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Tecer-se-á considerações acerca da possibilidade de, em sede de REsp, o Superior Tribunal de Justiça reformar a decisão do juízo 'a quo' e determinar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a relação jurídica após revaloração de prova.
Texto enviado ao JurisWay em 10/04/2012.
Sumário
1. Introdução 2. Do Conceito de Consumidor 3. Do Conceito de Consumidor e Da Revaloração ou Reexame de Provas 4. Da Possibilidade de o STJ Reconhecer a Existência de Relação de Consumo em Sede de Recurso Especial 5. Conclusão 6. Bibliografia
Introdução
Observa-se, hodiernamente, a importância da incidência do Código de Defesa do Consumidor em seu fim precípuo de igualar as partes contraentes. Revela-se, outrossim, palpável a relevância do presente tema, porquanto seja a utilidade prática da incidência das normas consumeiristas, condição sine qua para a efetivação da justiça, a qual deita raízes nos princípios de isonômica e paridade de armas entre as partes.
O princípio isonômico, base imprescindível de um Estado Democrático de Direito, além de estampado no preâmbulo constitucional de nossa atual Carta Magna, na passagem que determina que o Estado está “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos” [2], também está previsto no art. 170, V da mesma legenda legal com maior especificidade.
Muito embora o preâmbulo não tenha força normativa, entende-se que possua um fito norteador àqueles que utilizaram das normas que o seguem, facilitando, destarte, a melhor compreensão da mens legis. O STF, quando do célebre julgamento da ADI 2076[3], decidira que o preâmbulo não possui força normativa.
De se salientar, ademais, estar o termo “igualdade” previsto não somente nesta área preambular constitucional, mas também no seu art. 5º, caput, corolário dos direitos fundamentais[4], e entendido pela doutrina pátria como sendo uma igualdade em sentido formal, maleável de acordo com as incógnitas temporais, sociais e territoriais.
Extrai-se destas previsões, portanto, não somente o princípio da simples igualdade, mas também o princípio da isonomia, o qual deita raízes na equidade aristotélica e em sua régua de Lesbos.
Distinguem-se os dois princípios no seguinte ponto: ao passo que o princípio da igualdade entende como justo o tratamento igual a todos os indivíduos, a isonomia lança mão de um tratamento desigual de cada sujeito, de acordo com suas desigualdades, exatamente como a régua de Lesbos retromencionada.
A máxima do jurisconsulto Ulpiano de que é justiça “dar a cada um o que é seu”, portanto, fora mais aprofundada e gerara uma necessidade sociopolítica de não ensejar um ordenamento jurídico igualitário, mas isonômico. E desta precisão, surgira o Código de Defesa do Consumidor.
O art. 48 da CRFB/1988 prevê que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. É cediço que tal prazo não fora respeitado, entretanto, quase dois anos depois, fora publicada a Lei 8.078/1990, os consumidores, enfim, possuíam um degrau jurídico para igualá-los aos fornecedores e vendedores.
Nesta lei, exemplo cabal de um ordenamento jurídico isonômico, observa-se o tratamento dispare das partes na relação consumeirista, fornecendo maiores regalias ao consumidor, sendo as principais previstas em seu art. 6º, enquanto impõe rigores aos comerciantes, com a responsabilidade objetiva por fato e vício do produto e novas sanções civis e penais.
Em sendo a defesa do consumidor, matéria de ordem pública – ex vi do art. 1º do CDC –, a sobredita lei também prevê atuações de órgãos fiscalizadores e reguladores sobre as atividades de consumo, mas isto é matéria distinta do que procuramos.
Do Conceito de Consumidor
Propedeuticamente, faz-se mister ressaltar que não há unanimidade no que tange ao conceito do termo “consumidor”. Ademais, tal discrepância teórica possui fundamental importância prática, pelos motivos que se passará a expor no momento oportuno neste presente trabalho.
Das teorias práticas que mais se ressaltam na doutrina, tomaremos nota das três principais, quais sejam, a teoria maximalista, finalista e híbrida.
a) Teoria Maximalista ou Objetiva
Esta corrente doutrinária toma como conceito de consumidor um grupo amplo, data venia, pode-se reputar que esta é a corrente lato sensu.
A teoria maximalista entende que é consumidor aquele que atende, objetivamente, aos requisitos estampados no art. 2º do CDC, ips litteris.
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Ou seja, bastaria a aquisição de produto ou serviço como, objetivamente, destinatário final deste. E por “destinatário final”, entende-se aquele que, de fato, utilizará o bem ou serviço em questão.
No entendimento de Cláudia Lima Marques, “destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.”[5]
Destarte, em nada interfere a destinação do produto ou serviço em linha de produção ou qualquer outra atividade com fins lucrativos. Não são consumidores para esta teoria, por sua vez, aqueles que utilizam o bem ou serviço diretamente no processo de transformação, montagem, produção, beneficiamento ou revenda direta no exercício de sua atividade.
Ad exemplum, suma empresa que vende estofados não será consumidora na compra de tecidos para produzir sua mercadoria. Todavia, caso adquira óleo para realizar manutenção em sua maquinaria produtiva, aí sim haveria relação consumeirista com a vendedora do óleo.
Até pouco tempo, esta teoria possuía adeptos da Segunda Seção do STJ, podendo-se mencionar as figuras dos ministros Nancy Andrighi, Pádua Ribeiro, Humberto Gomes de Barros e Castro Filho.
b) Teoria Finalista, Subjetivista ou Teleológica
Na impecável doutrina de Marcos Antônio Araújo Júnior, a sobredita teoria “identifica como consumidor a pessoa física ou jurídica que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado, utilizando o serviço para suprir uma necessidade ou satisfação pessoal, e não para o desenvolvimento de outra atividade de cunho profissional. Nesta teoria, não se admite que a aquisição ou a utilização de produto ou serviço propicie a continuidade da atividade econômica.”[6].
O Superior Tribunal de Justiça fora adepto, em partes, a esta teoria “até meados de 2004, a Terceira Turma tendia a adotar a posição maximalista, enquanto que a Quarta Turma tendia a seguir a corrente finalista”[7].
Desta feita, observa-se maior rigor do estudioso do direito em mitigar aqueles que serão contemplado com as benesses de ser considerado consumidor. Os adeptos desta correntes concebem um estrito grupo a ser consagrado como consumidor, e nele estão enquadrados aqueles que adquirem os bens ou serviços para uso próprio, sem qualquer relação direta ou indireta com atividades econômicas.
Para Cláudia Lima Marques, “segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência - é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumentode produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida "destinação final" do produto ou serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e distribuição”[8].
No julgamento do REsp 108719, a Min. Nancy Andrighi proferiu voto com a seguinte redação informativa, “evoluindo sobre o tema, a jurisprudência do STJ no AgRg no Ag 807.159/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ de 25/10/2007, flexibilizou o entendimento anterior para considerar destinatário final quem usa o bem em benefício próprio, independente de servir diretamente a uma atividade profissional.”[9]
A justificativa para este entendimento é sensata. Porquanto, se observado em uma macroperspectiva, que o sujeito que adquire e usa um bem/serviço em sua atividade econômica não será seu destinatário final, pois ora, o custo na aquisição de tal bem acrescerá no valor final de sua mercadoria, o que torna o adquirente superveniente, o verdadeiro destinatário final e, por fim, o consumidor.
c) Teoria Finalista Aprofundada, Mista ou Híbrida
Esta corrente aparenta ser a mais ponderada e isonômica dentre todas, porquanto mitigue a aplicação da teoria finalista e amplie o rol dos consumidores para incluir aqueles que estão desprovidos de conhecimentos técnicos ou de condições econômicas para parear em suas relações de consumo.
Em célebre voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 861711, restara consignado que é possível “autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que uma das partes da relação contratual, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade em relação à outra”. Igualmente renomado é o voto do Min. Ari Pargendler quando do julgamento do REsp 716877[10].
A sobredita teoria vem sendo aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça em suas decisões desde meados de 2004[11], ex vi de alguns julgados.
“PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇAO DE CONSUMO.NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO.
1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min.
Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor.
2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.
3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica.
4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro.
5. Negado provimento ao recurso especial.”[12]
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL CUMULADO COM DANO MATERIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO.VIOLAÇÃO AO ART. 2º DO CDC. NÃO CONFIGURADA. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 83 DE SÚMULA/STJ.
1. "A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária." (REsp 541867/BA,Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/11/2004, DJ 16/05/2005 p. 227).
2. Incidência do enunciado nº 83 de Súmula desta Corte Superior.
3. Recurso Especial a que se nega provimento”[13].
Destarte, observa-se acertada mudança de entendimento no Superior Tribunal de Justiça no que toca à aplicação das normas consumeiristas em certas relações em que se vislumbra a vulnerabilidade econômica e técnica do adquirente.
Do Recurso Especial e Da revaloração ou Reexame de Provas
O Recurso Especial – REsp é instrumento previsto nos arts. 541 e ss. do Código de Processo Civil, onde se observa a indicação de seus requisitos de admissibilidade.
Conceito célebre da sobredita peça recursal é o de que a mesma “trata-se de recurso extraordinário lato sensu, destinado, por previsão constitucional, a preservar a unidade e a autoridade do direito federal, sob a inspiração de que nele o interesse público, refletido na correta interpretação da lei, deve prevalecer sobre os interesses das partes. Ao lado do seu objetivo de ensejar o reexame da causa, avulta sua finalidade precípua, que é a defesa do direito federal e a uniformização da jurisprudência. Não se presta, entretanto, ao reexame de matéria de fato, nem representa terceira instância”[14].
Para o atendimento ao prequestionamento, “não basta que haja sido suscitada pela parte no curso do contraditório, preferentemente com expressa menção à norma de lei federal onde a mesma questão esteja regulamentada. É necessário, mais, que no aresto recorrido a matéria tenha sido decidida, e decidida manifestamente (não obstante se deva considerar prescindível a expressa menção ao artigo de lei)”. [15]
No que tange à discussão entre revaloração e reexame de provas, observa-se grande interesse prático e doutrinário, mormente porque é assunto inolvidável para que haja, de fato, apreciação merital da decisão recorrida.
Vale salientar, propedeuticamente, a vedação ao reexame de provas – e dos fatos – estampada na conhecida Súmula 7 do STJ, que determina que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
Nos dizeres de Vitor José de Mello Monteiro, a finalidade máxima deste entendimento sumular é “solucionar a tão propalada crise do Supremo, absurdamente assoberbado de feitos para julgar, o que impossibilitava o exercício da sua função político-social decorrente da posição de proeminência que ocupava, e ainda ocupa, em relação aos demais órgãos jurisdicionais”[16]
A impecável doutrina de Miguel Reale expõe que “em casos excepcionais, quando as questões de fato e de direito se achem estreita e essencialmente vinculadas, a tal ponto de uma exigir a outra, é sinal que existe algo a ser esclarecido em tese, sendo aconselhado o julgamento prévio no Tribunal, ou a admissão do Recurso Extraordinário”.[17]
Fatidicamente, observa-se que a distinção entre o reexame e a revaloração encontra-se no ponto em que aquele consiste na reobservância de documentos individualizados, na revisão de provas in concretu, ao passo que a revaloração não induz na apreciação de documentos específicos de determinado caso, mas na sagacidade de se decidir com base em provas abstratas, desvinculando-se das especificidades de cada caso e atendo-se à perfunctoriedade de auferir maior peso a uma prova abstrata.
A observância de alguns julgados esclarece ainda mais as alegações supra, de que a revaloração se dá de maneira genérica e não pormenorizada de acordo com as minúcias de um único caso.
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. REVISÃO DO VALOR. 1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”[18]
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO STJ. APOSENTADORIA RURAL. COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO EM QUE CONSTA A CONDIÇÃO DE RURÍCULA DO MARIDO DA AUTORA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. […] 2. Não se deve aplicar rigor excessivo na comprovação da atividade Não se deve aplicar rigor excessivo na comprovação da atividade rurícula, para fins de aposentadoria, sob pena de tornar-se infactível, em face das peculiaridades que envolvem o Trabalhador do campo. 3. O rol de documentos hábeis a comprovar o labor rural, elencados pelo art. 106, parágr. único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo. Precedentes do STJ. 4. Não sendo a prova material suficiente para comprovar o labor rural (no caso, a Certidão de Casamento em que consta a condição de trabalhador rural do marido da autora), deverá ser complementado por firme e idônea prova testemunhal, para que o trabalhador faça jus à aposentadoria, formalidade cumprida pelo recorrente, conforme analisado pelo Magistrado de 1ª instância. 5. Recurso Especial provido.”[19]
Em sucintas palavras, portanto, o reexame teria como fulcro a apreciação de uma dada prova, como o depoimento de uma dada testemunha contraditada que alegara a existência de um contrato de compra e venda verbal, enquanto a revaloração consistiria em consentir que depoimentos testemunhais são suficientes para justificar o reconhecimento de um contrato de compra e venda verbal.
Da Possibilidade de o STJ Reconhecer a Existência de Relação de Consumo em Sede de Recurso Especial
Ex positis, como síntese dos tópicos anteriores, resta ponderar acerca da possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça, quando da apreciação de Recurso Especial, determinar a incidência das normas consumeiristas a dada relação, reformando, desta maneira, a decisão do tribunal a quo.
No campo teórico, poder-se-ia concluir afirmativamente, de modo que não se mostra necessária a apreciação individual do thema probandum colhido na fase instrutória pelo STJ, mas a simples análise in abstrato do conjunto probatório, a qual, por conseguinte, ensejará em revaloração de sua importância e na derradeira reformação da decisão recorrida.
O tema, ainda em fase de amadurecimento no Tribunal Superior vem sendo realçado nos últimos anos. Enquanto parcela mais conservadora e legalista dos ministros componentes do STJ mantêm-se sob o argumento de que não se pode aplicar a teoria finalista aprofundada em sede de REsp porquanto haja o óbice da Súmula 7 do tribunal, outros, grupo ainda minoritário, vem observando a possibilidade de revalorar as provas e fazer valer a teoria mista aos litígios em que se vislumbrar vulnerabilidade.
Neste sentido, mostra-se pioneira a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que hodiernamente vem aplicando a teoria híbrida no julgamento de Recursos Especiais sob a bandeira da possibilidade de fazê-lo em virtude da revaloração da prova, afastando a aplicação da Súmula 7, destarte. Data venia, para transcrevermos alguns julgados que retratam esta nova tendência dos tribunais superiores.
“Processo civil e Consumidor. Rescisão contratual cumulada com indenização. Fabricante. Adquirente. Freteiro. Hipossuficiência. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Inversão do ônus probatório.
- Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto como destinatário final econômico, usufruindo do produto ou do serviço em beneficio próprio.
- Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática, técnica ou econômica.
- Nesta hipótese esta justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a concessão do benefício processual da inversão do ônus da prova.
Recurso especial provido”[20].
"Direito Processual Civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Ocorrência de saques indevidos de numerário depositado em conta poupança. Inversão do ônus da prova. Art. 6º, VIII, do CDC. Possibilidade. Hipossuficiência técnica reconhecida.
- O art. 6º, VIII, do CDC, com vistas a garantir o pleno exercício do direito de defesa do consumidor, estabelece que a inversão do ônus da prova será deferida quando a alegação por ele apresentada seja verossímil, ou quando constatada a sua hipossuficiência.
- Na hipótese, reconhecida a hipossuficiência técnica do consumidor, em ação que versa sobre a realização de saques não autorizados em contas bancárias, mostra-se imperiosa a inversão do ônus probatório.
- Diante da necessidade de permitir ao recorrido a produção de eventuais provas capazes de ilidir a pretensãoindenizatória do consumidor, deverão ser remetidos os autos à instância inicial, a fim de que oportunamente seja prolatada uma nova sentença.
Recurso especial provido para determinar a inversão do ônus da prova na espécie"[21].
Conclusão
Desta feita, mostra-se como justa e coerente a teoria finalista aprofundada, no que deveria ser aplicada pelos magistrados já no juízo originário. Em assim não se obrando, o STJ tem, aos poucos, decidido pela possibilidade de se modificar a decisão de mérito que julgara sem conceber a existência de uma relação de consumo entre as partes litigantes.
Muito embora ainda seja corrente minoritária de ministros que assim procedem, deve-se tomar nota da diferença entre a revaloração e o reexame das provas, tendo em vista que esta é vedada, de acordo com a Súmula 7 do STJ.
Ante a chance de se aferir as provas em sede de Recurso Especial – afastando, outrossim, o entendimento sumular retromencionado – então de se conceber a possibilidade da determinação de incidência do Código de Defesa do Consumidor entre as partes e a prolatação novo decisum.
Ademais, de se consignar ensinamentos do saudoso Rui Barbosa acerca do objetivo do juiz, “[...] se o juiz é intérprete da lei, porque não há julgar, sem interpretar, intérprete da lei é também o legislador, porque sem interpretar não há legislar. Toda lei se destina a vigorar o direito existente, a modificá-lo, a revogá-lo, ou a substituí-lo. Toda lei, pois, vem apoiar, alterar, abrogar, ou transformar outras leis”[22].
Bibliografia
ARAÚJO JÚNIOR, Marco Antônio, Direito do Consumidor, Parti I: Tutela Material do Consumidor, 1ª Ed., São Paulo, Premier Máxima, 2008.
BARBOSA, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa, Publicado pelo Ministério da Educação, 1942.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno, Rio de Janeiro, Forense, 2008.
MARQUES, Cláudia Lima, Manual de Direito do Consumidor, São Paulo, RT, 2009.
MONTEIRO, Vítor José de Mello, As novas reformas do CPC e de outras normas processuais, São Paulo, Saraiva, 2009.
NEGRÃO, Theotônio, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 37ª ed., Saraiva, 2005.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 1986.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça, RT, 653/8.
[1] Estudante do Curso de Direito – 7º Semestre – na Faculdade Paraíso do Ceará – FAP (e-mail: sergio_quezado@hotmail.com).
[2] Grifos nossos.
[3]“CONSTITUCIONAL”. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.”[3].
[4] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (g.n.)
[5] MARQUES, Cláudia Lima, Manual de Direito do Consumidor, São Paulo, RT, 2009, p. 71
[6] ARAÚJO JÚNIOR, Marco Antônio, Direito do Consumidor, Parti I: Tutela Material do Consumidor, 1ª Ed., São Paulo, Premier Máxima, 2008.
[7] STJ – 3ª Turma – AgRg no AI 1248314 – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 16.02.2012.
[8] MARQUES, Cláudia Lima, Manual de Direito do Consumidor, São Paulo, RT, 2009, p. 71.
[9] STJ – 3ª Turma – REsp 1080719 – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 10.02.2009.
[10] “No estado atual do nosso ordenamento, a pessoa jurídica está incluída no conceito de consumidor por expressa disposição de lei (CDC, art 2º, caput). A dificuldade da definição legal é a de que a qualidade de consumidor está vinculada à condição do adquirente do produto, a de destinatário final. A noção de destinatário final não é unívoca. Pode ser entendida como o uso que se dê ao produto adquirido. Sob esse viés seria consumidora a pessoa jurídica que utilizasse o produto para fins não econômicos. Isso poderia reduzir a proteção legal do consumidor a pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa. A doutrina e a jurisprudência, por isso, vêm ampliando a compreensão da expressão 'destinatário final' para aqueles que enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade.”
[11] “A Corte Superior de Justiça tem mitigado a adoção da teoria finalista, em casos excepcionais, desde que demonstrada a vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica do adquirente.” STJ – 3ª Turma – AgRg no AI 1248314 – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 16.02.2012.
[12] STJ – 3ª Turma – REsp 1010834 – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 03.08.2010.
[13] STJ – 4ª Turma – REsp 603763 – Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro – j. 20.04.2010.
[14] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça, RT, 653/8.
[15] CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 47.
[16] MONTEIRO, Vítor José de Mello, As novas reformas do CPC e de outras normas processuais, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 399.
[17] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 1986, p. 20.
[18] STJ – 4ª Turma – AgRg no AI 1266078 – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – j. 02.08.2011.
[19] STJ – 5ª Turma - REsp 980762 – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – j. 08.11.2007.
[20] STJ – 3ª Turma – REsp 1080719 – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 10.02.2009
[21] STJ – 3ª Turma – REsp 915599 – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 21.08.2008.
[22] BARBOSA, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa, Publicado pelo Ministério da Educação, 1942, p. 146.
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