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A DEMONSTRAÇÃO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA NA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE NORMAS: UM CASO DE INCONGRUÊNCIA E INADEQUABILIDADE


Autoria:

Jacó Santos Pereira


Graduado em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e em Teologia pela Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil, é especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

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Resumo:

O presente artigo tem como escopo analisar o requisito da pertinência temática exigido de alguns dos legitimados ativos para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, CRFB) perante o Supremo Tribunal Federal.

Texto enviado ao JurisWay em 09/06/2013.



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A DEMONSTRAÇÃO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA NA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE NORMAS: UM CASO DE INCONGRUÊNCIA E INADEQUABILIDADE

 

Jacó Santos Pereira[1]

 

RESUMO: O presente artigo tem como escopo analisar o requisito da pertinência temática exigido de alguns dos legitimados ativos para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, CRFB) perante o Supremo Tribunal Federal. A par disso, faz-se uma breve digressão sobre o instituto, demonstrando, sobretudo, como esse pressuposto malfere a natureza abstrata do sistema de fiscalização de normas. Dessa feita, o cotejo da relação da pertinência temática com esse espírito das ações diretas de inconstitucionalidade (caráter abstrato), é o ponto nodular da pesquisa em questão.

PALAVRAS-CHAVE: Controle abstrato de constitucionalidade. Dominus lites. Legitimidade ad causam. Pertinência temática.

 

1. INTRODUÇÃO

 

       Conquanto a inserção do controle judicial de normas, no corpo da Constituição republicana de 1891[2], tenha representado um avanço, vez que a Constituição de 1824 não consagrava sequer a mais remota possibilidade de se proceder judicialmente o controle de constitucionalidade, o modelo recém-introduzido carecia de um mecanismo capaz de imprimir às decisões de inconstitucionalidade um caráter de vinculatividade, a propósito do stare decisis americano.

            A par de colmatar essa lacuna, a Constituição de 1934 criou a figura do Senado, onde o Parlamento, após a declaração de inconstitucionalidade do STF, emprestava efeito erga omnes à decisão proferida, suspendendo assim a execução, no todo ou em parte, de lei, ato, deliberação ou regulamento, havidos declarados inconstitucionais[3].

            Ademais, pontilhando uma escalada evolutiva, criou-se mais adiante, ao lado do controle judicial incidental de constitucionalidade, também na vigência da Constituição de 1934, a representação interventiva[4], onde para se evitar intervenções aleatórias e casuísticas da União nos Estados, o Senado Federal, por iniciativa própria, formulava uma lei interventiva submetendo-a, via Procurador-Geral da República, à apreciação do STF.

            Esse juízo de censura aplicado em tese, pela Suprema Corte na lei interventiva, culminou com a introdução de um modelo de controle abstrato e genérico de leis a partir da EC nº 16 de 1965, tendo como dominus lites[5] ou único legitimado ativo, o Procurador-Geral da República, que exercia o papel de Advogado-Geral da União e Chefe do Ministério Público Federal.

            A CRFB de 1988, ao seu turno, dentre as inovações mais pujantes, alargou o rol dos legitimados para a propositura das ações diretas de inconstitucionalidade. Eis que agora, não apenas o Procurador-Geral da República, mas uma série de outros legitimados podem, perfeitamente, levar as suas angústias constitucionais ao Tribunal, prescindindo, portanto, de um caso concreto.

            Nessa perspectiva, afigura-se oportuno salientar que, embora a verificação da constitucionalidade das leis possa ser arvorada abstratamente por todos os legitimados; alguns desses devem demonstrar pertinência temática como pressuposto à propositura de tais ações. Desse modo, pergunta-se: em que medida a demonstração desse requisito adultera o modelo de controle abstrato de normas?

            É bem verdade que pelo fato de a fiscalização abstrata não estar jungida a aspectos pessoais e concretos a eleição da pertinência temática como requisito de conhecimento dessas ações, mostra-se por demais incongruente e incabível.

 

2. LEGITIMIDADE ATIVA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

 

            Como visto, a Constituição Federal de 1988, rompendo com o antigo prestígio devotado ao Procurador-Geral da República, ampliou de forma significativa a lista dos legitimados a proporem a ação direta de inconstitucionalidade.

            Como aduz o artigo 103, da CRFB, a ADI genérica passou a ser manejada pelos seguintes atores: Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa de Assembleia Legislativa dos Estados ou Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

            Longe de ter sido uma decisão meramente política, a retirada do título de dominus lites das ações diretas de inconstitucionalidade das mãos do PGR, objetivou, na verdade, resolver um imbróglio que consistia em parte da doutrina entender ser discricionário o oferecimento da representação de inconstitucionalidade, por parte do Procurador Geral da República ao Supremo Tribunal Federal. Nessa medida, ações importantes eram arquivadas pelo Chefe do Ministério Público sem que ao menos as motivasse.

            Como exemplos de nomes que perfilharam essa posição, destacam-se Celso Agrícola de Barbi, José Carlos Barbosa Moreira, José Luiz de Anhaia Mello, Sérgio Ferraz[6] e, sobretudo, a jurisprudência do STF, a propósito do que se extrai do seguinte caso concreto:

Em 1970, o MDB, único partido da oposição representado no Congresso Nacional, solicitou ao Procurador-Geral da República a instauração do controle abstrato de normas contra o decreto-lei que legitimava a censura prévia de livros, jornais e periódicos. Este se negou a submeter a questão ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que, na sua opinião, não estava constitucionalmente obrigado a fazê-lo.

O Supremo Tribunal Federal rejeitou a reclamação proposta com o argumento de que apenas o Procurador-Geral poderia decidir se e quando deveria ser oferecida representação para a aferição da constitucionalidade de lei. Esse entendimento foi reiterado pelo Tribunal em diversos arestos[7].

            Com efeito, a fim de se evitar alçar o chefe do Ministério Público à posição de juiz último da constitucionalidade das leis e, doutra banda, devido à necessidade de se fazer desse mecanismo um meio que estivesse à disposição das minorias políticas e segmentos sociais representativos[8], o Constituinte de 1988 achou de bom alvitre ampliar o número dos legitimados ativos a proporem as ações diretas de inconstitucionalidade, pluralizando, portanto, o acesso ao Tribunal, via controle abstrato.

             Ressalte-se que, a ampliação desse rol representou, por conseguinte, um estreitamento do controle incidental ou concreto, dado à relativa agilidade da via abstrata.

            Ainda com referência ao alargamento da legitimação ativa para a propositura das ações diretas, situação bastante prosaica que se coloca, é o debate em torno da legitimidade ad causam das confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. Questiona-se, na verdade, sobre, o que seria essa denominação “entidade de classe”. A expressão classe, pelo que se vê, não deve ser tomada como seguimento social, mas categoria profissional. Na linha desse entendimento, a Suprema Corte, na ADI nº 89-3, de Relatoria do Min. Néri da Silveira, deixou assente que a União Nacional dos Estudantes (UNE), por não representar uma classe profissional, mas uma classe estudantil, não tem legitimidade ativa para o manejo das ações diretas.

            Quanto à representação, no Congresso Nacional, exigida dos partidos políticos, a aferição da legitimidade deve ser demonstrada no momento da propositura da ação. A perda superveniente dessa representação, não prejudica a sua legitimação ativa[9].

            Em que pese os legitimados, forte no que dispõe o artigo 103 da CRFB, poderem questionar a constitucionalidade das leis e atos normativos, federal ou estadual, de forma abstrata, alguns deles, estranhamente, são obrigados a demonstrarem pertinência temática.

          Observe que a índole abstrata das ações de inconstitucionalidade propostas diretamente no Supremo Tribunal Federal parece não guardar sincronia com a exigência da prova de pertinência temática por parte da Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, do Governador do Estado ou do Distrito Federal e das confederações sindicais ou entidades de âmbito nacional.

 

3. A PERTINÊNCIA TEMÁTICA E A FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE NORMAS

 

            Enquanto se presume, de forma absoluta, a pertinência temática para os legitimados universais, quais sejam, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e o Conselho Federal da OAB; há que se demonstrar o requisito da pertinência a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, do Governador do Estado ou do Distrito Federal e das confederações sindicais ou entidades de âmbito nacional.

            A pertinência temática, grosso modo, seria a correlação existente entre o objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade e os objetivos institucionais de quem pleiteia o juízo de censura. É a prova de que a norma jurídica que se pretende vergastar diz respeito aos interesses típicos e próprios do autor da ação. É o “vínculo de afinidade temática entre o legitimado e o objeto litigioso”[10].

            Nessa perspectiva, mister se faz repisar, que a exigência da pertinência temática vai de encontro ao espírito do controle abstrato de normas. Afinal, se uma lei é considerada inconstitucional, nula será de pleno direito, e, a sua retirada do ordenamento jurídico, não poderia ser estorvada por pressuposto exigido de quem recebeu da própria Constituição, o status de legitimado ativo.

            Com efeito, ao contrário da teoria da anulabilidade, capitaneada por Kelsen e acolhida pelo sistema austríaco, o Brasil adotou a teoria da nulidade, engendrada pelo americano Marshall, que ensina ser a declaração de inconstitucionalidade de uma lei um ato meramente declaratório, vez que, a lei possui um vício em sua origem, um vício de nascimento, um vício congênito[11].

            Assim, considerando ser a lei inconstitucional, lei nula e írrita (null and void), desprovida de qualquer força vinculante e mandamental, não há razões para se eleger a pertinência temática como espécie de interesse de agir e que, portanto, deve ser satisfeito.

            Lei inconstitucional, conquanto haja previsão de se poderem modular os seus efeitos, é lei morta, sem valor algum. Então, pergunta-se: haveria motivos sobejos para se proibir o governar de um Estado pleitear a inconstitucionalidade de uma lei de outro estado? Por qual motivo deveria uma lei inconstitucional permanecer no ordenamento jurídico, só pelo fato de que a pessoa que levantou essa bandeira, não ter, em tese, relação direta com tais normas?  Ora, se a lei é inconstitucional, independente de quem leve o imbróglio ao STF, é lei inservível, que não deve fazer parte do ordenamento jurídico de um país.

            Nessa linha, Gilmar Mendes, em passagem lapidar, afirma que “tendo em vista a natureza objetiva do processo de controle abstrato de normas, seria mais ortodoxo que, na espécie, fosse admitida a ADI independentemente de qualquer juízo sobre a configuração ou não de uma relação de pertinência”[12].

            Ou seja, uma vez que a parte tenha legitimidade ativa oriunda da própria Constituição, e a ação seja de índole abstrata, não há nenhum motivo de se exigir a demonstração de pertinência temática, requisito de índole eminentemente concreta.

            Por isso, data venia, a exigência de pertinência temática, se mostra absolutamente estranha e incongruente ao espírito abstrato da fiscalização de normas feita diretamente no Supremo Tribunal Federal.

 

4. CONCLUSÃO

 

            Como visto, dentre as principais inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 no bojo do controle de constitucionalidade, foi a ampliação da legitimidade para a propositura das ações diretas de inconstitucionalidade. O monopólio do Procurador Geral da República foi quebrado, e o controle abstrato de normas foi socializado entre os agentes do artigo 103 da CRFB.

            Essa ampla legitimação foi acolhida com ressalvas pela jurisprudência do Supremo. Eis que se tem exigido a demonstração de pertinência temática por parte dos Governadores dos estados e do Distrito Federal, das mesas das Assembleias Legislativas, mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, das entidades de classe ou confederações sindicais.

             Tal exigência, ao que parece, vai de encontro à natureza abstrata das ações diretas de inconstitucionalidade, vez que, uma norma inconstitucional é considerada um nada jurídico para todos os efeitos e, dessa forma, não se poder amealhar obstáculos para que tais leis possam ser retiradas do ordenamento jurídico por meio dos legitimados que a própria Constituição Federal mencionou em seu artigo 103.

            Importa ainda reiterar que “a relação de pertinência assemelha-se muito ao estabelecimento de uma condição de ação – análoga, talvez, ao interesse de agir do processo civil –, que não decorre dos expressos termos da Constituição e parece ser estranha à natureza do sistema de fiscalização abstrata de normas”[13].

 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. Volume 4. Salvador: Editora Podivm, 2007.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO. São Paulo: Saraiva, 2012.

______; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

           

 

 



[1] Bacharel em Direito e em Teologia. Pós-Graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor de Direito Penal e Processo Penal do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste (UNIDESC).

[2] O controle judicial de constitucionalidade restou consagrado na Constituição provisória de 1890 (art. 58, § 1º, a e b), alçando patamar constitucional definitivo com o advento da carta constitucional de 1891.

[3] Art. 91, IV e 96 da CF de 1934.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 27.

[5] Dominus lites no sentido de autor da ação ou dono da lide.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1106.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1105.

[8] BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 264.

[9] STF – Pleno – Adin nº 2159 AgR/DF, Rel. originário Min. Carlos Velloso, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, informativo STF nº 356, p. 1.

[10] DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. Volume 4. Salvador-BA: Editora Podivm, 2007, p. 212.

[11] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 220.

[12] MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1186.

[13] MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1185. 

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