Novos hábitos, velhos problemas, inflação prevista para 2013 é menor que a de uma semana de 1993 17/5/2013
Vinte anos atrás, o país registrava recorde histórico de alta de preços: 2.477%, segundo o índice oficial do IBGE
RIO - Imagine um país em que as pessoas perderam tanto a noção de valor das coisas que dois quilos de queijo prato custam mais que uma máquina fotográfica, um pote de um litro de sorvete vale mais do que um relógio de parede. Onde estocar produtos não era apenas comum; era uma necessidade. Um lugar em que poucos ainda se importavam com as marcas dos produtos que consumiam, desde que nada faltasse; e mesmo assim, faltava. Imaginou?
Este era o Brasil de 1993, ano em que a inflação atingiu o seu nível mais elevado, de hoje impensáveis 2.477%, segundo o IPCA, índice oficial calculado pelo IBGE. Nos dias atuais, a inflação de 5,8% prevista pelo mercado para este ano, segundo o Boletim Focus, do Banco Central, já preocupa o governo, os especialistas e a população. Mas, há duas décadas, essa variação de um dígito não chegava nem aos 6,2% em média, registrados em uma semana.
Era uma sociedade na qual os salários eram reajustados mensalmente e os preços, remarcados até quatro vezes nos mesmos 30 dias — quando não diariamente, no caso de alguns produtos.
— O governo atuava principalmente com tabelamento de preços, que era praticamente a única ferramenta possível. Cada choque na economia correspondia a um desabastecimento geral. Os agentes econômicos passaram a colocar uma “gordura” sobre os preços, para se defenderem de possíveis perdas com os planos do governo — analisa a coordenadora de Índice de Preços do IBGE, Eulina Nunes, responsável pela pesquisa mensal do IPCA, no último dia da série de reportagens “Novos hábitos, velhos problemas”, que o site do GLOBO publica desde segunda-feira, para mostrar como o brasileiro está reagindo ao recente avanço da inflação e dos juros.
As variações dos preços afetavam intensamente o padrão de consumo das pessoas, avalia o economista Gilberto Braga, professor do Ibmec-RJ:
— As compras de oportunidade eram muito mais frequentes nesta época. As pessoas compravam quando viam um preço particularmente bom, mesmo que não estivessem precisando do item.
Professor da PUC-RJ, o economista Luiz Roberto Cunha explica que a inflação começou a sair do controle com as crises do petróleo (1973 e 1979), chegando perto de 100% no fim da década de 1970.
— Com isso, vieram os choques e a inflação brasileira passou a ter como principal fator a própria inércia, não era questão de oferta e demanda. A economia era toda atrelada aos reajustes salariais. O governo se beneficiou dessa situação muito porque sua receita era totalmente corrigida pela inflação, mas os seus gastos com pessoal, não. O resultado é que a renda real da população caía — diz.
Proteção só para os mais ricos
Mesmo com os reajustes constantes, fazer o salário sobreviver até o fim do mês era uma tarefa difícil. Quem podia recorria aos mecanismos do mercado financeiro da época, que acompanhavam a loucura inflacionária.
— Quem tinha aplicações estava garantido. Havia aplicações com liquidez diária, como o chamado overnight. Funcionava como uma moeda indexada, sempre corrigida, em dia com a inflação. A classe média tinha acesso a moeda indexada. Já os mais pobres tinham que receber o salário e literalmente correr para o mercado — diz Elson Teles, economista do Itaú.
Fonte: O Globo - Online