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Este pequeno artigo tem por objetivo a análise jurídica de um "pleito" muito cogitado ultimamente nas redes sociais, a saber: a instituição de penas cruéis, a exemplo da prisão perpétua e da pena de morte.
Texto enviado ao JurisWay em 20/10/2015.
Este pequeno artigo tem por objetivo a análise jurídica de um “pleito” muito cogitado ultimamente nas redes sociais, a saber: a instituição de penas cruéis, a exemplo da prisão perpétua e da pena de morte.
Importante observar que as ponderações doravante delineadas levam em consideração a ordem jurídica posta, sem se vincular a discursos impregnados de paixão.
Pois bem, revolucionando o mundo da informação, a comunicação por meio da internet tem ganhado relevo na atualidade. Isto porque, em questão de segundos, o mundo inteiro toma nota de acontecimentos ocorridos nos mais remotos rincões de qualquer país, por mais desconhecido que seja.
Diuturnamente, é verdade, basta abrir a página do Facebook para que se verifiquem cenas de “pancadarias”, assaltos, latrocínios, brigas, abuso de autoridade, enfim, o “cardápio” de delitos é recheado sobremaneira.
Diante desses inúmeros delitos rotineiramente perpetrados[1], a população, sem rumo e sem prumo, iludida por discursos falaciosos e falidos, tem sido levada a acreditar que a instituição, por exemplo, da prisão perpétua ou, mesmo, em ultima hipótese, da pena de morte, poderia conduzir a uma grande diminuição na criminalidade. O aspecto teleológico da medida, se boa ou ruim, entretanto, não será objeto de cotejo do presente estudo, vez que o principal objetivo é saber se são juridicamente possíveis tais soluções.
Com efeito, quando da elaboração da Carta Política de 1988, o constituinte decidiu consignar, logo no art. 5º, XLVII, que não haveria no Brasil penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. Seriam, deste modo, tais punições peremptoriamente vedadas.
Observe-se, contudo, que não é só. Ao vedar a imposições de tais reprimendas, o constituinte, sabiamente, as restringiu em lugar estratégico, vale dizer, consagrou a proibição no chamando núcleo duro intangível da Carta Maior. Destarte, por força do art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal, não pode sequer ser objeto de emenda proposta que se incline a abolir os direitos e garantias fundamentais.
Nesse contexto, não seria equivocado afirmar que, hoje, de acordo a sistemática adotada pela Bíblia Política de 88, seria impossível, mesmo que por emenda à Constituição, a instituição de penas cruéis, isso tudo tendo em vista o espirito humanitário da Carta Cidadã.
Vedam-se, portanto, em absoluto, até mesmo propostas de emendas que versem sobre o tema. Isso decorre em virtude de ser o poder constituinte reformador limitado, condicionado e subordinado aos limites materiais, que, segundo Uadi Lammêgo Bulos, “são as vedações expressas que visam impedir reformas constitucionais contrárias à substância da constituição”[2].
Ainda com o auxílio de Bulos, impende mencionar o que vem a ser, de fato, essa “substância” da Carta Magna. Ora, em verdade, “Trata-se do cerne intangível da constituição, ou seja, do núcleo normativo que engloba matérias imprescindíveis à configuração de suas linhas-mestras, e, por isso, não pode ser modificado”.[3]
Nesse sentido, há quem argumente que não seria possível, a menos que se estabelecesse uma nova ordem constitucional, a modificação, para pior, das cláusulas pétreas[4].
Entrementes, não obstante o caráter irredutível das cláusulas pétreas, parece ser mais correto o posicionamento de que, nem mesmo uma nova ordem constitucional, vale dizer, sequer um poder constituinte originário seria capaz de reduzir tais garantias. Isto porque, partindo-se de uma postura constitucional mais avançada, haveria uma vedação ao retrocesso. Ora, o que não possui limites é arbitrário, portanto, inconcebível.
Admite-se, é certo, ser o poder constituinte originário ilimitado – juridicamente –, insubordinado, incondicionado, etc. Todavia, como bem salienta Pedro Lenza, ao citar J. H. Meirelles Teixeira:
Esta ausência de vinculação, note-se bem, é apenas de caráter jurídico-positivo, significando apenas que o poder constituinte não está ligado, em seu exercício, por normas jurídicas anteriores. Não significa, porém, e nem poderia significar, que o Poder Constituinte seja um poder arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário, tanto quanto a soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão. Todos estes grandes princípios, estas grandes exigências ideais, que não são jurídico-positivas, devem ser respeitadas pelo Poder Constituinte, para que este se exerça legitimamente. O poder constituinte deve acatar, aqui, ‘a voz do reino dos ideais promulgados pela consciência jurídica.[5]
Destarte, ser ilimitado juridicamente nada tem a ver com ser ilimitado em absoluto. Uma coisa é não dever obediência a uma norma jurídica anterior; outra, bem diferente, é não ter de se subordinar a nada. De fato, nem mesmo o Leviatã de Hobbes é poderoso desta maneira.
Em arremate, consigna-se, através dos argumentos trabalhados, que é verdadeiramente impossível a instituição de penas cruéis. Assim, seja por emenda, seja, ainda, por uma nova constituição, não parece haver mais lugar para o despotismo. Todo poder só é legitimo se acompanhado de limites, do contrário, o destino é a barbárie.
Ressalte-se, por derradeiro, que, conforme Beccaria pregava, a diminuição da criminalidade não está na exasperação das penas, mas, sim, na certeza da punição.
[1] Durkheim, em “As Regras do Método Sociológico”, explica que a criminalidade é algo normal, se não em escalas exacerbadas. Para ele, “classificar o crime entre os fenômenos de sociologia normal, não é só dizer que é um fenômeno inevitável, ainda que lastimável, devido à incorrigível maldade dos homens; é afirmar que é um fator de saúde pública, uma parte integrante de qualquer sociedade sã. As regras do método sociológico, Martin Claret, 2008. p.83.
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