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 Sala dos Doutrinadores - Artigos Jurídicos
Autoria:

Alan De Oliveira Dantas Cruz
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Acre. Interesse na área tributária e constitucional.

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Monografias Direito Internacional Público

A INEXISTÊNCIA DE CONFLITO ENTRE O ESTATUTO CONSTITUTIVO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NO TOCANTE À ENTREGA DE NACIONAIS

O presente artigo tem como escopo demonstrar a compatibilidade entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal Brasileira no que se refere à entrega de nacionais para julgamento no Tribunal Penal Internacional - TPI.

Texto enviado ao JurisWay em 20/09/2008.

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INTRODUÇÃO

 

Levando-se em consideração as contradições existentes entre tratados internacionais e constituições, o que acarreta em inconstitucionalidade daqueles, muitas pessoas, ao examinarem o Estatuto de Roma desatenciosamente, podem encontrar pontos de aparente divergência entre o Estatuto e a atual Carta Magna brasileira. Um desses “conflitos” é a entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

 

 

GÊNESE DA JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL

 

A Segunda Guerra Mundial foi um marco definitivo na história da humanidade. Pôde-se ver o extremo desrespeito e ruptura para com a dignidade humana, devido à crueldade com que eram tratados os seres humanos. Após esse período, houveram muitas discussões sobre a necessidade da criação de uma instância penal internacional, de caráter permanente, que punisse os responsáveis pelos crimes que mais ultrajavam a sociedade internacional, além de tratados internacionais que fortificassem os Direitos Humanos. Esse foi o principal legado deixado pela Segunda Guerra: a construção de uma proteção internacional dos direitos humanos para que as barbaridades acontecidas nesse período não voltassem a se repetir. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Européia dos Direitos do Homem (1950) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) são reflexos do pós Segunda Guerra.

Apesar desse desenvolvimento, viu-se a necessidade de sujeitar os Estados a uma Justiça Penal Internacional. A expressão Justiça Penal Internacional, segundo Vassali é “o aparato jurídico e o conjunto de normas instituídas pelo Direito Internacional, voltados à persecução e à repressão dos crimes perpetrados contra o próprio Direito Internacional, cuja ilicitude está prevista nas normas ou princípios do ordenamento jurídico internacional e cuja gravidade é de tal ordem e de tal dimensão, em decorrência do horror e da barbárie que determinam ou pela vastidão do perigo que provocam no mundo, que passam a interessar a toda a sociedade dos Estados concomitantemente”.[1] Criando essa Justiça, haveria uma jurisdicionalização do Direito Internacional.

A primeira resposta para efetivação da jurisdição internacional foi o Tribunal de Nuremberg, que surgiu para processar e julgar os “grandes criminosos de guerra” do Eixo europeu acusados de colaboração direta para com o regime nazista. Depois, foram criados outros tribunais, como o Tribunal Militar Internacional de Tóquio, e, mais recentemente, por deliberação do Conselho das Nações Unidas, um tribunal que atuaria no território da antiga Iugoslávia e outro em Ruanda. A crítica que se faziam a esses tribunais era que tinham somente caráter temporário e foram criados pelo Conselho de Segurança da ONU e não por tratados multilaterais, estando, portanto, subsidiários às Nações Unidas. Além disso, violavam o princípio da anterioridade, no qual o juiz, assim como a lei, deve ser preconstituído ao cometimento do crime.

Problema maior de se ter tribunais subsidiários à ONU é que seria altamente improvável que o Conselho de Segurança os criasse para julgar e punir crimes cometidos por nacionais dos seus Estados-membros com assento permanente. Então, era necessário estabelecer uma instância penal internacional de caráter permanente e imparcial, responsável para processar e julgar os acusados dos crimes mais graves já conhecidos que infringiam o próprio Direito Internacional Público, como o genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.

 

 

O ESTATUTO DE ROMA E A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL – TPI

 

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi aprovado em julho de 1998, em Roma, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas e sua sede se encontra em Haia, na Holanda. Teve como finalidade constituir um tribunal internacional com jurisdição criminal permanente, dotado de personalidade jurídica própria. Aprovado por 120 Estados, obteve somente 7 votos contra e 21 abstenções. As 60 ratificações exigidas para sua entrada em vigor foram atingidas em 11 de abril de 2002, entrando em vigor internacionalmente em 1º de julho de 2002.

A ratificação ou adesão com reservas é proibida, nos termos do seu art. 120. Essa proibição evita que o funcionamento do Tribunal seja prejudicado pelos países menos desejosos de cumprir seus termos. Porém, depois de sete anos de sua entrada em vigor, qualquer Estado-parte poderá propor alterações ao Secretário Geral da ONU.

O Estatuto integrou-se com status materialmente constitucional ao direito brasileiro. A Emenda Constitucional nº 45/2004 fortificou a constitucionalidade dele, trazendo o §4º ao art. 5º da Constituição, que diz: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Ademais, o art.7º da ADCT traz a seguinte redação: O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. Dessa forma, pode-se perceber a integração entre o direito brasileiro e o direito internacional, no que se refere à proteção dos direitos humanos.

De acordo com o Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional é uma pessoa jurídica de Direito Internacional com capacidade necessária para o desempenho de suas funções e de seus objetivos no território de qualquer Estado-parte e, através de acordo especial, no território de qualquer outro Estado. Sua jurisdição não é estrangeira, mas internacional, assim, pode afetar qualquer Estado-parte da ONU.

A cooperação dos Estados-partes para com o tribunal funciona com eficácia quando há implementação de uma legislação processual adequada, pois os signatários têm obrigação de cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes de competência deste. Esta obrigação vem expressa no art. 88 do Estatuto, segundo o qual “os Estados-partes deverão assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação” especificadas no Capítulo IX do Estatuto, impedindo que o Estatuto se torne letra morta, sob pena de responsabilização internacional.

O Tribunal Penal Internacional é regido pelo princípio da complementaridade, onde cada Estado-parte é responsável por processar e julgar os seus nacionais. A exceção ocorre quando o Estado não tem capacidade ou não tem vontade de fazê-lo, tendo, portanto, competência subsidiária em relação às jurisdições de seus Estados-partes.

O TPI é competente para julgar os crimes cometidos após a ratificação ou adesão de um Estado ao Estatuto. Importante ressaltar que os crimes que este Tribunal julga são imprescritíveis e são de quatro categorias: crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão. Percebe-se que são crimes os quais afetam a toda a sociedade internacional e que são extremamente nocivos aos direitos humanos. O Tribunal consagra um importante princípio no qual a responsabilidade penal por atos transgressores do Direito Internacional deve recair sobre os indivíduos que os perpetraram, deixando de ter efeito as imunidades e privilégios ou mesmo as posições ou os cargos oficiais que os mesmos porventura ostentem.

Em sua organização, o TPI é composto por 18 juízes que são eleitos por um mandato máximo de nove anos, não podendo ser reeleitos. É composto pelos seguintes órgãos: Presidência; uma Seção de Recursos, uma Seção de Julgamentos em Primeira Instância e uma Seção de Instrução; o Gabinete do Promotor; e Secretaria.

 

 

OS APARENTES CONFLITOS ENTRE O ESTATUTO DE ROMA DE 1998 E O TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO: A ENTREGA DE NACIONAIS AO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

 

Fazendo uma leitura desatenciosa do texto do Estatuto de Roma, pode-se pressupor a presença de inconstitucionalidade intrínseca (exigências formais de procedimento constitucional de conclusão do tratado são cumpridas, mas contém normas que violam os dispositivos constitucionais) do tratado internacional em relação ao direito constitucional brasileiro, mais espeficiamente sobre cinco temas: a) a entrega de nacionais ao Tribunal; b) a instituição da pena de prisão perpétua; c) a questão das imunidades em geral e as relaitvas ao foro por prerrogativa de função; d) a questão da reserva legal; e e) a questão do respeito à coisa julgada. Trataremos apenas da entrega de nacionais ao Tribunal.

Segundo o art. 89, §1º, do Estatuto de Roma, o Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega (surrender) de uma pessoa a qualquer Estado em cujo território essa pessoa possa se encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa, tendo os Estados-partes o dever de dar satisfação ao Tribunal aos pedidos de detenção e de entrega de tais pessoas, em conformidade com o Estatuto e com os procedimentos previstos nos seus respectivos direitos internos.

Muitos entendem que o artigo citado é, na verdade, uma forma de extradição, o que é inconcebível pela nossa Constituição quando referente a brasileiros natos e naturalizados[2] e estrangeiros quando a extradição for requerida devido a crime político ou de opinião, de acordo com o art. 5º, incisos LI e LII. Tais incisos estão protegidos pelo art. 60, §4º, inc. IV, da mesma Carta: “Não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Essa divergência existente entre os dois institutos é solucinada pela letra do próprio Estatuto.

A entrega de uma pessoa ao TPI é um instituto jurídico único nas relações internacionais contemporâneas e alcança qualquer nacional de um Estado-parte em qualquer lugar que esteja. Analisando o art. 102, alíneas a e b, do referido dispositivo legal, entende-se por entrega o ato de o Estado entregar uma pessoa ao Tribunal “nos termos do presente estatuto”, e por extradição a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno de determinado Estado. Eventuais normas internas sobre privilégios e imunidades referentes a cargos oficiais, bem como regras sobre não-extradição de nacionais, não serão causas válidas de escusa para a falta de cooperação por parte dos Estados-membros do Tribunal.[3] Essa regra é encontrada também na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

Então, não se trata da entrega de alguém para outro sujeito de Direito Internacional Público, de categoria igual a do Estado-parte, também dotado de soberania e competência na ordem internacional, mas sim a um organismo internacional criado pelo aceite e esforço comum de vários Estados.[4] Por não ser jurisdição “estrangeira”, ao TPI não se pode aplicar as mesmas regras cabíveis a um Estado, tratando-se de soberania e política externa. A definição dos crimes que o TPI está apto a julgar é um fator que aumenta a garantia da imparcialidade e justiça no julgamento, o que não é garantido pela justiça estrangeira de outro país, que pode ser injusta e sem imparcialidade, por isso a existência da regra de não-extradição de nacionais. Importante ressaltar que a não colaboração para com o Estatuto acarreta responsabilização internacional aos Estados não-colaboradores. Estes passariam a não ser bem vistos pela sociedade internacional.

Portanto, a entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional não agride o direito individual da não-extradição de nacionais e de estrangeiros por motivos de crime político ou de opinião. Fica esclarecida, então, a distinção entre a entrega de um nacional brasileiro a uma corte com jurisdição internacional, da qual o Brasil faz parte, por meio de tratado que ratificou e se obrigou a cumprir, e a entrega de um estrangeiro, cuja jurisdição está afeta à soberania de uma outra potência estrangeira, que não a nossa e de cuja construção o Estado brasileiro não participou.[5]

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante do que foi exposto, percebe-se que a entrega não se confunde com a extradição e é perfeitamente compatível com o direito constitucional brasileiro. Este, está perfeitamente apto a cooperar com a Justiça Penal Internacional. O Estatuto supre uma lacuna até então existente que era a falta de um sistema internacional capaz de punir os grandes governantes. A não-extradição e suas exceções, por serem cláusulas pétreas, não comportariam um dispositivo que as contrariassem. A entrega é, portanto, meio eficaz de cooperação internacional que contribui para a construção de uma sociedade internacional mais justa, digna e que valorize mais os direitos da humanidade, além de ser um marco no Direito das Gentes.



[1] VASSALI, Giuliano. La giustizia internazionale penale. Milano: Giuffrè, 1995, pp. 185-186 apud MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 19.

[2] Exceto em casos de crime comum praticado por este antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícitos de entorpecentes e drogas afins.

[3] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o Direito Brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 67.

[4] IBID., p. 68.

[5] IBID., p. 69.

Importante:
1 - Todos os artigos podem ser citados na íntegra ou parcialmente, desde que seja citada a fonte, no caso o site www.jurisway.org.br, e a autoria (Alan De Oliveira Dantas Cruz).
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Comentários e Opiniões

1) Oscar Soares Júnior (02/11/2009 às 20:14:59) IP: 200.219.121.4
Precipuamente, meus cordiais parabéns ao nobre Operdador de Direito: Alan Dantas, renomado acreano e ilustre amigo.
Nessa esteira, o conteúdo postado acima, é muito rico, o que nos leva a ponderar mais sobre a importancia do aprofundamento do estudo do DIP-Direito Internacional Público. Obrigado Alan, me acrescentou muito o seu artigo.


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