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Informativo STF nº 831 - 20 a 24 de junho de 2016

PLENÁRIO

Inquérito e recebimento de denúncia - 1

O Plenário recebeu, em parte, denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º), lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, V, e § 4º, na redação anterior à Lei 12.683/2012), evasão de divisas (Lei 7.492/1986, art. 22, parágrafo único) e omissão ou declaração falsa em documento eleitoral (Lei 4.737/1965, art. 350). O Tribunal, inicialmente, rejeitou preliminar concernente ao cerceamento de defesa em razão da ausência de pleno acesso aos registros audiovisuais de colaborações premiadas. Afirmou que o § 13 do art. 4º da Lei 12.850/2013 traria comando no sentido de que, “sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações”. Não haveria, portanto, indispensabilidade legal absoluta de que os depoimentos fossem registrados em meio magnético ou similar, mas recomendação de que esses mecanismos fossem utilizados para assegurar “maior fidelidade das informações”. Também não procederia a alegação de que o Ministério Público, como órgão acusador, deveria ter providenciado a tradução de determinados documentos que acompanharam a peça acusatória. A tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro juntados só deveria ser realizada se essa providência se tornasse absolutamente “necessária” (CPP, art. 236). Desse modo, não bastasse ser possível a dispensa da tradução de alguns documentos, o acusado não teria demonstrado, na espécie, de que forma essa providência seria imprescindível à sua defesa. Ademais, seria possível, durante a instrução, requerer ou mesmo apresentar a tradução de tudo o que a defesa julgasse necessário. Vencido, em relação às referidas preliminares, o Ministro Marco Aurélio, que as acolhia por reputar que os autos do inquérito, considerada a ordem jurídica em vigor, não estariam devidamente aparelhados para deliberação do Colegiado, sob pena de atropelo ao direito de defesa.
Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 22.6.2016. (Inq-4146)


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Inquérito e recebimento de denúncia - 2

O Plenário rejeitou, ainda, preliminares que apontavam a inépcia da denúncia e a inexistência de autorização para o processamento do crime de evasão de divisas, em suposta violação aos princípios da dupla incriminação e da especialidade. No ponto, a Corte destacou que a utilização de documentos enviados por outros países para fins de investigação representaria prova produzida no âmbito de cooperação jurídica internacional. Assim, a transferência de procedimento criminal, embora sem legislação específica produzida internamente, teria abrigo em convenções internacionais sobre cooperação jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumiriam “status” de lei federal. Seria, portanto, legítima a providência da autoridade brasileira de, com base em material probatório obtido da Confederação Suíça, por sistema de cooperação jurídica internacional, investigar e processar o congressista em questão pelo delito de evasão de divisas, já que se trataria de fato delituoso diretamente vinculado à persecução penal objeto da cooperação, que teria como foco central delitos de corrupção e lavagem de capitais.
Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 22.6.2016. (Inq-4146)

Inquérito e recebimento de denúncia - 3

No mérito, o Tribunal asseverou que a denúncia preencheria os requisitos do art. 41 do CPP, devendo, desse modo, ser recebida. Com relação ao delito de corrupção passiva, constaria dos autos que o denunciado, no ano de 2010, em data incerta, e até maio e junho de 2011, teria prestado apoio e sustentação política para que pessoa determinada fosse alçada e mantida na posição de Diretor da Área Internacional da Petrobras, bem como teria solicitado e efetivamente recebido, para si e para outrem, e em decorrência de sua condição de parlamentar, vantagem indevida correspondente a vultoso numerário depositado em conta da qual beneficiário. Essa vantagem seria a contrapartida pela sua atuação na compra pela Petrobras de um campo de petróleo no exterior. Todavia, seria adequado excluir da denúncia a causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do CP, que seria incabível pelo mero exercício do mandato popular, como decidido no Inq 3.983/DF (DJe de 12.5.2016). Igualmente, a materialidade e os indícios de autoria se encontrariam presentes relativamente ao crime de lavagem de dinheiro. As autoridades suíças teriam identificado a existência de 4 contas ocultas em nome do parlamentar. A denúncia descreveria, de maneira clara, que o acusado teria recebido quantia proveniente dos crimes de corrupção passiva e ativa, cometidos no âmbito da referida transação celebrada pela Petrobras. Registros bancários coletados no período entre maio e junho de 2011 apontariam a realização de repasses para a conta de um “trust”, cujo instituidor e único beneficiário seria o denunciado. Assim, constaria dos autos elementos a reforçar o possível cometimento do crime de lavagem de dinheiro, correspondente à ocultação e à dissimulação da origem de valores desviados do referido contrato celebrado pela Petrobras, mediante a utilização de mecanismos para dificultar a identificação do acusado como destinatário final das quantias, por meio de depósitos em conta no exterior sob a forma de “trust”. Os indícios colhidos apontariam evidências de que as contas bancárias apresentadas pelo órgão de acusação pertenceriam, de fato, ao parlamentar, e teriam como razão de existir a real intenção de manter o anonimato com relação à titularidade dos valores nelas depositados. Outrossim, o quadro indiciário quanto à prática do crime de lavagem de capitais seria reforçado pelas informações fiscais a ele referentes, as quais demonstrariam a ausência de declaração dos valores mantidos no exterior aos órgãos oficiais, assim como revelariam a incompatibilidade da respectiva movimentação financeira com os rendimentos declarados à Receita Federal do Brasil.
Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 22.6.2016. (Inq-4146)

Inquérito e recebimento de denúncia - 4

A Corte afirmou que, em relação ao delito de evasão de divisas, constaria da denúncia que o acusado teria mantido ativos não declarados às autoridades brasileiras em contas localizadas no exterior, em quantias superiores a US$ 100.000,00 (cem mil dólares). Assim, em conformidade com extratos apresentados pelo Ministério Público, o parlamentar teria mantido na Suíça, mas a partir do Brasil, ativos não declarados ao Banco Central do Brasil. Tal fato configuraria, em tese, o crime de evasão de divisas, na figura típica prevista na parte final do parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/1986. Relativamente a essa parte da acusação, a defesa sustentava a atipicidade da conduta verificada, na medida em que os valores depositados em específicas contas bancárias teriam sido objeto da contratação de “trusts” em 2003, estrutura negocial que teria implicado a transferência da plena titularidade de seus valores. Contudo, os elementos indiciários colhidos na investigação revelariam que o denunciado seria, de fato, o responsável pela origem e, ao mesmo tempo, o beneficiário dos valores depositados nas referidas contas. Nesse contexto, embora o “trust” fosse modalidade de investimento sem regulamentação específica no Brasil, não haveria dúvidas de que, no caso dos autos, o acusado deteria, em relação a essas operações, plena disponibilidade jurídica e econômica. Assim, a circunstância de os valores não estarem formalmente em seu nome seria absolutamente irrelevante para a tipicidade da conduta. Aliás, a manutenção de valores em contas no exterior, mediante utilização de interposta pessoa ou forma de investimento que assim o permitisse, além de não desobrigar o beneficiário de apresentar a correspondente declaração ao Banco Central do Brasil, revelaria veementes indícios do ilícito de lavagem de dinheiro. No que concerne ao crime de falsidade ideológica para fins eleitorais, a inicial descreveria que o parlamentar teria, em julho de 2009 e em julho de 2013, omitido, com fins eleitorais e em documento público dirigido ao TSE, a existência de numerário de sua propriedade em contas bancárias de variada titularidade, inclusive dos citados “trusts”. Dessa forma, conquanto sucintas, as afirmações feitas na peça acusatória seriam suficientes, neste momento processual, para demonstrar que a conduta do denunciado se enquadraria, ao menos em tese, no tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral.
Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 22.6.2016. (Inq-4146)

Inquérito e recebimento de denúncia - 5

Na mesma assentada, o Colegiado, por maioria, negou provimento a agravos regimentais que objetivavam a reforma de decisão que determinara o desmembramento do inquérito em comento, mantendo-se no STF apenas a apuração relacionada ao denunciado detentor de prerrogativa de foro. A Corte destacou que competiria somente ao tribunal ao qual tocasse o foro por prerrogativa de função a análise da cisão das investigações. Dever-se-ia promover, sempre que possível, o desmembramento de inquérito e peças de investigação para manter sob sua jurisdição apenas o que envolvesse autoridade com prerrogativa de foro, podendo examinar as circunstâncias de cada caso. Na espécie, a análise do titular da ação penal teria sido conclusiva no sentido da autonomia entre as condutas em tese praticadas pelo denunciado e as das demais investigadas (mulher e filha do parlamentar). Assim, a manutenção da investigação no STF em relação a outros investigados poderia redundar em evidente prejuízo à apuração, uma vez que colocaria desde logo em xeque o eixo básico da “opinio delicti”, que teria as condutas nelas descritas como independentes. Vencido, no ponto, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que verificavam a existência de imbricação apta a justificar o trâmite conjunto dos procedimentos penais.
Inq 4146/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 22.6.2016. (Inq-4146)

Tráfico privilegiado e crime hediondo - 4

O crime de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda. Por conseguinte, não são exigíveis requisitos mais severos para o livramento condicional (Lei 11.343/2006, art. 44, parágrafo único) e tampouco incide a vedação à progressão de regime (Lei 8.072/1990, art. 2º, § 2º) para os casos em que aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, §4°, Lei 11.343/2006. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, concedeu a ordem de “habeas corpus” para afastar a natureza hedionda de tal delito. No caso, os pacientes foram condenados pela prática de tráfico privilegiado, e a sentença de 1º grau afastara a natureza hedionda do delito. Posteriormente, o STJ entendera caracterizada a hediondez, o que impediria a concessão dos referidos benefícios — v. Informativos 791 e 828. O Tribunal superou a jurisprudência que se firmara no sentido da hediondez do tráfico privilegiado. Sublinhou que a previsão legal seria indispensável para qualificar um crime como hediondo ou equiparado. Assim, a partir da leitura dos preceitos legais pertinentes, apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, “caput” e § 1º, da Lei 11.343/2006 seriam equiparadas a crimes hediondos. Entendeu que, para alguns delitos e seus autores, ainda que se tratasse de tipos mais gravemente apenados, deveriam ser reservadas algumas alternativas aos critérios gerais de punição. A legislação alusiva ao tráfico de drogas, por exemplo, prevê a possibilidade de redução da pena, desde que o agente seja primário e de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e nem integre organização criminosa. Essa previsão legal permitiria maior flexibilidade na gestão da política de drogas, pois autorizaria o juiz a avançar sobre a realidade pessoal de cada autor. Além disso, teria inegável importância do ponto de vista das decisões de política criminal.
HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2016. (HC-118533)


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Tráfico privilegiado e crime hediondo - 5

A Corte observou que, no caso do tráfico privilegiado, a decisão do legislador fora no sentido de que o agente deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia o alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas. As circunstâncias legais do privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de punição dessas pessoas. Não se poderia, portanto, chancelar-se a hediondez a essas condutas, por exemplo. Assim, a imposição de pena não deveria estar sempre tão atrelada ao grau de censura constante da cominação abstrata dos tipos penais. O juiz deveria ter a possibilidade de exame quanto à adequação da sanção imposta e o respectivo regime de cumprimento, a partir do exame das características específicas na execução de determinados fatos, cujo contexto em que praticados apresentasse variantes socialmente relevantes em relação ao juízo abstrato de censura cominada na regra geral. De outro lado, o art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 mereceria crítica na medida em que proíbe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Assentou, ainda, que a etiologia do crime privilegiado seria incompatível com a natureza hedionda. Além disso, os Decretos 6.706/2008 e 7.049/2009 beneficiaram com indulto os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado, a demonstrar inclinação no sentido de que esse delito não seria hediondo. Demais disso, cumpre assinalar que o crime de associação para o tráfico, que reclama liame subjetivo estável e habitual direcionado à consecução da traficância, não seria equiparado a hediondo. Dessa forma, afirmar que o tráfico minorado fosse considerado hediondo significaria que a lei ordinária conferiria ao traficante ocasional tratamento penal mais severo que o dispensado ao agente que se associa de forma estável para exercer a traficância de modo habitual, a escancarar que tal inferência consubstanciaria violação aos limites que regem a edição legislativa penal. Vencidos os Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que denegavam o “writ”. Reajustaram os votos os Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki e Rosa Weber.
HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2016. (HC-118533)

Execução em juizado e apresentação de cálculo pelo devedor - 1

O Plenário iniciou julgamento de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se discute a legitimidade de decisões proferidas por juizado especial federal, as quais determinam que a União, em execução, apresente, nos processos em que figurar como ré, dados e cálculos necessários para apuração do valor devido à parte autora. Inicialmente, o Ministro Marco Aurélio (relator) reputou atendido o requisito da subsidiariedade (Lei 9.882/1999, art. 4º, § 1º). A simples possibilidade de interposição de recurso ou impetração de mandados de segurança contra cada uma das decisões impugnadas não traduziria, só por si, a inobservância ao requisito da subsidiariedade. Ao contrário, seria preciso atentar para o propósito subjacente da arguição: a defesa da ordem constitucional objetiva e também da racionalidade do sistema processual. No caso concreto, haveria o problema relativo à multiplicação de demandas, presente a informação da existência de cerca de trinta mil processos em tramitação nos juizados especiais nos quais será observado o entendimento discutido nessa arguição. Além disso, os princípios constitucionais da separação dos Poderes, da legalidade, da isonomia, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, apontados como desrespeitados, consubstanciariam preceitos fundamentais passíveis de ensejar controle de constitucionalidade mediante essa via excepcional. No mérito, o relator julgou improcedente o pedido veiculado na inicial. Consignou que, não ofenderia a ordem constitucional, a determinação para que a União procedesse aos cálculos e apresentasse os documentos relativos à execução nos processos em tramitação nos juizados especiais cíveis federais, ressalvada a possibilidade de o exequente postular a nomeação de perito. Observou que entre os princípios que regeriam o microssistema processual dos juizados especiais federais, versados nas Leis 9.099/1995 e 10.259/2001, estariam os da simplicidade, da economia processual e da celeridade. A legislação viera potencializar o acesso à Justiça. Sublinhou que, consoante o art. 788 do CPC/2015, a regra geral a ser observada nas execuções civis seria a iniciativa do credor, cabendo-lhe instruir a execução com os cálculos da obrigação materializada no título, pois a execução se desenvolveria no seu interesse e, portanto, dependeria do próprio comportamento ativo para que lograsse termo. Apesar disso, não haveria vedação legal a que fosse exigida a colaboração do executado, principalmente quando se tratasse de ente da Administração Pública federal. Ao reverso, no âmbito dos referidos juizados, tudo indicaria ser possível a inversão da ordem.
ADPF 219/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.6.2016. (ADPF-219)


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Execução em juizado e apresentação de cálculo pelo devedor - 2

O relator explicou que, de acordo com o art. 139 do CPC/2015, caberia ao magistrado conduzir o processo, de modo a assegurar a igualdade de tratamento entre as partes — princípio da paridade de armas, corolário dos princípios constitucionais da igualdade, do contraditório e do devido processo legal. Ponderou que a relação estabelecida entre o particular que procurasse o juizado e a União seria evidentemente assimétrica. O Poder Público possuiria corpo de servidores especializados nas questões discutidas em juízos. A advocacia pública hoje estaria satisfatoriamente aparelhada, sendo composta por pessoas altamente qualificadas para a defesa das pretensões do Estado. O particular, às vezes, nem de advogado disporia, porquanto a legislação lhe conferiria capacidade postulatória. Ademais, a legislação permitiria que a execução nos juizados especiais fosse feita mediante simples expedição de ofício do Juízo à Administração Pública (Lei 10.259/2001, art. 16). Além disso, o art. 11 desse mesmo diploma imporia à Administração o dever de apresentar a documentação alusiva à causa. O art. 10, por sua vez, deferiria ao representante judicial da Fazenda a possibilidade de transigir com os particulares — exceção ao conhecido princípio da indisponibilidade do interesse público —, pressupondo que, desde logo, a Administração agiria no intuito de buscar a efetividade dos direitos dos administrados. Realçou que os cálculos, quando efetuados por perito, deveriam ser posteriormente revistos pela própria Administração fazendária, a fim de verificar a correção — a viabilizar, eventualmente, a interposição de embargos. A nomeação de perito representaria, portanto, duplo custo para o erário: primeiro, com os correspondentes honorários periciais; segundo, com o servidor público responsável pela revisão daquele trabalho. Exigir que existisse sempre a intervenção de perito designado pelo juízo revelaria incompatibilidade com os princípios da economia processual, da celeridade e da efetividade do processo. Portanto, o dever de colaboração imputável ao Estado, consoante essa visão, decorreria, em última análise, dos princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, e do subprincípio da economicidade, que norteariam a interpretação a ser adotada. Por último, caso o exequente apresentasse valor excessivo, como devido, caberia à Fazenda “declarar de imediato o valor que entendesse correto, sob pena de não conhecimento da arguição” (CPC/2015, art. 535, § 2º). A União, todavia, teria insistido em projetar no tempo o cumprimento de decisão transitada em julgado, mesmo sendo detentora de dados necessários sobre a exatidão do valor. Em seguida, pediu vista o Ministro Luiz Fux.
ADPF 219/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 23.6.2016. (ADPF-219)


REPERCUSSÃO GERAL

Discussão de matéria infraconstitucional em recurso extraordinário e ausência de repercussão geral

O Plenário, por maioria, não conheceu de recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de imposição ao INSS, nos processos em que figurasse como parte ré, do ônus de apresentar cálculo de liquidação do seu próprio débito. A Corte reputou que a pretensão deduzida repousaria apenas na esfera da legalidade. Desse modo, assentou a inexistência de questão constitucional e, por conseguinte, de repercussão geral. De início, destacou que, embora o presente recurso extraordinário tivesse sido apregoado para julgamento conjunto com a ADPF 219/DF (acima noticiada), a ótica no âmbito da ADPF, que é ação objetiva, diferiria da ótica no âmbito do recurso extraordinário. Essa espécie recursal teria por base os fundamentos do acórdão recorrido na via extraordinária, que, no caso, teria apenas realizado interpretação de regras infraconstitucionais (Lei 10.259/2001, Lei 9.099/1995, CPC) e do Enunciado 52 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Desse modo, concluir de forma diversa do que decidido pelo tribunal de origem demandaria o reexame da legislação infraconstitucional. Seria assente no STF o entendimento segundo o qual a contrariedade aos princípios da legalidade genérica ou administrativa, ou do devido processo legal — como alegado no recurso comento —, quando depende de exame de legislação infraconstitucional para ser reconhecida como tal, configuraria apenas ofensa constitucional indireta. Nesse sentido, encontrar-se-ia sob o pálio da Constituição tão somente a garantia desses direitos, mas não seu conteúdo material, isoladamente considerado. Assim, não havendo controvérsia constitucional a ser dirimida no recurso extraordinário, seria patente a ausência de repercussão geral, uma vez que essa, indubitavelmente, pressuporia a existência de matéria constitucional passível de análise pelo STF. Vencido o Ministro Edson Fachin, que conhecia do recurso extraordinário e negava-lhe provimento por entender que seria lícito ao magistrado, atendendo às peculiaridades do caso concreto e aos princípios que regem as causas em tramitação perante os juizados especiais, exigir não só os elementos materiais mantidos sob a guarda do INSS e que fossem necessários à elaboração dos cálculos necessários, como também a apresentação do próprio discriminativo apto a instruir a fase executória do processo.
RE 729884/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 23.6.2016. (RE-729884)


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PRIMEIRA TURMA

Incitação ao crime de estupro, injúria e imunidade parlamentar - 1

A Primeira Turma, em julgamento conjunto e por maioria, recebeu denúncia pela suposta prática de incitação ao crime (CP, art. 286) e queixa-crime apenas quanto à alegada prática de injúria (CP, art 140), ambos os delitos imputados a deputado federal. Os crimes dizem respeito a declarações proferidas na Câmara dos Deputados e, no dia seguinte, divulgadas em entrevista concedida à imprensa. No caso, o parlamentar afirmara que deputada federal “não merece ser estuprada, por ser muito ruim, muito feia, não fazer seu gênero” e acrescentara que, se fosse estuprador, “não iria estuprá-la porque ela não merece”. A Turma assinalou que a garantia constitucional da imunidade material protege o parlamentar, qualquer que seja o âmbito espacial em que exerça a liberdade de opinião, sempre que suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas em razão dela. Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser relacionadas ao exercício do mandato, devem revelar teor minimamente político, referido a fatos que estejam sob debate público, sob investigação em CPI ou em órgãos de persecução penal ou, ainda, sobre qualquer tema que seja de interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou quaisquer grupos representados no parlamento ou com pretensão à representação democrática. Consequentemente, não há como relacionar ao desempenho da função legislativa, ou de atos praticados em razão do exercício de mandato parlamentar, as palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias e, portanto, sem vínculo com o exercício das funções cometidas a um parlamentar. Na hipótese, trata-se de declarações que não guardam relação com o exercício do mandato. Não obstante a jurisprudência do STF tenha entendimento no sentido da impossibilidade de responsabilização do parlamentar quando as palavras tenham sido proferidas no recinto da Câmara dos Deputados, as declarações foram proferidas em entrevista a veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade. O fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que a concedera é meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas as ofensas, mas sim por meio da imprensa e da internet. Portanto, cuidando-se de declarações firmadas em entrevista concedida a veículo de grande circulação, cujo conteúdo não se relaciona com a garantia do exercício da função parlamentar, não incide o art. 53 da CF.
Inq 3932/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Inq-3932)
Pet 5243/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Pet-5243)

Incitação ao crime de estupro, injúria e imunidade parlamentar - 2

O Colegiado explicou que a defesa sustentava atipicidade da conduta de incitação ao crime, pois as afirmações seriam genéricas. A respeito, registrou que o tipo penal em análise dá ênfase ao aspecto subjetivo da ordem pública, ao sentimento de paz e à tranquilidade social. O bem jurídico tutelado é diverso daquele que é ofendido pelo crime objeto da instigação. Não se trata da proteção direta de bens jurídicos primários, mas de formas de proteção mediata daqueles, pois se enfrenta uma das condições favoráveis à prática de graves danos para a ordem e a perturbação sociais. Assim, a incitação ao crime não envolve ataque concreto ao bem jurídico tutelado, mas sim destina-se a salvaguardar o valor desse bem jurídico do crime objeto de incitação. No caso, a integridade física e psíquica da mulher encontra ampla guarida na ordem jurídica, por meio de normas exsurgidas de um pano de fundo aterrador, de cotidianas mortes, lesões e imposição de sofrimento ao gênero feminino no País. Assim, em tese, a manifestação do acusado tem o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à violência física, sexual, psicológica e moral, porquanto proferida por parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais. Especialmente, o crime de estupro tem consequências graves, e sua ameaça perene mantém todas as mulheres em situação de subordinação. Portanto, discursos que relativizam essa gravidade e a abjeção do delito contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro. A Turma enfatizou, ainda, que a utilização do vocábulo “merece” tivera por fim conferir ao delito o atributo de prêmio, favor, benesse à mulher. Além disso, confere às vítimas o merecimento dos sofrimentos a elas infligidos. Essa fala reflete os valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera e até incentiva a prática de atitudes machistas e defende a naturalidade de uma posição superior do homem, nas mais diversas atividades. Não se podem subestimar os efeitos de discursos que reproduzem o rebaixamento da dignidade sexual da mulher, que podem gerar perigosas consequências sobre a forma como muitos irão considerar o crime de estupro, podendo, efetivamente, encorajar sua prática. O desprezo demonstrado pela dignidade sexual reforça e incentiva a perpetuação dos traços de uma cultura que ainda subjuga a mulher, com o potencial de instigar variados grupos a lançarem sobre a própria vítima a culpa por ser alvo de criminosos sexuais. Portanto, não é necessário que se apregoe, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. O tipo do art. 286 do CP abrange qualquer conduta apta a provocar ou a reforçar a intenção da prática criminosa de terceiros.
Inq 3932/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Inq-3932)
Pet 5243/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Pet-5243)

Incitação ao crime de estupro, injúria e imunidade parlamentar - 3

A Turma sublinhou outra alegação da defesa, segundo a qual, se as palavras do parlamentar fossem consideradas incitação ao estupro, então as mulheres que aderiram ao movimento iniciado na internet (“eu não mereço ser estuprada”) também o teriam praticado. Ressaltou que se tratara de campanha de crítica e repúdio às declarações do parlamentar. O sentido conferido, na referida campanha, ao verbo “merecer” revela-se oposto ao empregado pelo acusado nas manifestações que externara publicamente. Essas mensagens buscaram restabelecer o sentimento social de que o estupro é uma crueldade intolerável. Ademais, o tipo penal da incitação ao crime é formal, de perigo abstrato, e independe da produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas apenas o dolo genérico, consistente na consciência de que o comportamento do agente instigará outros a praticar crimes. No caso, a frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso da violência. Assim, a afirmação pública do imputado tem, em tese, o potencial de reforçar eventual propósito existente em parte daqueles que depreenderam as declarações, no sentido da prática de violência contra a mulher, inclusive novos crimes contra a honra da vítima e de mulheres em geral. Por fim, o Colegiado, no que diz respeito às imputações constantes da queixa-crime (calúnia e injúria), reputou que as mesmas declarações emanadas na denúncia atingiram, em tese, a honra subjetiva da querelante, pois revelam potencial de rebaixar sua dignidade moral, expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as características da mulher à possibilidade de ser vítima de estupro. Não cabe, nessa fase processual, concluir no sentido da configuração de retorsão imediata ou reação a injusta provocação. A queixa-crime atribui, ainda, a prática do delito de calúnia, pelo fato de o querelado ter falsamente afirmado que a querelante o chamara de estuprador. No ponto, entretanto, a inicial não narra de que maneira a afirmação do parlamentar tivera por fim específico ofender a honra da querelante, razão pela qual a queixa não pode ser recebida quanto a esse delito. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que não recebia a denúncia ou a queixa-crime.
Inq 3932/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Inq-3932)
Pet 5243/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016. (Pet-5243)

Novo CPC e ação originária sem previsão de honorários

Descabe a fixação de honorários recursais, preconizados no art. 85, § 11, do CPC/2015 (“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. ... § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”), na hipótese de recurso extraordinário formalizado no curso de processo cujo rito os exclua. Com base nessa orientação, a Primeira Turma, em julgamento conjunto de agravos regimentais, a eles negou provimento, sem fixação de honorários. No caso, não haveria previsão de oneração em honorários na ação originária.
ARE 948578 AgR/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 21.6.2016. (ARE-948578)
ARE 951589 AgR/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 21.6.2016. (ARE-951589)
ARE 952384 AgR/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 21.6.2016. (ARE-952384)

Saída temporária e decisão judicial

É legítima a decisão judicial que estabelece calendário anual de saídas temporárias para que o preso possa visitar a família. Esse o entendimento da Primeira Turma, que concedeu a ordem em “habeas corpus” para restabelecer ato do Juízo das Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro, que concedera autorização de saída temporária para visita periódica à família do paciente. Essa decisão, mantida em grau de recurso, fora, no entanto, reformada pelo STJ, que assentara o descabimento da concessão de saídas automatizadas. Segundo aquela Corte, seria necessária a manifestação motivada do juízo da execução, com intervenção do Ministério Público, em cada saída temporária. A Turma afirmou que a saída temporária autorizada repercutiria sobre outras saídas, desde que não houvesse cometimento de falta grave pelo custodiado.
HC 130502/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 21.6.2016. (HC-130502)





SEGUNDA TURMA

Justiça Militar: crime praticado por civil, competência e contraditório

A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” impetrado em favor de civil denunciada pela suposta prática de furto simples em continuidade delitiva, nos termos da legislação penal militar (CPM, art. 240, c/c art. 80). No caso, ela realizara saques bancários da conta corrente de militar inativo falecido e, por essa razão, o Ministério Público Militar ofertara denúncia perante a Justiça Castrense. Após a rejeição da peça acusatória, fora interposto recurso em sentido estrito, ao qual fora dado provimento tanto para não considerar a Justiça Militar competente quanto para receber a denúncia. A defesa sustentava: a) a prescrição em perspectiva da pretensão punitiva; b) a incompetência da Justiça Castrense; c) a inviabilidade do recebimento da denúncia pelo STM, por suposta supressão de instância; e d) a oportunidade de apresentar defesa prévia, na forma do art. 396-A do CPP. A Turma asseverou que o STF já fixara orientação no sentido de ser incabível o reconhecimento da prescrição em perspectiva. Ademais, no que toca à incompetência da Justiça Militar, lembrou haver casos semelhantes em que as Turmas afirmaram a competência da Justiça Castrense, tendo em conta a existência de dano à Administração Militar. Muito embora o tema da compatibilidade do julgamento de civil pela Justiça Militar da União esteja pendente de análise pelo Plenário, na espécie, não trata da questão do ponto de vista constitucional, mas apenas diz respeito ao eventual enquadramento do fato como crime militar, nos termos da lei. No que se refere a hipotética supressão de instância, tendo em vista a existência de teses apreciadas em sede recursal, mas não em primeira instância, o Colegiado invocou o Enunciado 709 da Súmula do STF (“Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela”). No entanto, há precedente da Corte afastando o entendimento sumulado, nas situações em que o juiz de primeira instância se limita a afirmar sua própria incompetência. Nesse caso, o Tribunal deve determinar o retorno dos autos para que o magistrado prossiga na análise da admissibilidade da acusação. Sucede que, nesses autos, o fundamento para rejeitar a denúncia não fora a incompetência do juízo, porque o magistrado desclassificara a imputação de furto para estelionato militar (CPM, art. 251). Assim, a hipótese não foge ao âmbito do entendimento sumular. Por fim, a respeito da possibilidade de apresentação de defesa prévia, a Turma consignou o seu cabimento no processo penal ordinário, a ser oportunizada após o recebimento da exordial. Contudo, o dispositivo em questão não assegura defesa prévia à admissibilidade da acusação, de maneira que, ainda que fosse aplicável ao processo penal militar, a tese não favoreceria a paciente. Além disso, a paciente tivera oportunidade de se pronunciar previamente sobre a admissibilidade da acusação, quando das contrarrazões apresentadas perante o STM.
HC 125777/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.6.2016. (HC-125777)

Mandado de segurança e legitimidade ativa do PGR - 2

O Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança em que se questione decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar. Esse o entendimento da Segunda Turma, que, em conclusão de julgamento e por maioria, não conheceu de mandado de segurança impetrado pelo Procurador-Geral da República, em face de ato do CNJ, que arquivara procedimento disciplinar instaurado por tribunal, em razão da prescrição da pretensão punitiva administrativa — v. Informativo 829. O Colegiado afirmou que o Procurador-Geral da República não tem legitimidade para a impetração, pois não é o titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado. Ressaltou que não basta a demonstração do simples interesse ou atuação como “custos legis”, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade. Vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que conheciam da impetração.
MS 33736/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.6.2016. (MS-33736)

Marco Legal da Primeira Infância e prisão domiciliar

O Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), ao alterar as hipóteses autorizativas da concessão de prisão domiciliar, permite que o juiz substitua a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante ou mulher com filho até 12 anos de idade incompletos (CPP, art. 318, IV e V). Com base nessa orientação, a Segunda Turma superou a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF e concedeu, de ofício, a ordem em “habeas corpus” para determinar a referida substituição. No caso, a paciente, presa preventivamente pela prática do crime de tráfico ilícito de drogas com envolvimento de adolescente, dera à luz enquanto se encontrava encarcerada. A impetração alegava que, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a criança e a mãe têm o direito de permanecerem juntas em ambiente que não lhes cause danos. Ressaltava, ainda, que a paciente possui condições favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes e idade inferior a 21 anos.
HC 134069/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.6.2016. (HC-134069)

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 22.6.2016 23.6.2016 5
1ª Turma 21.6.2016 168
2ª Turma 21.6.2016 110



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 20 a 24 de junho de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 965.627-PA
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ESTADO DO PARANÁ. POLICIAL MILITAR. VERBA DEVIDA EM RAZÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO. REAJUSTE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. É de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa ao direito a reajuste da verba paga aos policiais militares do Estado do Paraná em razão da prestação de serviço extraordinário, porque fundada na interpretação da Lei Estadual 13.280/2011.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE 970.082-SC
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RECURSO INOMINADO NÃO CONHECIDO POR DESERÇÃO. DEFINIÇÃO DAS DESPESAS PROCESSUAIS QUE COMPÕEM O PREPARO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. É de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à definição das despesas processuais que compõem o preparo.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

REPERCUSSÃO GERAL EM AI N. 864.188-SP
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. CRITÉRIO DE CÁLCULO. ART. 53, I E II, DA LEI 8.213/1991. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 
I – A controvérsia relativa à validade do critério de cálculo da aposentadoria proporcional previsto no art. 53, I e II, da Lei 8.213/1991 está restrita ao âmbito infraconstitucional.
II – O exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise de normas infraconstitucionais, o que afasta a possibilidade de reconhecimento do requisito constitucional da repercussão geral.
III – Repercussão geral inexistente.

Decisões Publicadas: 3



C L I P P I N G  D O  D J E

20 a 24 de junho de 2016

EMB. DIV. NOS EMB. DECL. NO AG. REG. NO RE N. 299.605-PR
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. CRÉDITO PRÊMIO DE IPI. RESSARCIMENTO SOLICITADO NA VIA ADMINISTRATIVA. RESISTÊNCIA INJUSTIFICADA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. ADIMPLEMENTO INTEMPESTIVO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que há o direito à correção monetária dos créditos de IPI referentes aos valores não aproveitados na etapa seguinte da cadeia produtiva, desde que fique comprovada a estrita hipótese de resistência injustificada da Administração Tributária em realizar o pagamento tempestivamente. Precedentes.
2. A verificação, em concreto, da injustificada resistência do Fisco e da adequação dos termos da correção monetária cingem-se ao contencioso infraconstitucional.
3. Fixação de tese: “A mora injustificada ou irrazoável do fisco em restituir o valor devido ao contribuinte caracteriza a ‘resistência ilegítima’ autorizadora da incidência da correção monetária.”
4. Embargos de divergência a que se dá provimento.
*noticiado no Informativo 820

HC N. 123.698-PE
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. PERÍODO DE PROVA. EQUIPARAÇÃO À PENA CUMPRIDA: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INDULTO NATALINO. ART. 1º, INC. XIII, DO DECRETO N. 8.172/2013. REQUISITO DE ORDEM OBJETIVA NÃO ATENDIDO. ORDEM DENEGADA.
1. O adimplemento do período de prova do sursis não se equipara à pena cumprida: Precedentes.
2. Inexistindo efetivo cumprimento de pena, incabível a concessão do indulto coletivo do art. 1º, inc. XIII, do Decreto n. 8.172/2013 por falta de atendimento ao requisito de ordem objetiva.
3. Ordem denegada.
*noticiado no Informativo 808

RMS N. 31.538-DF
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO
CONCURSO PÚBLICO – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR – ORDEM INDEFERIDA – FATO CONSUMADO – IRRELEVÂNCIA. O indeferimento de ordem, em mandado de segurança, revogada a liminar, implica condição resolutiva considerada nomeação, não cabendo potencializar fato que foi consumado sob o ângulo precário e efêmero.
*noticiado no Informativo 808

EMB. DECL. NO HC N. 117.338-BA
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. ELEITORAL E CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIMES CONTRA A HONRA, PRATICADOS CONTRA SERVIDOR PÚBLICO – ARTS. 324 E 326, C/C ART. 327, II, DO CÓDIGO ELEITORAL. DEPUTADO ESTADUAL. DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NO SENTIDO DA SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. NÃO ACOLHIMENTO PELO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. OFENSA AO ART. 53, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. CRIME PRATICADO NO CURSO DE MANDATO PRETÉRITO. SUSPENSÃO NEGADA NA VIGÊNCIA DO MANDATO SEGUINTE. ENTENDIMENTO HARMÔNICO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. COMPETÊNCIA DO STF. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. HC SUBSTITUTIVO DO RECURSO CABÍVEL. INADMISSÃO. ANÁLISE DAS RAZÕES DA IMPETRAÇÃO NO AFÃ DE VERIFICAR A POSSIBILIDADE DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA Nº 283 DO STF. INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.  A comunicação ao parlamento sobre o recebimento da denúncia contra parlamentar (§ 3º do art. 53 da Constituição da República, com a alteração da Emenda Constitucional n. 35/2001) é obrigatória somente  quanto a crimes cometidos durante a vigência do mandato em curso, tomando-se como parâmetro cada diplomação.
2. Os embargos de declaração opostos objetivando reforma da decisão do relator, com caráter infringente, devem ser convertidos em agravo regimental, que é o recurso cabível, por força do princípio da fungibilidade. Precedentes: ARE 704.011-ED, Primeira Turma, de que fui Relator, DJe de 17.10.13; ARE 684.535-ED, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 04.09.13; ARE 694.535-ED, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 15.05.13; ARE 732.028-ED, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 26.03.13; AC 3.160-EI-ED, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 06.06.13; RMS 28.194-ED, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 25.02.13.
3. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, em rol taxativo, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i , da Constituição Federal.
4. O Supremo Tribunal Federal sufraga o entendimento de que a possibilidade de suspensão do curso da ação penal promovida contra parlamentar pressupõe  fatos ocorridos após a diplomação e no curso do mandato atual.
5. A ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão recorrida atrai, mutatis mutandis, o enunciado da Súmula nº 283 do STF: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
6. In casu, O paciente não está arrolado em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição originária desta Corte, o que inibe a concessão de habeas corpus de ofício, posto ausentes teratologia ou flagrante ilegalidade.
7. Agravo Regimental a que se nega provimento.

AP N. 932-RR
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: AÇÃO PENAL. MAUS-TRATOS DE ANIMAIS (ART. 32 DA LEI 9.605/98) E APOLOGIA DE CRIME (ART. 287 DO CÓDIGO PENAL): PRESCRIÇÃO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DAS ELEMENTARES DO TIPO PENAL. ABSOLVIÇÃO.
1. O crime de quadrilha ou bando compõe-se dos seguintes elementos: a) concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas; b) finalidade específica dos agentes de cometer crimes indeterminados (ainda que acabem não cometendo nenhum); c) estabilidade e permanência da associação criminosa.
2. A formação de quadrilha ou bando exige, para sua configuração, união estável e permanente de criminosos voltada para a prática indeterminada de vários crimes. Doutrina e jurisprudência.
3. In casu, as testemunhas de acusação apenas confirmaram a presença do réu em um evento onde se realizava rinha de galo, nada informando sobre sua possível associação com três ou mais pessoas para o fim de praticar indeterminadamente referido delito.
4. A presença das elementares típicas do crime de formação de quadrilha não restou demonstrada, à míngua de indício dos demais agentes com quem o réu se teria associado para prática de delitos, tampouco havendo indicação da existência de uma associação estável e permanente com fim de executar crimes.
5. Extinção da punibilidade dos crimes de maus-tratos de animais (art. 32 da Lei 9.605/98) e de apologia do crime (art. 287 do Código Penal), por terem sido alcançados pela prescrição, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal.
6. Absolvição da acusação de formação de quadrilha, por não haver prova da existência do fato, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal, e do parecer do Ministério Público.

ADI N. 2.295-RS
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PROCESSO NORMATIVO – INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. Em se tratando de disciplina da atuação do próprio Poder Executivo, quanto à criação de conselho de acompanhamento, bem como de consequências jurídicas alusivas a relações mantidas com particulares, incumbe a iniciativa do projeto ao Chefe do Poder Executivo.
*noticiado no Informativo 830

Acórdãos Publicados: 292



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Prisão em Flagrante - Pessoa Pobre - Requisitos de Cautelaridade - Ausência - Fiança Criminal
- Desnecessidade - Liberdade Provisória - Concessão (Transcrições)


HC 134508-MC/SP*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: Prisão em flagrante. Furto simples (CP, art. 155, “caput”) e direção ilegal de veículo automotor (CTB, art. 309). Paciente que, por ser pobre, não tem condições de prestar fiança criminal (CPP, art. 325, § 1º, I). Manutenção, mesmo assim, de sua prisão cautelar. Ausência dos requisitos de cautelaridade. Existência, contra o paciente, de procedimentos penais em curso: Irrelevância. Presunção constitucional de inocência. Direito fundamental que assiste a qualquer pessoa. Caráter excepcional da prisão cautelar. Incongruência de manter-se cautelarmente preso alguém que, se condenado, sofrerá a execução da pena em regime aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”), caso o magistrado sentenciante não opte por substituir a pena de prisão por penas meramente restritivas de direitos (CP, art. 44, I). A prevalência da liberdade como valor fundamental que se reveste de condição prioritária (“preferred position”) no plano das relações entre o indivíduo e o Estado. Precedentes. A clamorosa situação do sistema penitenciário brasileiro como expressão visível e perversa de um estado de coisas inconstitucional (ADPF 347-MC/DF). Concessão de liberdade provisória ao paciente. Medida cautelar deferida.

DECISÃO: A Defensoria Pública do Estado de São Paulo postula a concessão de liberdade provisória em favor do ora paciente, por ela qualificado como “lavrador”, por tratar-se de pessoa que “não tem condições financeiras de arcar com a fiança”, eis que se cuida de pessoa “pobre”.
A fiança foi inicialmente arbitrada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) pela autoridade policial com fundamento no art. 322 do CPP, em razão de a prisão em flagrante haver ocorrido pela suposta prática do delito de furto simples (CP, art. 155, “caput”).
O magistrado, no entanto, houve por bem elevar esse valor para 20 (vinte) salários mínimos, fazendo-o com apoio no art. 325, I, do CPP, em ordem a que o “quantum” majorado sirva “como garantia real para assegurar que o investigado, em liberdade, não venha a praticar atos criminosos no transcorrer do processo”.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao deduzir a presente impetração, pôs em destaque um dado que se me afigura extremamente relevante, pois sustenta que, embora a decisão judicial tenha considerado “ausentes os requisitos da prisão”, manteve preso, mesmo assim, o ora paciente, que “permanece segregado pelo simples fato de ser pobre”.
O exame de todos esses elementos convence-me de que não pode subsistir, no caso, a prisão do ora paciente, ainda mais se considerar o estado de pobreza que caracteriza a sua presente situação econômico-financeira, tal como alegado pela ilustre Defensora Pública estadual da comarca de Barretos/SP.
Não assume qualquer relevo o fato – destacado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no acórdão denegatório da ordem de “habeas corpus” (peça de que tomei conhecimento mediante acesso aos registros eletrônicos que a Corte paulista mantém na “Internet”) – de que “o paciente já teve instaurado contra si processo por crime da mesma espécie, além de outro por posse de entorpecente para uso próprio”.
E a razão é uma só: ninguém pode ser despojado do direito fundamental de ser considerado inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, inciso LVII).
A consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa – independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal.
Na realidade, a presunção constitucional de inocência qualifica-se como uma importantíssima cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral.
É por isso que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado, tal como tem advertido o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte:

“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que culminem por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes consequências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.”
(HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Disso resulta que a mera existência de inquéritos policiais em curso e a tramitação de processos penais em juízo não autorizam que se atribua a qualquer pessoa, só por isso, a condição de portadora de maus antecedentes nem permitem que se lhe imponha medidas restritivas de direitos ou supressivas da liberdade.
Sempre sustentei esse entendimento no Supremo Tribunal Federal (RTJ 136/627 – RTJ 139/885 – RTJ 187/646, v.g.), apoiando-me, para tanto, em minhas decisões, na orientação firmada em antiga e valiosa jurisprudência estabelecida pelos Tribunais em geral (RT 418/286 – RT 422/307 – RT 572/391 – RT 586/338, v.g.) e, também, no magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p. 199/200, 11ª ed., 2001, Saraiva; CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 107, 5ª ed., 2000, Renovar; ROGÉRIO GRECO, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, vol. I/626, item n. 11.3.2, 5ª ed., 2005, Editora Impetus, v.g.).
As circunstâncias subjacentes a esta impetração impõem uma observação que reputo pertinente e necessária, tendo presente o contexto em análise.
Não há razão em manter-se na prisão alguém que, além de impossibilitado de prestar fiança por ser pobre, também não teve convolada em prisão preventiva a sua prisão em flagrante, eis que o próprio magistrado de primeiro grau, ao reconhecer inviável a conversão pretendida pela Promotoria de Justiça da comarca de Guaíra/SP, destacou, quanto a referido pleito, a ausência dos necessários requisitos de cautelaridade.
Há a considerar, ainda, o fato, juridicamente relevante, de que o ora paciente, na pior das hipóteses, sendo eventualmente condenado, sofrerá pena não superior a 04 (quatro) anos em razão de sua própria primariedade, o que lhe ensejará a conversão, em pena restritiva de direitos, da sanção privativa de liberdade, em face da ausência de violência na perpetração dos delitos pelos quais está sendo processado (furto simples e direção ilegal de veículo automotor).
Vê-se, daí, que se revela gravemente contraditório manter-se cautelarmente preso aquele que, mesmo em cenário completamente desfavorável, venha a sofrer, quando muito, punição legalmente substituível por sanções alternativas à prisão (CP, art. 44, I), salvo se o magistrado sentenciante lhe impuser o cumprimento da pena em regime aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”).
Demais disso, e consideradas as circunstâncias do caso concreto – possibilidade de o paciente, se condenado, ter acesso ao regime aberto ou, então, de sofrer pena restritiva de direitos –, torna-se incongruente, quando não cruel, a efetivação de sua prisão cautelar e consequente recolhimento prisional ao sistema penitenciário brasileiro, que foi qualificado pelo Supremo Tribunal Federal, em importante julgamento plenário (ADPF 347-MC/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), como expressão perversa de um visível e lamentável “estado de coisas inconstitucional”.
Na verdade, o sistema penitenciário brasileiro tem-se caracterizado por uma situação de crônico desaparelhamento material, o que culmina por viabilizar a imposição de inaceitáveis condições degradantes aos que se acham a ele recolhidos, traduzindo, em sua indisfarçável realidade concreta, hipótese de múltiplas ofensas à Constituição, em clara atestação da inércia, do descuido, da indiferença e da irresponsabilidade do Poder Público em nosso País.
Não foi por outro motivo que esta Suprema Corte reconheceu existir, no Brasil, um claro e indisfarçável “estado de coisas inconstitucional” resultante da omissão do Poder Público em implementar medidas eficazes de ordem estrutural que neutralizem a situação de absurda patologia constitucional gerada, incompreensivelmente, pela inércia do Estado, que descumpre a Constituição Federal, que ofende a Lei de Execução Penal e que fere o sentimento de decência dos cidadãos desta República.
O quadro de distorções revelado pelo clamoroso estado de anomalia de nosso sistema penitenciário desfigura, compromete e subverte, de modo grave, a própria função de que se acha impregnada a execução da pena, que se destina – segundo determinação da Lei de Execução Penal – “a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art. 1º).
Aquele que ingressa no sistema prisional, mesmo em razão de prisão cautelar (como sucede na espécie), sofre punição que a própria Constituição da República proíbe e repudia, pois a omissão estatal na adoção de providências que viabilizem a justa execução da pena ou o respeito efetivo ao ordenamento positivo cria situações anômalas e lesivas à integridade de direitos fundamentais do prisioneiro, culminando por subtrair-lhe o direito – de que não pode ser despojado – ao tratamento digno.
Os sentenciados que cumprem condenações penais a eles impostas ou os presos cautelares recolhidos ao sistema penitenciário continuam à margem do sistema jurídico, pois ainda subsiste, quanto a eles, a grave constatação – feita por HELENO CLÁUDIO FRAGOSO – de que as condições intoleráveis e degradantes em que vivem os internos nos estabelecimentos prisionais constituem a pungente e dramática revelação de que “os presos não têm direitos”.
Todas as razões que venho de expor levam-me a superar o obstáculo fundado em restrição sumular (Súmula 691/STF), sob pena de subsistir contra o paciente situação de injusto constrangimento ao seu “status libertatis”.
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a conceder, cautelarmente, liberdade provisória ao ora paciente, independentemente de prestação de fiança criminal, seja em face do que prescreve o art. 325, § 1º, I, do CPP, seja, ainda, por entender insubsistente a sua prisão em flagrante, em razão da ausência dos requisitos de cautelaridade.
Expeça-se, em consequência, alvará de soltura em favor de Wagner Francisco Magalhães, se por al não estiver preso.
Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 355.579/SP, Rel. Min. NEFI CORDEIRO), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 2081362-34.2016.8.26.0000, Rel. Des. HERMANN HERSCHANDER) e ao MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Guaíra/SP (Processo-crime nº 0000843-58.2016.8.26.0210).
Intime-se, mediante ofício, a ilustre impetrante, Dra. Mariana Teixeira Zequini, que atua na 3ª Defensoria Pública da comarca de Barretos/SP, sem prejuízo de pessoal e regular cientificação do representante da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Brasília.
Publique-se.

Brasília, 22 de junho de 2016 (22h25).


Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 27.6.2016



INOVAÇÕES LEGISLATIVAS


Lei nº 13.299, de 21.6.2016 - Altera a Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a Lei nº 12.111, de 9 de dezembro de 2009, a Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, que dispõe sobre as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, e a Lei nº 13.182, de 3 de novembro de 2015; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 118, p. 1, em 22.6.2016.

Lei nº 13.300, de 23.6.2016 - Disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 120, p. 1, em 24.6.2016.

Medida Provisória nº 734, de 21.6.2016 - Dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União ao Estado do Rio de Janeiro para auxiliar nas despesas com Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro decorrentes dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos - Rio 2016. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição Extra nº 117, p. 1, em 21.6.2016.

OUTRAS INFORMAÇÕES
OUTRAS INFORMAÇÕES
20 a 24 de junho de 2016

Decreto nº 8.787, de 20.6.2016 - Altera o Decreto nº 8.758, de 10 de maio de 2016, que regulamenta a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, para estabelecer procedimentos a serem observados com relação a aeronaves suspeitas ou hostis durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 117, p. 9, em 21.6.2016.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) - Emenda Regimental nº 51, de 22.6.2016 – Acrescenta dispositivos ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal para permitir o julgamento por meio eletrônico de agravos internos e embargos de declaração. Divulgada no DJe/STF,  nº 133, p. 1, em 24.6.2016.


O Informativo STF voltará a circular em agosto de 2016.

Secretaria de Documentação – SDO

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