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NÃO HÁ REVELIA NA AÇÃO SOCIOEDUCATIVA
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Não se deve confundir, nem misturar as coisas, muito menos criar-se uma interpretação alternativa. Ação penal contra maiores imputáveis e a Ação Socioeducativa em face de menores não guardam nenhuma relação jurídico-processual ou substancial. Por mais que a visão leiga, muitas vezes fomentada por noticiários sensacionalistas, deseje crer se tratarem de institutos idênticos separados apenas pelo juízo de sua tramitação (Vara Criminal Comum e Juizado da Infância e da Juventude).
A Ação Penal serve à repressão e prevenção do crime, atentando-se à culpabilidade, aos motivos, às circunstâncias e às consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima. O desejo do processo penal é absolver ou condenar o acusado. No último caso, inflingindo-lhe um terrível castigo, a privação da preciosa liberdade e, ainda, advertindo a toda a sociedade das consequências pedagógicas da prática do crime.
Na Ação Socioeducativa o escopo da jurisdição é outro, bem diverso, não há repressão, não há castigo. O Estado brasileiro, ao encontro de vários Tratados e Convenções internacionais aos quais aderiu e seguindo a orientação de Nações afinadas com o respeito e preservação dos direitos humanos, optou por considerar a criança e o adolescente como pessoa em fase de desenvolvimento, sendo dever do Poder Público, da sociedade e da família garantir-lhes o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Destarte, a prática do Ato Infracional – fato correspondente a uma figura penal – pelo menor, de acordo com nossa acertada legislação, é e deve ser visto como uma negação aos direitos fundamentais da criança ou do adolescente, por ação ou omissão. De fato, aonde há políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, não há desordem ou bandoleirismo. Se não fosse pelo segredo de Justiça, bastaria dar uma ligeira passada nas Varas de Infância do País, para se constatar a falência do Estado brasileiro na sua promessa de reduzir as desigualdades sociais, erradicar a pobreza e a marginalização. Talvez seja esta a sincera razão da reserva à publicidade dos atos processuais nestes feitos, esconder a improbidade e a inoperância do Executivo e de seus Agentes com o bem-estar de nossas crianças.
Pois bem. Se no processo penal o drama pessoal e condição social do acusado é desimportante para o desfecho final da Ação Penal, uma vez citado pessoalmente para tomar conhecimento da acusação e se defender, este não poderá oferecer resistência à aplicação da lei penal, se evadindo ou alterando seu endereço sem informar ao juízo, sob pena de ser considerando foragido, com a expedição de mandado de prisão preventiva. Encontrado ou não, será julgado mesmo sem sua presença física, de acordo com as provas produzidas pela acusação e defesa técnica, em simétrica digladiação nos autos.
Já na Ação Socioeducativa, o objetivo do processo é unicamente apurar aonde Poder Público, sociedade e família falharam na obrigação de garantir à criança e ao adolescente seus direitos fundamentais. E mais do que isso, o que fazer para cessar toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão que venham a neutralizar, total ou parcialmente, o exercício daqueles sagrados direitos, muitas vezes umbilicalmente ligados à ausência de uma condição mínima de existência digna, sonegada há gerações em determinadas comunidades carentes.
Como se vê, na Ação Socioeducativa o protagonismo não é do ato ilícito, como acontece no processo penal, mas, sim, do próprio menor. O Magistrado, em sua sentença, como capítulo obrigatório, deverá verificar e atender às necessidades pedagógicas do menor, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Para tanto, a tramitação do processo juvenil deverá submergir nas dores e aflições do adolescente, debulhando sua vida. É um silogismo que não poder ser transposto ou olvidado pelo Julgador.
Portanto, a tramitação da Ação Socioeducativa sem a presença e participação efetiva do menor é um nada jurídico, uma obra mal começada, uma mistura de ritos e procedimentos diversos e repelentes que não se encontram nem mesmo no infinito filosófico. Ou se deseja salvar e recuperar nossas crianças e adolescentes ou os conduzimos aos porões fétidos e superlotados do Poder Público junto de adultos expertos na criminalidade, revogando-se nossa Constituição Federal.
A aplicação da Medida Socioeducativa não pode ser um processo de adivinhação ou suposição do Juiz a respeito da condição peculiar do menor. A execução das medidas de meio aberto, assim como das medidas de meio fechado, exigem observância da responsabilidade primária e solidária do Poder Público, em suas três esferas de governo, na plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes, seguida da responsabilidade parental, de modo que os pais assumam os seus deveres para com seus filhos.
Por esta razão, não sendo localizado o adolescente, o Juiz deverá expedir mandado de busca e apreensão, determinando o sobrestamento do feito, até sua efetiva localização, para ministrar no processo dados atuais a respeito da situação de perigo a que o mesmo está exposto, colaborando o menor na identificação e definição das medidas de promoção de seus direitos fundamentais vilipendiados. O que torna o instituto da revelia impraticável nesta seara especializada, verdadeira forasteira. Muito antes de causar prejuízo ao próprio menor, a sua ausência na relação jurídico-processual torna a Ação Socioeducativa sem propósito.
Excluir o adolescente do processo socioeducativo, em qualquer de suas fases, é decididamente optar pela sua plena imputabilidade penal. Afiançando toda a omissão e indiferença do Poder Público e de seus opulentos e eternos Agentes ímprobos no trato de nossas crianças. E quando esse dia chegar, por força de renovada legislação, deixaremos de ser humanos, proclamando-se a vitória da tirania de poucos na nossa falsa e desmoralizada democracia improvisada.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
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