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Trata-se da abordagem de um caso concreto no qual o promotor de justiça resolveu dar interpretação teleológica a um dispositivo do Código Penal, deixando de aplicar uma qualificadora, sugerindo uma nova teoria a respeito do tema.
Texto enviado ao JurisWay em 30/10/2016.
O Direito não é uma ciência exata como é, por exemplo, a Matemática. Assim sendo,
não deve ser aplicado de forma mecânica, como se constituído de fórmulas rígidas
previamente estabelecidas. É necessário que o operador dessa ciência tenha a sensibilidade de,
ao aplicar o Ordenamento Jurídico ao caso concreto, ter em vista o espírito da norma, isto é, a
sua finalidade.
Foi com base nessas premissas que a presente teoria foi elaborada, em um caso concreto
no qual o promotor de justiça resolveu dar interpretação teleológica a um dispositivo do
Código Penal, cuja aplicação fria e literal, naquele caso, se mostrava injusta. Vejamos.
O crime de homicídio simples está previsto no art. 121, caput, do Código Penal, cuja
pena é de reclusão de seis a vinte anos. O § 2º do mesmo artigo, por sua vez, prevê as
hipóteses em que o homicídio será qualificado, casos em que a pena será de doze a trinta anos,
também de reclusão.
Além de possuir pena maior, o homicídio qualificado será considerando hediondo,
tendo, pois, maior rigor para progressão de regime, a saber: enquanto que para os demais
crimes a progressão ocorrerá após o cumprimento de 1/6 da pena (se preenchidos os demais
requisitos, é claro) no caso de crime hediondo, a progressão somente ocorrerá após o
cumprimento de 2/5 ou 3/5 da pena, respectivamente, para o réu primário ou reincidente.
Além disso, o apenado não poderá ser beneficiado pelos institutos da anistia, graça ou
indulto. E somente obterá concessão do livramento condicional, caso não seja reincidente
específico em crimes hediondos ou equiparados e já tenha cumprido mais de 2/3 da pena;
enquanto que para o crime não hediondo, o apenado somente deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da
pena, a depender do fato de ser ou não reincidente em crime doloso.
É evidente que a intenção do Legislador foi punir de forma mais severa os autores de
crimes que tenham maior grau de reprovabilidade, por terem sido praticados com mais
crueldade, seja pelos motivos que levaram o agente a cometê-los (qualificadoras subjetivas),
seja pela forma como foram praticados (qualificadoras objetivas).
Os incisos I, II, V, VI e VII, do art. 121, § 2º do CP, tratam das qualificadoras
subjetivas. Os incisos III e IV, a seu turno, preveem qualificadoras objetivas, isto é, aquelas
ligadas “com o modo maligno que acompanham o ato ou fato em sua execução” (CUNHA,
2015, p. 55, versão PDF).
No caso especificamente destas últimas qualificadoras (objetivas), o Legislador decidiu
punir, além da conduta de matar alguém, a maneira que o agente escolheu para fazê-lo. Vale
dizer, não bastava matar, ainda teria que se utilizar de meios tão cruéis?
Imagine-se, porém, que o meio utilizado pelo criminoso, diante das circunstâncias do
caso concreto, fosse o único possível. Em outras palavras, que não houvesse alternativa para
que o agente cometesse o crime sem incorrer em uma qualificadora objetiva. Nesse caso, seria
razoável a incidência dela?
Entendemos que não. Aplicar a qualificadora quando há ausência de alternativa para
que o agente possa praticar o delito de outra forma, é fugir da mens legis, pois, conforme
explicado, a intenção da norma é punir, além do ato criminoso em si, o meio escolhido pelo
agente.
Ora, se não havia alternativa, não há que se falar em escolha. O criminoso já será
punido pelo homicídio; o que não é plausível é puni-lo, também, pelo meio empregado, tendo
em vista ser o único disponível.
O caso concreto que deu origem a esta teoria aconteceu no município de Araguatins -
TO, em uma sessão do júri realizada pelo promotor de justiça Breno de Oliveira Simonassi,
com a assistência do oficial de diligências Dioghenys Lima Teixeira, no dia 25 de maio do
ano de 2016, o qual se passa a explanar.
No ano de 2012, um indivíduo matou seus pais e avós enquanto eles dormiam. Ficou
constatado, por laudo psiquiátrico, tratar-se de alguém com sérios problemas mentais, que
deveria ser internado em clínica psiquiátrica, em cela individual, devido a sua periculosidade.
Ocorre que não havia, em todo o estado, clínicas adequadas para esse tipo de problema.
Houve tentativas de se encontrarem vagas em outros estados da Federação, bem como em
clínicas particulares, mas todas infrutíferas. Dessa forma, a única alternativa encontrada foi
colocá-lo na cadeia pública da cidade.
A princípio, ele ficou em cela individual. Contudo, devido à superlotação, foi necessário
colocá-lo em uma cela com outros presos, para os quais aqueles dias foram um terror.
Primeiro, porque eles sabiam o motivo da prisão, diante do que pensavam: se ele foi capaz de
matar os próprios pais e avós, imagine o que seria capaz de fazer conosco! Depois, porque
ele apresentava comportamento muito estranho: passava noites sem dormir, ficava encarando
os demais presos, jogava comida neles. Além de ser grande e forte.
Certo dia, ele jogou comida em outro preso e tentou enforcá-lo, não o matando apenas
porque os demais encarcerados intervieram. Esse acontecimento foi o estopim. Por volta de
meia noite do mesmo dia, o sujeito que quase havia sido enforcado pegou uma corda que era
utilizada para armar rede e com ela enforcou o preso problemático, enquanto este dormia
profundamente, devido a fortes medicamentos que tomara por conta do seu problema mental.
Em seguida, com a ajuda de alguns presos, pendurou-o na janela do banheiro, a fim de
simular um suicídio.
Em princípio, esse crime seria qualificado, haja vista ter sido cometido com emprego de
asfixia, bem como de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido (art.
121, § 2º, III e IV, CP).
No entanto, o promotor de justiça não achou justa tal capitulação, na medida em que, na
realidade, o crime não apresentou maior grau de reprovabilidade que um homicídio simples.
Afinal, asfixiá-lo enquanto ele dormia era o único meio possível. Isso porque naquela cadeia
não havia armas, e a vítima era bem maior e mais forte que o autor do crime. Ou seja, ele não
deveria matar, mas, uma vez decidido a fazê-lo, a única forma que tinha era aquela.
Por essa razão, o Parquet entendeu que o réu deveria ser punido por homicídio simples,
pois o meio utilizado, no caso concreto, não evidenciou maior malignidade por parte do
agente, visto ser, repise-se, o único disponível.
A essa tese inovadora os autores do presente artigo denominaram Teoria da
Qualificadora Inevitável/Inaplicável, a qual pode assim ser sintetizada: embora o meio
escolhido pelo agente se enquadre, em tese, em uma qualificadora, se, diante das
circunstâncias do caso concreto, sua utilização não evidenciar maior grau de crueldade do
agente, sendo o único meio disponível, a qualificadora não deverá ser aplicada.
Além disso, o promotor pediu à magistrada que presidiu a sessão do júri que diminuísse
a pena, levando em consideração a co-culpabilidade do Estado, por ter colocado uma pessoa
com tamanhos problemas mentais em uma cela com outros presos.
Em conclusão, vale registrar que a tese do Ministério Público foi acolhida pelo conselho
de sentença na íntegra, tendo o criminoso sido apenado com seis anos de reclusão, conforme
se pode verificar na ata da seção do júri e sentença da ação penal autos nº 0001071-
52.2014.827.2707.
REFERÊNCIAS
Ação penal autos nº 0001071-52.2014.827.2707;
BRASIL. Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. Disponível em:
15/06/2016;
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Editora Juspodivm.
7ª ed. – 2015.
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