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 Sala dos Doutrinadores - Artigos Jurídicos
Autoria:

Luiz Fernando Cabeda
LUIZ FERNANDO CABEDA: desembargador integrante do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, inativo, com estágio na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional, e autor de "A Justiça Agoniza, Ensaio sobre a perda do vigor, da função e do sentido da justiça no Poder Judiciário" (1998) e de "A Resistência da Verdade Jurídica, Mitos e inflexões na aplicação do Direito" (2013).

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Monografias Direito do Trabalho

A Jurisdição do Trabalho e o Trabalho da Jurisdição

As fases do desenvolvimento histórico e os retrocessos da jurisdição do trabalho

Texto enviado ao JurisWay em 05/02/2014.

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A JURISDIÇÃO DO TRABALHO E O TRABALHO DA JURISDIÇÃO

 

                                                                                  LUIZ FERNANDO CABEDA

Elaborado em julho de 2014

 

 

            Este artigo trata de algumas razões históricas que levaram o Estado brasileiro a definir modos sucessivos para reger a atividade do trabalho, da escolha de novas políticas públicas que mostraram a obsolescência da ordem anterior e da sua ruptura com ela. Trata, por fim, das perplexidades e retrocessos que marcam os dias correntes.

 

 

Resumo: o regime jurídico adotado pelo Estado brasileiro para  dispor sobre a atividade do trabalho passou por fases históricas que marcaram sucessivas e diferenciadas políticas públicas. Elas tiveram no início o caráter contratualista mas, defasadas embora em relação a outros países, voltaram-se para o interesse coletivo e os direitos indisponíveis, de modo que   crescentemente foram constituindo um núcleo de garantias.

 

Muitas vezes essas fases são apresentadas diluídas em uma continuidade linear, como se houvesse uma evolução sem marcos, sem episódios históricos determinantes e, obviamente, isso corresponde a uma visão descritiva do mundo, nunca a uma compreensão real das causas e dos fatos que desencadearam as mudanças.

 

Portanto, é importante entender porque e como a jurisdição do trabalho mudou, e ainda que é susceptível de novas mudanças já programadas ou previsíveis, mas nem sempre na direção do que poderia ser tido como seu progresso natural.

 

Por fim, prestar a jurisdição também resulta de um trabalho, e ele igualmente necessita de garantias para que possa estabelecer bases coerentes, que superem as crises mais profundas de entendimento das regras jurídicas e resultem na prática da lealdade em definir a incidência da lei, para resgatar diante do caso concreto o seu sentido mais autêntico.

 

 

                                               INTRODUÇÃO

            Este pequeno ensaio encerra a proposta para consideração de dois temas coordenados, os quais têm sido costumeiramente enfocados de maneira estanque, o que se dá em prejuízo de uma reconstituição crítica. Assim, tem sido comum a dificuldade de encontrar um sentido na formação de determinados institutos, os quais parecem simplesmente pinçados de episódios ou épocas, mas que nunca são bem explicados no seu êxito político ou na  forma jurídica por eles adotada.

            Essa dificuldade epistemológica em aceitar que um bem jurídico ou um valor simplesmente foram instituídos por razões remotas, que nunca se mostram muito justificadoras, parece evidente. Talvez por isso seja oportuno apresentar uma abordagem propedêutica que se apoie em uma metodologia diferenciada. A proposta considera que hoje é mais importante ver como tem atuado a jurisdição trabalhista por fases históricas, não através de uma narrativa linear ou meramente historiográfica, que geralmente seleciona fatos por cronologia, sem atentar para a suprema importância de alguns acontecimentos em relação a episódios marginais, a mais das vezes superdimensionados sob os enfoques de mera periodização. O ponto de partida considera uma obviedade que nem sempre é bem percebida: a história da implantação do Direito do Trabalho no Brasil está contada. Nossos autores clássicos reconstituíram desde os primórdios as leis e as iniciativas parlamentares ou doutrinárias pioneiras até a regulação minuciosa e atualmente vigente no direito positivo.

            Embora o passado não seja tão definitivo, como pareceu ao grande Jorge Luis Borges, pois é função da nossa memória revisitá-lo, e a memória nem sempre é exatamente a mesma, não parece sensato pretender reescrever o processo histórico da legislação trabalhista entre nós, pois há sempre o risco de incorrer em novos e grandes erros, como por exemplo – entender que o espírito corporativo não foi inspirador das leis brasileiras. As novidades e as ‘descobertas’ não têm sido felizes. A mais das vezes são modismos que procuram salientar um viés interpretativo de pouca consistência e duração, enxergando alguns o papel postiço e substitutivo da nossa legislação trabalhista como resultado de um processo que sufocou lutas populares; outros veem, ao contrário, que houve uma emancipação dos direitos sociais de tal forma avançada que lançou o país em um novo estágio civilizatório. Ou ainda, no permeio, surgem glosas episódicas que valorizam o que podia ser feito e não foi, ou que se deixam guiar por teleologias de doutrinas treslidas e muito simplificadas, as quais procuram trasladar no tempo e no espaço modelos de 'revolução burguesa' ou de ‘luta revolucionária', e isso distorce os figurinos que foram concebidos e adotados de uma forma inteiramente cerebrina.

            Em matéria de Direito do Trabalho, houve uma elaboração formal recente, que remonta menos de um século, de modo que não estamos nos domínios da paleontologia ou da arqueologia, em que a descoberta de um fóssil ou de um palimpsesto pode redesenhar radicalmente o conhecimento estabelecido. Não seria nada razoável dizer que a Revolução Francesa tem de ser recontada  depois da minuciosa reconstituição de Jules Michelet (1850), ou que a decadência e queda do Império Romano precisam de novas explicações completamente inovadoras após o clássico estudo de Edward Gibbon, sendo que esta obra data de pouco mais de dois séculos.

            Pois a história relevante da formação e da substituição da mão de obra laborativa no Brasil só galgou transformações mais marcantes após o fim da Guerra do Paraguai (1870), com o incremento da imigração europeia já grandemente incentivada pelo Império no início do Século XIX (assim como o início da vinda de árabes do Oriente Próximo, então sob o domínio turco) e, a partir da Lei de Imigração de 1907, pela República, que patrocinou também o ingresso de japoneses. Estamos falando de um curto período histórico de cento e cinquenta anos, suficientemente rico e transformador para que nos debrucemos sobre ele com interesse intenso, mas sem a preocupação de enfoques artificialmente inventivos, ou mesmo inventados, em interpretações novas que parecem buscar a única originalidade de serem inéditas.

            Este é o pano de fundo que orienta a proposta propedêutica de considerar o desenvolvimento das relações trabalhistas no Brasil sem a marcação periódica de uma cronologia historiográfica, simplesmente, e sem uma deontologia no enquadramento de movimentos sociais e políticos segundo esquemas predeterminados. O Direito do Trabalho precisa ser conhecido pela efetividade que alcançou, quer no seu regime, quer na sua aplicação, de modo que ele tem de ser visto e analisado de modo intercalado pelas suas formas de expressão legislativa, negocial e jurisdicional.

                                    A JURISDIÇÃO DO TRABALHO

            1. Sob a égide da legislação civil – Quando o Código Civil começou a vigorar, em 1916, haviam passado menos de trinta anos da abolição da escravatura. A ruptura com o modelo escravagista foi acompanhada, como já ficou referido, pela intensa substituição da mão de obra por imigrantes. Apesar da colossal mudança que essas duas transformações trouxeram, o Código Civil veio a ser o primeiro regime jurídico de caráter abrangente das formas contratuais, incluindo as relativas ao trabalho. Ele foi caudatário, no entanto, de uma visão patrimonialista do mundo das relações econômicas, como mostrou Orlando Gomes no seu ensaio “Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro” (1958) e, principalmente, em “A Crise do Direito” (1955).

            Tal visão privilegiava a autonomia da vontade e transcrevia, embora da melhor fonte europeia, o entendimento de que os contratos eram formais, neles predominavam as condições explícitas e vinculavam situações que só muito excepcionalmente poderiam ser revistas ou rompidas. Ora, nada disso condizia com as condições sociais objetivas geradas pelos dois grandes eventos já referidos, o fim da mão de obra escrava (e as consequências de sua liberação) e a chegada em massa de imigrantes (e seu consequente engajamento na economia produtiva). Assim, Orlando Gomes propõe que o Código Civil foi organizador da superestrutura jurídica, dotou o país de um ordenamento moderno na forma, mas claudicou irremediavelmente ao comprometer o futuro pela falta de previsão das tendências já então fortes de relativizar a autonomia da vontade, bem como pela falta de discernimento acerca da mobilidade econômica por sobre a visão patrimonialista que, no fundo, estava voltada para uma cidadania estática e até mesmo para uma concepção doméstica da propriedade.

            Sendo assim, não há maior sentido em salientar as poucas e primeiras leis que trataram de direitos previdenciários para trabalhadores de ferrovias ou que propuseram juízos conciliatórios na atividade rural, pois em qualquer caso se trata de diplomas que não tiveram relevância histórica. O Império não havia recebido nem mesmo a inspiração das leis sociais de Bismarck, que datavam dos anos 1880, e a Primeira República nunca estabeleceu uma política para a chamada “questão social”, às vezes também tratada como “questão civil” [possivelmente assim referida menos por ter significado próprio, e mais para diferenciá-la da “questão militar”, já que se tratava de um regime republicano oriundo de um golpe de Estado, cujas atribulações com contragolpes (reais ou pretextuados), renúncia e ditadura eram determinadas pela continuidade dos pronunciamentos políticos da força armada]. Desse modo, o texto normativo a considerar é mesmo o Código Civil, expressão da máxima modernidade que a Primeira República logrou alcançar.

            A propósito, vale referir duas iniciativas marcantes como contraponto: (1) em 1905, o então rábula Antonio Evaristo de Moraes publicou o livro “Apontamentos de Direito Operário”, no qual defendeu a elaboração de um regime trabalhista específico. Talvez sua fundamentação esteja bem expressa na frase que transcreveu, do jurista italiano Emanuele Gianturco, seu contemporâneo: “a questão social reside no Código Civil”; (2) a segunda iniciativa partiu do deputado Maurício de Lacerda, que propôs em 1917 projeto na Câmara Federal para estabelecer um Código do Trabalho, o qual não prosperou.

            A Primeira República instaurou uma espécie de belle époque tropical, principalmente nas duas maiores cidades do país, em menor proporção nos demais Estados, e sua política de compromisso, elitismo e conservadorismo, amparados num sistema de fidelidades, quando contemplava o mando regionalizado de políticos que mostravam uma bem arbitrária filiação ao positivismo (o que levou o crítico literário Sílvio Romero a cunhar a expressão “positivóide”) e se espalhava pelos municípios através dos coronéis, fiadores daquela fidelidade ao poder centralizado e da monumental farsa eleitoral.

            Foi sob essa moldura que o poder instalado na Primeira República teve de enfrentar irrupções trabalhistas a partir de 1903 (quando ocorreu aquela que seria a primeira greve geral, no Rio de Janeiro); depois, a chamada “greve das costureiras” paulistas (1907) e, mais acentuadamente em 1917, quando uma greve geral com adesão maciça paralisou São Paulo e teve longa duração. A luta tão denunciadora das condições de trabalho sem garantias mínimas – de horário, de proteção a menores – desencadeou uma crescente recusa ao modelo republicano adotado, que só formalmente era representativo e liberal.

            Sem a intermediação do Estado, a repressão militar foi a resposta adotada para as greves, com muitas deportações e palavras de ordem de condenação ao anarquismo. Em 1918 um movimento insurrecional misto com paralisação reivindicatória eclodiu no Rio de Janeiro. Em de 1919 a greve geral se repetiu em São Paulo, com forte ramificação em Salvador e Porto Alegre. Os episódios de então foram minuciosamente remontados e são acessíveis nas fontes várias de documentação, de modo que o cabível é aqui acentuar o imobilismo político e a falta de condução do processo de transformação das condições sociais e de trabalho, pelos grupos dominantes e agentes políticos, de um modo omissivo que não condizia mais com o período histórico que já era posterior à segunda revolução industrial, fase de crescente regulamentação da atividade laborativa e de controle da tirania dos monopólios.

            2. Da Revolução de 1930 à Constituição de 1946 – Instalado o governo revolucionário, em menos de um mês, ainda em novembro de 1930, foi criado o Ministério do Trabalho que, pela primeira vez, passou a desenvolver políticas públicas abrangentes voltadas para a regulamentação trabalhista e, em seguida, para a sua jurisdição. São desta época os principais diplomas que estruturaram as normas jurídicas de proteção ao trabalho. Entre eles, o Decreto 21396/1932, que criou as Comissões Mistas de Conciliação onde houvesse representação profissional organizada; e o Decreto 22132/1932, que fundou as Juntas de Conciliação e Julgamento, regrando o procedimento perante elas, com a participação de empregados e empregadores, sob a presidência de um funcionário público indicado pelo Ministério do Trabalho.

            A Constituição de 1934 estabeleceu em seu artigo 122 o seguinte: “Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV, do Título I” (este capítulo e título tratavam do Poder Judiciário, do qual a nova Justiça ficou expressamente excluída). Tecnicamente, tratou-se de prestar a jurisdição trabalhista através de tribunais administrativos. A Constituição de 1937 repetiu aproximadamente a mesma redação, no seu artigo 139: “Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a justiça do trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum.”

            Em 1939, através do Decreto-lei 1237, foi fundada a Justiça do Trabalho (pois as regras constitucionais transcritas acima estavam suspensas, sem eficácia plena, até ser editado o decreto-lei regulamentador do seu funcionamento) e, pelo Decreto-lei 1346 do mesmo ano, ela ficou vinculada ao Departamento Nacional do Trabalho, do Ministério respectivo. Porém, só em 1º de maio de 1941, como efeito do já tradicional discurso do presidente da República de saudação ao ‘dia do trabalho’, ela foi declarada instalada. Na mesma data, dois anos depois (1943), o Decreto-lei 5452 aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho, incorporando e enriquecendo a já extensa legislação do período analisado.

            Esta sinopse radical permite dizer que a legislação trabalhista, no seu regime e na sua jurisdição, mostrou-se interventiva, com fortes traços de arbitramento, protetiva, participativa e, sobretudo, programática. Ela se orientou por uma ação de governo, de caráter integrador, que rompeu radicalmente com o regime do Código Civil, superando as limitações que este impunha à conta de seus princípios mais arraigados da liberdade de contratação (independente das condições objetivas de remota opção, pela precariedade de meios, para a manifestação do interesse real do contratante da força de trabalho), da autonomia da vontade, da formalidade dos contratos e da obrigatoriedade das cláusulas convencionadas, por sobre os interesses coletivos e os de ordem pública. Em resumo, a fórmula política adotada no caso foi a do corporativismo, ou da integração nas funções do Estado, enquanto este assumia o papel de gestor dos interesses nacionais, de organizador da sociedade civil, que antes estava dispersa e conflitiva, abandonada do amparo público e sob uma pressão irruptiva, por ação e reação ante uma cúpula elitista e muito pouco integradora.

            Isto não quer dizer que a fórmula do fascismo, depois que empolgou o mundo ao ascender na Itália em 1922, tenha sido decalcada no Brasil. Faltaram aqui os elementos operísticos inspirados no escritor Gabriele D‘Annunzio, o jogo dos nacionalismos militarizados da Europa então conflagrada, o mito do “fascio” romano, o feixe atado por uma força ancestral e anímica, símbolo da suprema grandeza imperial, enfim, não houve a desfaçatez da medida grandiloquente, nem a fanfarronice de um império cruel, não obstante fraco, cujas conquistas maiores foram obtidas com invasões aos pobres povos da Líbia e Etiópia, bem como a anexação virtual da Albânia.

            Entender erradamente que o corporativismo adotado pelo Estado brasileiro, com expressão no regime jurídico para o trabalho, e implantado após a Revolução de 1930 – ou seja, considerando só o que aqui tem interesse analítico – seria uma projeção do fascismo, implicaria em entender também que a Aliança Nacional Libertadora, a principal força que se opôs ao regime Vargas, seria tipicamente comunista e, assim, com esse maniqueísmo conspiratório, a conclusão necessária teria de ser que o Estado Novo foi resultante do conflito inevitável entre fascistas e comunistas, servindo nosso país como campo de experimento para suas políticas avassaladoras, que retiravam da situação política interna qualquer elemento decisório que fosse genuinamente nacional. Talvez essa visão de um teatro de guerra interno para o confronto de forças internacionais fosse a visão estratégica de Filinto Strubling Müller, que veio a ser condestável do Estado Novo, mas isso não quer dizer que exista qualquer verdade histórica sob essa perspectiva.

 

            3. Da integração ao Poder Judiciário até a edição do CPC de 1973 – Com a Constituição de 1946 a Justiça do Trabalho foi integrada ao Poder Judiciário e ganhou autonomia jurisdicional plena, exceto pelos precatórios, que continuaram sendo requisitados à Justiça Comum. Contudo, embora os dispositivos constitucionais tenham sido econômicos e precisos, a integração dos representantes classistas à estrutura do Judiciário quebrou o paradigma epistemológico, pois seu papel era exatamente de representação de interesses e, supostamente, de colaboração em desfechos conciliados ou arbitrados. Para esse objetivo, lhes havia sido reconhecida a participação no Estado, com o fito de que produzissem juízos empíricos de conveniência, mas isso não guardava mais nexo depois que a Constituição de 1946 trouxe a jurisdição trabalhista para o campo em que os elementos informativos passaram a ser outros, e não era mais possível desconsiderar a gnosiologia (no reconhecimento do sentido dos institutos) e a axiologia (na valoração dos atos jurídicos) para que se operasse um julgamento jurisdicional.

            O pior efeito do traslado para o Poder Judiciário, pela forma escolhida, foi resultante da consideração por mais de duas décadas de que a Justiça do Trabalho era uma “justiça menor”, pouco técnica, afeita a práticas de que não havia um reconhecimento de direitos sob os critérios dogmáticos da metodologia jurídica. Os julgamentos eram um misto de arbitramento ou de juízo de enquadramento e pouca – muitíssimo pouca – integração na ordem jurídica constitucional e nas teorias abrangentes fundadoras do Direito das Obrigações, nos papéis do Estado regulados pelo Direito Administrativo e, sobretudo, nas escolas definidoras das teorias dos ritos processuais.

            Um exemplo bastante citado é o do artigo 850, parágrafo único, da CLT. Embora ali estivesse previsto que o juiz colhesse o voto dos representantes classistas nas antigas JCJs, após propor a solução, e só votasse se houvesse empate, essa prática mostrou-se impossível, uma vez que os vogais não tinham condições de produzir juízos jurisdicionais relativos a preliminares ou mérito. Assim, acabavam votando por adesão ou recusa ao voto do juiz togado. Ou seja, a fórmula que havia sido concebida para o funcionamento do juízo que deveria ser participativo e arbitral, sob uma organização administrativa, havia sido trasladada ipsis litteris para a estrutura organizacional do Poder Judiciário e, simplesmente, parou de funcionar. A partir da perda da função efetiva do vocalato instaurou-se um longo processo de decadência, e seus interesses foram transmudados em vantagens corporativas absolutamente danosas ao Estado e ao interesse público.

            Entre 1946 e 1973 o Direito do Trabalho e sua justiça especializada foram direcionados para a conquista de um status no mundo jurídico, em uma corrida que pareceu seguidamente louca e dispersa. Em busca de uma respeitabilidade teórica, autores de diversa inspiração começaram a produzir compêndios e comentários prolixos, como se tratassem de um direito que necessitasse de muitas glosas. O simples aviso prévio, por exemplo, tema restrito e de compreensão acessível, poderia servir para digressões inúteis e confusas, parecendo que haveria uma teoria específica a respeito. No entanto, foram escritos ‘tratados do aviso prévio’. Houve especialização de editoras que fizeram publicações de temas trabalhistas como se a epistemologia jurídica tivesse ganho um ramo completamente inovador, desapegado dos princípios gerais do Direito, da história da legislação e da longa construção política dos povos no intuito de obter cartas mais abrangentes dos direitos de cidadania.

            Em contraponto a isso, por exemplo, quando surgiu a primeira edição dos “Comentários à CLT” de Valentin Carrion pareceu que a simples ordem direta dos enunciados legais havia sido restabelecida, e de que era possível encarar com objetividade e concisão, tanto quanto sempre deveria ter sido, os temas trabalhistas. Em outras palavras, foi mostrado como o enfoque objetivo se mostrava mais apto para entender e demonstrar preceitos trabalhistas do que uma “metafísica de valores” ou uma “deontologia de princípios”, ou vice-versa, tanto faz, que haviam criado uma espécie de vulgata minimalista.

            A disfunção da Justiça do Trabalho, em relação ao projeto político original que a havia fundado, foi bem percebida por Getúlio Vargas. Depois que ele retomou o poder em 1950, perorou nestas palavras o que entendia por desvirtuamento: “No tempo do meu anterior governo, não havia necessidade de greves, porque havia realmente a Justiça do Trabalho constituída pelos próprios trabalhadores, útil, profundamente adaptável às mais variadas circunstâncias, que resolvia os dissídios coletivos dentro de um prazo máximo de semanas ou de um mês, de modo que os trabalhadores tinham imediatamente solucionados os seus dissídios pelas decisões da Justiça do Trabalho, que era composta dos trabalhadores.

            Hoje, pela Constituição, a Justiça do Trabalho não pertence mais ao Ministério do Trabalho, pertence ao Ministério da Justiça. É um tribunal vitalício e inamovível, com todas as garantias. É, portanto, uma organização burocrática onde os dissídios coletivos dos trabalhadores demoram dois, três e até quatro anos. Como esses dissídios não são resolvidos pela Justiça do Trabalho, o que resta aos trabalhadores? Resta o direito de greve. É o único protesto que eles podem fazer. A greve está garantida pela Constituição, mas não está regulamentada. É preciso, portanto, ou que esse direito seja regulamentado, ou que essas decisões da Justiça do Trabalho sejam mais rápidas e eficientes, a fim de atender às justas solicitações dos trabalhadores.” (Fonte: Maria Celina D’Araujo, Getúlio Vargas, Perfis Parlamentares, 2011. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, bd.camara.gov.br . “Discurso no Sindicato dos Portuários”, Santos, 12.06.1952).

            De fato, o projeto original da justiça trabalhista atuando para a realização de uma política de integração ao governo e à estrutura do Estado, com suas características de composição e funcionamento inicialmente eleitas para implementação pelo Ministério do Trabalho, estava exaurido. No entanto, Getúlio lamentava o resultado de se haver criado em seu lugar uma ‘justiça de bacharéis’, que se devia direcionar de modo apenas mediato com o Poder Executivo e as políticas por ele escolhidas, já agora com a intermediação do Ministério da Justiça. Pior do que isto, o estadista lamentava o resultado, que – para ele – era um distanciamento e uma falta de compromisso com a solução breve dos problemas surgidos com os conflitos da relação de trabalho.

            Embora essas constatações fossem verdadeiras (a Justiça do Trabalho não estava mais engajada nas políticas públicas de promoção das relações laborativas pelo Poder Executivo), a causa da decadência do projeto original, inclusive do vocalato, era multifária. Ela ainda se agravou bem depois da justiça trabalhista haver sido integrada ao Poder Judiciário, em razão de outras modificações legislativas que provieram do simples processo de evolução e aperfeiçoamento do direito positivo. A inovação principal ocorreu pela via do novo Código de Processo Civil de 1973. Essa lei, de uma organicidade e coerência sistemática montadas sobre a teoria de Enrico Tullio Libmann, representou uma grande abertura para possibilidades processuais de obter resultados menos controversos, mais assecuratórios de direitos ab initio, enfim, foi um avanço e um marco histórico sobre o deficiente CPC de 1939.

            Por exemplo: enquanto a CLT previa uma só hipótese de concessão de medida cautelar (suspensiva da transferência abusiva do empregado, art. 659, inciso IX), o CPC passou a reger amplamente a matéria, tanto através de formas nominadas como inominadas, exigindo tão só a potencialidade do dano irreversível ou de difícil reparação, bem como a formação de um juízo provisório de probabilidade sobre a existência de direito protegido. Além disso, a noção inovadora da pré-executividade, como a previsão do recurso adesivo, mais o regime detalhado para a intervenção de terceiros e tantas outras figuras assecuratórias da efetiva garantia do devido processo legal, fizeram com que a CLT não pudesse mais ser considerada fonte primária exaustiva, passando ela a ser um guia dos princípios característicos do rito trabalhista, mas não o seu regime pleno ou mesmo o principal. A Constituição é que rege amplamente a relação de trabalho, de modo que esta só pó de ser bem examinada sob a lei quando atendido o comando constitucional, que é circunstanciado. E ele muitas vezes remete antes ao CPC do que à CLT.

            Nesse quadro envolvendo uma nova complexidade, mas também com uma rica gama de soluções e novos encaminhamentos, os representantes classistas passaram a representar uma fantasmagoria constrangedora e, quando se capacitavam como bacharéis, ainda se tornavam mais patéticos, pois queriam então atuar – especialmente nos tribunais – como se fossem juízes togados. Por outro lado, estes últimos também foram obrigados a uma atualização concentrada e profunda. Só a partir da lida intensa com CPC de 1973 pode-se dizer que a justiça trabalhista superou o status de inferioridade operativa e de deficit dogmático que a havia marcado tão profundamente desde 1946. Os acórdãos tiveram de ser melhor redigidos para que efetivamente resolvessem a res in judicio deducta e cumprissem os princípios informadores, como tantum devolutum quantum appellatum e jura novit curia, por exemplo, e ainda respondessem plenamente à controvérsia, nos termos do art. 515 do novo CPC, exaurindo o tema decidendo. Tiveram de deixar de referir-se, ridiculamente, como era comum, aos direitos oriundos do FGTS como se fossem direitos fundiários ... Todavia, em que pese o progresso das técnicas processuais, a Justiça do Trabalho continuou a carregar o cadáver insepulto do vocalato ocioso e nocivo.

            4. As reformas constitucionais mais relevantes, em 1977, 1999 e 2004 – Quando o general Ernesto Geisel empreendeu a primeira reforma do Judiciário, através da Emenda Constitucional 7/1977 (editada com base no Ato Institucional nº 5, com o fechamento do Congresso, que a havia rejeitado) e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979), estava convencido de que a estrutura da Justiça do Trabalho não deveria mudar. Os representantes classistas haviam sido cooptados inteiramente e estavam comprometidos com o regime militar. Todos eles, sem exceção, eram militantes da ARENA, depois do PDS, partidos de sustentação daquele regime, ou tinham parentesco, amizade ou profundo compromisso com políticos governistas ou militares. Como não concorriam para compor a administração dos tribunais, os representantes classistas se organizavam em bloco, e favoreciam o candidato que lhes fosse mais favorável, isto é, concedesse vantagens pela via administrativa, autorizasse o nepotismo e garantisse reconduções.

            Além disso, a avaliação do general Geisel se mostrava correta porque a Constituição de 1967 também havia estabelecido a participação do ‘quinto’, formado por advogados e procuradores escolhidos ad libitum, para compor os tribunais do trabalho. Desse modo, a composição de elementos forâneos (os classistas mais os integrantes do ‘quinto’) permitia ao Poder Executivo moldar a justiça trabalhista de maneira tão efetiva e completa que, na verdade, nela só se praticava a jurisdição que o regime militar consentia.

            Isso não quer dizer que o Judiciário tenha sido um fantoche, pois era propósito do regime obter uma paulatina institucionalização, sem a necessidade de recorrer a atos de força, e as respostas às demandas sociais não eram reprimidas, mas apenas manobradas em favor de uma estratégia de abertura política gradual e controlada, implantada a partir de 1974. Ainda assim, a LOMAN (também editada com a reforma do Judiciário) retirou direitos da magistratura de carreira, permitiu o afastamento do cargo judicial por medida administrativa e suspendeu por dois anos a aquisição de vitaliciedade. Os tribunais, mais realistas do que o rei, ao invés de respeitarem a conquista daquela garantia ex facto temporis, isto é, pelo simples decurso do biênio aquisitivo, inventaram um processo sob o neologismo do “vitaliciamento”, palavra de sentido absurdo, que não está dicionarizada. Criaram, enfim, um processo de testificação regimental, de prova, que a LOMAN não prevê.

            Em 1981, sob a Lei 6903, apelidada de ‘Lei Ary Campista’, já que beneficiava o cognominado “maior pelego do Brasil”, os representantes classistas conquistaram o direito à aposentadoria pelo Tesouro Nacional e, em consequência, também o direito ao pensionamento do cônjuge. Assim, o que era uma função temporária, sem vínculo, inicialmente gratuita e depois remunerada com jeton, passou a ser um cargo administrativo, remunerado sucessivamente quatro vezes, (1) na atividade, (2) na aposentadoria (em concomitância com o (3) outro representante classista nomeado para ocupar a vaga) e, finalmente, (4) na pensão. Tudo por conta do orçamento da Justiça do Trabalho. Naturalmente, Getulio Vargas não defenderia mais a composição laica que criou. Talvez pensasse que o desvirtuamento havia decorrido da jurisdicionalização, quando foi criada a ‘justiça dos bacharéis’. Mas é mais provável que aceitasse a incidência de causas independentes e, tendo ele mesmo sido um reformador social e político, acreditasse que a história tem seu próprio desenvolvimento e não pode ficar engessada em fórmulas que se mostraram aptas em um tempo distante e sepultado.

            Como um parêntese, deve ser admitido que a ‘justiça dos bacharéis’ realmente foi instituída no âmbito trabalhista, não exatamente porque houve a integração ao Poder Judiciário, mas porque essa integração foi sobremodo imperfeita e resultou em uma mélange deformada. Pessoas portadoras de conhecimento empírico, com baixa extração teórica, a mais das vezes dirigentes e funcionários moldados no serviço ‘para o governo’, foram chamadas a lidar com sistemas jurídicos complexos e só souberam responder com um juris dictum bacharelesco, inane de informações técnicas autênticas, pretensioso na forma falsamente rebuscada e intencionalmente tutelar.

            Enquanto a política trazida com a Revolução de 1930 era integradora das massas trabalhadoras, no sentido de emancipá-las, mas com a intermediação dos dirigentes sindicais, que passavam também a atuar organicamente como agentes do Estado, o espírito bacharelesco parece ter personificado uma revanche dos tutores, daqueles fabricantes de uma hipossuficiência bestializada e irremediável, de modo que a ideia de tutela passou a presidir tudo: a figura do trabalhador, o direito material, os passos do processo. Essa tutela serviu ideologicamente para autorizar uma autoridade fictícia do juris dictum como se fosse constituidor de uma nova realidade, ou um mandado provindo diretamente da encíclica redemptor hominis. Na verdade, portanto, a ‘justiça dos bacharéis’ fez recuar o desenvolvimento da emancipação operária.

            Através da Emenda Constitucional 24/99 a representação classista na Justiça do Trabalho foi extinta. Pode-se dizer que seus êxitos corporativos, pelo acúmulo dos ganhos indevidos, escancarou a desvantagem social, verdadeiro handicap, de manter o sistema custoso e inoperante para os fins do Judiciário. Nessa época, nas palavras conhecidas da fábula de George Orwell, “não se sabia mais quem era quem”. Os representantes classistas haviam obtido todos eles o status de juízes. Nos tribunais trabalhistas, usavam togas. Embora nunca tenham prestado concurso, nem apresentado títulos relevantes de habilitação técnica ou acadêmica, agiam como luminares do Direito. Sua habilidade inequívoca estava no tráfico de influência e na advocacia administrativa que praticavam intensamente até serem nomeados e depois no pagamento dos favores recebidos, para o que dispunham em geral de grande experiência nas disputas sindicais, com seus grupos, suas fidelidades, suas traições e, quase sempre, um exercício camaleônico de sobrevivência sob todos e quaisquer regimes.

            É verdade que, com esse desfecho, não acabaram os males do mundo. O arrivismo, a alienação burguesa, a falta de contato e de interesse profundo pelos dramas sociais e, sobretudo, o desconhecimento da dura lida com a atividade produtiva, nas suas formas mais convencionais e atrasadas tecnologicamente, em nada ajudaram para a transformação e melhoria da ‘justiça dos bacharéis’. Também os juízes togados são susceptíveis a todos essas mesmas mazelas. Mas isso não é um problema que decorra da estruturação atual da Justiça do Trabalho.

            Ao final deste tópico deve ser dito que a Emenda Constitucional 45/2004, que implantou a segunda reforma do Judiciário, criando o Conselho Nacional de Justiça entre outras inovações, e ampliando a competência trabalhista, estabeleceu uma estrutura de responsabilidade funcional do magistrado que seria incompatível com o vocalato. Essa reforma entronizou em grau superlativo um questionamento às garantias funcionais de modo que até hoje há instabilidade jurisprudencial, mesmo no Supremo. Por exemplo, depois de longas vacilações, o STF deliberou que a competência censória do CNJ é concorrente (e não sucessiva ou recursal) em relação aos tribunais a que os juízes são vinculados. Há, portanto, uma duplicidade admitida de medidas repressivas. É o único caso conhecido. Esta situação absolutamente singular pode significar que não faltará a reparação da falta funcional, mas também pode permitr uma reiteração retaliadora e, de qualquer forma, será uma arma repressiva de grande valor em alguma ditadura vindoura.

                                    O TRABALHO DA JURISDIÇÃO

            6. A crise do fundamento – A Constituição de 1988 trouxe uma conquista definitiva e já tardia para o nosso ordenamento jurídico: as decisões de juízo, jurisdicionais e administrativas, precisam ser fundamentadas. Os motivos para essas deliberações sempre existiram, mas eram vagos, às vezes até apresentados sob a forma de consideranda, ou então contidos implicitamente em exposições redigidas sem nenhum método demonstrativo.

            A fundamentação deve ser explícita e objetiva, a fim de se constituir em uma norma, no sentido que lhe empresta Kelsen, de solução regente. Dito isso, é preciso reconhecer as imensas e continuadas dificuldades dos tribunais para cumprir essa ordem. Todos os subterfúgios são possíveis. No caso do Direito do Trabalho, seria importante ver que ele não pode ser interpretado sob um conjunto de pressuposições que chega a ser inabilitante do intérprete para se pronunciar a respeito de outras áreas do Direito. Se o julgamento trabalhista está demasiado centrado na tutela ou há um dirigismo conceptivo relativamente ao valor das provas, ou falta a formulação de um juízo de consequência (por exemplo, na comparação de situações funcionais díspares como se fossem idênticas, ou quando se confundem papéis exercidos por entidades privadas e públicas, que não são empresas e não visam a lucros), ele pode resultar – e seguidamente resulta – em pronunciamentos distorcidos que abalam o sistema justificador do Direito.

            Se o juiz trabalhista está atrelado a um papel de tutela, como poderá sair desse molde e proceder a exegese constitucional autêntica, ou de preceitos do Direito Administrativo, ou do Direito Tributário, que incidem seguidamente nas relações de trabalho? Como já ficou dito, a partir de 1988 pode-se dizer que o estatuto básico do Direito do Trabalho está na Constituição, sua fonte formal primária em face do grande detalhamento, e não é mais possível tomar a CLT como o regime originário das relações trabalhistas, mas como o resíduo definidor dos princípios informadores e das particularidades dos contratos.

            Muitos são os casos em que há repetição do fundamento em situações que não a comportam, porque guardam nuances próprias, ou porque os fatos ensejadores não aconteceram na forma percebida antes ou em outro lugar. Os despachos nos recursos de revista, nos tribunais do trabalho, assim como nos recursos especiais e extraordinários, nos tribunais federais e estaduais, são elaborados por equipes de funcionários. Esta é uma verdade assente, conquanto assustadora para a parte, que porta a ilusão de ser julgada por um juiz. Tais despachos não passam de  outro processo de testificação, ou seja, é procedida uma análise anatômica: se o recurso tem o formato que corresponde ao molde legal, o juízo de admissibilidade é favorável. Contudo, o molde precisaria ser considerado em seu conteúdo, em seu sentido. Seria preciso entendê-lo de acordo com as regras gerais de hermenêutica, recorrendo à interpretação histórica, lógica, gramatical e sistemática. A única análise que o grupo de testificação profere, no entanto, é a literal.

            A repetição do fundamento ganha novos contornos quando vem a se caracterizar como tautologia, figura de linguagem inventada pelos gregos e que tem grande voga nos pronunciamentos judiciais de hoje. Outro exemplo expressivo se encontra na fundamentação ad relationem. Trata-se da cópia sucessiva dos motivos já expostos para uma decisão qualquer. Assim, por exemplo, o juízo concede ou nega uma liminar. Na sentença confirmatória, copia os mesmos fundamentos, que – pela antecipação – eram precários. Em recurso, o parecer do Ministério Público reproduz a “douta” sentença e o acórdão novamente copia tudo do “brilhante” parecer. Isso se reproduz até a exaustão, nos tribunais superiores. Na verdade, a parte perde a garantia do juiz natural (ser julgada pelo magistrado designado por normas objetivas de distribuição para conhecer genuinamente, sob entendimento rigorosamente pessoal, do seu litígio específico) e a de obter uma revisão conceitual e analítica de seu caso (o segundo julgamento).

            A motivação ad relationem, por referência a outro julgado, pode responder à pletora dos tribunais, e é muito conveniente no uso de um editor de texto, com os recursos oferecidos pelas ações ‘seleciona, corta e cola’. Mas é uma impostura, uma pantomima. Outro exemplo: nos julgamentos do recurso de revista no TST foi adotada uma fórmula que é frontalmente contra o Direito. O ministro relator profere o voto de conhecimento e mérito, só após é dada a palavra para a sustentação oral ao advogado da parte (que sistematicamente declina, pois está ali só para marcar presença e justificar a cobrança de honorários). É uma lição antiga e bastante acessível que a fase postulatória do processo antecede à fase decisória. Assim, como decidir para depois dar a palavra para postular? Como inverter essa ordem sem criar uma mixórdia na formulação de juízos estáveis, que efetivamente vençam – através de procedimentos lógicos e sucessivos – a contradição das teses?

            No STJ há muito são feitos julgamentos por remissão, “em bloco, com ou sem destaque”. Isso quer dizer que a deliberação adotada para um caso é replicada para os demais. Talvez fosse invencível a carga de trabalho sem subterfúgios como esse. Preferível seria uma disciplina legal própria para os casos repetitivos, bem assim aquela que amparasse uma jurisprudência seletiva das hipóteses de relevância jurídica e repercussão geral. Porém, esses temas têm sido tratados improvisadamente. Apenas no Supremo a repercussão geral funciona com relativo êxito, embora o forum eletrônico ali instalado, que delibera sobre o conhecimento dos temas, não apresente fundamentação.

            Quando se adota uma liturgia de atos já programados para uma repetição mecânica, em que não há indagação de causas e muito menos compromisso com os efeitos que são gerados, mesmo se comprometam o sentido de bem desenvolver o ofício de julgar, é exatamente quando aquela liturgia ocupa o lugar da ratio essendi, a razão de ser, e - tal como já ocorreu com as religiões em suas crises abissais na propagação da fé, ou com as escolas artísticas que decaem e paralisam sua expressão estética - a função judicial perde o seu contato com o Direito. É então o momento de reconhecer que se já tornou possível falar em uma escravidão da toga.

            A crise na efetiva apresentação de motivos concretos para os julgamentos, bem assim a da correspondência entre a motivação exposta e a res in judicio deducta, configuram agora uma ruptura com o modelo operativo do Judiciário que o Brasil adotou. Há de fato uma crise de lealdade ao sistema e, como salientou Léon Duguit, a autêntica sanção constitucional às situações de rompimento de uma ordem jurídica justificadora pode ficar muito difícil se não há mais “a lealdade dos homens que a aplicam”.

            7. A crise da competência –  A Constituição de 1988 e suas emendas 20/1998 e 45/2004 ampliaram a matéria de competência da Justiça do Trabalho e, mais ainda, modificaram profundamente o perfil temático dessa competência. O Judiciário trabalhista mudou o foco central na relação empregado-empregador. Os litígios dela decorrentes alinharam-se a vários outros temas institucionais ou civis, como relação sindical, contribuição previdenciária, penalidades administrativas e indenizações. O novo regime ainda não alcançou uma estabilização. Pretensões novas surgiram, por exemplo, para carrear também a competência penal, ou restrita a crimes contra a organização do trabalho ou, mais assistemática, abrangendo crimes cometidos em virtude da relação de trabalho (por exemplo, nos casos de culpa por acidente). Como a Constituição incluiu na nova competência os casos de vínculo trabalhista com entidades públicas, não faltou quem defendesse que ela abrangia também a relação que sempre foi regida pelo Direito Administrativo. Delírio e perda de foco, eis os traços mais marcantes do tema da competência trabalhista nos dias correntes.

            Hoje o juiz despende grande energia para atender os novos encargos, como a cobrança da contribuição previdenciária e o controle da retenção fiscal, sem que isso resulte em benefício da especialização que a Justiça do Trabalho vinha mantendo desde os seus primórdios. No que se refere às indenizações por ato ilícito criou-se uma situação anômala: enquanto a reparação por dano moral decorrente de acidente do trabalho é da competência da justiça especializada, o dano material deve ser reparado perante a justiça comum estadual. Um fato, uma causa legal, dois processos com rito diverso em justiças diferentes.

            A eventual atribuição de competência penal aos juízos trabalhistas completaria por certo o desvirtuamento da especialização e das razões históricas acerca do porquê foi ela adotada. Recentemente o STJ definiu ser da competência da Justiça do Trabalho apreciar pedido de indenização de dirigente sindical contra o órgão classista a que pertencia, em virtude de disputas pessoais pelo poder e pela representação, que teriam causado danos morais. A definição está correta, diante do que preceitua a Lei Maior. Todavia, resta a pergunta: o que excessos eleitorais danosos praticados por candidatos concorrentes à direção de um sindicato têm a ver com a história – com a finalidade histórica – da Justiça do Trabalho?

            De tudo isso fica a constatação de que não são grandes conjecturas ou ideias abrangentes que trazem modificações úteis às características operativas do Poder Judiciário, em qualquer lugar, pois na verdade elas se vão formando ao longo do tempo, num processo historio de reconhecimento e legitimação que valem mais, muito mais, do que os regimes irruptivos de uma ordem meramente legalista, escrita e reescrita ao sabor da inspiração legislativa moldada só na ocasião. Seria preciso reencontrar o sentido de necessidade, que presidiu as escolhas e a busca de princípios fundadores do Direito do Trabalho no Brasil quando ele começou a ser editado. Em outras palavras, seria o caso de reencontrar o fio da história para poder incorporá-la, reconhecê-la permanentemente e projetá-la para o futuro. Esta é muito mais uma questão fundadora de novas políticas para o Estado do que um simples alinhamento de atribuições, as quais não podem ser distribuídas entre órgãos jurisdicionais segundo os ralos princípios de conveniência ditados pela organização de métodos.

            8. A crise operacional – A Justiça do Trabalho, que inovou em seus primórdios pela simplicidade do processo, não conta com juizados de pequenas causas, já adotados nas justiças federal e estadual. Há uma razão lógica para isso? De resposta pronta, não, mas é possível cogitar que, na sua busca por complexidade formal e identidade conceptual, o Judiciário trabalhista tenha descuidado na formação de juízos decisórios para questões menos controvertidas, assim como aquelas que tratam somente de inadimplemento contratual, formam processos individuais e podem receber desde logo estimação ou determinação de valor. Tentativas relacionadas com processos de alçada ou rito especial fracassaram. Era previsível que assim acontecesse; o rito trabalhista é quase que uno, com muito poucas variações (por exemplo, o inquérito no primeiro grau, ou a ação rescisória e o dissídio coletivo no segundo). A simplificação do procedimento seria difícil na prática. Já a fixação da alçada só pelo valor da causa permitiria manipulações e fraudes, que vão desde uma avaliação arbitrária até o desdobramento de uma ação em várias.

            Não há um pensamento estratégico que seja produzido por órgãos do Judiciário visando a programas para tornar mais efetiva e acessível a jurisdição. Surgem entidades como o Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais do Trabalho – cuja sigla é COLEPRECOR e parece se referir a um predador de science fiction – mas elas não têm legitimidade alguma (há similares que reúnem presidentes dos TREs, de TJs e de escolas judiciais). Trata-se de sociedades civis que, a título de colaborarem com a administração da justiça, promovem viagens por todo o Brasil, realizam gastos e impõem o pagamento de diárias, à custa dos cofres públicos. Por outro lado, mostram-se incapazes de alguma deliberação que aponte caminhos ou supere problemas.

            A par disso, há que considerar iniciativas parlamentares desastrosas, que pioram significativamente a prestação jurisdicional. Tramita no Senado um projeto de lei oriundo da Câmara dos Deputados (PL 3392/2004) que estabelece a ampla sucumbência de honorários na Justiça do Trabalho. Com isso, há uma quebra do princípio da gratuidade, tanto quanto do jus postulandi assegurado diretamente à parte, mas o projeto não traz nenhuma sistematização nova. O texto é muito mal redigido, pois todos os temas são tratados em um único artigo (o artigo 2º apenas revoga disposições em contrário). O § 6º, por exemplo, estabelece que os honorários de sucumbência serão devidos ao advogado, por direito próprio. Embora o Estatuto da Advocacia já disponha assim, o Supremo Tribunal Federal nega validade a essa fórmula, por entender que se trata no caso de um ressarcimento, da reparação dos custos que a parte vencedora tem com o processo. Além dos honorários de sucumbência que o projeto aludido estabelece, é permitida a cumulação deles com os honorários contratuais e, mais ainda, com os honorários assistenciais já previstos na Lei 5584/1970. No caso de insolvência do devedor, a verba honorária assistencial deverá ser paga pelo Tesouro Nacional, por conta do orçamento dos tribunais. Em resumo, o projeto em tramitação institui um regime de remuneração advocatícia que torna o patrono da causa seu partícipe mais importante, uma vez que visará – em nome próprio – a obter honorários contratuais + honorários de sucumbência + honorários assistenciais. Títulos a serem executados inclusive por providências de ofício, em favor de um novo e incidental “exeqüente”.

            Como essa situação parece completamente desvirtuada das características do processo trabalhista, sessenta e dois deputados federais recorreram ao plenário para reverter a decisão (que, do contrário, seria terminativa) da Comissão de Constituição e Justiça. Estabeleceu-se então um formidável lobby da ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas e da OAB que forçou a desistência do recurso por parte de trinta e um deputados, de modo que o resíduo dos recorrentes mostrou-se insuficiente perante o Regimento para que o recurso fosse processado. Assim, o projeto não foi ao exame do plenário da Câmara e já se encontra no Senado, onde o lobby intenso continua.

            Outra iniciativa igualmente desastrosa está expressa na PEC 204/2012 da Câmara dos Deputados, prevendo que os integrantes do “quinto” serão escolhidos unicamente por suas corporações (OAB e MP), em listas tríplices encaminhadas por elas diretamente ao Poder Executivo, para nomeação. Até a Constituição de 1988 as corporações não participavam do processo de indicação. Eram os tribunais que compunham as listas. Pela PEC em tramitação, não haverá mais qualquer participação do Judiciário. Isto é, os órgãos jurisdicionais que receberão os elementos forâneos não terão como influir, opinar ou selecionar seus próprios integrantes.

            Já se sabe, na configuração atual, que os juízes oriundos do “quinto” excepcionam a regra geral da Constituição, de acessibilidade universal aos cargos públicos permanentes unicamente por concurso. Eles, os conselheiros ou ministros dos tribunais de contas e os ministros do Supremo são os únicos servidores públicos que não prestam concurso para cargos efetivos. Com o acréscimo de que também não se submetem ao exame de avaliação física e psicológica que é imposto aos juízes de carreira, e é eliminatório.

            Tratar do COLEPRECOR, do projeto de lei que estabelece a sucumbência em honorários advocatícios de uma maneira tão distorcida e da “autonomia” corporativa na indicação do “quinto” parece – e certamente é – uma intromissão de situações conjunturais, que deveriam ser evitadas em um texto analítico. Porém, o desprezo pelos acontecimentos tem sido a marca da evolução reticente, plena de revezes e incongruências, da jurisdição trabalhista. Não há hoje no Brasil nenhuma concepção doutrinária que sustente uma projeção coerente para a Justiça do Trabalho em qualquer momento do futuro. Em palavras que costumam ser mais repetidas, tão ao gosto dos standards, não há nenhum planejamento estratégico.

            A crise operacional tende a se estender diante de novos embaraços e novas dificuldades, que vêm desde uma competência tornada difusa e assistemática e se estendem até procedimentos de favorecimento que desvirtuam a finalidade do processo judicial. Não é de estranhar – embora seja intensamente melancólico – que existam escolas interpretativas que sustentem papéis novos para os juízes, de “intermediação”, de “assistência”, de “reparação”, de “gestores” e até mesmo de “prestação de serviços” ... e isso ocorre enquanto a idéia milenar de que o Direito tem algo a dizer de forma coerente, singular e justificada, por sobre o mito e os sortilégios vencidos custosamente nas refregas da História, desde a origem dos tempos, definha como resíduo triste de uma apostasia.

                                               CONCLUSÃO

            Acaso parecerá, no fecho deste trabalho, que se tratou de um painel demasiado naturalista, perseguindo a “nudez da verdade” de que falou Eça de Queiroz. Mas se tivesse havido uma descrição parnasiana, ou uma narrativa barroca, como costuma acontecer tão amiúde no ambiente jurídico, é possível que nenhuma verdade melhor tivesse surgido. O trabalho da jurisdição precisa ser compreendido para além do seu perfil formal de aparência, mas na sua fisiologia. Afinal, foram os grandes fisiocratas que melhor entenderam o funcionamento dos sistemas, como Adam Smith, que descreveu o capitalismo já em seus primórdios, ou como Beccaria, que expôs as distorções na aplicação do aparato repressivo que, para atender a lei, a desvirtuava.

            Muitos têm sido os esforços para expor e ensinar os temas da legislação a partir de uma anatomia do artigo, do parágrafo e do inciso, na busca de um resultado de entendimento útil e “prático”. Mas essa visão é caudatária do saber escolástico, que se refugia no cânone. É a “sabiduria abogadesca” que Miguel de Unamuno desdenhou. Qualquer percepção conceptiva de sistema que tenha origem informativa no artigo, no parágrafo e no inciso está fadada a constituir-se como fantasia totalizadora, que nunca identificará motivos reais para os fenômenos históricos, mas estará convencida de que existe um totum unum metafísico, povoado pela deontologia, o valor abstrato do bem e a final elevação do espírito. Possivelmente, até Hegel nos convidaria hoje para, ao invés desse passeio espiritual que ele concebeu sob outros e melhores pressupostos, retomar a crítica da reificação, para que o pensamento não seja convertido em coisa.

            A justiça precisa ser entendida em seu funcionamento, com o acervo rico de sua doutrina, uma história milenar que remonta pelo menos até Hamurabi e com o seu corpo operativo que é formado pelos tribunais. É tal entendimento que permitirá superar o cipoal das mais de doze mil e quinhentas leis em vigor no país, consideradas só aquelas que estão numeradas a partir de 1964, e encontrar diretriz suficiente em uma Constituição que se tem mostrado móvel, já com mais de setenta emendas em vinte e cinco anos de vigência, a maioria delas assistemáticas.

            É uma visão demasiado cética? Talvez não. Se jamais for pelas leis do Direito, pelo menos pelas leis da geofísica, esta terra que habitamos não será somente “um erro, uma incompetente paródia”, como foi percebida por Borges em sua recusa radical, pois pela sua forma e movimento ela permitirá sempre que todos os horizontes que puderem ser vislumbrados, tanto mais por um olhar atento e apropriador, em algum momento histórico possam também ser conquistados pelos nossos próprios passos.

 

Luiz Fernando Cabeda é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, inativo. Estagiou na École Nationale da la Magistrature da França, Seccion Internationale, em Paris. Seus livros A Justiça Agoniza ― Ensaio sobre perda do vigor, da função e do sentido da justiça no Poder Judiciário (Ed. Esfera) e A Resistência da Verdade Jurídica — mitos e inflexões na aplicação do Direito (Ed. Servanda) foram publicados em 1998 e 2013. 

 

 

 

 

 

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