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 Sala dos Doutrinadores - Monografias
Autoria:

Karllini Porphirio R. Dos Santos
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.

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Monografias Direito Penal

Violência de gênero na internet: pornografia de vingança e a responsabilização penal do agente

Monografia apresentada em junho de 2018, que aborda a pornografia de vingança, traçando um histórico sobre a violência de gênero, e o amparo legal dado às vítima, com enfoque na área penal.

Texto enviado ao JurisWay em 31/05/2019.

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INTRODUÇÃO

 

 

Nos últimos anos se tornou cada vez mais corriqueira a notícia de divulgação de imagens e vídeos íntimos de mulheres por ex-parceiros, na internet e em aplicativos de comunicação, como forma de vingança pelo término do relacionamento. Tal prática é denominada pornografia de vingança, tradução do termo em inglês revenge porn, e é mais uma espécie de violência de gênero. São vários os danos decorrentes dessa exposição, que afetam a vítima psicologicamente e socialmente. É assegurada a vítima a indenização por dano moral e material, porém não existe amparo no Direito Penal para a punição do agente.

Dessa forma, o problema encontrado é a forma como o agente que pratica a pornografia de vingança é punido, no âmbito penal, pela legislação brasileira. O objetivo geral do trabalho é apresentar os tipos penais utilizados atualmente para a responsabilização penal do agressor. A pesquisa se justifica pela prática ser uma clara violação ao direito a intimidade, previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal; pela divergência nas interpretações acerca do tema e, como já mencionado, pelo sofrimento intenso causado às vítimas.

O primeiro capítulo trata da questão da violência de gênero e porque a violência contra a mulher é também denominada dessa forma. Como a questão de gênero está relacionada a construção dos papéis do homem e da mulher na sociedade, há um apanhado histórico dessa formação, desde a Antiguidade até o cenário atual, passando pelas conquistas do movimento feminista e pelas mudanças legislativas, que passaram a dar mais garantias a mulher.

A pornografia de vingança é o tema do segundo capítulo, em que são abordadas a origem e sua classificação como violência de gênero. Para entender a dimensão dos danos causados por essa prática são apresentados alguns dos casos de maior repercussão midiática e que suscitaram as discussões sobre o tema.

Como a internet é o principal meio de divulgação do conteúdo íntimo, no terceiro capítulo são abordadas as duas principais leis recentes relacionadas, a Lei n. 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, a primeira a trazer garantias ao usuário dessa tecnologia, e a Lei n. 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que trouxe a responsabilidade aos invasores de dispositivos eletrônicos. Também foram abordadas a responsabilidade civil nos casos de pornografia de vingança e as medidas possíveis de serem adotadas para a exclusão do conteúdo, e alguns julgados exemplificativos.

O último capítulo aborda a responsabilidade penal do agente. A posição predominante é a adoção dos crimes contra a honra para os casos de pornografia de vingança, embora outros crimes possam incidir, como a ameaça. No entanto, para compreender as críticas existente a respeito, foram abordados os direitos fundamentais garantidos pelo art. 5º, X, da Constituição Federal, privacidade, intimidade e honra, e se a analogia, método de integração utilizado para que essa responsabilização ocorra, é adequado. Por fim, no decorrer do desenvolvimento desse trabalho ocorreu a aprovação do Projeto de Lei n. 5555/2013 pelo Senado Federal, que define a divulgação não consensual de imagens íntimas como crime, razão pela qual elencamos os principais projetos já apresentados.

Esse trabalho pretende, assim, colaborar para a discussão do tema e para a conscientização não apenas sobre como essa violação causa severos danos à vítima, mas também na forma como a sociedade perpetua, ainda que inconscientemente, a violência de gênero, que ganha novas espécies com a evolução tecnológica.

 


 

1 VIOLÊNCIA DE gÊNERO

 

Em comemoração aos dez anos de promulgação da Lei n. 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública definiu a violência contra a mulher como o tema principal do seu 10º Encontro Anual, realizado em 2016. No ano seguinte, divulgou o estudo “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, reunindo dados referentes ao assunto, obtidos por meio de entrevista com moradores de diversas cidades do país. Nele, 73% tiveram a percepção de que esse tipo de violência cresceu nos últimos dez anos, e 66% dos entrevistados afirmou ter presenciado alguma espécie de violência, física ou verbal, contra uma mulher apenas no último ano (FÓRUM, 2017).

Das mulheres entrevistadas, 70% afirmaram ter sofrido alguma agressão nos últimos doze meses, sendo o tipo de violência mais relatado a ofensa verbal, constituída de insultos, humilhação ou xingamento – como o assédio nas ruas. Apesar disso, mais da metade, 52%, não tomou providência alguma quanto ao fato (Idem, 2017).

Para entender o porquê de a violência contra a mulher ainda ser tão presente na nossa sociedade é preciso analisar a formação desse cenário, por meio do contexto histórico, e como foi construído o papel da mulher.

 

1.1 Por que violência de gênero?

 

Maria Islaine de Morais, de 31 anos, trabalhava em um salão de beleza em Belo Horizonte, Minas Gerais, quando seu ex-marido, Fábio Willian, entrou e atirou sete vezes contra ela. Pega de surpresa, sem possibilidade de reação, Maria não resistiu. Ameaçada diversas vezes de morte, havia registrado oito boletins de ocorrência e pedido proteção da polícia contra o ex, que, apesar da separação há mais de um ano, não aceitava o término do relacionamento (O GLOBO, 2018). Fábio foi condenado a 15 anos de prisão, e, em depoimento, afirmou que matou a ex-mulher por amor: “ ‘Eu era apaixonado, dediquei minha vida a ela, mas ela passou a não me corresponder e a me humilhar’, disse o réu, também durante seu julgamento” (ÚLTIMO SEGUNDO, 2018).

‘Marias’ são assassinadas todos os dias com essa mesma premissa: ciúmes, possessão, negação diante do término do relacionamento. Esses crimes estão relacionados ao papel da mulher na sociedade, a forma como ela é vista, sendo classificados assim como violência de gênero. Segundo Bandeira (2014), tal expressão começou a ser utilizada como sinônimo de violência contra a mulher em decorrência dos questionamentos e reinvindicações feitos pelo movimento feminista, que desde a década de 70 denunciava essa espécie de crime.

Apesar de estarem relacionados, gênero não significa sexo, são fenômenos diferentes. Pode-se fazer a seguinte distinção:

 

[...] 1. O sexo, que normalmente se refere a características físicas e biológicas dos corpos que, na nossa sociedade, são classificados em machos (associados aos homens), fêmeas (associados às mulheres) e intersex (antigamente chamados de hermafroditas). 2. O gênero, que se refere aos aspectos culturais, históricos e sociais de como se classificaram as pessoas a partir das diferenças percebidas entre os sexos (SCOTT, 1990) e que categoriza as pessoas como femininas ou masculinas (cisgêneros), transgêneros (trans-homem, trans-mulher) ou não binárias e que também se relaciona com o que tem sido chamado de ‘expressão’ ou ‘papel’ sexual, ou seja, como as pessoas performatizam ou representam seu gênero (WOLFF; SALDANHA, online, 2015).

 

Há ainda uma terceira categoria, a sexualidade ou orientação sexual, que não será abordada neste trabalho. Assim, o sexo se refere ao nosso sexo biológico, cujos extremos são o feminino e o masculino. O gênero, porém, é um conceito bem mais amplo, possuindo influência social e histórica.

Balestero e Gomes consideram o conceito de gênero uma categoria sociológica, justamente por estar ligado a maneira “em que as diferenças entre homens e mulheres são inseridas nas mais diversas sociedades ao longo do processo histórico evolutivo, não estando relacionado às assimetrias biológicas existente entre macho e fêmea” (1997, p. 46).

Também para Costa, Pontes e Nascimento (2017), essa espécie de violência resulta da construção histórica e cultural da nossa sociedade, que definiu que alguns membros da humanidade seriam superiores e outros inferiores, estabelecendo assim uma relação de hierarquia entre o homem e a mulher, sendo o comportamento de cada um moldado pelas relações entre as pessoas. Assim, a violência de gênero representa uma forma de manter esses papeis pré-estabelecidos, de garantir a continuidade da classe dominante, ou seja, essa classe faz uso da força e da coerção como meios de podar a autonomia do outro, desautorizando a conquista da liberdade.

Para demonstrar como essa cultura encontra-se arraigada em nossa sociedade, as autoras utilizam o seguinte exemplo: uma mãe que exige da filha a realização de atividades domésticas, porém dispensa o filho da mesma obrigação, por entender que tais tarefas são de responsabilidade da mulher. Se ela utilizar de força física ou psicológica para que a filha as realize incorrerá na violência de gênero, pois estará utilizando da violência para perpetuar um modo considerado socialmente aceito (e esperado) (Idem, 2017). Assim, apesar do sujeito agressor ser, na maioria das vezes, um homem, o caso serve para demonstrar que o ponto principal não é o agente, mas o motivo, a origem desse tipo de violência.

A violência de gênero direcionada as mulheres tem como pilares o patriarcado, que tem origem justamente na concepção que o homem é superior, e a posição de dominação simbólica masculina, embora existam outros elementos que contribuam para tal (BANDEIRA, 2014). Essa relação de poder se perpetua há tempos, conforme mostra a história, sendo essencial abordá-la, para o entendimento da questão.

 

1.2 A violência contra a mulher na história

 

Para Balestero e Gomes (1997), nos primórdios a mulher possuía prestígio perante os demais: como todos viviam em promiscuidade sexual, denominada por Bachofen de heterismo, não havia certeza em relação a paternidade, sendo a filiação, assim, determinada pela linhagem feminina. Eram, assim, respeitadas, “chegando, inclusive, ao domínio feminino absoluto (ginecocracia)” (Idem, 1997, p. 47). Foram destituídas, porém, de tal posição com a chegada da monogamia, em que passaram a ser exclusivamente de um parceiro, resguardando assim a paternidade dos eventuais filhos.

Seguindo a linha temporal, encontramos registros da violência contra a mulher desde a Antiguidade. Até mesmo a Bíblia, livro sagrado para os cristãos, traz passagens em que é evidente a distinção entre os gêneros. Apesar de Jesus Cristo enaltecer a mulher, o mesmo não se pode dizer de seu apóstolo, Paulo, que, na primeira Carta aos Coríntios, prega a submissão dela ao homem. Em Eclesiástico 25:26 “a mulher é tomada como ser ardiloso, afirmando-se que ‘toda malícia é leve, comparada com a malícia de uma mulher’” (GUIMARÃES; DRESCH, online, 2014).

Esse pensamento perdurou durante séculos, sendo inclusive defendida por teólogos e filósofos, como Tertuliano (aproximadamente 100 a 150 d.C.), ao afirmar “Mulher, tu és a porta do diabo. Foste tu que tocaste a árvore de satã e que, em primeiro lugar, violaste a lei divina” (DELUMEAU apud GUIMARÃES; DRESCH, online, 2014). Deu-se início, assim, a uma cultura patriarcal, em que a mulher é vista não apenas como um ser submisso, inferior, mas uma propriedade do homem.

Uma das diferenciações históricas apontada no tratamento dado a mulher e ao homem se refere a infidelidade conjugal. O homem, conforme defendia Engels, teria esse direito, até por já ser um costume, enquanto para a mulher restaria alguma punição – ou seja, o mesmo fato poderia significar uma honra para um e um crime para outro. No Código Napoleônico, por exemplo, a mulher adúltera poderia ser punida com prisão, de três meses a dois anos; o homem, uma multa de pequeno valor (BALESTERO; GOMES, 1997).

Conforme Del Priore (2013), essa distinção de tratamento ocorria também na legislação lusa e na sociedade colonial, quando do assassinato de cônjuge por adultério. O homem que cometesse esse crime não sofria punição alguma, pois a defesa de sua honra estava assegurada na legislação da época, as Ordenações Filipinas. Quando não mortas, uma alternativa para as adúlteras era a internação em convento. Para as mulheres que cometessem o crime, no entanto, não havia a menor possibilidade de ser desculpada.

Para la Barre (apud Beauvoir, 2016), essa distinção resulta justamente por serem os homens os autores e compiladores das leis, sendo posteriormente convertidas em princípios, favorecendo assim seu próprio sexo, em detrimento do outro.

Um dos aspectos ligados inerentemente a mulher é a reprodução, estando todo o exercício de sua sexualidade destinado a esse fim. Assim, “toda e qualquer escolha ou atitude de cunho sexual que destoasse da finalidade de ‘procriação’ tornava a figura feminina um ser desvirtuado, desonesto, sem valor” (LELIS; CAVALCANTE, 2016). A vida sexual da mulher estaria, dessa forma, restrita ao matrimônio, e tomar qualquer atitude contrária aos chamados bons costumes era considerado um erro grave, que poderia inclusive torna-la uma pária na sociedade.

Mesmo essa função reprodutiva era distorcida. Antes da evolução da embriologia e de trabalhos médicos relevantes para a compreensão do sistema reprodutor, a mulher já possuía o estigma de ser inferior, cuja obrigação de obediência e servidão no casamento tinha como respaldo a opinião dos médicos. Eles consideravam que, “por ter ossos, cartilagens, ligamentos e fibras mais frágeis”, a mãe era apenas a responsável pela guarda do ovo, como os ovíparos. Até mesmo o filósofo Voltaire assim entendia, ao afirmar que “a mulher ‘não passava de uma galinha branca na Europa e preta, na África’” (DEL PRIORE, 2013, p. 114).

Essa visão, decorrente do advento do patriarcado, traz, assim, mais um papel atribuído a mulher, o de mera mantenedora na procriação, sendo sua função apenas carregar e alimentar a semente daquele que é o único criador, o pai (BEAUVOIR, 2016).

Outro aspecto a ser considerado é a relação entre a mulher e o lar, e o modo como deve se porta fora dele. Para Del Priore (2013), dentro de casa a mulher poderia ter algum poder, ainda que informalmente, mas fora dela seu papel devia ser complemente diferente: até mesmo estabelecer uma conversa com um homem era motivo de desconfiança, “estar fora depois das Ave-Marias era sinônimo de se prostituir”. Isso apenas aumentava a distinção entre as mulheres “de casa”, geralmente casadas, com as da rua, trabalhadoras, independentemente de seu estado civil.

A Igreja exercia também forte influência na forma como a mulher devia se comportar e agir na sociedade. A perda da honra era inadmissível, e a pressão social era tão grande que levava até ao suicídio; mesmo as viúvas deviam se manter castas após o falecimento do marido, em respeito à sua memória (Idem, 2013, p. 45). Essa exigência da “pureza” feminina encontrava reflexo na legislação da época: o Código Penal de 1890 previa a “anulação do casamento se o homem constatasse que a mulher já não era mais virgem”, e as relações sexuais dentro do matrimônio eram um direito do marido, que poderia inclusive utilizar de violência para realiza-las (Ibidem, 2013, p. 56). Ou seja, o homem casado possuía pleno domínio do corpo e da vida de sua esposa, e as mulheres solteiras deveriam seguir as regras impostas pela sociedade se quisessem nela permanecer.

O passar do tempo apenas acentuou essas distinções entre gêneros. Enquanto as mulheres permaneciam submissas, incapazes de realizar atividades por livre vontade sem serem condenadas socialmente, o homem continuava no controle, sendo a violência uma consequência:

 

Por essa razão, diz-se que a cultura de violência contra a mulher é inerente ao comportamento humano, vez que se trata de expressão cultural que ultrapassa gerações, renovando-se de forma diversificada com o passar dos anos. A barreira histórica dos séculos não impediu a sua propagação (LELIS; CAVALCANTE, online, 2016).

 

Assim, a construção dos papeis de cada gênero, em que a mulheres caberia um papel e ao homem, outro, apenas serviu para a perpetuação desse tipo de violência. Cada nova geração repassava os conceitos e comportamentos pré-determinados, agravando a situação.

Para Bordieu (apud BALESTERO; GOMES, 1997), há um poder simbólico envolvendo a construção estrutural dos papeis – homens aprendem sobre o funcionamento da dominação masculina, mulheres absorvem essa relação, e o ciclo se repete indefinidamente. O comportamento feminino, mesmo inconsciente, dessa forma, apenas ratifica sua submissão.

Estado, igreja e escola apenas contribuíram para a perpetuação desse cenário. A primeira noção dessa dominação ocorre na própria família, onde a divisão de tarefas é realizada utilizando concepções de gênero – afinal, historicamente, tal atividade foi atribuída a mulher. A igreja, como visto, contribuiu para a inferiorização da mulher, ao condenar determinadas práticas, como costumes, roupas e comportamentos. A escola por muito tempo transmitiu essas ideias, propagando os modelos masculino e feminino – a educação, aliás, no início era privilégio dos homens. O Estado, por fim, assumiu uma postura paternalista em alguns países, ressaltando o papel do homem em detrimento da mulher (Idem, 1997).

Esse cenário de submissão e violência contra a mulher começou a mudar após a Revolução Francesa, com o surgimento do movimento feminista, que defendiam a extensão dos direitos recém-conquistados a ambos os sexos, uma vez que seriam direitos naturais tanto de homens quanto de mulheres. As transformações decorrentes, no entanto, não significaram uma mudança efetiva no papel da mulher, mas apenas um acréscimo aos já existentes: a mulher passa agora a ser dona de casa, mãe e empregada assalariada (BALESTERO; GOMES, 1997).

Na segunda metade do século XIX, a principal reivindicação do movimento feminista era o voto para as mulheres, recebendo, por esse motivo, também o nome de sufragismo (WOLFF; SALDANHA, 2015). O movimento reuniu mulheres de vários países, inclusive o Brasil, em uma tentativa de garantir a elas maior participação política. Foram diversas manifestações, passeatas, artigos na imprensa, até que o direito fosse a elas estendido.

Não obstante, entrava em vigor, então, o Código Civil de 1916. Nele a mulher casada era considerada incapaz, sendo seu marido seu representante legal, cabendo a ele autorizar, previamente, possível litígio “em juízo civil ou comercial, exercer profissão, aceitar mandato, aceitar herança ou contrair obrigações” (DEL PRIORE, 2013, p. 62). Cabia também ao homem a administração dos bens comuns do casal e os particulares da mulher, tornando-a totalmente dependente.

No Brasil, as mulheres tiveram o direito a escolaridade superior garantido apenas em 1879. O direito ao voto, ou sufrágio, em 1932. E em 1962 outra mudança significativa: a Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962, popularmente conhecida como Estatuto da Mulher Casada, alterou o Código Civil, permitindo as mulheres o trabalho externo sem a autorização expressa do marido, a possibilidade de receber herança e o requerimento da guarda dos filhos em caso de separação (COSTA; PONTES; NASCIMENTO, 2017). Dessa forma, o ordenamento jurídico deixa de considerar a mulher incapaz e garante a ela algumas liberdades até então inéditas.

Outra pauta do feminismo era a educação. No decorrer da primeira metade do século XX as mulheres enfim tiveram acesso a carreiras antes interditadas a elas, como medicina e direito. Após a importante participação feminina na Segunda Guerra Mundial, as reivindicações do movimento foram ampliadas, surgindo, na década de 1960, um feminismo de segunda onda. Uma das maiores conquistas dessa onda foi a pílula anticoncepcional, que garantiu as mulheres autonomia sobre seu corpo (GOMES, 2014), permitindo uma revolução na vida sexual, pois agora, além de decidir sobre uma possível gravidez, podiam se permitir uma maior liberdade nos relacionamentos.

Nessa fase, o feminismo também estava preocupado em garantir igualdade salarial, reconhecendo assim seu esforço no trabalho, e a mencionada autonomia sobre o próprio corpo, com os motes “o privado é político”, pois havia a ideia de que os problemas vivenciados no relacionamento eram restritos ao casal, e “nosso corpo nos pertence” (WOLFF; SALDANHA, 2015). Essas frases estavam diretamente relacionadas a violência doméstica contra a mulher, pois, apesar do crescente ganho de direitos, ainda prevalecia o papel destinado a elas no decorrer da história, com o homem exercendo papel de poder, principalmente dentro de casa.

Como demonstração desse histórico, temos o caso do assassinato de Ângela Diniz, em 1979, pelo seu então companheiro, Doca Street. Segundo Grossi, essa foi a primeira vez em que ocorreram “manifestações contra a impunidade em casos de assassinatos de mulheres por seus maridos” (online, 1994), pois a defesa utilizou argumentos que feriam a honra da vítima, como “ter vida desregrada”, “mulher de vida fácil”, entre outros, o que resultou na aplicação de uma pena mínima, de dois anos, permitido o sursis.

Tem-se, aqui, um reflexo do assassinato da mulher como uma defesa da honra, tal como acontecia em tempos anteriores, em que o homem recebia proteção legislativa, conforme já exposto. Para Corrêa (apud BANDEIRA, 2014), essa é uma característica marcante da violência contra a mulher na América Latina: aqui ela é perpetuada por maridos ou companheiros, enquanto, por exemplo, nos países islâmicos essa questão da honra está relacionada a família de origem, ou seja, os assassinatos são geralmente cometidos por parentes consanguíneos.

A Organização das Nações Unidas realizou, em 1975, a I Conferência Mundial sobre a Mulher, na cidade do México, definindo esse ano como o Ano Internacional da Mulher e a década que se estendia a 1985 como a Década das Nações Unidas para a Mulher. Dessa Conferência resultou a Convenção da Mulher, que entrou em vigor em 1981, sendo aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional em 1994 e promulgada pelo Presidente da República como o Decreto n 4.377/2002 (LIMA, 2016).

A Convenção tinha como uma de suas previsões a adoção de ações afirmativas, “programas e políticas especiais e temporárias que buscam reduzir ou minimizar os efeitos intoleráveis da discriminação em razão de gênero, raça, sexo, religião, deficiência física, ou outro fator de desigualdade” (Idem, 2016, p. 898). Ou seja, tais ações ajudariam na redução das desigualdades existentes entre homens e mulheres, construídas em séculos de dominação masculina, de forma mais imediata, além de garantir a efetivação do disposto no art. 5º, I, da Constituição Federal: “homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2018).

As Conferências seguintes acrescentaram novas preocupações às já existentes, como saúde, emprego, educação. Por fim, em 1993, na Conferência de Direitos Humanos das Nações Unidas, realizada na cidade de Viena, na Áustria, houve enfim o reconhecimento da violência contra a mulher como uma violação aos direitos humanos. No âmbito regional, em 1994, durante a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, foi criada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará, que posteriormente foi transformada no Decreto n. 1.973/1996. Essa Convenção trazia a violência contra a mulher sob a perspectiva da saúde pública (LIMA, 2016).

Tais avanços integram o chamado processo de especificação do sujeito de direito, em que o sistema geral de proteção aos direitos humanos passa a conviver com um específico, que busca a proteção especial e particular de determinados grupos, em razão de sua vulnerabilidade, aqui inclusos mulheres e crianças, entre outros (Idem, 2016).

As manifestações feministas resultaram, ainda, na criação de diversos programas de apoio a mulher, como o SOS Mulher, os Serviços de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, entre outros (ARAÚJO, 2008). Resultou também na Comissão Violência contra a Mulher, que tem entre suas primeiras atuações a manifestação de apoio a cinco recepcionistas, demitidas após denunciarem o assédio sexual por parte de um editor do Jornal do Brasil (GROSSI, 1994).

Entre as principais inovações decorrentes do movimento está a criação das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher, que foram inclusive adotadas por outros países da América Latina. Essa medida foi necessária diante do descaso e humilhação a que eram submetidas quando do atendimento nas delegacias, fazendo com que, em muitas vezes, as mulheres desistissem de fazer o boletim de ocorrência. Havia um pré-conceito dentre os policiais de que a mulher era a responsável por provocar a agressão, ou que esse assunto pertencia a vida privada, não sendo o Estado responsável por solucionar o problema, ou intervir minimamente na questão (BANDEIRA, 2014).

Tal visão estava também arraigada nas mulheres. No atendimento prestado pelos SOS Mulher de São Paulo e Porto Alegre, conforme aponta estudo realizado, as mulheres buscavam apenas amparo contra novas agressões, não desejavam se separar dos cônjuges. A Delegacia da Mulher, assim, em um primeiro momento, assumiu um papel de “escuta” dos problemas afetivos e conjugais, de assistencialista (GROSSI, 1994).

As ações feministas resultaram também na discussão do tema na mídia. A Rede Globo exibiu, em 1982, uma minissérie com 20 capítulos, cujo assunto era a violência contra a mulher (BANDEIRA, 2014). Todo esse conjunto de ações, porém, não foi suficiente para reduzir o problema, de forma que, em 1990, a Organização Mundial de Saúde passa a reconhecer a violência contra a mulher como um problema de saúde pública, exigindo do Estado a adoção de medidas que visem sua coibição, por gerar consequências, físicas e psicológicas, não apenas para a mulher, mas também a seus filhos e familiares (ARAÚJO, 2008).

Nessa mesma época eram criadas as Casas Abrigo, que acolhiam as mulheres vítimas de violência, principalmente as de natureza sexual, e as que corriam risco eminente de morte (BANDEIRA, 2014). Faltava, no entanto, amparo normativo para garantir maior eficácia a essas medidas, e maior proteção as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Segundo Calazans e Cortes (2014), entre as escassas alterações legislativas no Direito Penal referentes ao assunto está a revogação, em 1997, do artigo 35 do Código de Processo Penal, que impedia a mulher casada de registrar queixa sem o consentimento do marido, exceto quando estivesse dele separada ou quando a queixa fosse contra ele. Nesse último caso, porém, não havia qualquer proteção para a mulher: como denunciar o companheiro, principalmente se habitassem a mesma residência? Que medidas seriam tomadas contra ele, para evitar que novas agressões ocorressem?

No final de 2003 o Presidente da República sancionou a Lei n. 10.778, determinando a notificação compulsória de casos de violência contra a mulher quando atendida em unidade de saúde pública ou privada. Em 2011 a lei foi retificada pela Portaria n. 104 do Ministério da Saúde, que incluiu no rol das notificações casos de estupro e agressão física contra mulheres (BANDEIRA, 2014).

Antes disso, nos anos 2000 diversos projetos de lei foram apresentados, a maioria alterando o Código Penal. Os crimes relacionados a violência doméstica, no entanto, tramitavam, desde o advento da Lei n. 9.099/1995, nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, este último tendo o objetivo de julgar crimes com menor potencial ofensivo. Conforme Calazans e Cortes, 70% dos casos que chegavam aos JECRIMs tinham como autor mulheres vítimas desse tipo de violência, e 90% desses casos “terminavam em arquivamento nas audiências de conciliação sem que as mulheres encontrassem uma resposta efetiva do poder público à violência sofrida” (online, 2014). Os poucos agressores condenados recebiam como pena o pagamento de cesta básica a alguma instituição filantrópica. A proteção do Estado, logo, era ineficaz e não garantia sequer a responsabilização do companheiro.

Diante desse cenário, seis organizações não-governamentais, em conjunto com juristas e feministas especializadas no assunto, formaram, em 2002, um consórcio com o objetivo de elaborar a minuta de um anteprojeto que contribuísse realmente para a erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher. Os resultados foram expostos em 2003, mas, por conter medidas que necessitavam da criação de despesas, concluiu-se que a melhor opção seria o Poder Executivo apresentar o projeto (Idem, 2014).

O próprio projeto de lei decorrente desse estudo sofreu com a incompreensão do problema. Por exemplo, houve resistência em retirar a matéria da competência dos Juizados Especiais: a intenção do Consórcio era tratar a violência doméstica como caso de violação aos direitos humanos, portanto, incompatíveis com os Juizados. Outro ponto de divergência foi a inclusão de um tratamento para os agressores, com um espaço para que eles pudessem refletir sua conduta e discutir os papeis de cada gênero, de forma a evitar a reincidência (Ibidem, 2014). As duas propostas foram, durante a tramitação do Projeto de Lei pela Câmara dos Deputados, incluídas, junto com a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Outra importante inovação do PL foi o reconhecimento do dano moral contra a mulher. Trata-se de mais uma violência decorrente do gênero, envolvendo uma agressão emocional, que não depende, todavia, de ofensa verbal explícita, podendo se concretizar também por meio de gestos e atitudes. São exemplos desse tipo de violência a humilhação, ridicularização, suspeitas, desqualificação e desvalorização da mulher como pessoa, ou qualquer atitude semelhante que causa abalo psicológico a mulher (BANDEIRA, 2014).

A Lei n. 11.340 foi sancionada pelo Presidente da República em 7 de agosto de 2006, embora a intenção fosse sua aprovação no Dia Internacional das Mulheres, 8 de março. Foi amplamente debatida com a sociedade, recebendo sugestões e críticas durante sua tramitação enquanto projeto de lei. Essa sanção também serviu como atendimento as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH referentes ao caso Maria da Penha Maia Fernandes, sendo ela escolhida para nomear a lei (CALAZANS; CORTES, 2016).

Maria da Penha foi uma dentre tantas as vítimas de violência doméstica. Ficou paraplégica após levar um tiro nas costas, enquanto dormia, dado pelo marido à época, Marco Antonio Heradia, que, apesar de julgado e condenado por duas vezes, permaneceu em liberdade devido a interposição de inúmeros recursos. Resolveu, então, denunciar o Brasil perante a CIDH, sendo o país condenado “pela tolerância e omissão estatal, com que de maneira sistemática, eram tratados pela justiça brasileira, os casos de violência contra a mulher” (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018). A Lei n. 11.340, dessa forma, atendeu a recomendação de criação de uma lei específica para o combate da violência contra a mulher, além da indenização monetária devida a Maria da Penha (CALAZANS; CORTES, 2016).

A Lei ainda passou ainda por diversos questionamentos, sendo até mesmo objeto de ação perante o Supremo Tribunal Federal (STF), que precisou declarar sua constitucionalidade em 12 de fevereiro de 2012, determinando assim seu uso jurídico (BANDEIRA, 2014).

Apesar da proteção legislativa, ratificada pela entrada em vigor da Lei n. 11.340, a violência de gênero ainda persiste. Para Araújo, apesar de algumas mulheres reagiram e denunciarem seu agressor, algumas se submetem a violência, na esperança de que ele se transforme e a situação mude. No entanto, a exposição contínua “anula a auto-estima e a capacidade de pensar e reagir” (online, 2008), banaliza a situação e torna cada mais vez mais difícil para a vítima sair desse ciclo.

Bandeira (2014) corrobora os argumentos da autora, ao dizer que esses sentimentos, de mudança de comportamento do agressor, de medo de perder a guarda dos filhos, medo de novas agressões e do julgamento da família e da sociedade são apreendidos culturalmente. Assim, a situação abrange também uma questão sociológica, uma vez que a violência contra mulheres não é apenas um desvio individual, mas uma “permissão social”, “apreendida no decorrer dos processos primários de civilização e deslocada para a esfera da sociedade em momentos secundários da socialização” (Idem, online, 2014). Logo, é preciso uma mudança não apenas no campo normativo, mas também na forma como a mulher é vista na sociedade, de forma a reduzir significativamente a violência contra elas.

 

1.3 Cenário atual

 

            A Organização das Nações estima que cerca de 70% das mulheres brasileiras sofram, em algum momento da vida, algum tipo de violência, sendo praticada, na maioria das vezes, pelo parceiro íntimo. A relação de conjugabilidade ou afetividade entre os envolvidos, aliás, é elencada como uma das características que diferenciam a violência contra a mulher dos demais tipos, sendo as outras a habituabilidade e a hierarquia de gênero (GUIMARÃES; DRESCH, 2014), essa última relacionada justamente a construção social do papel da mulher.

As mudanças e conquistas femininas não foram suficientes para modificar a principal causa da violência de gênero, justamente sua inferiorização perante o homem. Sua vida sexual ainda é cercada de tabus e qualquer tentativa de contrariar sua idealização ainda é malvista perante a sociedade. A jornalista Nádia Lapa resolveu, por exemplo, expor seus relacionamentos íntimos no blog “100 homens”, mas desistiu após receber inúmeros comentários ofensivos, entrando em depressão. As celebridades que abordam demais o assunto incorrem no mesmo problema, situação que se agrava se forem mães. Frases como “mulher que transa no primeiro encontro ainda sofre julgamento”, “ela é fácil, deve ser galinha” são ainda comuns, como se não existisse distinção entre vulgaridade e liberdade (DEL PRIORE, 2013).

A violência contra as mulheres está tão intrínseca na sociedade que até mesmo atos de conscientização sofrem rejeição. No Carnaval de 2017, por exemplo, mulheres que participavam da campanha Carnaval sem Preconceito, de uma entidade carioca, distribuindo folhetos contra o assédio nos blocos, precisaram ser substituídas por homens, após sofrerem violência verbal e física. Na mesma época, entre os dias 26 de fevereiro e 1º de março, a Polícia Militar do estado registrou, por meio do 190, 2.154 chamadas para atender casos de violência contra mulheres, o que representa uma agressão a cada três minutos (FÓRUM, 2017).

Segundo dados do Governo Brasil (2017), o Brasil ocupa a 5ª posição em assassinato de mulheres, em uma relação de 83 países analisados, e mais de 40% das mulheres já sofreram, em algum momento, violência doméstica.

A taxa de homicídios cresceu no período entre os anos de 2003 e 2013 em 8,8%. Existe ainda uma outra questão social presente na discussão, o fato de as mulheres negras serem mais assediadas que as brancas: “43% das mulheres negras relataram ter vivenciado situações de assédio na rua, transporte público, ambiente de trabalho ou festas, e, entre mulheres brancas, de 35%” (FÓRUM, 2017).

Em 2016 o Instituto Avon divulgou a pesquisa O papel do homem na desconstrução do machismo, apresentando dados relativos ao comportamento, principalmente dos homens, frente a violência contra as mulheres. Entre os dados apresentados pode-se constatar outro aspecto desse tipo de violência: a culpabilização da vítima. 27% dos entrevistados acreditam que a mulher pode ter culpa por ter sido estuprada. Questionamentos sobre a atitude da vítima, como se ela tivesse responsabilidade, fazem com que muitas desistam de registrar o crime, não apenas pelo trauma sofrido, mas também pelo medo do julgamento da sociedade.

Sobre a violência doméstica, 78% não interferem em briga de casal ou interferem apenas quando há algum tipo de violência extrema. Persiste, dessa forma, a ideia de que esse tipo de violência é um assunto exclusivo do casal, no qual a sociedade não pode ou deve participar. Há também uma desvalorização e distorção do movimento feminista, visto como ultrapassado para 32% dos entrevistados, como o contrário do machismo para 55%.

Por fim, o Instituto Avon (2016) levanta a violência de gênero praticada em meios digitais: 61% consideram que a mulher tem culpa quando se deixa fotografar quando um homem compartilha suas imagens sem autorização, e apenas 43% se opõe nos grupos do aplicativo de conversa instantânea WhatsApp quando um dos membros compartilha fotos de mulheres nuas. Essa nova modalidade de violência, cada vez mais comum em um mundo cercado de tecnologia, é conhecida como pornografia de vingança.

 


 

2 Pornografia de vingança

 

            Dentre essas novas modalidades de violência de gênero se encontra a pornografia de vingança, tradução do termo em inglês reveng porn. Segundo Lelis e Cavalcante (2016), trata-se da prática de divulgação de conteúdos audiovisuais, como fotos e vídeos, sem a permissão da vítima, que a exponham em momentos de intimidade - em situações de sexo ou nudez. Tais conteúdos podem ser obtidos sem o seu consentimento, mas também feitos em conjunto com o parceiro, de forma consensual, já que a “vingança” do nome se refere ao fato de que o agressor é, na maioria das vezes, alguém com quem a vítima possuía algum relacionamento, sendo essa divulgação uma forma de constrange-la publicamente.

A pornografia de vingança também é conhecida como pornografia de revanche, pornografia não consentida, vingança pornográfica, entre outros termos, embora nem todos traduzam de forma adequada o problema. Valente, Neris, Ruiz e Bulgarelli (2016) utilizam a expressão disseminação não consensual de imagens íntimas, tradução do termo em inglês non consensual intimate images, adotada por ativista e acadêmicos da língua inglesa. Para eles, conforme entrevistas com especialistas, o termo “pornografia de vingança” já acarretaria em si uma condenação da mulher, pela associação feita entre a palavra pornografia a algo imoral, e a vingança, como se ela tivesse de alguma forma dado motivo para tal.

Já para Franks (apud SILVA; PINHEIRO, 2017), essa restrição não existe, e o termo pornografia de vingança é cabível em variadas motivações, desde a vingança pelo término do relacionamento até mesmo a invasão de dispositivos eletrônicos por hackers, com o intuito de extorquir a vítima.

O termo sexting também é encontrado com frequência relacionado ao tema, mas se trata de um fenômeno distinto, mais abrangente: é a junção dos termos sex e texting, sexo e envio de mensagens. Adolescentes e jovens usam diversos meios para produzir e enviar fotos sensuais, podendo ou não envolver nudez, e também enviam mensagens de texto com conteúdo erótico com insinuações para o destinatário, podendo ser ele já um namorado ou apenas um pretendente (GOMES, 2014).

Como a maior da parte da bibliografia, notícias e mesmo jurisprudência consultadas utilizam a expressão pornografia de vingança, será essa a denominação utilizada no decorrer do trabalho.

 

2.1 Histórico da pornografia de vingança

 

Apesar de ter se tornada mais comum com o acesso à internet e a aplicativos de comunicação instantânea, o primeiro caso registrado de pornografia de vingança ocorreu em 1980, nos Estados Unidos. Durante um acampamento, o casal LaJuan e Billy Wood tirou algumas fotografias dos dois nus, e, ao voltar para casa, guardou o material em um quarto, que julgavam seguro, para que ninguém tivesse acesso. Steve Simpson, no entanto, invadiu o apartamento dos vizinhos e amigos e encontrou as imagens. Decidiu, então, enviar as fotos de LaJuan nua para a revista Beaver Hunt, parte do conglomerado Hustler, especializado em revistas pornográficas para o sexo masculino, conforme destaca Gomes:

 

A revista era composta, basicamente, por fotos de ‘modelos não profissionais’ enviadas por leitores. Para a publicação do material, era preciso preencher uma ficha, na qual Simpson colocou informações falsas sobre a vida e até mesmo sobre preferências sexuais de LaJuan. No entanto, ao informar o telefone da vítima, indicou o número verdadeiro, fazendo com que, após a publicação da revista, ela fosse alvo de inúmeras ligações de cunho assediador (GOMES, 2014).

 

            Assim, em um primeiro momento, não havia a principal característica atual da pornografia de vingança, a exposição da vítima como forma de retaliação ao término de um relacionamento. Essa peculiaridade apareceu apenas em 2000, quando o pesquisador italiano Sergio Messina, ao investigar grupos de fóruns da UseNet, percebeu que usuários dessa rede realizavam o que denominavam de realcore, o compartilhamento de material audiovisual de ex-namorados em situação íntima (LELIS, CAVALCANTE, 2016).

Seguindo a cronologia, em 2007 o termo revenge porn passou a constar no Urban Dictionary, dicionário dos Estados Unidos. Logo após, em 2008, o portal XTube, que possuía conteúdo pornográfico de todo o mundo, anunciou que recebia “de duas a três reclamações semanais de mulheres que viram ali sua intimidade exposta sem autorização” (GOMES, 2014). A notícia serviu apenas para que fossem criadas páginas específicas para o compartilhamento de imagens de ex-parceiras[1].

            Em 2010 ocorre a primeira prisão decorrente da prática da pornografia de vingança, na Nova Zelândia. Joshua Ashby, de 20 anos, foi condenado por usar o perfil em rede social da namorada para divulgar fotos dela desnuda e alterar a senha de acesso para que ela não tivesse como visualizar ou excluir as imagens. A pena estabelecida foi de prisão, por quatro meses pela divulgação da imagem em si, em um local em que milhões de pessoas poderiam ter acesso, e seis meses por coagir “a vítima através de mensagens de texto com conteúdo insultuoso” (LELIS; CAVALCANTE, online, 2014).

            Ainda em 2010 houve outro caso de propagação da pornografia de vingança, dessa vez na Califórnia, Estados Unidos. Hunter Moore criou um site, www.IsAnyoneUp.com, que permitia a outras pessoas divulgarem material pornográfico, com o objetivo de se vingarem de ex-parceiros, vinculando as imagens, inclusive, ao perfil da vítima na rede social Facebook. O criador conseguiu 30 milhões de visualizações e lucro de dez mil dólares por mês. Anônimas, atrizes, cantoras famosas e até mesmo mulheres com deficiência foram expostas no site, que tinha a média de 30 publicações diárias. Apenas em 2012 Moore retirou o conteúdo do ar, sendo preso em janeiro de 2014 (GOMES, 2014).

            Moore foi condenado pela juíza distrital Dolly Gee a dois anos e meio de prisão, sendo submetido a avaliações de saúde mental, seguidos de três anos de liberdade supervisionada, mais uma multa de US$ 2.000. A condenação, no entanto, não foi devido a pornografia de vingança em si, mas a invasão ilegal de contas de e-mail para obter fotos de nudez. Charles Evens, um hacker, que realizou as invasões e posteriormente vendeu as fotos para Moore, foi condenado a 25 meses de prisão e multa de US$ 2.000. Em outubro de 2013 o estado da Califórnia tipificou a pornografia de vingança como crime. Noe Iniguez foi o primeiro a ser condenado com base na nova lei, em dezembro de 2014, a um ano de prisão, por postar uma foto nua de sua ex na página do Facebook do empregador dela (THE WASHINGTON POST, 2015).

Até 2014, os únicos a terem alguma legislação sobre o tema eram Nova Jersey e Califórnia, porém a forma como o crime é tratado é totalmente diferente. Enquanto Nova Jersey prevê pena de prisão de três a cinco anos para aquele que incorrer no ato de observar, gravar ou divulgar imagens sexuais não consentidas, tratando esses atos como uma forma de crueldade, Califórnia estabeleceu pena menor, de até seis meses de prisão e mil dólares de multa. Impôs, ainda, a prova de que a vítima sofreu danos emocionais decorrentes do crime, bem como a demonstração de que não havia autorização para divulgação das imagens, devendo o material permanecer confidencial (GUIMARÃES; DRESCH, 2014). Percebe-se aqui uma correlação entre o sentimento de culpabilidade imposto pela sociedade a vítima de violência de gênero, como já exposto, e a Lei da Califórnia: a exposição da vida íntima da mulher, a violação de sua privacidade não são suficientes para caracterizar o crime, ela precisa também fazer prova dos danos sofridos para conseguir alguma punição para o agente.

Ainda nos Estados Unidos, um dos casos mais recentes, com ampla repercussão, foi o da professora da CUNY Spring Chenoa Cooper, de 37 anos, que teve imagens explícitas e vídeos postados pelo ex-namorado, o comediante Ryan Broems, de 31 anos, junto com uma captura de tela de sua página online como docente. Eles se separaram após um ano de relacionamento, quando Cooper descobriu as traições do companheiro. Broems passou então a assediá-la nas redes sociais, primeiro enviando vídeos dele próprio e após, com a rejeição de Cooper, dela, associando-os aos seus perfis, inclusive o profissional e do Facebook. A perseguição constante, a exposição e o medo de prejudicar sua carreira fizeram com que a professora procurasse a justiça, obtendo uma ordem de proteção (NEW YORK POST, 2018).

O assédio, no entanto, não parou, e ela conseguiu a prisão de Broems, acusado de seis contravenções. Infelizmente isso não foi suficiente. Com a exposição gerada, ela passou a ser perseguida por estranhos, que a contatavam pelo telefone comercial, e-mail e Facebook, com comentários rudes e ameaças de continuar espalhando suas imagens caso ela se negasse a fazer o que desejavam. Broems foi então preso uma segunda vez, respondendo a um segundo conjunto de acusações. No total foram onze imagens e seis vídeos íntimos divulgados pelo ex (Idem, 2018).

O caso de Cooper é emblemático porque é a primeira ação civil sobre pornografia de vingança baseada na lei de Nova York, que tenta punir também os usuários que compartilharem as imagens. Os infratores podem ser condenados a até um ano de prisão e multa de US$ 1 mil, além dos danos monetários e honorários advocatícios (Ibidem, 2018).

Os Estados Unidos não possuem uma lei federal sobre o tema, mas 38 dos seus estados preveem a pornografia de vingança como crime. A discussão, no entanto, ainda está longe de se encerrar. O tribunal de recursos do Texas declarou, em abril desse ano, sua lei estadual sobre o tema inconstitucional, por entender que a punição a quem compartilhava o conteúdo íntimo, sem conhecimento da situação originária, feria a Primeira Emenda da Constituição americana, que protege, entre outros, a liberdade de expressão (CONJUR, 2018). Ou seja, a punição a quem divulgava fotografias ou vídeos da companheira, quando ela exigiu privacidade, é legal – e no Texas se trata de uma contravenção penal, com pena de um ano de prisão e multa de US$4 mil, mas a punição daquele que propaga a mídia sem conhecer a origem da foto e, portanto, a violação à intimidade da vítima, não é cabível.

Percebe-se, assim, que a internet, apesar de surgir posteriormente, tornou-se o principal meio de propagação da pornografia de vingança. Mesmo nos Estados Unidos, onde a maioria dos estados a prevê como crime, os agentes não deixaram de praticá-la, não sendo o risco da punição suficiente para coibir essa violência de gênero.

 

2.2 A pornografia de vingança como violência de gênero

 

A pornografia de vingança está estritamente ligada ao sentimento de posse do homem em relação a mulher, motivo pelo qual ele divulga imagens íntimas com o intuito de humilhá-la perante a sociedade. Existem casos em que essa divulgação é feita por terceiros, como o caso de LaJuan, mas se trata também de uma violência de gênero, pois a mulher é a principal vítima da prática.

Como forma de corroborar essa informação, a SaferNet, associação que tem como foco o enfrentamento dos crimes e violações aos Direitos Humanos na internet, divulgou em sua página o número de pessoas que buscaram assistência após sofrerem com pornografia de vingança: em 2013 foram 48 casos; em 2014, 224; e, em 2015, 322. Nesse último ano, dos casos registrados, 81% são denúncias de vítimas do sexo feminino e, ainda, há uma quantidade significativa de casos envolvendo menores de idade, 1 registro a cada 4 casos (LELIS; CAVALCANTE, 2016).

Gomes (2014) traz uma pesquisa, realizada em 2012 pela consultoria de tecnologia eCGlobal Solutions, intitulada “Sexting no Brasil – uma ameaça desconhecida”, com a participação de mais de 2 mil brasileiros maiores de idade. Nela, 64% dos entrevistados homens afirmaram ter o hábito de enviar fotos próprias e de outras pessoas. Já 72% das mulheres preferem enviar apenas mensagens de texto, quando se trata de conteúdo de cunho sensual/erótico. Quanto às imagens íntimas próprias, 55% dos homens e 44% das mulheres afirmaram se sentir seguros compartilhando esse tipo de material.

Outra pesquisa, dessa vez feita pela Cyber Civil Rights Initiative (CCRI), ouviu 1.606 pessoas, dentre as quais 361 foram vítimas da pornografia de vingança. Franks (apud CAVALCANTE; LELIS, 2016) estima que em aproximadamente 90% dos casos a vítima é do gênero feminino. Esse mesmo estudo apontou que cerca de 83% das vítimas se fotografaram e enviaram a imagem a terceiros. Tal atitude gera uma das principais condenações sociais acerca da pornografia de vingança: se a vítima permitiu essa fotografia assumiu, consequentemente, o risco de ter o conteúdo divulgado, mesmo tendo solicitado privacidade.

As transformações ocorridas no decorrer dos séculos pouco fizeram pelo fim da idealização da vida sexual da mulher. Ainda hoje persiste o imperativo social que obriga as mulheres “ao estigma de recatadas e castas, enquanto ao sexo masculino é permitida a sexualidade plena, sendo, inclusive, causa de vanglória entre seus pares” (LELIS; CAVALCANTE, online, 2016). Ou seja, mesmo quando os homens são vítimas da divulgação de material íntimo – o que ocorre com muito menos frequência, não há um julgamento moral tão expressivo quanto quando ocorre com a mulher.

Da mesma forma Franks considera a mulher a principal vítima da pornografia de vingança, “pois o olhar cultural da sociedade tende a culpar a vítima que compartilha suas imagens, protegendo o agressor e impedindo a sua punição” (apud CAVALCANTE; LELIS, 2016). Quando há a divulgação do conteúdo íntimo o olhar da sociedade se volta para a vítima e é comum ver comentários denegrindo sua imagem, mas pouco se fala do agressor e de sua atitude. Tal situação decorre da dificuldade em ver a pornografia de vingança como uma forma de violência: “a vítima, porque inserida numa cultura de inferioridade e submissão da mulher frente ao homem não identifica contra si atos que caracterizam violência de gênero, [...] ou, se identifica, não lhes confere a importância que merecem” (GUIMARÃES; DRESCH, 2014). A culpabilização por qualquer comportamento tido como fora do padrão já está enraizado nas mulheres.

Um dos instrumentos da dominação masculina é a própria pornografia, cujo principal público consumidor são os homens, por trazer uma imagem distorcida da mulher, como submissa, inclusive a comportamentos sexuais abusivos e degradantes. Dworkin (apud DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017), traz a hierarquia, objetificação, submissão e violência como elementos que compõe a subordinação social, destacando que todos eles se encontram presentes na indústria pornográfica. É necessário tratar desse tema porque ele desperta ainda grande curiosidade, tendo os sites com esse tipo de conteúdo mais acessos mensais que Netflix (site de streaming, de exibição de filmes, séries, documentários e outros conteúdos audiovisuais), Amazon (site de compras) e Twitter (rede social tida como um microblog, por delimitar a quantidade de caracteres permitidos em cada postagem).

Sobre a pornografia de vingança, Dias, Santos e Oliveira (2017) destacam que, apesar dos ex-companheiros serem os principais disseminadores de conteúdo, existem casos em que hackers, participantes do vídeo ou mesmo terceiros sejam os agressores, por razões que vão do ódio ao lucro e até mesmo a ausência de motivação.

Esses sentimentos negativos, motivadores da prática, decorrem, segundo Rubin (apud GOMES, 2014) de um sistema hierárquico baseado em uma estrutura de pirâmide: no topo estariam os casais heterossexuais casados e na base, junto os transexuais, travestis, fetichistas e sadomasoquista estão os profissionais do sexo e os modelos da indústria pornográfica. Parte do julgamento social decorre da associação da vítima da pornografia de vingança a essas duas últimas “classes”, tendo em vista que as mulheres sofrem também uma categorização, baseada principalmente em aspectos externos, como o modo de se vestir e seu comportamento sexual. As mais recatas e seguidoras das regras sociais são “para casar” e, quanto mais distante dessas imposições, mais são consideradas apenas “para sair” ou “para se divertir”.

Para Gomes, esse cenário está relacionado a cultura do estupro, definida como “a imposição de uma postura moralmente aceitável para as mulheres e a culpabilização das mesmas, caso sejam vítimas de violência, por deixarem de ter ‘cumprido’ alguma dessas imposições” (online, 2014). É o que acontece não apenas na pornografia de vingança, mas em diversas outras espécies de violência de gênero.

Já o ataque moral que as mulheres sofrem quando não cumprem essas regras pré-estabelecidas para o gênero é chamado de slut shamming, que ainda não possui tradução. O primeiro caso ocorreu em 2011, quando o policial Michael Sanguinetti afirmou, em uma palestra no campus de Direito da York University, que parte dos estupros ocorria por culpa da vestimenta da mulher, “as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias para não se tornarem vítimas”, em suas palavras (Idem, online, 2014). Essa fala encontra similaridade no resultado da pesquisa do Instituto Avon apresentado no capítulo anterior, em que uma porcentagem das pessoas atribui a culpa do crime a vítima por circunstâncias diversas, não só as roupas, mas também ao local, ao horário em que ela se encontrava.

Essas ofensas ocorrem também na pornografia de vingança, mas tomam proporções muito maiores devido a rápida propagação e ao fácil acesso as imagens e vídeo. Reflexo dessa cultura está presente também na mídia, quando esta replica pensamentos que perpetuam a violência de gênero. Um exemplo é o do radialista Fabiano Gomes, do Sistema Correio de Comunicação, que em seu programa Correio Debate, ao noticiar sobre uma jovem de 15 anos que teve fotos íntimas divulgadas comentou:

 

[...] “Meus amigos, meus irmãos, tem tanto assassinato pra polícia investigar. Tem tanto assalto, tanto sequestro. E nós termos que ocupar a polícia porque as cocotinhas tão tirando fotos dos ‘pinguelos’ e mandando para os namorados no WhatsApp”. Em outro momento da sua fala, ele afirma que o problema é das mulheres: “Não, porque a fulana de tal suicidou-se, entrou em depressão. O problema é dela! Porque foram para o espelho mostrar o ‘xibiu’ e mandar pra o namorado. Que coceira danada é essa” “Sem vergonha é quem manda foto nua para o namorado” (FREITAS, online, 2015).

 

Apesar das críticas e notas de repúdio por parte de pessoas e instituições, como a própria Federação Nacional dos Jornalistas, houve também quem concordasse e apoiasse o radialista, chegando a telefonar para o programa para se manifestar favorável à sua fala.

Esse episódio demonstra como parte da sociedade encara o assunto: a culpabilização da vítima, pois parte do pressuposto de que, se ela tirou a fotografia, estava ciente e até mesmo concordava com o risco de sofrer a exposição. Incompreensível, no entanto, a falta de empatia com o sofrimento dela, que, uma vez que essa exposição, com frequência, traz consequências gravíssimas, não apenas para a vítima, mas também para seus familiares.

Para Valente, Neris, Ruiz, Bulgarelli (2016), esse pensamento se reflete também no Judiciário, quando das decisões proferidas em processos que tem como objeto a pornografia de vingança. É preciso uma reeducação quanto a questão, para que se possa reconhecer esse problema como coletivo, relacionado ao gênero e ao controle da sexualidade feminina, que traz como consequência a violência nas relações.

Para trazer o sentimento de empatia que os autores entendem como essencial para que o magistrado julgue as ações relativas a pornografia de vingança, é necessário entender como essa prática altera a vida da vítima, com consequências permanentes.

 

2.3 A pornografia de vingança e a condenação moral da mulher

 

            No Brasil, um dos primeiros casos de repercussão, em que a vítima conseguiu a condenação do agressor, ocorreu em 2006. Rose Leonel, moradora de Maringá, no Paraná, tinha 45 anos à época, quando um ex-namorado divulgou suas fotos íntimas, enviando as imagens por e-mail a mais de 15 mil destinatários, além de distribuir panfletos e divulgar seus dados pessoais na rede, em revanche ao término do relacionamento. Além de persegui-la pessoalmente, divulgou também o número do telefone celular do filho de Rose, aumentando o constrangimento causado, uma vez que ele recebia ligações constantes com perguntas ofensivas: “Um dia, assustado, veio me dizer: ‘mãe, tem um homem querendo falar com você no telefone. É sobre um programa’” (ÉPOCA, 2016). Rose perdeu seu emprego, amigos e dificilmente saia de casa por causa das agressões sofridas por terceiros, e sua família também foi atingida: sua filha mais nova trocou diversas vezes de escola para evitar o bullying, e o filho pediu para mudar de país.

            Rose registrou diversos boletins de ocorrência e acabou protegida pela Lei Maria da Penha. O agressor foi condenado, na ação cível movida por ela, ao pagamento de R$ 30 mil a título de indenização. O valor, no entanto, foi o gasto durante o processo, com despesas referentes a seu trâmite (Idem, 2016). A experiência fez com que Rose fundasse a ONG Marias da Internet, que fornece orientação jurídica e auxílio psicológico a mulheres também vítimas da pornografia de vingança. No site da ONG ela publicou um artigo escrito na época em que o problema eclodiu, fazendo-nos perceber a dimensão de seu sofrimento:

 

Às vezes, o toque do telefone me alarma, quase suo frio, não quero atender… É a falta de vontade de conversar. A falta de vontade de ver gente. A falta de vontade para me arrumar. A falta de vontade de sair de casa. E bate uma vontade de chorar, de me esconder e me entregar. Levantar a cabeça, escolher uma roupa e sair pra luta é um esforço sobrenatural (LEONEL, online, 2018).

           

            Outras mulheres, no entanto, devido à pressão familiar e a condenação social, não conseguiram lidar com o problema e tiveram final diferente. É o caso da adolescente Júlia Rebeca, piauiense de 17 anos, que teve um vídeo com cenas de sexo entre ela, um rapaz e outra adolescente compartilhado em grupos do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. Em 10 de novembro de 2013 a jovem cometeu suicídio, usando o fio da chapinha. Poucos dias antes publicou na rede social Twitter diversas mensagens, inicialmente demonstrando raiva com a situação, sentimento que logo deu lugar ao desalento: “‘Cansei de fingir sorrisos, de fingir que tô feliz quando na verdade por dentro tô despedaçada (sic)’” (GOMES, 2014).

            Segundo colegas de escola, Júlia passou de uma pessoa comunicativa e brincalhona a deprimida e retraída. Após sua morte a polícia encontrou um outro vídeo, em que uma terceira pessoa filma Júlia tendo relação sexual com outro jovem – o parceiro olha e sorri para a câmera, mas ela não percebe a gravação. A outra adolescente envolvida no primeiro vídeo também sofreu severos danos psicológicos, e tentou o suicídio cinco dias após a morte de Júlia, ingerindo veneno, mas foi atendida a tempo (Idem, 2014).

 

 

Mensagens postadas por Júlia na rede social Twitter. Fonte: Xepa Mexida (http://xepamexida.blogspot.com.br/2014/10/caiu-na-net.html)

 

Saori Teixeira, de 12 anos, também viu sua intimidade violada quando um garoto com quem se relacionou divulgou retratos íntimos dela. Como consequência foi expulsa da escola em que estudava, após ser chamada na diretoria. Apanhou dos pais, religiosos, e parou de estudar por dois anos. Incapaz de sair de casa devido a condenação social; entrou em depressão e foi parar no hospital após uma tentativa de suicídio. Quatro anos após, em 2016, quando concedeu a entrevista à revista Época, ainda sofria as consequências: chorava muito e tomava remédios. Ainda sofria julgamento moral, até ouvindo de um familiar “Vai se mostrar na internet, já que é bom, não é?”. Destacou a perpetuidade como um agravante do fato, uma vez que suas fotos ainda circulam na internet. Saori teve acompanhamento psicológico após registrar boletim de ocorrência, em uma delegacia, para superar o trauma. O adolescente de 17 anos que divulgou suas imagens permaneceu impune (ÉPOCA, 2016).

Em uma conversa de vídeo pelo programa Skype, Giana Laura Fabi, de 16 anos, acabou tirando o sutiã a pedido de um rapaz de 17 anos, que capturou a imagem de Giana com os seios expostos e enviou para quatro amigos. Giana foi alertada por uma amiga que sua foto tinha se espalhado e ficou transtornada. Assim como Júlia, utilizou o Twitter para desabafar, e postou mensagens que demonstravam seu sofrimento e o julgamento social pelo qual passava.  Quatro dias após a morte de Júlia, Giana foi também encontrada morta em casa, enforcada com um cordão de seda (GOMES, 2014).

Nem Júlia nem Giana conversaram com os pais sobre o problema que enfrentavam. A falta de diálogo com a família vem da vergonha da exposição e do medo não apenas de uma reação negativa, mas também da decepção em relação ao ocorrido. O suicídio de mulheres, em grande parte dos casos, está ligado ao desgosto da família, amor, devassidão e má conduta, entre outros, ou seja, a sociedade coloca um grande peso sobre o indivíduo, podendo levá-lo a destruição (Idem, 2014). O fato das duas adolescentes morarem em cidades pequenas, do interior, também contribuiu para o agravamento da situação, uma vez que, com uma população menor, as informações se propagam de forma mais célere.

Outro caso de repercussão foi o da então estudante de Letras Thamiris Sato, que, em novembro de 2013, teve sua privacidade exposta pelo ex-namorado, Kristian Krastanov. A relação dos dois era instável, permeada de brigas, e quando do término do namoro, em julho daquele ano, Kristian passou a ameaçar Thamiris, dizendo que divulgaria fotos e vídeos íntimos dela e, posteriormente, até mesmo de morte. Ela fez, então, um boletim de ocorrência em uma delegacia da mulher (GOMES, 2014).

Infelizmente a queixa não foi suficiente para instigar Kristian a parar. Além de criar diversos perfis falsos em redes sociais para ofendê-la, hackeou sua conta de e-mail universitário, utilizando-a para criar um perfil para Thamiris em um site pornô. Ela passou então a receber mensagens constantes. Logo após Kristian divulgou uma foto dela nua, junto com o link de seu perfil no Facebook. Após outra onda de mensagens de desconhecidos, Thamiris apagou sua conta, mas optou por reativá-la, por ser um canal de comunicação entre ela e conhecidos (Idem, 2014).

A situação se agravou ainda mais. Kristian divulgou mais fotos de Thamiris, agora disponíveis em blogs de pornografia e no WhatsApp. A reação da família do ex foi ainda mais decepcionante: ela entrou em contato para relatar a situação, porém os familiares não só deram razão a Kristian como acusaram-na de que as atitudes dela eram motivo de decepção (Ibidem, 2014).

Apesar de receber conselhos de que deveria mudar de cidade, manter-se isolada por um tempo e outros semelhantes, Thamiris optou por fazer um desabafo público no Facebook, uma forma de mostrar ao ex que ele não conseguiria seu intuito, fosse qual fosse – prejudica-la, ou quem sabe até mesmo provocar sua morte. Recebeu, dessa vez, mensagens de apoio de diversas mulheres e até mesmo agradecimentos de homens, que passaram a compreender melhor o sofrimento por trás das fotos íntimas repassadas sem anuência da vítima (GOMES, 2014).

As histórias das vítimas da pornografia de vingança se assemelham em vários aspectos. A condenação moral e seus reflexos na vida cotidiana – expulsão de colégio, demissão do trabalho, o bullying nas escolas, os comentários ofensivos feitos por terceiros, tudo isso contribui para um sofrimento crescente, que gera sérias consequências – depressão, suicídio.

Essa divulgação da mídia associada a informações pessoais da vítima, como e-mail ou perfil em rede social, aliás, é mais um agravante na pornografia de vingança, pois, como visto, possibilita uma série de agressões virtuais e assédio de desconhecidos, aumentando o grau de vulnerabilidade da mulher (SILVA; PINHEIRO, 2017).

Enquanto isso, o agressor nada sofre, continua a levar sua vida como antes – poderá responder judicialmente, mas seu intuito, de vingança e humilhação, já foi alcançado e nenhuma condenação reverterá os danos sofridos, especialmente nos casos de Júlia e Giana e tantas outras. Tampouco se intimidam perante a Justiça. Em outubro do ano passado, Laís Andrade, de 30 anos, foi assassinada dentro da viatura policial pelo ex-companheiro, ao tentar registrar uma queixa após ter encontrado uma câmera na janela do seu banheiro, instalada pelo ex, justamente com receio de ter imagens suas e do filho divulgadas. Por negligência, os policiais colocaram vítima e agressor juntos no mesmo banco do carro, durante o percurso de 100 km até a delegacia regional de Teófilo Otoni, onde fariam o procedimento. Eduardo Gil, o agressor, esfaqueou Laís no pescoço e tentou se matar em seguida (UOL, 2018).

Parte dessa sensação de impunidade do agressor e de terceiros ofensores se deve a legislação ainda escassa sobre os crimes cometidos pela internet, o principal meio de propagação das imagens e vídeos íntimos.


 

3 Proteção legislativa NA INTERNET

 

A origem da internet remete ao ano de 1969, nos Estados Unidos, quando o governo norte-americano criou o projeto chamado Arpanet, de uso exclusivo dos militares durante a Guerra Fria. Inicialmente permitia apenas transmitir pela rede, à distância, informações de texto. Na década de 1980 ela se transformou e passou a interligar instituições dos EUA a de outros países, e, posteriormente, foi liberada para empresas, para uso comercial. Já no Brasil ela surgiu para conectar universidades e centros de pesquisa, sendo a atividade comercial autorizada apenas em 1995 (GARCIA, 2017). Nas décadas seguintes seu uso não apenas se popularizou, pois agora pode-se acessar a rede de qualquer lugar, por meio de smartphone, entre outros dispositivos, como trouxe infinitas possibilidades, desde compras online a videoconferências de trabalho. As redes sociais também se propagaram, permitindo uma conexão entre pessoas de diversas localidades, contato antes possível apenas por ligações telefônicas ou cartas. Em contrapartida, é cada vez mais difícil separar a vida real da virtual; a uma exposição exacerbada coloca em risco a privacidade de seus usuários.

Com os dados e informações pessoais acessíveis a qualquer usuário, muito se tem questionado a respeito da aplicação do direito à privacidade nesse meio. Para Pinheiro, em relação a privacidade na internet não há lacuna legislativa, apenas “falta de entendimento quanto a aplicação de leis em vigor para questões relativamente novas, que exigem uma interpretação da norma e sua adequação ao caso concreto” (2013, p. 87). Para a autora a internet é, na maioria das vezes, apenas um meio pelo qual o crime é cometido, sendo necessária a distinção entre um crime comum que apenas ocorra nos meios eletrônicos e um crime digital de fato, geralmente ações praticadas por hackers.

A autora destaca, ainda, que um dos principais motivos pelos quais os criminosos escolhem esse meio é a crença de que o “meio digital é um ambiente marginal, um submundo em que a ilegalidade impera” (Idem, 2013, p. 311), tornando mais difícil, se não impossível, localizar e punir o agente. O usuário da internet se aproveita do anonimato proporcionado para praticar atos que não realizaria na vida “real”, com receio da punição prevista em nossa legislação. Como exemplo, uma pessoa que, utilizando um perfil falso, faz comentários negativos, quando não ofensivos, nas redes sociais de outra – situação corriqueira, principalmente em casos de racismo.

Algumas das características dos crimes cometidos em meio digital são a celeridade e perpetuidade. A primeira se refere ao fato de como a informação, uma vez colocada na rede, rapidamente se propaga por todo o mundo e a segunda, da dificuldade de se retirar completamente esse conteúdo:

 

Um incidente eletrônico gera maior dano, pois ocorre em geral de forma covarde, sem chance de defesa, além de gerar consequências que se perpetuam, pois a Internet é global e é difícil limpar totalmente uma informação dela. Por mais que haja retratação, uma publicação roda o mundo em poucos minutos (PINHEIRO, 2013, p. 319).

 

Dessa forma, o crime digital se torna mais maléfico para a vítima. Há uma exposição exacerbada, pois alcança até mesmo desconhecidos, e uma lembrança constante do ocorrido, o que dificulta a autodefesa e a superação do ocorrido. Para Pinheiro (2013), uma possível solução para coibir esse tipo de crime seria uma alteração legislativa, com aumento de pena toda vez que fosse cometido no ambiente da internet.

Dias, Santos e Oliveira (2017), ressaltam que a tecnologia não deu origem a um mundo novo, mas influencia a vida “real”, a existente fora das redes e da internet, de forma que as ações ocorridas nesse meio têm reflexo direto fora dele. Dessa forma, como já ressaltado anteriormente, ela intensificou essa nova forma de violência de gênero denominada pornografia de vingança:

 

O traço particular desta agressão é a extrema potencialização de dano, decorrente do meio utilizado para praticá-la, a internet. A capacidade de reprodução do conteúdo em progressão geométrica, a perda de controle sobre conteúdo tão íntimo, a perpétua atualidade do passado, que dificilmente será completamente eliminado da rede, estes todos são elementos considerados pelo agressor, que intensificam sobremodo o dano infligido à vítima retratada. Com a perda da gerência sobre os próprios dados e, portanto, sobre a própria intimidade, que passa a estar vulnerável para violação de qualquer um, a privacidade e todos os direitos fundamentais dela dependentes são fragilizados, quando não extirpados (Idem, online, 2017).

 

Assim, as características apresentadas em relação aos crimes cometidos na internet estão presentes de forma marcante na pornografia de vingança: uma vez disseminada nesse meio se torna praticamente impossível eliminar todos os registros, pois aplicativos como o WhatsApp são criptografados e não permitem rastreio – o receptor salva e deixa arquivada a imagem, podendo replicá-la posteriormente. A vítima convive com o eterno receio de uma nova onda de exposição, conforme se percebe pelas histórias apresentadas.

Não só a pornografia de vingança, mas também estelionatos, furto de informações privadas e outros crimes praticados por meio da internet e a ausência de normas que abrangessem essas situações motivaram o legislador a criar leis que buscam tanto proteger os usuários como punir essas infrações cometidas por meio de novas tecnologias.

 

3.1 Marco Civil

 

            Em 2008, Eduardo Azeredo propôs o Projeto de Lei de Crimes Cibernéticos, conhecido também como Projeto Azeredo, resultado do agrupamento de alguns dos projetos de lei sobre o tema que tramitavam no Senado. Entre as propostas estava a criação de diversos tipos penais que tinham como objetivo “punir crimes eletrônicos como destruição de dados de programas ou de computadores, acesso indevido a computadores ou redes, difusão de vírus, e veiculação de pornografia sem aviso etário, entre outros” (VALENTE; NERIS; RUIZ; BALGARELLI, 2016). Sofreu, no entanto, críticas severas de diversos segmentos da sociedade, que tinham receio da regulação excessiva da internet. No fim, resultou na Lei n. 12.735/2012, que apenas prevê a criação das delegacias especializadas em crimes cibernéticos. O projeto, no entanto, foi o embrião do posterior Marco Civil da internet.

            Sancionada como a Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet estabelece princípios, garantias, direitos e deveres quanto ao uso da internet no Brasil. Traz em seu art. 7º, I, localizado no Capítulo II – Dos direitos e garantias dos usuários, a proteção a intimidade e vida privada, cuja violação poderá acarretar em indenização para a vítima (BRASIL, 2018).

Um dos principais impulsionadores da lei foi a propagação cada vez maior de conteúdo ofensivo e pornografia infantil na extinta rede social Orkut. A Procuradoria da República em São Paulo, parte do Ministério Público Federal, registrou, à época, o site como responsável por 90% dos casos de difusão da pornografia infantil no país. Havia uma grande dificuldade em fazer com que o Google cumprisse as determinações judiciais, mesmo após o MPF passar a notificar o Google Inc. nos Estados Unidos, pois o Google Brasil alegava ser responsável apenas pelo marketing da empresa no país. O conflitou resultou na celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que previa inclusive multa em caso de descumprimento das decisões (VALENTE; NERIS; RUIZ; BULGARELLI, 2016).

O Marco Civil trouxe essa responsabilização aos provedores, porém ela é condicionada ao recebimento da ordem judicial que determina a remoção do conteúdo. Essa concepção está atrelada a ideia de que apenas o juiz é a figura legítima para estabelecer de tal conteúdo ofende o ordenamento jurídico, como se depreende da lei:

 

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário (BRASIL, online, 2018).

 

Assim, o provedor apenas seria responsabilizado se descumprisse a determinação judicial. Os casos de suicídio decorrentes da pornografia de vingança, no entanto, motivaram os legisladores a acrescentarem dispositivo no Marco Civil, ampliando a responsabilidade dos provedores em relação a esses casos:

 

Art. 21. O provedor de aplicações de Internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido (BRASIL, online, 2018).

 

A lei passa a responsabilizar o provedor de internet também nos casos em que a vítima faz uma notificação privada solicitando a remoção do conteúdo, sem, contudo, ter seu pedido atendido. Tal solicitação precisa preencher as exigências legais, como a identificação clara e precisa do conteúdo a ser removido e a legitimidade da parte. Tal medida facilita na contenção da propagação da mídia na rede (ou ao menos na responsabilização do provedor) pois, mesmo com a concessão de liminar, entre o ajuizamento da ação e a prolação da decisão judicial decorreria um prazo longo, considerando a rapidez como as notícias se disseminam na internet.

Os provedores também são obrigados a fornecer os logs de acesso mediante decisão judicial, de forma a preservar a intimidade dos usuários. Tais informações são necessárias para a localização e identificação do agressor, uma vez que permitem o acesso a seus dados cadastrais, caso a vítima não saiba quem foi o responsável pela divulgação das imagens. Ao mesmo tempo que garante a inviolabilidade dos dados, no entanto, dificulta o processo de responsabilização do agressor, devido ao procedimento burocrático para a liberação dessas informações (VALENTE; NERIS; RUIZ; BULGARELLI, 2016).

O Marco Civil estabelece ainda que os provedores armazenem os registros de conexão pelo período de um ano; e os de aplicação, que envolvem pessoa jurídica, em suas diversas atividades, com fins econômicos, pelo período de seis meses. Anteriormente esse prazo era de três anos. Para o advogado Renato Opice Blum (apud VALENTE; NERIS; RUIZ; BULGARELLI, 2016), essa disposição é um retrocesso, pois, além de exigir mais rapidez dos advogados, corre-se o risco do provedor, durante a tramitação processual, caso o juiz não dê de imediato a ordem de notificação, apagar esses dados. Outra medida passível de adoção é a Medida Cautelar de Proteção Antecipada de Prova Pericial, caso a vítima tenha alguma evidência da infração, como uma ata notarial ou até mesmo uma ação cautelar. Trata-se de um procedimento em que “o juiz nomeia um perito da confiança dele e esse perito vai constatar e vai preservar e vai responder perguntas além da própria constatação em si, relacionadas com aquela evidência da preservação” (Idem, 2016).

Todas essas medidas previstas no Marco Civil contribuíram para uma sensação de segurança jurídica, uma vez que, embora aplicadas judicialmente antes, encontram-se agora positivadas. A garantia de responsabilidade do provedor e a possibilidade de retirada do conteúdo íntimo da rede trouxe amparo as vítimas.

 

3.2 Lei n. 12.737/2012

 

Em maio de 2012 a atriz Carolina Dieckmann teve fotos suas de nudez, junto com algumas do filho de 4 anos, disseminadas na internet após uma invasão a seu computador pessoal. Ela recebeu um e-mail falso, com um programa mascarado, que permitiu aos criminosos o acesso a sua máquina, bem como a subtração. De posse desse material, passaram a chantageá-la, para que pagasse o valor de R$ 10 mil em troca de sua não divulgação. Como ela se recusou a pagar a quantia, os invasores enviaram as imagens para a rede (GARCIA, 2017).

A atriz não havia registrado a queixa por temer a repercussão do caso, mas com a divulgação das fotos ela registrou a ocorrência. Havia, no entanto, um obstáculo: a ausência de norma que regulasse tal fato, a invasão de dispositivo informático. Sua queixa foi registrada, dessa forma, como extorsão qualificada pelo concurso de agentes, difamação e furto (Idem, 2017).

O fato de se tratar de uma figura pública contribuiu para a ampla repercussão do caso e a consequente pressão exercida sobre o Legislativo para que tomasse alguma medida para não apenas punir os responsáveis, mas também garantir a proteção da vítima, uma vez que diversas outras celebridades também enfrentaram o mesmo problema – principalmente em âmbito internacional.

Assim, para responder a esse clamor social, os legisladores aprovaram um projeto de lei, posteriormente convertido na Lei n. 12;727/2012, batizada de Lei Carolina Dieckmann, sancionada em 30 de novembro de 2012, mesmo dia da sanção da Lei Azeredo. Acrescenta os artigos 154-A e 154-B ao Código Penal, além de modificar os arts. 266 e 298.

O Congresso Nacional já discutia o assunto há algum tempo, tendo alguns legisladores apresentado projetos de lei que o regulamentassem. Foi com o caso da atriz, no entanto, que o Legislativo tomou providências mais concretas, pois a opinião pública exerceu grande pressão para que o ato fosse criminalizado, devido à grande popularidade de Carolina (GARCIA, 2017).

Em resumo, a lei tipifica a invasão de dispositivo informático pertencente a outrem, independentemente de estar ou não conectado à internet, com violação indevida de mecanismo de segurança, para “obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita” (BRASIL, online, 2018). A pena estabelecida é de detenção, de 3 meses a um ano, mais multa.

O núcleo do tipo penal, dessa forma, é o verbo invadir, ou seja, ‘ingressar virtualmente sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo”. É exigido dolo para caracterização do crime: o agente deve ter como finalidade a obtenção dos dados. Como se trata de um crime de menor potencial ofensivo, existe a possibilidade de ocorrer a transação penal ou, em caso negativo, a aplicação de outros institutos, como as penas restritivas de direito e o regime aberto (GARCIA, 2017).

Assim, apesar de ter origem no caso de exposição das fotos de cunho íntimo, a lei trata exclusivamente do ato de invadir o dispositivo, e das ações decorrentes dele, dessa forma, a norma não é suficiente para punir quem comete pornografia de vingança, pois nesses casos geralmente o agressor já possui o material, sendo seu ato restrito a divulgação/disseminação dele (GUIMARÃES; DRESCH, 2014).

É perceptível também um viés político na lei, uma vez que uma das hipóteses de aumento da pena ocorre se o crime for cometido contra algumas figuras políticas, como o Presidente da República e o Presidente da Câmara Federal e do Senado Federal. Além disso há uma preocupação em garantir a proteção de dados sigilosos, segredos comerciais e industriais, como estipulado no art. 154-A, §3º (BRASIL, 2018), ou seja, a lei não é voltada a proteção da intimidade do indivíduo, mas de dados, abrangendo até mesmo o aspecto econômico.

Entre os aspectos positivos a serem destacados estão a agilidade do Legislativo em tipificar uma prática recente, a proteção das vítimas de crimes virtuais e o avanço normativo, que contribuiu até mesmo para o fim do uso de analogia para punir conduta semelhante. Entre os negativos estão a pena, que, por ser pequena, não contribuiria para a redução do número de casos. Além disso, sua tramitação ocorreria nos Juizados Especiais, tendo em vista sua pena máxima cominada (GARCIA, 2017).

 

3.3 Medidas cíveis e exclusão da mídia

 

A Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente da sua violação” (BRASIL, online, 2018). A simples divulgação de conteúdo privado, sem autorização, enseja o direito de uma reparação, que ocorre por meio do pagamento de um valor correspondente ao dano sofrido (GUIMARÃES; DRESCH, 2014). A pornografia de vingança, assim, no aspecto civil, insere-se na responsabilidade civil.

Nessa prática existem diversos agravantes, já elencados: a situação vexatória a que a vítima é exposta, os danos psicológicos, como a depressão, a perda do emprego, entre tantos outros. Apesar do direito à indenização ser constitucional, a condenação, muitas vezes, não repara todos os danos sofridos, pois há dificuldade em mensurar a extensão deles para estabelecer um valor justo, a exemplo de Rose, que, como mencionado anteriormente, recebeu R$20 mil, mas utilizou esse valor durante o trâmite processual, para movimentar a ação.

O próprio Poder Judiciário também sofre influência das concepções históricas sobre a mulher ao enfrentar o problema. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar Apelação Cível em ação movida por uma jovem que teve imagens íntimas suas divulgadas pelo ex-namorado após o término da relação. Em primeiro grau houve a condenação do agressor, em uma indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil. A 16ª Câmara Cível do Tribunal, no entanto, teve entendimento totalmente diverso, e reduziu a indenização para R$ 5 mil, julgando que a vítima, ao permitir as imagens, tinha ciência do risco, conforme trechos destacados:

 

[…] Moral é postura absoluta. É regra de postura de conduta – Não se admite sua relativização. Quem tem moral a tem por inteiro. As fotos em momento algum foram sensuais. As fotos em posições ginecológicas que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais são exibíveis, não agridem e não assustam. Fotos sensuais são aquelas que provocam a imaginação de como são as formas femininas. Em avaliação menos amarga, mais branda podem ser eróticas. São poses que não se tiram fotos. São poses voláteis para consideradas imediata evaporação. São poses para um quarto fechado, no escuro, ainda que para um namorado, mas verdadeiro. Não para um ex-namorado por um curto período de um ano. Não para ex-namorado de um namoro de ano. Não foram fotos tiradas em momento íntimo de um casal ainda que namorados. E não vale afirmar quebra de confiança. O namoro foi curto e a distância. Passageiro. Nada sério. A autora ao se exibir daquela forma sabia de possibilidade da divulgação porque estava ela em Uberaba e ele em Uberlândia. [...] E foi a autora quem ligou sua webcam que é postada em lugar estratégico no monitor do seu computador para o melhor ângulo fotográfico. Quem ousa posar daquela forma e naquelas circunstâncias tem um conceito moral diferenciado, liberal. Dela não cuida. Irrelevantes para avaliação moral as ofertas modernas, virtuais, de exibição do corpo nu. A exposição do nu em frente a uma webcam é o mesmo que estar em público. Mas, de qualquer forma, e apesar de tudo isso, essas fotos talvez não fossem para divulgação. A imagem da autora na sua forma grosseira demonstra não ter ela amor-próprio e autoestima. Sexo é fisiológico, é do ser humano e do animal. [sic] É prazeroso. Mas ainda assim temos lugar para exercitá-lo. A postura da autora, entretanto, fragiliza o conceito genérico de moral, o que pôde ter sido, nesse sentido, avaliado pelo réu. Concorreu ela de forma positiva e preponderante. O pudor é relevante e esteve longe. (Apel. Cív. 1.0701.09.250262-7/001, Rel. Des. José Marcos Vieira, 16a Câmara Cìvel do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, j. 11.6.2014, apud DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017).

 

Os desembargadores, não obstante declararem a culpabilização da vítima, fizeram ainda um julgamento acerca do ideal de relacionamento que considerariam apropriado. Um ano seria um tempo curto para ter a liberdade de compartilhar imagens íntimas, pior ainda sendo a distância – como se houvesse uma norma sobre os períodos ideias de relacionamento e quais atitudes ter no decorrer dele. Também não consideram as imagens sensuais, pois expõe em demasiado a intimidade, por isso, e por ter se exposto na webcam, a vítima possui uma moral subversiva – e esse julgamento de caráter é feito baseado apenas nessa situação específica.

Não houve, dessa forma, um julgamento imparcial. Os valores dos magistrados influenciaram de forma direta e expressa em uma decisão que não só afeta a vida da autora da ação, mas inibirá futuras vítimas a buscar a Justiça e perpetuará a sensação de impunidade dos agressores, até mesmo estimulando novas violências.

Em contrapartida, a Quinta Câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a condenação de primeiro e determinou o pagamento de R$ 20 mil a título de indenização por danos morais a uma mulher que teve um vídeo íntimo divulgado pelo parceiro. A respeito do caso, o relator, Desembargador Sérgio Izidoro Heil, argumentou que “o requerido, ao gravar e mostrar a seus amigos a mídia contendo sua relação sexual com a autora, a humilhou expondo de maneira esdrúxula sua intimidade” (GUIMARÃES; DRESCH, 2014).

Alguns magistrados também reconhecem o direito à indenização ao parceiro atual da vítima da pornografia de vingança. Esse foi o entendimento adotado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em ação movida por uma mulher contra o homem que divulgou vídeo íntimo dos dois. A relação ocorreu durante uma crise conjugal da vítima com o marido e, embora tenha ela consentido com a gravação, não autorizou a divulgação da mídia. O homem, antigo ex-namorado da vítima, divulgou o material no Youtube e Facebook, além de enviá-lo a conhecidos do casal. A Câmara estendeu a indenização concedida em primeiro grau a esposa a seu marido, com o argumento de que ele, além do constrangimento de ter a traição se tornado pública, ficou conhecido na comunidade por apelido pejorativo (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

A Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, no caso em que uma adolescente, após o furto do cartão de memória do seu celular, teve material íntimo divulgado na internet, de caráter sexual, ressaltou as consequências geradas pela pornografia de vingança, além de reconhecer que se trata de uma modalidade de violência de gênero:

 

A ´exposição pornográfica não consentida´, da qual a ´pornografia de vingança´ é uma espécie, constitui uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis. [...] Não são raras as ocorrências de suicídio ou de depressão severa em mulheres jovens e adultas, no Brasil e no mundo, após serem vítimas dessa prática violenta (STJ, online, 2018).

 

Segundo ela, é cada vez maior o número de ações envolvendo a pornografia de vingança e, apesar de homens também terem suas imagens divulgadas, a grande maioria das vítimas são as mulheres, por isso a classificação como violência de gênero.

A Ministra fez essas declarações no julgamento da Google Brasil Internet Ltda., quando o STJ confirmou a jurisprudência de que os provedores de internet não podem ser obrigados a realizar uma filtragem prévia das informações apresentadas nas buscas realizadas, mas tem o dever de retirar do rol de resultados os sites que apresentem conteúdo expressamente indicado pelos localizadores únicos, conhecidos como URLs (STJ, 2018).

Em contrapartida, a 3ª Turma da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás decidiu, quando do julgamento de agravo de instrumento interposto também pela Google Internet Brasil Ltda., contra decisão que deferiu liminar em ação de indenização por danos morais para determinar a Google que excluísse o nome da autora dos resultados de busca, sob pena de aplicação de multa diária. A ação foi proposta devido a divulgação de vídeo íntimo, feita pelo ex-namorado da autora. A juíza prolatora da sentença alegou que, apesar de não ser responsabilidade do provedor, ele teria condições técnicas para tal, e que a medida reduziria em muito o constrangimento da vítima (GOIÁS, 2018).

Entre os argumentos trazidos pela recorrente estão a impossibilidade de controle e remoção, pois apenas é apenas um banco de dados, não a administradora das páginas que possuem o conteúdo ofensivo. Além disso, apenas a retirada do nome não solucionaria o problema, pois haviam outros termos que, na pesquisa, resultariam no encontro do mesmo material (Idem, 2018).

O relator do recurso acolheu as alegações da recorrente, e acrescentou o fato de haver outros provedores de busca, o que por si só demonstraria como a medida não seria suficiente para a solução do problema. Deu, assim provimento ao agravo, reformando a sentença para exonerar a Google da obrigação de retirar o conteúdo solicitado pela autora da ação (Ibidem, 2018).

Apesar da impossibilidade da exclusão do nome da vítima do mecanismo de pesquisa, a remoção do conteúdo ofensivo em si, quando disponibilizado em sites ou páginas específicas, é a outra medida, além da indenização, cabível, embora, uma vez veiculado, dificilmente poderá ser excluído em definitivo. A vítima realiza o pedido administrativamente junto ao provedor e, caso seja ele negado ou ignorado, pode recorrer à Justiça para que tal medida seja adotada.

Thamiris, cujo caso foi narrado anteriormente, ingressou com ação de obrigação de fazer em face da Google Brasil Internet Ltda., Tumblr Inc. e Dropbox Inc., que possuíam suas fotos armazenadas. Ela elencou os URLs em que se encontravam e solicitou a remoção definitiva do conteúdo, além do fornecimento de dados pessoais dos criadores das páginas. As rés Tumblr e Dropbox atenderam espontaneamente o pedido, sendo excluídas do polo passivo. Já a Google apresentou contestação, alegando primeiro a necessidade de decisão judicial para fornecer as informações desejadas, e, em segundo, que o número de IP seria suficiente, pois, quando da efetuação de cadastro, a empresa não exige os referidos dados (SÃO PAULO, 2018)

Na sentença, o magistrado destaca a jurisprudência do STJ em relação a responsabilidade do provedor, mencionado acima, e menciona que a Google apenas retirou as imagens do ar após o deferimento da antecipação da tutela, ignorando os pedidos administrativos – que deveriam ser atendidos imediatamente, dado a gravidade do caso. Reconheceu também a suficiência do IP para localizar os responsáveis pela disseminação do conteúdo. Julgou, assim, procedente os pedidos, confirmando os efeitos da antecipação da tutela (Idem, 2018).

Caso peculiar ocorreu em São Paulo. A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça desse estado manteve a condenação, para indenização por danos morais no valor de R$ 8 mil, a uma mulher, por divulgar conversas e imagens intimidas entre ela e seu ex-namorado no dia seguinte ao casamento dele com uma nova companheira, a família e amigos do casal. Peculiar porque a maioria dos casos de pornografia de vingança ocorre com o homem no papel de agressor. Entre as alegações de defesa da ré estavam a negativa de autoria, e, ao mesmo tempo a afirmação de que seu conteúdo não ensejaria em danos morais, pois o relacionamento era de conhecimento da atual companheira. As ofensas recebidas ainda em resposta a violação da intimidade seriam, ainda, equiparáveis aos danos sofridos pela vítima. A relatora, juíza Rosangela Telles, utilizou como fundamento para a sentença a violação aos direitos estabelecidos no art. 5º, X, da Constituição Federal (ESTADÃO, 2018). Como a mídia foi veiculada por e-mail a destinatários determinados, não houve pedido de retirada do conteúdo de sites.

Não foi o caso da professora Spring Cooper, de Nova York, em que foi constatada alguma dificuldade na remoção do conteúdo. As redes sociais, como Facebook, Tumblr e Twitter, asseguram um pronto atendimento, quando requisitados administrativamente, mas nem sempre é assim. O Tumblr, por exemplo, afirma estar comprometido com o cumprimento de seus Termos de Serviço, inclusive em relação as imagens divulgadas sem autorização, mas a professora relatou que passou horas para localizar e solicitar que suas fotos fossem removidas. O site ainda disse que poderia levar alguns dias para excluir o conteúdo (AB Peritos, 2018). Essa demora apenas agrava a situação, pois mais pessoas terão acesso ao conteúdo, aumentando o sofrimento da vítima.

Esse é o procedimento recomendado por Pinheiro (2013), para remoção de perfis falsos, mas que é cabível também para os casos de pornografia de vingança: solicitar extrajudicialmente (administrativamente) a retirada do conteúdo, por meio de notificação. Em caso de negativa ou decurso de tempo sem resposta, a vítima pode ajuizar ação de obrigação com pedido de tutela antecipada liminar, “para que o Juiz determine a retirada do perfil do ar, sob apuração do crime de desobediência, caso o provedor se mantenha inerte” (PINHEIRO, 2013, p. 327). Nessa ação pode também haver o pedido de ressarcimento dos danos causados caso o provedor se recuse a remover o conteúdo, quando notificado formalmente.

O Facebook fez um acordo confidencial, após ser processado por permitir a publicação de fotos de uma adolescente nua da Irlanda do Norte, de modo a reembolsar os gastos judiciais que ela teve para propor a ação, por danos e prejuízos por negligência, além de uso fraudulento de informações e violação a normas de proteção de dados. O caso ocorreu em 2014, quando a jovem, então com 14 anos, teve suas imagens divulgadas repetidamente em uma página da rede social (ISTOÉ, 2018). Após esse caso, a rede social decidiu adotar algumas providências para evitar a pornografia de vingança. Uma das ferramentas, ainda em teste, funciona da seguinte forma: o usuário manda as imagens para si mesmo, por meio do Facebook Messenger, e deve marca-las como imagem íntima. O site criará um código único, que identificará e impedirá qualquer tentativa de terceiros de compartilhá-las no Facebook, Instagram ou Messenger (pertencentes ao mesmo grupo) (ESTADÃO, 2018). Tal mecanismo ajudaria a coibir a veiculação do material.

Enquanto esse mecanismo não se encontra disponível, o Facebook permite a denúncia de páginas consideradas ofensivas, por meio da Central de Ajuda. Ao clicar no ícone correspondente, a rede social oferece, entre as opções, “Conteúdo abusivo” e, como descrição, “Isso inclui conteúdo prejudicial, spam ou uma violação da política”. Após acessar essa opção, há a orientação para que usuário utilize o link “Denunciar” presente ao lado do conteúdo de cada página, conforme captura de tela realizada em página aleatória da rede social:

 

 

Captura de tela feita no Facebook

 

Já no Google, principal réu nas ações referentes a remoção de páginas que contenham o conteúdo íntimo divulgado sem autorização, é possível acessar a página “Remoção de conteúdo do Google” (https://support.Google.com/legal/troubleshooter/1114905?hl=pt-BR), e preencher as informações necessárias para a adoção das providências desejadas. Primeiro, é preciso selecionar a qual produto do provedor se refere a denúncia. É recomendado que cada produto seja denunciado de forma separada, por exemplo, caso a foto esteja em um Blogger e uma página de pesquisa na web. Caso selecione a opção página de pesquisa na web, o usuário será direcionado para outra página, com opções mais fechadas, entre elas “Gostaria de remover minhas informações pessoais dos resultados da Pesquisa Google”. A próxima página, logo na primeira opção, contém a possibilidade de denúncia de conteúdo íntimo:

 

 

Captura de tela da página de denúncia do Google

 

Após selecionar a opção, o usuário continuará a preencher os dados solicitados pelo provedor. Como mencionado nos julgados apresentados, e na própria legislação, a vítima precisa ter os endereços das páginas em que se encontram suas fotos ou vídeos para que o provedor possa tomar as medidas necessárias para a remoção.

Outro meio bastante utilizado para a propagação da pornografia de vingança é o WhatsApp, aplicativo de comunicação gratuito que pode tanto ser instalado no celular como utilizado no computador. Inicialmente era apenas para envio de mensagens de texto, mas hoje permite o compartilhamento de fotos, vídeos, documentos, localização e outros. Conforme informações do próprio site, são mais de 1 bilhão de usuários, distribuídos em 180 países. Tem-se, então, uma ferramenta de fácil acesso e popular.

O aplicativo, no entanto, ao contrário do Facebook e Google, não permite a remoção de conteúdo impróprio devido a tecnologia utilizada para essa comunicação:

 

a criptografia de ponta-a-ponta do WhatsApp assegura que somente você e a pessoa com a qual você está se comunicando podem ler o que é enviado e ninguém mais, nem mesmo o WhatsApp. Isto porque mensagens são criptografadas com um cadeado único, onde somente você e o destinatário possuem uma chave especial para abrir e ler a mensagem (WHATSAPP, 2018).

 

Assim, nesse aplicativo não se aplicam as mesmas regras dos provedores, pois não é possível acessar ou rastrear o conteúdo, que fica armazenado em dispositivos pessoais.

Desde 2015 o aplicativo já foi bloqueado por três vezes, em todo o país, em decorrência de decisões judiciais estaduais solicitando acesso a mensagens trocadas entre usuários determinados, para fins de investigações criminais. O WhatsApp alegou que, devido a criptografia ponta a ponta, não teria como fornecer essas informações, que ficariam disponíveis exclusivamente para os usuários (ÉPOCA, 2018).

Outro ponto de discussão é a identificação dos agressores. Como em geral a vítima o conhece, teve alguma espécie de relação, não existem muitas ações com esse objetivo. Caso ela, quando do registro da ocorrência, informe que o agressor possuía as imagens em decorrência de um vínculo amoroso, será ele o primeiro investigado. Caso a vítima não saiba quem foi o propagador do conteúdo, é possível solicitar judicialmente a identificação dos logs de conexão, estabelecendo assim o responsável pela página feita por meio do IP, horário e e-mail pertencente ao usuário. Feita essa verificação, a vítima ingressa contra o provedor de serviço em que tal página (site, blog) está hospedada, solicitando as informações pessoais desse usuário. Se o acesso foi feito pelo celular, é possível ainda solicitar da operadora de telefonia esses dados. Caso o juiz defira e o provedor cumpra a determinação, a vítima terá em mãos os dados necessários para buscar a responsabilização do responsável pela divulgação do conteúdo íntimo. Esse (longo) caminho e a garantia da vítima de obter essas informações estão previstos nos artigos 10 e 22 do Marco Civil (VALENTE; NERIS; RUIZ; BULGARELLI, 2016).

As medidas cíveis são garantidas e, embora não haja ainda um consenso sobre como quantificar os danos morais sofridos, uma vez que alguns julgadores ainda ignoram a dimensão do problema, existe divergência quanto a responsabilização penal do agressor, pois não existe previsão legal para a violação da intimidade, da forma como ocorre na pornografia de vingança.


 

4 Responsabilização penal do agente pela prática de pornografia de vingança

 

4.1 Bem jurídico tutelado na pornografia de vingança

 

            Conforme exposto, o art. 5º, X, da Constituição Federal protege os seguintes direitos individuais: intimidade, privacidade, honra e imagem, sendo inclusive o limite do direito de comunicação e informação, também previsto na nossa Carta Maga. Cada um, no entanto, tutela um bem jurídico diferente.

            Para Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2017), a proteção desses direitos é de grande relevância, embora só tenha sido prevista de forma expressa na atual Constituição. Para os autores, privacidade e intimidade são dimensões da vida privada, e estão diretamente relacionados a outros direitos fundamentais, como a inviolabilidade do domicílio e o sigilo bancário, que garantem seu efetivo cumprimento.

            Segundo Mendes e Branco (2017), alguns autores não fazem distinção entre a privacidade e a intimidade, enquanto outros consideram a segunda parte da primeira. A privacidade seria, assim, um direito mais amplo, que engloba as relações pessoais em geral, incluídas as profissionais e comerciais, que o indivíduo deseja que não se tornem de conhecimento público. O direito à intimidade englobaria as relações mais próximas ainda, familiares e de amigos próximos. A vida privada não se restringe a apenas mais um direito individual, mas é “uma necessidade de todo homem, para a sua própria saúde mental. Além disso, sem privacidade, não há condições propícias para o desenvolvimento livre da personalidade” (Idem, 2017, p. 280).

Garcia e Arango seguem a mesma corrente, e definem a intimidade como “o direito de não ser conhecido em certos aspectos pelos demais. É o direito ao segredo, a que os demais não saibam o que somos ou o que fazemos” (apud GUIMARÃES; DRESCH, 2014, online). Já a definição de privacidade se assemelha a apresentada, sendo um direito mais amplo que o anterior, abrangendo todas as manifestações da esfera íntima. Ou seja, suas definições não são exatas, precisas, não há um rol de atos que integrem essa esfera, existindo assim uma margem de subjetividade.

Apesar da Constituição brasileira trazer expressamente esses dois princípios como autônomos, as de outros países, muitas vezes, trazem apenas o direito à vida privada, ou possuem concepções diferentes sobre o assunto.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a aplicação da privacidade foi ampliada diante dos casos levados a julgamento perante a Justiça: inicialmente a privacidade era resultado da construção jurisprudencial, não estando prevista na Constituição, e se resumia a proteção de certos assuntos de cunho pessoal do conhecimento público. Em 1965, a Suprema Corte, ao julgar inconstitucional lei que proibia o uso de anticoncepcional, no caso Griswold x Connecticut, passou a ver esse direito como um espaço de autonomia do indivíduo (MENDES; BRANCO, 2017).

Assim, no direito americano, em resumo, o direito à vida privada consiste no direito de se estar só e ser deixado só, ou seja, trata-se do direito a viver sem a interferência do Estado ou de terceiros em aspectos da vida pessoal (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017). Logo, não se trata apenas a manutenção de determinados fatos de foro íntimo longe do conhecimento público, mas do reconhecimento da autonomia do indivíduo, em decidir o que expor ou não.

Com isso exposto, Canotilho e Moreira (apud SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017), tem visão semelhante, e entendem que, na análise da reserva à intimidade da vida privada e familiar, encontram-se dois direitos menores, o de evitar que estranhos tenham acesso a essas informações de cunho íntimo e o de que ninguém divulgue essas informações.

Já o direito alemão apresenta a teoria das esferas como forma de conceituar os direitos relativos à privacidade, sendo elas: 1) a esfera privada, constituída do “núcleo essencial e intangível do direito à intimidade e privacidade”; 2) a esfera privada, que diz respeito aos “aspectos não sigilosos ou restritos da vida familiar, profissional e comercial do indivíduo, sendo passível de uma ponderação em relação a outros bens jurídicos’; e 3) a esfera social, aqui inseridos os “direitos à imagem e à palavra, mas não mais à intimidade e à privacidade” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 446/447). Essa teoria, no entanto, encontra diversas críticas por ser insuficiente para lidar com os diversos casos relacionados a privacidade e a intimidade, uma vez que há uma fluidez entre os diversos aspectos da vida privada do indivíduo. Por isso a dificuldade em definir, universalmente, esses institutos. Existem parâmetros e elementos comuns tanto no direito brasileiro como no estrangeiro, mas não é adequado fechar, restringir esses conceitos (Idem, 2017).

O direito à privacidade encontra algum limite quando se choca com o interesse público. É necessária a avaliação de cada caso, porém, para concluir se houve ou não violação a esse direito. Um artista, por exemplo, embora seja figura pública, possui informações pessoais que não são de importância para o público, servem apenas para “atender à curiosidade ociosa”. Para justificar a divulgação de tais informações deveriam “constituir em elemento útil a que o indivíduo que vai receber o informe se oriente melhor na sociedade em que vive” (MENDES; BRANDO, 2017, p. 285). Outro fator a ser observado é a dor íntima que a divulgação da informação causará ao indivíduo.

            A tecnologia também trouxe um novo significado para a privacidade. Agora ela deixa de ser apenas o direito do indivíduo de ficar só. A linha que separa a vida real da virtual é muito tênue, e é necessário um maior aparato para proteger os dados e informações armazenados na rede, sob o risco de violação aos direitos fundamentais inerentes ao indivíduo. A privacidade está, assim, relacionada a outros direitos essenciais, como a dignidade, a liberdade e a igualdade, sendo ela essencial para a concretização dos demais. Assim, “a limitação e tutela das informações pessoais dos usuários da internet devem ser garantidas como forma de assegurar o espaço necessário ao desenvolvimento da autonomia e do arcabouço valorativo próprio de cada um” (SANTOS; OLIVEIRA, 2017). Cabe ao Estado, dessa forma, agir de forma positiva para assegurar esses direitos.

A Constituição Federal contém em seus artigos alguns mandados de criminalização, como o previsto no próprio art. 5º, XLI: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais” (BRASIL, online, 2018). Cabe ao Poder Legislativo decidir como se efetivará a proteção dos direitos que não contem essa previsão, podendo optar pela tipificação penal (MENDES; BRANDO, 2017). Apesar da importância da privacidade e intimidade, tidas como essenciais para garantir a dignidade da pessoa, não há no âmbito penal norma específica para a punição de quem viole esses direitos, sendo cabível apenas a responsabilização civil, garantida constitucionalmente.

Outro direito fundamental protegido pelo art. 5º, X, da Constituição Federal é a honra, que pode ser definida como “um conceito que se constrói durante toda uma vida e que pode, em virtude de apenas uma única acusação leviana, ruir imediatamente” (GRECO, 2016, p. 317).

A honra está relacionada a imagem, mas são conceitos distintos. Trata-se de um bem imaterial, que compõe a dignidade humana, por estar relacionada ao bom nome e a reputação da pessoa. Assim como a privacidade e intimidade, possui diversas interpretações, e em alguns ordenamentos é conhecida por direito ao bom nome ou à reputação. Ainda no aspecto internacional, encontra-se expressamente mencionada na Declaração Universal da Organização das Nações Unidas e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017).

Historicamente a honra estava relacionada a uma estrutura aristocrática, e era utilizada para destacar algumas classes sociais, as mais honradas, como os nobres, dos demais, considerados menos honrados ou menos dignos. Atualmente, esse é um direito garantido a todos. Em comum com a privacidade e a intimidade está o fato de ser essencial para a dignidade humana e possuir um conceito abstrato, por se tratar de um direito subjetivo (Idem, 2017).

O bem jurídico protegido pela honra é o “apreço social, a boa fama e a reputação do indivíduo, ou seja, seu merecimento aos olhos dos demais” (Ibidem, 2017, p. 478). Integra, dessa forma, a esfera da integridade e da inviolabilidade moral. Dessa forma, a honra pode ser considerada sob dois aspectos, importantes para a visualização do momento da consumação do crime:

 

A chamada honra objetiva diz respeito ao conceito que o sujeito acredita que goza no seu meio social. Segundo Carlos Fontán Balestra, ‘a honra objetiva é o juízo que os demais formam de nossa personalidade, e através do qual a valoram’.

Já a honra subjetiva cuida do conceito que a pessoa tem de si mesma, dos valores que ela se autoatribui e que são maculados com o comportamento levado a efeito pelo agente. (GRECO, 2016, p. 318)

 

Assim, a honra está ligada as qualidades atribuídas ao indivíduo, tanto por ele mesmo quanto pela sociedade. Por ausência de norma específica, o Judiciário pune os agressores por pornografia de vingança utilizando os crimes contra a honra, especificamente os de injúria e difamação.

 

4.2 Crimes contra a honra

 

No Direito Romano, a honra era um direito público do cidadão, estando todas as ofensas dirigidas a ela classificadas como injúria, que englobava “qualquer lesão voluntária e ilegítima à personalidade, em seus três aspectos: corpo, condição jurídica e honra” (PRADO, 2017, p. 260). A difamação também era prevista, feita por canção ou por escrito, mas estava relacionada mais a uma lesão a tranquilidade pública, vista apenas de forma secundária como uma ofensa à reputação da vítima (Idem, 2017).

O Direito germânico trouxe uma distinção entre as lesões à honra e à integridade corporal, mas foi o Código Penal francês de 1810 que fez, pela primeira vez, a distinção entre as três espécies de crime contra a honra. As primeiras a serem tipificadas foram a calúnia, tratada como “a imputação de fato delituoso ou difamatório falso ou não comprovado verdadeiro”, e a injúria, que “consistia na imputação de caráter ultrajante”. Posteriormente houve a diferenciação entre a difamação, “imputação de fato determinado, lesivo à honra”, e a injúria, “toda expressão ultrajante ou de desprezo dirigida a outrem” (Ibidem, 2017, p. 260). Esses conceitos foram acolhidos pelas legislações penais subsequentes, inclusive de outros países, com poucas modificações.

No Brasil, o Código Penal francês serviu de base para o Código Criminal do Império, de 1830, que previa os crimes de calúnia e injúria. A difamação estava inserida no conceito de injúria, não tendo previsão expressa. O Código Penal de 1890 manteve o ordenamento anterior, dessa vez com a difamação incluída como subespécie de injúria (PRADO, 2017).

A difamação só veio a constar de forma expressa na legislação, junto com a calúnia e a injúria, no nosso atual Código, de 1940, em seu capítulo V, Dos crimes contra a honra. Legislações de outros países, no entanto, preveem apenas duas espécies: Espanha, Argentina e Chile possuem os delitos de calúnia e injúria. Já outros, como França, Alemanha, Suíça e Paraguai, trazem apenas a injúria e a difamação, por entender que a calúnia é apenas uma modalidade mais grave desse último crime (Idem, 2017).

 

4.2.1 Difamação

 

            O crime de difamação está previsto no art. 139 do Código Penal, que dispõe: “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa” (BRASIL, online, 2018). Além da honra o bem jurídico tutelado na difamação é a reputação, “o conceito que o sujeito passivo desfruta no meio social” (PRADO, 2017).

Conforme dispõe o caput, para a caracterização do crime é necessário a imputação de fato, ofensivo, a outro. Difere da calúnia, prevista no art. 138, que exige que o agente impute falsamente a alguém fato definido como crime. A única qualificação presente na difamação é que o fato seja ofensivo, embora também seja classificado nesse tipo penal imputar fato classificado como contravenção penal, pois a calúnia é expressa ao incluir em sua definição “crime” (Idem, 2017).

            Na difamação também não importa se o fato é verdadeiro ou falso, como na calúnia, pois o objetivo é proteger a reputação da vítima, evitando que ela seja maculada perante a sociedade. Assim, na difamação a honra é considerada no seu aspecto objetivo, ou seja, o conceito que seus pares têm em relação ao indivíduo (GRECO, 2016).

O fato desonroso, considerado como “aquele capaz de inspirar em outrem um sentimento de reprovação e desprezo para com a vítima, e afetar, desse modo, sua respeitabilidade no meio social”, deve ser determinado, não pode ser genérico, e se encontrar no plano concreto – não se classifica como injúria se o fato é uma expectativa ou probabilidade (PRADO, 2017, p. 274/275).

            O sujeito ativo desse crime é qualquer pessoa, independente de qualificação, e o passivo, também qualquer pessoa, inclusive a jurídica (Idem, 2016). É cabível, inclusive, aos chamados “desonrados”, aqueles que não possuem mais a estima pública, pois existe sempre uma parte ainda intacta que possa ser objeto de ofensa. O morto também pode ser sujeito passivo, desde que a atribuição do fato ofensivo tenha reflexos em seus parentes (PRADO, 2017).

A difamação é um crime de forma livre, podendo ser praticado por diversos meios, e não é necessária a presença do ofendido no momento da imputação, apenas que essa ocorra em seu círculo social (PRADO, 2017). Para Greco (2016) também o momento consumativo do crime ocorre quando terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos fatos ofensivos imputados a ela. Quando o ofendido toma ciência da situação, tem o prazo de seis meses para propor a ação penal, sob pena de decadência do seu direito. Caso a ofensa seja feita apenas na presença do ofendido e não chegue a terceiros não será difamação, podendo se encaixa na injúria.

A difamação só admite a modalidade dolosa, ou seja, “exige-se, aqui, que o comportamento do agente seja dirigido finalisticamente a divulgar fatos que atingirão a honra objetiva da vítima, maculando-lhe a reputação” (GRECO, 2016, p. 352).

Um tópico de relevância para este trabalho é a possibilidade de quem propaga o fato ofensivo imputado ser punido também pelo crime de difamação. Tal previsão é expressa para o crime de calúnia, mas não se encontra nessa espécie. Existe corrente que considera possível “quem, tomando conhecimento da imputação, lhe dá publicidade, divulgando-a ou propalando-a” figure também no agente ativo do crime (PRADO, 2017, p. 276). Greco concorda com essa posição, afirmando que quem “leva adiante a notícia difamatória também deve ser considerado um agente difamador” (2016, p. 355).

A competência para julgamento das ações é do Juizado Especial Criminal, uma vez que a pena máxima cominada em abstrato é de dois anos, sendo, assim, possível a propositura da suspensão condicional do processo, que só não será possível quando a prática delitiva for contra mulher no âmbito doméstico e familiar, conforme o art. 41 da Lei n. 11.340/2006 (PRADO, 2017). Esse dispositivo prevê que a Lei n. 9.099/1995, que dispõe sobre os juizados especiais, não será aplicada nos “crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista” (BRASIL, online, 2018).

Um exemplo de como a pornografia de vingança pode se enquadrar no crime de difamação seria quando “o agente oferece, em nome da mulher, serviços sexuais, atribuindo a ela, objetivamente, a condição de garota de programa ou algo semelhante, situação que acarretará, sem dúvidas, num prejuízo moral” (GUIMARÃES; DRESCH, 2014). Caso não seja imputado um fato e sim alguma qualidade, o crime será de injúria.

 

4.2.2 Injúria

 

            O crime de injúria está previsto no art. 140 do Código Penal, da seguinte forma:

 

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa” (BRASIL, online, 2018).

 

Da leitura do caput se deduz que, além da honra, esse crime protege especificamente a dignidade, “o sentimento que o próprio indivíduo possui acerca de seu valor social e moral”, e o decoro, “a sua respeitabilidade”. Sua principal característica é, dessa forma, “a exteriorização do desprezo e desrespeito, ou seja, consiste em um juízo de valor negativo, apto a ofender o sentimento de dignidade da vítima” (PRADO, p. 282, 2017). Possui como subespécies as injúrias real, estabelecida no §2º, e a preconceituosa, prevista no §3º, esta última possui inclusive pena mais grave que o homicídio culposo, tamanha sua gravidade para o legislador (GRECO, 2016).

Ao contrário dos crimes de calúnia e difamação, a injúria protege a honra subjetiva, ou seja, busca-se a proteção “as qualidades, sentimentos, enfim, os conceitos que o agente faz de si próprio (GRECO, 2016, p. 361). Também não se refere a um fato, mas “a atribuição de vícios ou defeitos morais, intelectuais ou físicos”, ou seja, pode tratar de uma condição pessoal do ofendido, como o corpo, ou de uma qualificação social ou capacidade profissional (PRADO, 2017, p. 282/283), sendo a atribuição feita de modo pejorativo.

O sujeito ativo da injúria pode ser qualquer pessoa, não há limitação; já o sujeito passivo é a pessoa física – a pessoa jurídica não pode figurar nesse polo. O crime se consuma a partir do momento que a vítima tem ciência das palavras ofensivas a sua dignidade ou decoro (GRECO, 2016). Assim como na injúria não é necessário que ela esteja presente no momento da ofensa, podendo ter conhecimento após o fato, por meio de terceiros.

Outra semelhança com a difamação é seu elemento subjetivo, ou seja, o dolo. Não é possível a injúria na modalidade culposa, é preciso que exista o animus injuriandi. A inexistência desse animus torna o fato atípico, como brincadeiras e críticas. O ofensor também pode se valer de uma diversidade de meios para ofender a vítima (GRECO, 2016).

O processamento da ação ocorre da mesma forma que na difamação é feita no Juizado Especial Criminal, havendo a possibilidade de suspensão condicional do processo. A injúria simples, a prevista no caput do art. 140, é de ação penal privada, procedendo-se mediante queixa.

 

4.3 Aplicação do ECA nos casos de pornografia de vingança

 

Como visto, muitas das vítimas da pornografia de vingança são menores de idade. Nesses casos não há qualquer divergência: deixa-se de aplicar o Código Penal por existir norma específica de proteção, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Seu Título VII prevê os crimes e infrações administrativas a que respondem aqueles que praticam qualquer dos atos descritos contra a criança e o adolescente. Dentre eles se destacam os seguintes artigos:

 

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente [...]

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente [...]

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente [...]

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente [...]

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais (BRASIL, online, 2018).

 

Assim, o ECA pune qualquer ato envolvendo o que considera pornografia infantil ou pedofilia, desde quem produza o conteúdo até quem o armazena. As penas variam conforma o crime, sendo, como extremos, a do art. 241-B reclusão de um a quatro anos e a do art. 240, de quatro a oito anos de reclusão, pressupondo assim que a produção seja um ato mais grave e, portanto, merecedor de maior atenção.

A ação é pública incondicionada, sendo seu titular o Ministério Público. Logo, o órgão pode fazer a denúncia, sem necessidade de aguardar a vítima fazer a queixa-crime. Tal medida de justifica devido aos destinatários da lei, crianças e adolescentes, que necessitam de maior proteção do Estado por sua vulnerabilidade (DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017).

Dessa forma tem o Judiciário aplicado os referidos artigos em casos de pornografia de vingança envolvendo menores, conforme julgado apresentado:

 

Apelação criminal. Vítima adolescente. Proteção integral. Constituição Federal e ECA. Fotografia Adolescente nua. Exibição de órgão sexual. Fim primordialmente sexual. Divulgação via celular. Autoria e materialidade. Comprovação. Insuficiência de prova. Não ocorrência. Recurso não provido. A CF/88 estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A simples conduta de registrar, por câmera fotográfica, celular ou qualquer meio, imagens de adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica perfaz a conduta prevista no tipo penal do art. 240 do ECA. Para sua caracterização, basta a vontade livre e consciente do agente de fotografar a vítima em cena de sexo explícito ou pornográfica, com fim primordialmente sexual, ainda que possa haver consentimento. Nudez que expõe genitália frontal de adolescente e que denota evidente fim primordialmente sexual apto a caracterizar o tipo penal, sobretudo diante das circunstâncias em que registradas as imagens. Irrelevância do consentimento da vítima pelo seu presumível caráter de vulnerabilidade. A conduta de divulgar foto de órgão genital de adolescente por celular, evidenciado primordialmente fim sexual, satisfaz a adequação típica do crime previsto no art. 241 do ECA, uma vez que permite a difusão da imagem para um número indeterminado de pessoas, tornando-as públicas (precedente do STJ). A absolvição é inviável, máxime quando as declarações da vítima e o conjunto probatório se harmonizam e demonstram, inequivocamente, que o agente fotografou adolescente nua e, após o término da relação amorosa, divulgou as imagens por aparelho celular. (TJ-RO - APL: 00036823020128220009 RO 0003682-30.2012.822.0009, Relator: Desembargador Miguel Mônico Neto, Data de Julgamento: 03/06/2015, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 08/06/2015.)

 

Nesse caso, a adolescente teve fotos íntimas suas divulgadas, sem sua autorização, pelo ex-namorado, que as transmitiu por meio do telefone celular, pelo modo bluetooth, após o término do namoro. Os dois mantiveram um relacionamento amoroso por mais de três anos, e o acusado aproveitou uma das vezes em que a vítima dormia em sua casa para tirar as fotografias, sem o conhecimento dela.

Conforme o relator da apelação, Miguel Mônico Neto, expõe em seu voto, o crime se caracteriza independente do consentimento da vítima, pois há o reconhecido estado de vulnerabilidade por se tratar de vítima menor de idade.

O ex-companheiro foi condenado nos crimes descritos nos arts. 240 e 241-A do ECA. No primeiro, foi condenado a 4 anos de reclusão, no regime aberto, pena substituída por prestação de serviço à comunidade; e no segundo, condenado a 3 anos de reclusão, também no regime aberto e também substituída por prestação de serviço. A vítima, assim como tantas outras, entrou em depressão, inclusive abandonando a faculdade pela vergonha da exposição causada.

Há, no entanto, uma discussão acerca do disposto no art. 241-E, que traz a definição da expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica”. Para ser objeto dos crimes dispostos nos artigos mencionados, não é obrigatório que as imagens contenham cenas de relação sexual, podendo incorrer aquelas imagens que exibam os órgãos sexuais, mas com teor pornográfico. Excluem-se, dessa forma, fotografias íntimas que não exponham de forma expressa nudez, mas que ainda sim firam a intimidade da parte.

Dias, Santos e Oliveira (2017) trazem um julgado da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que absolveu o ex-namorado de uma adolescente por ter postado fotos dela sem seu consentimento, pelo fato da vítima estar em trajes íntimos e não nua. O relator utilizou como fundamento do seu voto o art. 386, III, do Código de Processo Penal, que dispõe que o juiz absolverá o réu quando o fato não constituir infração penal. Assim, percebe-se que o foco da lei é realmente a punição da pornografia infantil, não abrangendo de forma satisfatória a pornografia de vingança, uma vez que seu objeto é restrito a material em que o teor sexual esteja explícito.

 

4.4 Analogia

 

Como visto, com exceção dos casos envolvendo crianças e adolescentes, não existe norma própria sobre a pornografia de vingança a fim de responsabilizar o agente no âmbito penal. A condenação dos agressores nas tipificações apresentadas decorre da integração, “processo de preenchimento de lacunas, existentes na lei, por elementos que a própria legislação oferece ou por princípio jurídicos, mediante operação lógica e juízo de valor” (NADER, 2013, p. 191). Ou seja, o julgador busca no próprio ordenamento a solução, utilizando uma das duas espécies de integração, os princípios gerais de Direito ou a analogia.

Os motivos pelos quais existem essas lacunas são inúmeros: dificilmente o legislador consegue prever todos os casos em que seria necessário o amparo legal, o ineditismo do tema ou mesmo pode ser uma decisão consciente, deixando a critério do julgador a decisão. Ressalte-se que a integração não é fonte formal, apenas uma orientação de como encontrar a norma aplicável (Idem, 2013).

A analogia encontra fundamento no princípio da igualdade jurídica, que exige “que os casos semelhantes devem ser regulados por normas semelhantes” (BETIOLI, 2013, p. 462). Na legislação brasileira, sua base se encontra no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que permite a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito quando a lei for omissa.

A analogia é “um recurso técnico que consiste em se aplicar, a uma hipótese não prevista pelo legislador, a solução por ele apresentada para uma outra hipótese fundamentalmente semelhante à não prevista” (NADER, 2013, p. 194). Seu método de aplicação consiste em encontrar a norma positiva que apresente maior semelhança fundamental com o caso concreto, além da necessidade de haver identidade entre os motivos das duas hipóteses. A hipótese prevista legalmente, que servirá de parâmetro para a lacuna, é chamada de paradigma (Idem, 2013).

Para a aplicação da analogia é necessário que a razão fundamental das duas normas esteja presente na paradigma, ou seja, não importa a quantidade de características semelhantes, mas a presença dessa razão (Ibidem, 2013).

Apesar de se tratar de um processo lógico, a analogia envolve também o juízo de valores, pois eles serão necessários para chegar a igualdade, porém esta deve ser justa, conforme o princípio em que se fundamenta. Dessa forma, esse método de integração pressupõe a investigação lógica, para verificar qual norma servirá de paradigma, entendendo os requisitos apontados, e axiológica, que busca a justiça na igualdade (BETIOLI, 2013).

Já a interpretação extensiva não pressupõe uma lacuna, pelo contrário. Trata-se de uma ampliação do significado contido na norma, de modo a coincidir com o espírito da lei, ou seja, o caso é positivado, mas há uma insuficiência verbal, uma vez que sua intenção era maior que o enunciado (NADER, 2013).

O Código de Processo Civil traz menção expressa ao assunto, em seu art. 140, que dispõe: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico” (BRASIL, online, 2018). Deve, para tanto, utilizar o melhor método para embasar sua decisão, não podendo dela se isentar.

No âmbito penal, o Código de Processo Penal autoriza a interpretação extensiva e a aplicação analógica, além dos princípios gerais do direito. Existem, porém, alguns critérios a serem observados. No direito material, entretanto, tais procedimentos são vedados, em decorrência do princípio da legalidade ou reserva legal e de outro decorrente dele, o da taxatividade.

Esse princípio está previsto tanto no Código Penal, art. 1º, como na Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIX, e dispõe que “não há crime (infração penal), nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu)”, ou seja, “a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas consequências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal)” (PRADO, 2017, p. 236). Esse princípio é essencial a garantia de outro, a segurança jurídica, pois vincula o magistrado aos tipos penais e punições já estabelecidos em lei pelo legislador, quando da ocorrência do crime.

Já a taxatividade, tido como um subprincípio da reserva legal, é uma limitação do poder punitivo do Judiciário, que deve “interpretar e aplicar a norma penal incriminadora nos limites estritos em que foi formulada, para satisfazer a exigência de garantia, evitando-se eventual abuso judiciário” (Idem, 2017, p. 242). Ou seja, o magistrado, quando prolatar a sentença, atentará para os limites legais estabelecidos, para os parâmetros permitidos para a aplicação da norma ao caso concreto. Não deve haver margem para subjetividade ou interpretação dos tipos penais, sob o risco de se criarem condutas e ferir a segurança jurídica.

O Tribunal Constitucional espanhol prevê que o legislador deve fazer o máximo possível para que a norma seja a mais clara e precisa, justamente para evitar possíveis arbitrariedades por parte dos magistrados. O cumprimento desse subprincípio possibilita a concretização do princípio da reserva legal e outros a ele relacionados (Idem, 2017).

Dessas garantias decorre o impedimento de aplicação da analogia no Direito Penal. Não é possível aplicar esse método de integração em relação aos tipos penais e suas consequências jurídicas, pois, além da vedação expressa contida no art. 1º do Código Penal e do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, resultaria no não atendimento dos princípios elencados acima, por dar uma margem de interpretação ao magistrado que resultaria em insegurança jurídica. A analogia é permitida, quase pacificamente, para a aplicação de normas penais não incriminadoras, como os excludentes de ilicitude e as atenuantes (Ibidem, 2017).

Esses apontamentos são necessários para entender as críticas relacionadas a classificação da pornografia de vingança como crime contra a honra, pois existe uma discussão acerca do bem jurídico tutelado, honra x intimidade. Caso a corrente seja pela intimidade, não seria possível a aplicação das normas que visam a proteção de outro direito.

 

4.4.1 Considerações

 

Apesar de posição predominante ser a de utilizar os crimes de difamação e injúria para punir o agressor na pornografia de vingança, algumas considerações merecem destaque. A primeira é o processamento das ações, que ocorre em geral nos Juizados Especiais Criminais, pois são considerados crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena em abstrato não ultrapassa dois anos de detenção. A exceção seria a injúria preconceituosa, dificilmente aplicada a pornografia de vingança.

            Os Juizados possuem características próprias, prezando pela conciliação e tendo como princípios norteadores a “oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade”, além de buscar ‘a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade” (BRASIL, online, 2018). Assim, o juiz geralmente oferece a transação penal, ou seja, um acordo entre as partes, agressor e promotor, “segundo o qual o acusado não se declara culpado mas aceita cumprir penas mais brandas, alternativas à prisão, para evitar o processo judicial” (DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017). Decorre, daqui o sentimento de impunidade, sentido tanto pelo agressor – que conseguiu seu intento de vingança, e poderá ter sua pena convertida em prestação de serviço, e a vítima, que vê sua vida totalmente modificada enquanto a do agressor pouco se altera.

            Há ainda a possibilidade de o agressor sequer ser processado penalmente, pois se a vítima opta por realizar a composição civil dos danos, de forma a evitar mais desgaste emocional, sendo esse acordo homologado por sentença irrecorrível, há a renúncia ao direito de representação quanto aos fatos alegados em audiência preliminar no Juizado (Idem, 2017).

            O processamento dessas ações só ocorrerá na Justiça Comum se houver enquadramento na Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340, pois, como já visto, existe norma expressa para que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher não seja aplicada a Lei n. 9.099/1995.

Apesar de não haver determinação expressa, a pornografia de vingança, desde que praticada pelo parceiro da vítima, estaria tutelada pela Lei n. 11.340 em decorrência de seu artigo 2º, que assegura a todas as mulheres tanto os meios para viver sem violência como também para preservação não apenas de sua saúde física, mas também da mental (GUIMARÃES; DRESCH, 2014).

Nos casos de aplicação da Lei Maria da Penha, o juiz pode determinar medidas protetivas de urgência, independente de previsão legal, como o afastamento temporário do lar. A lei, no entanto, não cria tipos penais, apenas agrava os já existentes, sendo sua principal consequência a mudança do juízo competente, por não se tratar mais de crime de menor potencial ofensivo (VALENTE; NERIS; RUIZ; BULGARELLI, 2016).

A classificação da pornografia de vingança como crime contra a honra também enfrenta críticas:

 

Tem sido cada vez mais comum a ocorrência da denominada revenge porn, em que alguém, normalmente depois de terminado um relacionamento amoroso, divulga na internet imagens ou vídeos íntimos do ex-parceiro. Há decisões no sentido de que se caracterizam os crimes de difamação e de injúria, mas, a nosso ver, não se trata de difamação porque não há, na conduta de divulgar imagem íntima, imputação de fato ofensivo à reputação, exigência expressa do tipo.

Caracteriza-se, no entanto, o crime de injúria, pois a divulgação de imagens íntimas na linha da revenge porn e sem dúvida ofensiva à dignidade e ao decoro, além de ser feita não somente com a intenção de expor e constranger, mas também com a de transmitir a mensagem de que a vítima é desonrada porque deixou-se fotografar ou filmar em posições eróticas” (SANCHES, 2017, p. 192).

 

Ou seja, a difamação só é cabível quando houver realmente a imputação de um fato, como quando o agressor divulga a foto íntima da vítima com telefones para contato, afirmando que ela está disponível para programa. Já a injúria seria presumida pelo simples ato de publicar o material.

Sarlet, Marinoni e Mititdiero (2017) consideram que o direito à honra e a imagem estariam mais vinculados a identidade e a integridade moral do que com os direitos relacionados a vida privada, privacidade e intimidade. Guimarães e Dresch (2014) corroboram com esse entendimento, porém fazem uma ressalva, caso a pornografia de vingança seja tipificada, que o objeto tutelado seja a liberdade, pois a intimidade e a privacidade são direitos classificados como de direito individual, e não a honra, pois cabe a mulher decidir se deseja ou não se expor.

Há ainda algumas dificuldades quanto ao processamento desses crimes. Como se trata de uma ação penal privada, cabe a vítima a constituição de advogado para apresentar a queixa-crime, além de arcar com seus custos. É possível buscar auxílio na Defensoria Pública, que fornece assistência jurídica gratuita. O prazo decadencial também é curto, de seis meses contados do momento em que a vítima tem conhecimento do autor do crime (VALENTE; NERIS; RUIZ; BULGARELLI, 2016).

Existe ainda uma corrente que pondera a aplicação do crime de lesão corporal, previsto no art. 129 do Código Penal, nesses casos, pois ele protege a integridade física e a saúde de outrem. O objeto dessa espécie de crime é a “incolumidade pessoal do indivíduo”, sendo ele protegido “na sua saúde corporal, fisiológica e mental (atividade intelectiva, volitiva ou sentimental)” (SANCHES, 2017, p. 115).

Essa é a posição adotada por Pinheiro e Silva (2017), ao citar que 31% das denúncias feitas na Secretaria de Políticas Públicas Para Mulheres se referem a violência psicológica e moral. A violência física é mais visível, mas essa promoção de sentimento de culpa nas vítimas, decorrente da persistente violência de gênero no inconsciente coletivo, tem reflexos, muitas vezes, ainda mais graves – como visto, essa violação da intimidade causa desde constrangimento a quadros de depressão, que necessitam de tratamento, inclusive a longo prazo. Dessa forma, fere a saúde mental.

Nesse sentido, vários países já se mostraram favoráveis a essa interpretação, adotando normas para proteção do dano psicológico:

 

Espanha adotou medidas de controle da publicidade sexista, enquanto Portugal proibiu expressamente maus tratos psíquicos ao cônjuge, conforme o disposto no Código Penal. Na França, a jurisprudência moderna reconheceu o delito de violência psicológica habitual (violence psychogique) como conduta capaz de causar depressão, perda de autoestima, pânico, doenças psicossomáticas, insônia e transtornos alimentares. Na Argentina, a legislação penal prevê modalidades da violência psicológica e simbólica, sendo que essa última consiste na perpetuação das desigualdades de gênero por meio de estereótipos que naturalizam a sujeição da mulher (Idem, online, 2017).

 

Dessa forma, as autoras, além de concordar com outros sobre o bem jurídico principal ferido na pornografia de vingança não ser a honra, classificam a prática como lesão corporal, diante dos danos psicológicos causados. Esse enquadramento acarretaria em um tratamento diferente a prática, diferente do que ocorre nos juizados criminais, que simplificam a conduta ao trata-la como injúria ou difamação. Com a tipificação em lesão, associada a aplicação da Lei Maria da Penha, pois envolve violência doméstica e familiar, traria um apoio maior a vítima, por meio de um atendimento humanizado, acompanhamento por equipe multidisciplinar, a possibilidade do juiz aplicar medidas protetivas, além de tornar a ação indisponível e viabilizar também o acompanhamento do agressor.

Em pesquisa realizada com julgados envolvendo a pornografia de vingança, Valente, Neris, Ruiz, Bulgarelli (2016) encontraram ainda outros crimes vinculados a prática, sendo 7 casos de extorsão; 5 de ameaça; 2 de crime contra a honra; 2 da Lei Maria da Penha; 1 de coação no curso do processo e até mesmo 1 envolvendo estupro. Nem sempre ocorre de fato a divulgação, mas o agressor se beneficia da posse do material de cunho íntimo para praticar esses delitos.

Os autores apontam ainda outro fato sobre a pesquisa: a quantidade de casos em que o julgamento favoreceu o réu: os dois casos de crime contra a honra, devido a questões processuais e outro por ausência de provas A pena mais alta ocorreu no julgamento do caso de extorsão, 6 anos, sendo a única cumprida inicialmente em regime fechado.

Também houve análise de 17 casos de pornografia de vingança tendo adolescentes como vítimas e, portanto, com as ações regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Houve, aqui, um questionamento a respeito da eficácia da lei no cumprimento de seu papel principal, a proteção de seus destinatários. Em primeiro grau foram apenas 9 decisões desfavoráveis ao réu. Das 8 decisões favoráveis houve a reforma em 6 delas, sendo as modificações em benefício do réu, desde a absolvição a substituição de pena privativa de liberdade. Entre as discussões suscitadas nesses processos estão a ausência de dolo, pelo agressor não saber a idade da vítima, e a classificação restrita do ECA quanto a pornografia, conforme destacamos acima. Ressaltam, ainda, que existem mais ações no âmbito cível do que no penal, sendo a principal intenção a remoção do conteúdo. Entre as hipóteses levantadas para a baixa procura nessa esfera estão o desgaste emocional da vítima, pois isso significa relembrar o caso e se expor novamente, sob o risco de mais condenação social, e o próprio desconhecimento da tipificação penal do ato (Ibidem, 2016).

Diante de todo esse cenário apresentado, o Legislativo apresentou diversos projetos de lei com o objetivo de criar um tipo penal específico para a pornografia de vingança, tendo em vista suas particularidades.

 

4.5 Propostas legislativas

 

Devido as contradições na aplicação da norma penal em relação aos casos de pornografia de vingança, diversos legisladores apresentaram proposta de alteração ou inclusão, com o objetivo não apenas de tipificar a prática, mas proporcionar alguma garantia às vítimas. As primeiras discussões partiram justamente de alguns dos casos narrados neste trabalho, sendo a percussora Rose Leonel.

O primeiro Projeto de Lei apresentado foi o de número 5555, de 9 de maio de 2013, de autoria do deputado federal João Arruda, que inclusive o batizou com o nome de Rose. Pretendia alterar a Lei n. 11.340 com o objetivo de criar “mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na Internet ou em outros meios de propagação da informação” (CÂMARA, 2018). Na justificativa do projeto argumenta que a veiculação de material audiovisual e informações com conteúdo íntimo da mulher, sem seu consentimento, é uma modalidade de violência doméstica, ainda não abordada por nenhuma política pública ou legislação, sendo necessária devido ao crescente número de casos registrados. Sua principal alteração ocorreria no art. 7º, acrescentando ao rol de formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a

 

violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade (CÂMARA, online, 2018).

 

Acrescentaria, ainda, como medida protetiva, a remoção, no prazo de 24 horas, do conteúdo veiculado, que fira a intimidade da mulher. Tal providência, como visto, já é garantida, mas o prazo estipulado ajudaria a diminuir a propagação da mídia, além de evitar possíveis desentendimento com os provedores de internet.

A inclusão do tema na Lei Maria da Penha garantiria ainda a tramitação do processo nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, proporcionando maior agilidade nesses casos (DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017). O projeto de lei foi aprovado, porém com um substitutivo, apresentado pelas deputadas Laura Carneiro e Tia Eron, acrescentando o crime de exposição pública da intimidade sexual, conceituado como a “ofensa à dignidade ou decoro de outrem, divulgando por intermédio de imagem, vídeo ou qualquer outro meio, material que contenha cena de nudez ou de ato sexual de caráter privado”. A pena prevista seria a de reclusão de 3 meses e 1 ano, com causa de aumento de um terço à metade se cometido por motivo torpe ou contra pessoa com deficiência (Idem, online, 2017).

O Projeto de Lei n. 5822, apresentado em 25 de junho de 2013, de autoria da deputada Rosane Ferreira possuía proposta semelhante, sendo por esse motivo apensado ao PL n. 5555. Tinha como objetivo incluir “a violação da intimidade da mulher na internet entre as formas de violência doméstica e familiar constante na Lei 11.340” (CÂMARA, 2018).

O senador Romário Faria teve entendimento diferente e apresentou o Projeto de Lei n. 6630, também em 2013. Ao contrário dos anteriores sua proposta era a alteração no Código Penal, com a inclusão do art. 216-B, que teria o seguinte teor:

 

Divulgação indevida de material íntimo

Art. 216-B. Divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima.

Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

§1º Está sujeito à mesma pena quem realiza montagens ou qualquer artifício com imagens de pessoas.

§2º A pena é aumentada de um terço se o crime é cometido:

I - com o fim de vingança ou humilhação;

II – por agente que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima com ou sem habitualidade;

§3º A pena é aumentada da metade se o crime é cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa com deficiência (CÂMARA, online, 2018).

 

O senador buscou, assim, abranger não apenas a pornografia de vingança, mas qualquer espécie de pornografia não consentida, abarcando inclusive os casos em que crianças ou adolescentes são vítimas. Além disso, previa a indenização para qualquer gasto decorrente do ato, como a mudança da vítima de domicílio e tratamentos psicológicos, não se excluindo a responsabilidade civil. Justificou seu projeto com base em notícias veiculadas à época sobre a pornografia de vingança e suas consequências e a impunidade do agressor, tendo em vista que os crimes de difamação e injúria possuem penas brandas, que não correspondem a gravidade da ação.

A deputada Eliene Lima apresentou no mesmo ano o Projeto de Lei n. 6713/2013, que tipificava a pornografia de vingança, tendo como pena reclusão de 1 ano e multa de 20 salários mínimos, sendo apensado ao PL apresentado pelo senador Romário, que por sua vez foi apensado ao PL n. 5.555 (CÂMARA, 2018).

Por essa razão, o senador tornou a apresentar sua proposta, dessa vez como o Projeto de Lei do Senado n. 65/2015. O deputado Sandes Júnior apresentou o PL n. 6831/2013, também com a intenção de acrescentar o art. 216-B no Código Penal, para tornar crime a exposição pública da intimidade física ou sexual, sendo apensado ao primeiro (DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017).

O deputado Fábio Trad apresentou o PL n. 7377/2014, com o intuito de alterar o Código Penal, acrescentando o art. 216-B, mas com redação diferente a sugestionada pelo senador Romário. Possuía em seu caput diversos verbos que caracterizariam o crime: “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar” (CÂMARA 2018). Sua pena era mais grave, reclusão de 2 a 6 anos, possuindo ainda quatro causas de aumento, entre elas se o crime tivesse a intenção de humilhação pública ou se fosse cometido contra a parceira. Uma peculiaridade da proposta era a redação expressa de que o delito estaria configurado mesmo com a anuência da vítima em fazer a mídia (vídeo/foto) e em armazená-la – mas não em divulga-la.

Com relação as modificações do Código Penal foram propostos ainda mais dois Projetos de Lei. O primeiro, 4527/2016, do deputado Carlos Henrique Gaguim, buscava a criação do art. 233-A, pertencente a capítulo que trata do ultraje público ao pudor, para tipificar a divulgação de fotos ou vídeos íntimos de mulher. O segundo, 3158/2015, de autoria de Iracema Portela, buscava a criação do mesmo artigo, mas dispondo como crime quem promovesse a “exposição pública da intimidade física ou sexual de alguém” (DIAS; SANTOS; OLIVEIRA, 2017).

Existem ainda outras propostas, dentre as quais podemos elencar os Projetos de Lei n. 170/2015 e 6831/2013.

Atualmente, no entanto, o projeto mais próximo de se tornar efetivamente lei é o que teve origem no PL n. 5555. Até abril de 2018 a tramitação do projeto se encontrava da seguinte forma: aprovado pelo plenário do Senado Federal em 13 de março de 2018, onde tramitava sob a alcunha de Projeto de Lei da Câmara 18/2017, com substitutivos, sendo o projeto remetido de volta à Câmara na mesma data. Em 23 de abril o PL foi recebido pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, após passar pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CÂMARA, 2018).

A redação do inciso II do art. 7º da Lei Maria da Penha sofreu alterações para constar qualquer ameaça, constrangimento, humilhação, chantagem ou violação a intimidade, entre diversas outras ações que de alguma forma causem dane a mulher, como forma de violência psicológica. Além disso há a proposta de acrescentar ao Código Penal os artigos 216-B e 216-C, no Capítulo I-A, denominado “Da exposição da intimidade sexual’. O primeiro tem a intenção de punir o registro não autorizado da intimidade sexual, ou seja, aquele que produza, fotografe, filme ou registre, por qualquer meio, cena de nudez, ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo, sem consentimento dos participantes. A pena estipulada é de seis meses a um ano e multa. A montagem de qualquer mídia com o intuito de incluir a pessoa nessas situações também seria punível por esse artigo (CÂMARA, 2018).

Já o art. 216-C visa a divulgação não autorizada da intimidade sexual, responsabilizando aquele que disponibilize, transmita, distribua, publique, divulga ou exiba qualquer mídia contendo, assim como no anterior, cenas de nudez, ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo, sem consentimento. A pena é maior, indo de 2 a 4 anos de reclusão e multa. Há ainda a previsão de uma causa de aumento, incluída entre as hipóteses quando o crime é praticado por motivo torpe ou com violência contra a mulher. Em ambos os casos a ação será pública condicionada à representação (Idem, 2018).

Destaque-se que o projeto da pornografia de vingança foi aprovado pelo Senado Federal na semana do Dia Internacional da Mulher, em uma movimentação conhecida como pauta feminina, pois, além dele, passaram pela votação o PLC n. 186/2017, delegando à Polícia Federal a investigação de “crimes associados à divulgação de mensagens de conteúdo misógino (propagam ódio ou aversão às mulheres) pela internet” e o PLC n. 4/2016, que criminaliza o descumprimento das medidas protetivas prevista na Lei n. 11.340, com o objetivo de proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A pena estipulada é de detenção de três meses a dois anos para o agressor que incorra nessa desobediência (SENADO, online, 2018).

Foi necessária a divulgação maciça das consequências da pornografia de vingança para as vítimas, além do aumento expressivo no número de casos, para que o legislador se mobilizasse no sentido de incluir norma expressa referente ao tema na legislação. Como visto, o Projeto de Lei n. 5555/2013 ainda tem um percurso a seguir até a sua sanção, mas já representa um avanço na proteção das vítimas e punição dos agentes.

CONCLUSÃO

 

A violência contra a mulher está presente na sociedade há séculos. As mudanças legislativas, as conquistas do movimento feminista, a maior conscientização dos indivíduos, não foram capazes de extinguir o problema, que tem base histórica marcante. Sua vida se torna alvo de julgamento a partir do momento em que confronta os papeis estabelecidos a cada gênero.

O homem, desde tempos anteriores, possuía direitos e garantias que não apenas visavam sua dignidade, como também serviam para exercer dominação sobre as mulheres. A elas eram impostos costumes, maneiras, formas de agir e falar rigorosos, que as tornavam submissas. Tais imposições eram tão fortes que se mantém até hoje, de forma muitas vezes inconsciente. Essa naturalização torna mais difícil a percepção do que é violência.

Desse cenário surgiu uma nova forma de violência de gênero, a pornografia de vingança, que consiste na divulgação de imagens, vídeos ou outro conteúdo íntimo sem autorização da vítima, em revanche, principalmente, ao término de um relacionamento. Por se tratar de um tema novo, relativamente recente, não possui legislação específica. No âmbito cível, aplica-se a regra geral de responsabilidade civil e a adoção de medidas para exclusão do material da rede. Mesmo nesses casos, no entanto, percebe-se reflexos da referida construção do papel da mulher na forma como o julgador se manifesta, desde a própria condenação moral da vítima, pela idealização de que “mulheres direitas” não tiram fotografias desse tipo, até os valores, muitas vezes insuficientes não apenas para a justa indenização, mas também para os próprios custos relativos a todo esse procedimento.

Essa condenação equivocada, de que a mulher assume o risco de exposição ao autorizar a produção desse material, parece ignorar a natureza dos relacionamentos, de confiança e respeito mútuos, além de ignorar sua autonomia sobre o próprio corpo. Tais pensamentos e atitudes apenas desviam o foco da principal questão, a violação da intimidade feita pelo agressor, que, nesses casos, dificilmente sofre com o julgamento da sociedade como a mulher. As ofensas recebidas pelas vítimas são tão grandes que provocam danos muitas vezes irreversíveis, e vão desde a depressão até mesmo ao suicídio.

Para responsabilizar, criminalmente, esses agressores, o Judiciário tem classificado a pornografia de vingança como um crime contra a honra. Posição, no nosso entender, equivocada, pois os bens jurídicos afetados são diferentes. Em primeiro lugar há a violação da intimidade, privacidade, e, apenas em casos em que exista de fato uma atribuição de qualidade ou fato ofensivos estariam caracterizados os crimes de injúria e difamação.

O fato de que alguns autores defendem o enquadramento em injúria quando há a simples veiculação do conteúdo íntimo, sem a atribuição de qualidade, parece-nos decorrer mais do julgamento social do que da própria honra em si da vítima, pois a imagem por si só não feriria a dignidade ou decoro, uma vez que realizada em momento de cumplicidade com o parceiro. Na nossa opinião, a concepção de que a vítima é desonrada por permitir a produção desse material está mais ligada a história e construção do gênero.

Há ainda a aplicação de crimes secundários, como a ameaça ou extorsão, quando presentes situações que os caracterizem, cujo entendimento, com base no material pesquisado, é pacífico. A discussão reside ainda no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois o conceito de imagem de sexo ou pornográfica é limitado, o que pode isentar alguns agentes de responsabilização.

Em qualquer dos casos, com raras exceções, as penas são mínimas, se comparadas aos danos sofridos pelas vítimas. Esse é mais um agravante da pornografia de vingança, pois há a sensação de impunidade, tanto para o agressor como para a própria vítima, o que a desmotiva a procurar a justiça.

Após a divulgação dos casos de suicídio envolvendo duas adolescentes vítimas da pornografia de vingança, o Legislativo apresentou os primeiros projetos de lei com o objetivo de tipificar a conduta. Há uma forte corrente que defende sua integração à Lei Maria da Penha, justamente pela prática decorrer, na maioria das vezes, de um relacionamento, sendo o agressor um ex-parceiro.

Consideramos, no entanto, que a pornografia de vingança pertence a uma categoria mais ampla, denominada por alguns de pornografia não consentida e por outros, de disseminação não consensual de imagens íntimas. Enquadrar a pornografia de vingança na Lei n. 11.340 restringiria sua aplicação aos casos familiares ou domésticos, e deixaria ainda uma lacuna para os casos, por exemplo, de divulgação decorrentes do furto de celular ou invasão de dispositivos.

Dessa forma, consideramos a inclusão de um tipo penal que vise a proteção da intimidade como medida mais adequada para responsabilizar não apenas os agentes da pornografia de vingança, mas todos aqueles que, de alguma forma, violem esse direito, englobando, assim, todos os demais casos.

Mais importante que a tipificação dessa prática, no entanto, é a conscientização da sociedade como um todo, não apenas em relação a pornografia de vingança em si, mas a todas as espécies de violência de gênero. Nas matérias lidas para o desenvolvimento desse trabalho encontramos orientação para que a mulher evite se deixar fotografar ou filmar em cenas íntimas, ou, caso assim deseje, dicas sobre como se portar para não ser reconhecida, além das medidas de segurança passíveis de serem adotadas. As notícias, dessa forma, giram em torno da vítima; não há uma tentativa de despertar o público para as questões intrínsecas a violência, abordadas ao longo do trabalho.


 

REFERÊNCIAS

 

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[1]O autor cita dois sites “especializados” em pornografia de vingança. Conforme consulta realizada em 25 de março de 2018, o realexgirlfriends.com ainda se encontra ativo e o iknowthisgirl.com, aparentemente, mudou o nome para iknowthatgirl.com.

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