AÇÕES COLETIVAS DE CARÁTER MANDAMENTAL EM FACE DO ESTADO:RESERVA DO POSSÍVEL E NOVA INTERPRETAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE
1. RESUMO
Trata - se de pesquisa iniciação científica que analisa o acesso à justiça por meio de ações coletivas no intuito de provocar a atuação do Estado, mormente à implementação de direitos que dependem da reserva orçamentária.
Com o atual aumento da interposição de ações coletivas que buscam provocar a atuação do poder publico por meio de sentenças mandamentais o judiciário em suas decisões tem-se posicionado ora de forma conservadora, acolhendo os argumentos do Poder Público, ora agindo no sentido de um excessivo protecionismo de direitos sociais, tendo isto em vista é fácil visualizar a necessidade de se chegar a um consenso que leve à uma atuação proporcional e equânime,nunca tendenciosa, quanto ao tema e .que seja um verdadeiro instrumento popular de controle das políticas publicas por meio da tutela jurisdicional.
2. INTRODUÇÃO
Vem se ampliando atualmente a utilização de ações coletivas no intuito de questionar a eficácia na atuação do Poder Público, forçando-o por meio de sentenças mandamentais à efetiva realização das políticas publicas. A sociedade desta forma conta com instrumentos jurídicos que garantem sua participação na administração da coisa pública, característica do Estado Democrático de Direito.
É certo que tais interferências na atuação do Poder Público, causadas por sentenças judiciais, terão reflexos financeiros e estes reflexos, que deverão ter previsão orçamentária, deverão ser pesados proporcionalmente pelo juiz em suas decisões. Qual medida ideal a ser tomada entre a separação dos poderes, a discricionariedade e a garantia de direitos sociais ?
Outro problema que emerge é a limitação de tais atitudes, levando às barras da justiça somente aqueles casos onde a tutela jurisdicional se fizer realmente necessária.
3. OBJETIVO
A presente pesquisa possui como objetivo a análise da temática apresentada, buscando, por meio da reflexão dos argumentos considerados, determinar a importância do posicionamento proporcional e equânime á ser tomado pelo Judiciário mediante as freqüentes solicitações da tutela dos sociais.
4. METODOLOGIA
A metodologia parte do método dedutivo para então chegar às conclusões teóricas, utilizando-se de pesquisa bibliográfica, bem como do método dedutivo com base em pesquisa jurisprudencial imprescindível para testar a problemática e formular as considerações finais.
5. DESENVOLVIMENTO
5.1. Papel político do Juiz e a Separação dos Poderes
Atualmente mediante as ações coletivas de caráter mandamental o juiz deixou de ser um simples aplicador do Direito, interferindo diretamente nas políticas publicas quando determina uma obrigação de fazer por parte do Estado, opinando sobre quais direitos devem prevalecer e em que situações.
Geralmente estará julgando interesses relevantes e o seu julgamento implica na aplicação de critérios subjetivos ,ou seja de escolha pessoal, privilegiando um direito em detrimento da conveniência do administrador público, o juiz deverá julgar com observância ao Ordenamento Jurídico e conforme critérios de entendimento pessoal do que é, em essência, o interesse da coletividade.
Neste julgamento deve usar de proporcionalidade entre o interesse público e o bem comum, adequando a finalidade da atuação do Poder Público à exigência do direito argüido em juízo, garantindo o princípio da eficiência, (Princípio este que foi inserido em nosso ordenamento pela EC 19/98).que deve se fazer presente nos atos da Administração, e segundo DI PIETRO (2009,p. 82) e Nara (2009, p. 24) este princípio exige que a Administração obtenha os melhores resultados na prestação do serviço público perseguindo o bem comum em harmonia com o principio da legalidade
Percebe-se que a ação civil pública é um verdadeiro instrumento coletivo de controle de efetividade de políticas públicas pelo qual, a sociedade, por meio de seus legitimados, consegue exercer e exigir seus direitos e garantias constitucionais. Sob este manto o magistrado exerce função política, porem, importante salientar que seu julgamento deve ser pautado nos critérios de nosso Ordenamento Jurídico e não sob opiniões políticas particulares, isto é o olhar deve ser o do Direito e não subjetivo como o do juiz.
Segundo José Manuel de Arruda Alvim Neto “a tripartição dos poderes foi instrumento de que se serviu a burguesia para garantir-se contra os poderes do Estado, o que vale dizer, contra a sua soberania” (O Poder Judiciário e a Constituição, Revista do Instituto de Direito Publico, nº1).
A Constituição de 1988 visando evitar o desrespeito aos direitos fundamentais estabeleceu a separação dos poderes do Estado, determinando em seu art.2º que estes poderes devem ser harmônicos e independentes entre si,desta forma as funções do Estado foram separadas, e estabelecidos mecanismos de controle que garantem uma boa consecução de suas atividades típicas e atípicas.
Em diversas decisões analisadas nota-se a tomada de posições conservadoras que consideraram como uma interferência indevida do Poder Judiciário na atividade do Poder Público, aceitando o argumento mais comum da impossibilidade de atuação mediante a reserva do possível.
Acolher na totalidade esta fundamentação implicaria em dizer que só o Legislativo estabelece nosso Ordenamento, somente o Executivo administra e somente o Judiciário aplica o Direito, sabemos que o Executivo exerce função atípica, quando estabelece medidas provisórias e o Judiciário quando estabelece seu regimento interno etc.Estas funções atípicas garantem o bom funcionamento como um todo da Administração Pública, bem como, gera a proteção do Estado Democrático de Direito, premissa de nossa Constituição Federal.
Sempre que o juiz agir em consonância com ditames legais não estará ele ferindo a separação dos poderes consagrada no art.2º da Constituição Federal, porque não estará criando política publica e sim exprimindo a vontade do Direito mediante a atuação do Poder Público, pois é função jurisdicional apreciar lesão de direitos não podendo ser afastado da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito como determina o art.5º, XXXV, da Constituição Federal.
Desta forma, sempre que o Estado estiver ferindo os ditames da Carta Magna pode e deve atuar o Poder Judiciário, quando provocado, no sentido de valer o bem comum da coletividade, determinando que o Estado adote conduta comissiva em prol da proteção do Estado Democrático de Direito, motivo este que se faz legal e moral a interferência do Judiciário no sentido de controlar não a atuação de outro poder, mas sim a sua eficiência, vista como princípio constitucional.
5.2. Controle de Discricionariedade
Devido ao principio da legalidade a Administração está adstrita à execução de atos nos limites em que a lei determinar, porém, em certas situações existe uma margem de liberdade de escolha entre uma maneira ou outra de agir, levando em conta a oportunidade e conveniência do Poder Público e suas políticas que devem ter como finalidade o bem comum.
No momento em que o Estado esquece ou ignora essa persecução, sua atuação passa a ser arbitraria e sujeita a medidas de controle legal, assim quando houver margem de liberdade para a atuação da Administração Publica, nos parâmetros do Ordenamento Jurídico, há discricionariedade e não cabe apreciação do mérito pelo Poder Judiciário .
A discricionariedade se faz necessária, mas não deve ser utilizada como argumento para engessar o Estado. A oportunidade e conveniência devem ser da coletividade e não do administrador. A margem de liberdade concedida pela lei ao administrador deve ser vista como um espaço para que ele, diante de determinada situação, escolha a melhor solução mediante as circunstâncias apresentadas na persecução do interesse comum
Não fere o poder discricionário da Administração a ação do Judiciário no julgamento das ações coletivas mandamentais, pois o magistrado age apenas determinando qual a direção a seguir e não determinando o “modus operandi” do administrador.
5.3. Reserva do Possível
O mais comum argumento utilizado pelo Poder Público é a impossibilidade de atuação mediante a reserva do possível ou reserva dos cofres públicos frente às necessidades crescentes da coletividade.
A realidade é que tanto a sociedade brasileira quanto o resto da população mundial possuem necessidades sociais abrangentes que sofrem mudanças rápidas e emergenciais. Quando um agente político se elege possui um plano de governo que envolve questões orçamentárias, que deverá ser obedecido no curso de sua Administração, surge então um impasse para a Administração, como conciliar as diversas necessidades sociais com a obrigação da reserva do possível.
Nesse momento surge geralmente o Poder Judiciário, tutelando os direitos da sociedade e suas pretensões com base naquilo que é assegurado no Ordenamento Jurídico.Neste caso o juiz irá julgar o direito e não o”modus operandi” do operador.
Cabe então adequar o orçamento às obrigações jurídicas assumidas ,e em verdade é esta a função do Poder Público.buscar, dentro das condições apresentadas, o bem comum, adequando suas ações às necessidades suscitadas pela sociedade.
A reserva dos cofres públicos é obviamente e inegavelmente um limite à atuação poder judiciário, porém, é um limite necessário pois como se pode exigir que a Administração consiga atender e satisfazer as crescentes necessidades da sociedade em constante movimento? Se não se observar a reserva do possível o Judiciário estaria impondo a maneira como o Poder Público iria administrar o orçamento, o que não lhe cabe.
Há que se pensar que sempre que houver uma sentença judicial mandamental de inclusão orçamentária as verbas terão que ser realocadas, remanejadas e neste processo, irremediavelmente, sempre haverá um prejudicado
Este argumento não pode ser utilizado como uma muleta para ineficiência da Administração no trato da coisa publica, assim a reserva do possível não pode ser admitida para que o administrador deixe de observar um direito fundamental.
Como veio esclarecer em seu voto o Ministro Celso de Mello no STF “se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político - jurídicos que sofrem eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integralidade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático”. e continua ,“não se mostrara lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político – administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo ,arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, à favor da pessoa e dos cidadãos, de condições mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a clausula do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa puder causar nulificação ou, ate mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”.(n. 45-9/DF – DJU 04.05.04, p. 12).
6. RESULTADOS
Como resultado da pesquisa constata-se que há uma substancial modificação dos limites da utilização do argumento da reserva do possível e conseqüentemente da discricionariedade do Estado se ele busca se eximir de obrigações impostas pelo ordenamento jurídico. Foram esclarecidos os pontos obscuros e a importância da utilização das ações coletivas de caráter mandamental para se garantir direitos fundamentais erigidos na Constituição Federal frente ao Estado.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade, como bem se sabe, não é estática e encontra-se sujeita a constantes modificações. Diante deste fato, a interpretação e o posicionamento dos Tribunais não pode ficar estanque .Para alcançar a proporcionalidade em seu julgamento deve o juiz ter a sensibilidade de observar a realidade dos fatos, refletindo sobre os efeitos diretos e indiretos que irão decorrer de sua decisão, mormente se tal decisão vai de encontro de garantia do bem estar da coletividade assegurado na Constituição decidindo então de que lado a verdadeira justiça habita.
Conclui – se que o uso de proporcionalidade por parte do juiz será primordial e até mesmo essencial para que neste processo exista paridade entre o direito argüido pelas partes.
Em suma, a efetivação do controle das políticas publicas feita pelo Judiciário por meio das ações coletivas deve ser uma regra nas decisões toda vez que houver lesão ou ameaça à direito consagrado pela Constituição Federal, não podendo o Poder Judiciário furtar -se da apreciação tomando por base a não interferência na esfera da discricionariedade do Poder Publico. Portanto os Poderes devem agir de forma harmônica cooperando entre si, como preceitua a Constituição, na persecução do bem comum da coletividade e na incidência de omissão legal por parte da Administração, neste processo, deve o Judiciário posicionar-se em seus julgados em defesa da Lei Maior e dos direitos nela preceituados.
8. FONTES CONSULTADAS
1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito Administrativo 22.ed. São Paulo Atlas, 2009
2. FERREIRA LEITE, Luciano Discricionariedade Administrativa e Controle Judicial São Paulo RT,1981
3. BASTOS, Celso Ribeiro Curso de Direito Constitucional 20.ed. São Paulo Saraiva, 1999.
4. MORAIS, Alexandro de Direito Constitucional 6. ed. São Paulo Atlas 1999.
5. CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional 5. Ed. Coimbra Almedina 1991
6. MELLO, Celso Antonio Bandeira de Curso de Direito Administrativo 17. ed São Paulo Malheiros 2004
7. V.g, STF, 2ª turma RE 358.315/MG Rel.Min. Ellen Gracie. DJU 19.09.2003
STF 2ª turma AgR-RE 322.348/SC. Rel.Min Celso de Mello DJU 06.12.2002
STF 2ª turma AgR-AI 273.561/SP. Rel .Min Celso de Mello. DJU 04.10.2002
STF Recurso Especial n.493.811/SP. Rel. Ministra Eliana Calmon.DJU 15.03.2004
8. NOHARA, Irene Patrícia Jornal Carta Forense Políticas Publicas e Discricionariedade Administrativa 03.11.2008