O direito à igualdade sem o jaez da distinção entre indivíduos em razão do sexo, com direitos e obrigações equivalentes, é princípio constitucional de alta densidade, auto-executável, e alçado ao status cláusula pétrea. Inspirados em um dos vértices da revolução francesa, movimentos feministas conquistaram históricos avanços a partir do final da década de 60, podendo-se afirmar já nos primeiros passos deste século XXI que este discrímen não é mais generalizado no mundo ocidental.
Em face do direito fundamental timbrado há 22 anos no inciso I do artigo 5º da CF/88 (princípio da igualdade), até os dias atuais existem controvérsias quanto à constitucionalidade material do artigo 384 da CLT, este que concede somente ao gênero feminino o direito ao intervalo de 15 minutos antes do início da jornada extraordinária.
Em apertada síntese, os Tribunais da Justiça do Trabalho têm sido provocados ao pronunciamento se esta norma celetista foi recepcionada pela nova ordem constitucional, tanto quanto acerca de sua extensão. Três correntes se formaram, a saber:
1ª) O artigo nº 384 da CLT, editado antes da Constituição de 1988, por esta não foi recepcionado, pois estabelece manifesta distinção entre gêneros, ferindo o direito à igualdade de tratamento explicitado no artigo 5º, I, no capítulo de direitos e garantias fundamentais;
2ª) O artigo 384 da CLT foi recepcionado pela atual Constituição, porque é norma que visa à proteção à saúde e higiene do trabalho (norma de ordem pública), e em face do próprio princípio da igualdade / isonomia, é direito que deve ser estendido ao trabalhador do sexo masculino;
3ª) A norma celetista em questão foi recepcionada pela atual Constituição mas é vigente somente para a trabalhadora (sexo feminino), considerando sua peculiar fragilidade física quando submetida a esforço adicional em horas suplementares. Proclama a outra faceta da igualdade, que é tratar diferentemente os desiguais na medida de suas desigualdades, por isso topograficamente inserida na CLT no capítulo da Proteção ao Trabalho da Mulher.
Pois bem. Penso eu no meu modesto sentir que a melhor corrente é a primeira acima enumerada. E explico:
A segunda corrente me parece insustentável à medida que é regra comezinha no ordenamento pátrio que cláusulas e condições benéficas devem ser interpretadas restritivamente, ex vi o artigo 114 do Código Civil.
Já em relação à terceira corrente, entendo haver silencioso retrocesso até mesmo na própria avaliação da capacidade produtiva da mulher trabalhadora.
Hoje em dia, não pode ser ignorada a tendência mundial da capacidade produtiva, que cada vez mais se concentra no terceiro setor – o de prestação de serviços. A atividade industrial (setor secundário), centrada na automatização e na desvinculação da mão de obra operária, impulsiona o deslocamento da força de trabalho para o setor que exige maior qualificação, e conseqüentemente, menos dependência da força física em si.
Perceba a inversão de premissas: neste cenário, ao admitirmos que a mulher (e o homem não) precisa de 15 minutos de pausa para adentrar na jornada extraordinária, soa como se a mulher intelectualmente ressentisse de inferioridade peculiar ao gênero, quando na verdade o que se tem visto é justamente o contrário.
Soma-se a esses argumentos, que até mesmo a afirmação positiva pretendida através da via altruísta para com o “sexo frágil” pode gerar o efeito inverso, ou seja, a desigualdade. Pior do isso, sim, discriminação velada, à medida que em face deste benefício legal à mulher pode desencadear subjacente desinteresse dos empregadores pela mão de obra feminina, sujeitando-a ao tratamento justamente desigual no ato da contratação.
Em conclusão – e respeitando sólidos entendimentos contrários, parece razoável a primeira corrente, considerando que o artigo 384 da CLT teve sua razão de subsistir somente no contexto histórico de meados do século passado, quando a mão de obra era predominantemente operária e a força física regra geral fazia diferença na produtividade. Por estes motivos, no cenário atual da relação entre capital e trabalho este dispositivo não atende ao primado da igualdade de direitos e obrigações entre indivíduos de ambos os sexos, portanto não foi recepcionado pela CF/88.