A adoção de crianças por casais homosexuais vem ganhando espaço nos meios jurídicos, e deve evoluir com opiniões diversas sobre a matéria, principalmente considerando que os veículos de comunicação, em todos os seus segmentos, começam a discutir abertamente a possibilidade da existência de preconceito quanto a preferência sexual das pessoas, e seu reflexo na sociedade, quando se trata de adoção de menores.
Já existem dezenas de casos em que os juizes concedem a adoção para homosexuais individualmente, ou seja, para um ou outro indivíduo homosexual. Contudo, o que deverá criar discussões jurídicas e políticas acirradas é o aspecto da adoção não por um dos parceiros, mas, objetivamente por um casal de homosexuais.
É que a adoção por uma pessoa, homosexual ou não, não obriga o juiz a refletir e fundamentar a sua decisão concedendo ou negando a adoção. Assim, não há grande questionamento ao se conceder a adoção de uma criança por um homem ou uma mulher, porque pode ser desprezado, ou pouco salientado, o fato da opção sexual do adotante. Aliás, a lei, além de não discriminar, impõe, de forma geral e objetiva, o dever da não discriminação.
Mas o fato e a situação jurídica já existem. Depois de decisões similares, recentemente, um juiz, na cidade de Catanduva, interior de São Paulo, deferiu o registro de uma criança adotada tendo como pais um casal homosexual, naturalmente sem fazer constar qual era a mãe ou pai do adotado.
É natural que o aspecto social poderá ser absorvido, aos poucos, até pelo silêncio dos envolvidos, mesmo porque o mais difícil já foi superado, que era a aceitação da relação homoafetiva de forma pública e natural. Contudo, a adoção por casais de homosexuais, não depende exclusivamente da aceitação passiva da sociedade, exige mais, impõe que o juiz ao deferir a adoção reconheça, com fundamentos jurídicos, que existem de laços de família nestes relacionamentos. E, neste ponto, há uma forte barreira de ordem legal.
A Constituição Federal que de um lado não permite a discriminação, e do outro, somente admite que um relacionamento familiar, seja pelo casamento ou pela união estável, só pode ocorrer entre um homem e uma mulher, afasta a hipótese de que as partes de uma união homosexual, masculino ou feminino, possam ser entendidos como esteios de uma família.
Constituição Federal - art. 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
É perfeitamente inteligível que a Constituição Federal apenas estende, à união estável, entre homem e mulher, o status de família. Nesta hipótese, sem qualquer dúvida, vedando qualquer interpretação extensiva.
E a complexidade vem ainda da Lei nº 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolecente que dispõe com razoável clareza:
Lei 8.069/90:
Art. 19 - Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Art. 20 - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
art. 25 - Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.
A lei é expressa quando se refere à convivência familiar, e importa ressaltar, a família pode ser o pai ou mãe e filhos, ou até alguém solteiro, que a partir da adoção constituirá sua família, só não é, ainda, juridicamente possível, que se entenda como família a união homoafetiva de dois indivíduos do mesmo sexo, masculino ou feminino.
Ora, sendo notório que não há a figura legal de adoção compartilhada, casal de adotantes estranhos à entidade familiar, resta injurídica a adoção de menores por casais de homosexuais porque, não se lhes podendo atribuir a condição de marido e mulher, e sequer de companheiros legalizados pela instituição da união estável, portanto, ausentes os pressupostos da relação familiar, também não se lhes poderia atribuir um condomínio na figura do exercício do pátrio poder.
Alguns juristas entendem que é uma agressão à formação da criança o fato de ter que conviver com os seus registros, definitivos, constando a existência de duas mães e nenhum pai, ou dois pais, e nenhuma mãe, em contraste traumático com as demais crianças de seu convívio.
Importa observar que o deferimento e registro de casos esparsos de adoções por casais homosexuais, conforme decisões proferidas por alguns juízes, não configura uma posição judicial geral frente a controvérsia, apenas deixa patente o poder-dever do magistrado em decidir as questões que lhes são apresentadas em conformidade com o seu entendimento, cabendo as partes que não se resignarem, e inclusive ao Ministério Público no caso de menores, buscar, pela via dos recursos legais, a confirmação ou reforma da decisão em instâncias superiores.
Vale o registro de que são muitas as decisões de juízes e tribunais que são reformadas nos Tribunais Superiores quando dão interpretação, e proteção legal aos parceiros nas relações homoafetivas, apenas fundamentadas na analogia com as normas que dispõem quanto ao direito de partilhar bens, ao fim da relação entre cônjuges, ou de companheiros em uma união estável.
Da mesma forma ocorre com o direito de herdar, também devido aos cônjuges ou companheiros em uma união estável, quando se trata de falecimento de um dos pares. Os tribunais superiores têm negado qualquer possibilidade de analogia e direito quando exclusivamente decorrente da relação homoafetiva.
Portanto, para que os casais de homosexuais possam efetivamente obter o deferimento da adoção de menores em nome do casal, e não de um deles apenas, será necessária ainda uma longa caminhada, e um trabalho forte de convencimento dos parlamentares que deverão promover alterações na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Se a Constituição Federal vier a estabelecer que as relações homoafetivas entre pessoas do mesmo sexo devam ser consideradas como entidades familiares, estarão também solucionadas as demais questões sobre o direito de partilhar bens havidos na constância da união e o direito de meação e herança, como atualmente já prevê o Código Civil para os casados e para as uniões estáveis.
Por enquanto, as decisões já proferidas, e as discussões manejadas pela mídia, são meros instrumentos que motivam correntes jurídicas, políticas e religiosas a meditar sobre a possibilidade do país adotar um ou outro caminho na perfeita interpretação dos anseios da sociedade. Até lá, os pedidos de adoções de menores por casais de homosexuais, em conjunto, deverão ser indeferidas por não atenderem as disposições legais vigentes.