competência.

Cada órgão público tem sua função na administração do Estado; assim também as agências reguladoras, cujas atribuições são amplas e abrangentes para regular determinado setor, organizando o funcionamento do respectivo serviço público, e fiscalizar a prestação da atividade pelo concessionário, arbitrando conflitos entre as partes envolvidas na relação jurídica.

As atribuições da ANEEL estão elencadas na Lei nº 9.427/96, que institui a Agência e determina o âmbito de sua competência, dentre as quais não se lista a de instituir tributos, no caso, contribuições.

Sobre a ilegalidade da Resolução Homologatória da ANEEL, reitera-se, ela incide sobre o fato de incluir indiretamente um terceiro sujeito na relação tributária (contribuinte/Fisco) quando autoriza o repasse indevido dos tributos PIS e a Cofins, o que só poderia ter ocorrido por lei complementar. Ferrajoli explicita que, no processo legislativo, “normas desse tipo são, ao contrário, em qualquer Estado de Direito que possua Constituição rígida minimamente garantista, não somente injustas como também inválidas por violarem princípios constitucionais de direitos humanos, de igualdade e da estrita legalidade...”15

Com efeito, a ANEEL, por ser entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, sob o regime autárquico especial de agência reguladora e vinculada ao Ministério das Minas e Energia, tem a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica, cabendo-lhe a missão de “proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade”.16 Assim, no âmbito de atuação da Agência, todo consumidor que se sentir lesado poderá buscar proteção nos princípios constitucionais, mormente o da legalidade.

 

DIREITOS DO CONTRIBUINTE/CONSUMIDOR

O princípio constitucional da defesa do consumidor (art. 5º, inciso XXXII) também norteia as relações econômicas no setor de energia elétrica, abrangendo as relações entre as concessionárias e os consumidores dos seus serviços.

O legislador infraconstitucional, muitas vezes criticado, cumpriu amplamente sua missão constitucional de realizar tal princípio ao editar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e, em se tratando de um direito fundamental, requerer que essa proteção seja realizada na maior medida possível. No caso da incidência de tributos, como mandado de otimização, incluiu no CDC normas garantidoras do direito do consumidor que determinam o pagamento do preço justo pelo serviço adquirido e a garantia, ao consumidor, de não ver elevado este preço sem justa causa, assegurando-lhe, ainda, a reparação dos danos patrimoniais decorrentes desta relação jurídica:


Art. 4º A Política de Relação de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor;

[...];

VI – coibição e repressão eficientes de tosos os abusos praticados no mercado de consumo.

[...].

 

Art. 6º São direitos do consumidor:

[...];

IV – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

[...].

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...];

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

[...];

X – elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços.

[...].

 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...];

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...];

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares.

[...]. 

Ao criar estas disposições legais, o legislador realizou uma das etapas de concretização do princípio constitucional de defesa do consumidor, realizando o que Canotilho identifica como “densificação de normas”. Para o autor, “Densificar uma norma significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a fim de tomar a solução, por esse preceito, dos problemas concretos”.17

Nesta densificação de normas, o consumidor resta garantido pelo CDC e pela Constituição e, vale lembrar, esta é a base do Estado Democrático de Direito. Segundo Hesse, ainda, a “força normativa da Constituição está condicionada por cada vontade atual dos participantes da vida constitucional, de realizar os conteúdos da Constituição”.18

No caso em tela, há relação de consumo entre o contribuinte final da tributação do PIS e da Cofins e a concessionária, cabendo, neste momento, ressaltar o art. 5°, inciso XXXII, da Constituição Federal, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, para a efetiva proteção do direito violado em razão de uma ilegalidade.

 

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE PIS/COFINS EM FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA

O consumidor tem o Poder Judiciário como garantia da aplicação das leis em vigor. Ao aplicá-las, Falcão afirma que o Judiciário não cria, nem inova, apenas busca sua aplicação em plenitude do mandamento legal.19

No caso da cobrança de PIS/Cofins em faturas de energia elétrica, já decidiram os Tribunais brasileiros que a prática fere direitos do consumidor e está despida de fundamentação legal. Este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em julgado que trata da cobrança indevida em fatura telefônica, que pode ser aplicada ao estudo em curso por analogia, haja vista se verificar a perfeita identidade da relação jurídica entre a ANEEL ou a ANATEL e o consumidor contribuinte:

 

PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. COBRANÇA DO PIS E DA COFINS NA FATURA TELEFÔNICA. ILEGITIMIDADE DA ANATEL. ACRÉSCIMO NA TARIFA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA. CDC. OFENSA. JUROS DE MORA. INAPLICABILIDADE DO ART. 167 DO CTN. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA.

[...].

3. É indevido o repasse do PIS e da Cofins na fatura telefônica, por ausência de expressa e inequívoca previsão na lei.

[...].

5. O PIS e a Cofins, nos termos da legislação tributária em vigor, não incidem sobre a operação individualizada de cada consumidor, mas sobre o faturamento global da empresa.

6. O fato de as receitas obtidas com a prestação do serviço integrarem a base de cálculo dessas contribuições – faturamento mensal – não pode ser confundido com a incidência desses tributos sobre cada uma das operações realizadas pela empresa.

7. Essas receitas também compõem a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social Sobre o Lucro, já que, após as deduções legais, constituirão o lucro da empresa. Nem por isso se defende que a parcela do IRPJ e da CSLL relativa a uma determinada prestação de serviço seja adicionada ao valor da tarifa.

8. Somente o ICMS, por expressa disposição legal, deve ser objeto de destaque e cobrança na fatura, repassando-se diretamente o ônus ao assinante.

9. O repasse indevido do PIS e da Cofins na fatura telefônica configura ‘prática abusiva’ das concessionárias, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, pois viola os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, valendo-se da ‘fraqueza ou ignorância do consumidor’ (art. 39, inciso IV, CDC).

10. O acréscimo indevido na tarifa não tem natureza tributária, ainda que a concessionária afirme que se trata de mero repasse de tributos. Inaplicabilidade do art. 167 do CTN.

11. Recurso Especial não provido. (REsp nº 1.053.778-RS, Segunda Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 30.09.08.)

 

Até a consolidação deste entendimento, entretanto, muitos consumidores foram lesados pela prática. Como alerta Sbrissa, “Imaginemos ao longo dos últimos dez anos o quanto foi entregue indevidamente às operadoras e concessionárias de serviços públicos a título de PIS e Cofins. Uma indústria, um hospital, um hotel, uma gráfica, um banco, um órgão público (por exemplos), o quanto aludido repasse (indevido) onerou seus custos operacionais fazendo com que, mais uma vez, o consumidor final pague a conta. Importante ressaltar que, a empresa que requerer o não pagamento de PIS e da Cofins incidentes nas contas de energia elétrica e de telefonia, também terão ICMS a restituir, pois a concessionária do serviço público (energia ou telefonia) inclui na base de cálculo do ICMS o PIS e a Cofins, o que por si só já é um absurdo”.20

No Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário nº 230.303-SE (DJ 18.09.98), sob relatoria do Ministro Maurício Corrêa, traz trecho do voto prolatado pelo Ministro Moreira Alves na Ação Declaratória nº 1, em que afirma: “Ademais, no tocante ao PIS/Pasep é a própria Constituição Federal que admite que o faturamento do empregador seja base de cálculo para essa contribuição social e outra, como, no caso, é a COFINS”.

O egrégio STF, em outras ocasiões, decidiu que as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações não estão imunes às contribuições sociais (PIS e a Cofins), justamente porque estas incidem sobre o faturamento das empresas e não sobre as operações. Nessa linha, reproduzimos os votos de alguns Ministros no supracitado:

 

Em verdade, a incidência do PIS dá-se sobre o faturamento, que, por constituir resultado global, abrangente de inúmeras operações (venda de mercadoria, venda de sérvios, venda de bens eu não configuram mercadorias ou serviços etc.) distingue-se das operações que constituem hipótese de incidência do imposto único sobre combustíveis. (RE nº 233.807-RN, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ. 28.06.02.)

 

Desse modo, só posso concluir emprestando exegese à expressão ‘nenhum outro tributo’, à exceção do ICMS, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação, contida no preceito do § 3º do art. 155 da Constituição Federal, no sentido de que nela não está compreendida a contribuição social disciplinada pelo art. 195, inciso I, da mesma Carta, cuja incidência se dá sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro dessas empresas, e não sobre as operações por elas realizadas, que, no campo do Direito Tributário, têm o significado de ato mercantil. (RE nº 230.303-SE, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ 18.09.98.)

 

Especificamente sobre a cobrança dos tributos em fatura de energia elétrica, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C.C. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. PIS E COFINS. REPASSE ECONÔMICO NA CONTA DE ENERGIA ELÉTRICA. COMPOSIÇÃO DA TARIFA. OMISSÃO DA ANEEL. COBRANÇA INDEVIDA. PRESCRIÇÃO DECENAL. VOTO VENCIDO.

Cabe à lei dispor sobre política tarifária relativa à prestação de serviços públicos (art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição da República).

Apesar de a lei permitir a revisão e o reajuste de tarifas de prestação de serviço público, na hipótese de oneração da carga tributária (art. 9º, §§ 2º e 3º, Lei nº 8.987/95), tal revisão, no caso de energia elétrica, é da competência da ANEEL, nos termos do art. 29, incisos I e V, da Lei nº 8.987/95.

É abusiva a cobrança de valores relativos ao PIS e à Cofins como parte do custo do serviço quando tais valores não forem cobrados nos limites da tarifa homologada pela ANEEL.

De acordo com o art. 205 do Código Civil, a prescrição geral ocorre em 10 anos.

Nas ações pleiteando a devolução de valores cobrados na fatura de fornecimento de energia elétrica, a título de PIS e COFINS, cujas cobranças não tenham observado as disposições normativas, principalmente da agência reguladora competente, no caso, a ANEEL, estão prescritos os valores pagos há mais de 10 anos antes da propositura da ação. Prejudicial de mérito, relativa à prescrição decenal, acolhida em parte. Recurso provido em parte.

Ilícita a cobrança de PIS e COFINS do consumidor via repasse na conta de energia, pois inexiste autorização legal a ANEEL que lhe permita estabelecer esse procedimento. É a concessionária a contribuinte e sujeito passivo da relação tributária, logo, é quem deve solver tais encargos. Diante da ilegalidade da cobrança de PIS e COFINS, devido é o pagamento da repetição dos valores solvidos a tal título, contudo, não em dobro, mas, sim, de modo simples, já que ausente a má-fé da concessionária. [...]. (Ap. Cível nº 1.0713.10.008655-0/001, Décima Câmara Cível, Rel. Des. PEREIRA DA SILVA, DJE 22.08.11.)

 

No mesmo sentido, o seguinte acórdão daquele Tribunal de Justiça:

 

CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO. REPASSE INDEVIDO DE PIS E COFINS NA FATURA DE SERVIÇO DE TELEFONIA. PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE DO PRAZO DO ART. 205 DO NCC. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. CABIMENTO. PRÁTICA ILÍCITA E ABUSIVA DA CONCESSIONÁRIA. RECONHECIMENTO. PEDIDO INICIAL PROCEDENTE. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

[...]. É ilícito e abusivo o repasse do PIS e da COFINS ao consumidor, na composição do preço final do serviço de telefonia cobrado pela concessionária.

Recurso conhecido e provido. [...]. (Ap. Cível nº 1.0223.09.283517-0/001, Rel.ª Des.ª MÁRCIA DE PAOLI BALBINO, DJE 30.03.10.)

 

Com isso, resta plenamente definido quem é o contribuinte do PIS/Cofins: a empresa distribuidora, e não o consumidor final. Com este entendimento, impõe-se concluir que, nas faturas de energia elétrica, não são os consumidores finais obrigados a suportar o encargo das distribuidoras, que, com a prática, obtêm enriquecimento ilícito, mas, sim, as empresas distribuidoras de energia elétrica que devem recolher os tributos PIS/Cofins.

Não há dúvida, portanto, sobre a ilegalidade do repasse indevido de PIS e a Cofins nas contas de energia elétrica, de que se beneficiam as concessionárias.

De outro lado, assim se manifestou o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acerca da não cumulatividade daqueles tributos, ampliando as possibilidades de creditar PIS e a Cofins:

 

TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. DISTINÇÃO. CONTEÚDO. LEIS Nos 10.637/02 E 10.833/03, ART. 3º, INCISO II. LISTA EXEMPLIFICATIVA.

[...].

5. O rol de despesas que enseja creditamento, nos termos do art. 3º das Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, possui caráter meramente exemplicativo. Restritivas são as vedações expressamente estabelecidas por lei.

[...]. (Ap. Cível nº 0000007-25.2010.404.7200-SC, Rel. Juiz Federal LEANDRO PAULSEN, julgado em 26.06.12.)

 

A DECISÃO DA CSRF-CARF

Não obstante a numerosa jurisprudência sobre o tema, a decisão que causou maior impacto nos setores contábeis e fiscais das empresas enquadradas no sistema de apuração da Cofins e do PIS não cumulativos foi proferida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Em nota assinada pelos Advogados Rodrigo Mauro Dias Chohfi, Rodrigo César de Oliveira Marinho, Ellen Nakayama e André Delduca Cilino é colocada a importância da decisão em comento, que estabeleceu o conceito de “insumos” para descontos de créditos de PIS e Cofins:

 

[...] a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), instância final de julgamento no âmbito do Ministério da Fazenda, trouxe entendimento inédito a respeito do conceito de insumos para desconto de créditos de PIS e da Cofins.

Em que pese o julgamento do referido recurso ter sido realizado há algum tempo, só agora houve a publicação do acórdão, permitindo, além do conhecimento quanto aos argumentos utilizados pelos Conselheiros, a sua utilização como paradigma para eventual Recurso Especial dos contribuintes.

A controvérsia reside no embate entre as Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, que não delimitaram a abrangência do termo “insumos” para fins de aproveitamento de créditos de PIS e COFINS, e a Instrução Normativa nº 247/02, que, com base nas normas de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), estabeleceu que o aproveitamento de créditos só seria possível quando o insumo sofresse desgaste, dano ou perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação.

Por seu turno, os contribuintes defendem que, pela natureza das contribuições ao PIS e à Cofins, que incidem sobre a receita e não sobre a produção, o conceito de insumo não poderia ser equivalente ao da legislação do IPI, devendo ser utilizado o conceito de despesas necessárias adotado para fins de apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).

No referido acórdão, por maioria de votos (7 votos a favor e 3 contra), a CSRF afastou tanto a regência das regras de IRPJ, quanto a aplicação restritiva das regras do IPI, fixando o entendimento de que o conceito de insumos para fins de PIS e Cofins deve obedecer regras próprias.

Conforme voto da Conselheira Nanci Gama, Relatora do caso, serão dedutíveis todos os dispêndios “relacionados diretamente com a produção do contribuinte e que participem, afetem, o universo das receitas tributáveis pelas contribuições ao PIS e Cofins”, bastando verificar “se o dispêndio é indispensável à produção de bens ou à prestação de serviços geradores de receitas tributáveis pelo PIS ou pela Cofins não cumulativos” (trechos do acórdão).21 

A pergunta que garante a obrigação de contribuir é: o consumidor tem receita bruta? E a resposta é não.

Então, se o creditamento serve para as empresas de produção e fornecedoras de serviços e insumos, como acima apresentado, o ônus do pagamento de PIS/Cofins é das concessionárias de energia elétrica, que podem compensar seus impostos, e não do consumidor final.

A Constituição Federal garante a todos isonomia. Com base no julgamento acima, todos são iguais em face da Magna Carta. Então, o consumidor só deve pagar pelo que, legalmente, esteja obrigado.

Outra dúvida que surge se refere à possibilidade de o consumidor final creditar estes impostos inconstitucionais pelo Judiciário. E, nesta senda, qual o fundamento legal que lhe dará respaldo para ser atendido com dignidade.

Por ora, pode-se concluir que é abusivo o que se está cobrando de toda a população. Quantas faturas de energia elétrica têm em nosso Brasil? Qual o tamanho do enriquecimento ilícito das empresas favorecidas por resoluções inconstitucionais?

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Interromper o círculo vicioso de repassar PIS/Cofins para o consumidor final, bem como a recuperação do que foi pago indevidamente e a maior nos últimos 10 anos, com compensação imediata, certamente vai melhorar a competitividade de nossas empresas no mercado global e reduzir o custo de vida da população.

Os consumidores finais de energia elétrica não são compradores de energia, porque não a vendem nem se utilizam do comércio de energia elétrica, e, sim, usuários do serviço público.

O processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado no interesse da sociedade, entendendo-se o Estado como o aparato da Administração Pública, e a sociedade, como o sistema, estruturado em termos de uma economia de mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social. A política tem a função de agregar e impor os interesses sociais privados perante um aparato estatal especializado no emprego administrativo do poder político para garantir fins coletivos.

Está clara a inconstitucionalidade do repasse destes tributos. Cabe ao Judiciário, portanto, aplicar os princípios constitucionais em favor do consumidor e fazer as empresas que distribuem energia elétrica recolher das suas receitas os encargos de PIS/Cofins, possibilitando ao contribuinte lesado pedir a repetição de indébito (devolução).

 

CRISTIANO POTER é Advogado. Pós-Graduando em Direito Tributário/Ucam.

HELENA NICKEL é Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família/Ucam.

JOÃO LUÍS EMMEL é Advogado e Geólogo. Professor na UNIVALI-BC. Mestre em Ciências Sociais e Políticas Pública e Especialista em Direito Público Municipal.

 

NOTAS

1    FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 3.

2    FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. 6. ed. rev. e atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 28.

3    FALCÃO, Amílcar. Op. cit., p. 26.

4    CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. V. VII. Arts. 145 a 169. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 3506.

5    NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 30.

6    MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 50.

7    JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 221.

8    FALCÃO, Amílcar de Araujo. Fato gerador da obrigação tributária. 4. ed. Anotações de atualização pelo Prof. Geraldo Ataliba. São Paulo: RT, 1977, p. 37.

9    BALEEIRO, Aliomar. Op. cit, p. 116; 118.

10   POTER, C., WEINRICH, J., PEIKER, W. Nulidades no Processo Civil brasileiro. Informativo Jurídico In Consulex, v. 1, p. 11-16, 2011.

11   COÊLHO, Sacha Calmon Navaro. Curso de Direito Tributário brasileiro. 9. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 229-230.

12   CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 3548.

13   CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. V. VIII. Arts. 170 a 232. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 4312.

14   SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 64.

15   FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002, p. 289.

16   Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/Cartilha_1p_atual.pdf>. Acesso em: 13.02.14.

17   CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1185.

18   HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução Luis Afonso Keck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 49.

19   FALCÃO, Amilcar. Op. cit., p. 63.

20   SBRISSA, André Carneiro. Cobrança de PIS e Cofins na conta de energia elétrica e telefonia. Disponível em: .

 

21   Disponível em: .

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