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Resumo:
No presente trabalho, há um compromisso em tratar acerca do conceito e do aspectos controvertidos da contribuição social para o custeio da iluminação pública. Há enfoque crítico em relação à forma de cobrança do tributo.
Texto enviado ao JurisWay em 09/02/2015.
Última edição/atualização em 21/02/2015.
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É tarefa precípua do Estado, na sua concepção moderna, o papel de fornecedor de serviços públicos aos seus administrados. Adotando o conceito de Rousseau, no que se refere ao “contrato social”, há uma subordinação dos contribuintes ao pagamento de tributos aos entes federativos, com o intuito de custear as eventuais despesas com tais serviços. Para isso, os municípios serão dotados de possibilidade de instituir contribuição social de caráter contributivo para o custeio de despesas referentes ao fornecimento do serviço de energia elétrica nas vias e logradouros públicos.
Delineado está, em linhas gerais, o conceito de COSIP, objeto de análise do presente trabalho. Mas, afinal de contas, estaria a instituição de tal tributo, pacificamente acolhido pela sociedade e pela doutrina? Há que se afirmar negativamente a essa indagação. Ainda há na doutrina, na jurisprudência e até mesmo em certa parcela da sociedade civil, dúvidas a respeito do tema que necessitam ser esclarecidos e até mesmo debatidos oportunamente. Esse trabalho é uma tentativa de se discutir a questão sobre um prisma constitucional, tomando como referência a Carta Magna como protetora dos valores e princípios fundamentais da República.
Oportunamente, tentar-se-á responder ao seguinte questionamento: seria correta e justa a vinculação da cobrança da COSIP à fatura do consumo de energia elétrica? Serviço esse, portanto de caráter uti universi, usufruído por todos, independentemente de exercerem ou não o fato gerador consubstanciado na hipótese de incidência referida? É a partir daí que surgem as primeiras indagações. Como pode haver tributo de caráter nitidamente uti universi sendo cobrado juntamente com fatura de consumo de iluminação pública, serviço esse conhecido amplamente por todos como sendo uti singuli?
É com o intuito de fazer frente a essas indagações que vem à baila análises quanto ao conceito de contribuição social para o custeio da iluminação pública. Como conseqüência e justificativa do trabalho, logo em seguida trato das questões controvertidas acerca do tema. Em seguida, elenco recentes entendimentos de tribunais sobre a questão.
Referência-se questões que envolvem a vinculação da COSIP à fatura do consumo de energia elétrica. Há ainda postulados acerca da cobrança de tributo de caráter uti universi juntamente com tributo uti singuli, reafirmando os resquícios do patrimonialismo no ordenamento jurídico brasileiro atual. Surgem, imediatamente após esses postulados teóricos, comentários sobre os recentes entendimentos dos tribunais no que se refere à possibilidade de corte do fornecimento de energia elétrica.
No capítulo final, apresento as conseqüentes conclusões acerca do que fora tratado. Pretendo diante de todo o exposto, contribuir para o meio acadêmico, na medida em que o tema em destaque ainda gera profundas discussões e intensos debates no âmbito tributário e, sobretudo nas questões que envolvem os interesses públicos.
O tributo em questão foi instituído pela emenda 39, publicada em Dezembro de 2002, acrescentando o art. 149-A da CRFB/88. Contribuição esta, destinada ao custeio do serviço de iluminação pública nos Municípios e no Distrito Federal. Nesta oportunidade, os presidentes das casas legislativas do poder executivo federal eram o Deputado Efraim Morais e o Senador Ramez Tebet.
O habitante de determinada cidade está inserido na comunidade em que vive, na medida em que é titular de direitos e submete-se ao cumprimento de deveres perante essa mesma comunidade. No âmbito da cidadania, deverá possuir uma noção global de vida, momento em que tomará ciência da possibilidade da Administração Pública exigi-lo quanto ao cumprimento de atuação de acordo com o interesse público. Uma dessas possibilidades é a hipótese de incidência tributária.
No conceito de hipótese de incidência, está-se a delimitar os momentos em que, praticando o fato gerador, o indivíduo está vinculado ao pagamento de determinado tributo. Nos dizeres de Geraldo Ataliba: “Hipótese de incidência é a descrição legislativa (necessariamente hipotética) de um fato a cuja ocorrência in concretu a lei atribui a força jurídica de determinar o nascimento da obrigação tributária.” (ATALIBA, 2012, p.76)
Há momentos em que surge a necessidade do consumo de energia elétrica por imposições mundanas que não cabem neste trabalho, serem discriminadas, muito menos discutidas. O que interessa, momentaneamente é delimitar as hipóteses de incidência ligadas ao consumo de energia elétrica por parte do cidadão. Consumiu energia elétrica no âmbito residencial, praticou o fato gerador do tributo – pouco importando de que forma se consumiu – nasce a obrigação de pagá-lo.
A contribuição social para o custeio da iluminação pública, não foge à regra. Foi instituída para custear a iluminação pública e o seu fato gerador se dá no âmbito residencial privado. É a partir dessa constatação que surgem as primeiras dúvidas quanto à sua legitimidade e grau de eficácia. Surgindo do consumo privado, há que se invocar sua incoerência, na medida em que será destinada ao custeio de serviço uti universi, tal qual o serviço de iluminação pública dos logradouros públicos, como praças, ruas, viadutos, marginais e calçadas (sendo estes, bens de uso comum do povo).
As contribuições são tributos, pois se inserem perfeitamente à definição legal prescrita no Código Tributário Nacional sobre o que se entende por tributo. Analisemos, portanto, cada uma das definições do CTN acerca do que seja um tributo, em comparação com a COSIP, tributo objeto do presente trabalho.
Aduz o art. 3º da codificação em destaque, que: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Organizaremos o artigo através dos seus principais verbos mandamentais a seguir dispostos, sucessivamente.
É prestação pecuniária compulsória, na medida em que o sujeito que pratica o fato gerador se vincula ao pagamento do tributo, por expressa determinação legal. A partir do momento em que realiza o fato gerador previsto na hipótese de incidência, vincula-se o contribuinte ao pagamento do tributo, de forma compulsória, valendo-se o Estado da possibilidade de cobrá-lo judicialmente através de ação própria (ação de execução fiscal).
Além disso, é pago em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. Ou seja, é a COSIP, tributo como quaisquer outros constantes no ordenamento jurídico. Deverá ser pago, portanto, em dinheiro ou, excepcionalmente, por valor em que nele se possa exprimir. Ex.: dação em pagamento.
Ademais, não constitui sanção de ato ilícito. Não há que se falar em sanção. Muito pelo contrário. O objeto da sua incidência é exatamente algo plenamente permitido e até mesmo estimulado pela legislação e por boa parcela da sociedade, sobretudo o setor empresarial do ramo de eletrodomésticos e de energia em geral.
Por fim, é tributo instituído em lei e cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Essa determinação está muitas vezes, transcrita na lei instituidora do tributo, no âmbito municipal. Exemplificativamente, a cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia, instituiu o tributo em questão sob o nome de COSIP, em 27 de Dezembro de 2002, sob a gestão do então Prefeito Antônio Imbassahy, pela Lei municipal de número 6251/02.
Segundo o doutrinador Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 42): Não é de agora que advogamos a tese de que as chamadas contribuições têm natureza tributária. Vimo-las sempre como figuras de impostos ou de taxas, em estrita consonância com o critério constitucional consubstanciado naquilo que denominamos de tipologia tributária no Brasil. Todo o suporte argumentativo calcavase na orientação do sistema, visto e examinado na sua integridade estrutural. Assim, outra coisa não fez o legislador constituinte senão prescrever manifestamente que as contribuições são entidades tributárias subordinando-se em tudo e por tudo as linhas definidoras do regime constitucional peculiar aos tributos.
Há que se dizer, ainda que, por expressa determinação constitucional, a COSIP poderá ser instituída. O que vale dizer que as leis municipais instituidoras do tributo guardam ligação com a Carta Magna, sendo a determinação da CFRB/88, norma de eficácia limitada. A sua complementação surge, exatamente com a lei do município instituidor.
É que é competência da União, expedir normas gerais no setor de tributação. Poder este derivado da necessidade coletiva de regular as relações econômicas decorrentes do cidadão e sua relação com o Estado. São interesses que exorbitam as esferas locais reduzidas dos municípios, possuindo respaldo de caráter universal, atribuídos por valores de política nacional.
Apenas confirma o que fora exposto, as prescrições da Lei Maior, em seu artigo 149, que em sede de Poder Constituinte de cunho legislativo, assim preferiu estabelecer, in verbis: “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
E foi além o legislador, estabelecendo não apenas prescrições de caráter geral no que se refere às contribuições sociais, como também de cunho específico (COSIP), à saber: “Art. 149-A: Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.” Momento de “deslize” cometeu o legislador, no entanto, quando prescreveu, erroneamente a faculdade da cobrança da COSIP, na fatura de consumo de energia elétrica, o que se desprende da leitura do parágrafo único do artigo 149-A da CRFB/88. Frise-se aqui, mormente, que os comentários acerca desse “deslize” serão feitos em momento oportuno.
Há que se dizer que existem alguns aspectos relevantes que devem ser levados em consideração nos debates acerca do tema, já que geram controvérsias reiteradas. Fato que já chegou ao conhecimento dos tribunais, o que vem ocasionando uma série de posicionamentos a respeito. Fato controvertido é a previsão doutrinária e legal da destinação específica dos tributos denominados de contribuições sociais. Tais tributos teriam a sua receita destinada ao custeio de serviços determinados. No que se refere à COSIP, surge um questionamento derradeiro: a sua finalidade seria o custeio de iluminação pública. Premissa verdadeira.
Quanto à controvérsia decorrente, delineia-se: destinação vinculada ao custeio de serviço uti universi, quando o seu fato gerador é consumo individual de energia. A conclusão parece-nos irrefutável: as contribuições são tributos que, como tais, podem assumir a feição de impostos ou de taxas. Excluímos, de indústria, a possibilidade de aparecerem com os caracteres de contribuição de melhoria, posto que esta espécie foi concebida em termos de estreito relacionamento com a valorização do imóvel, traço que não só prejudica como até impede seu aproveitamento como forma de exigência e cobrança das contribuições. (CARVALHO, 2001, p. 44)
Primeira controvérsia acerca do tema surge exatamente da finalidade à que se destina a COSIP. Claro está que é destinada ao custeio da iluminação de logradouros públicos. No entanto, há que se considerar que não deveria. Já que as contribuições sociais funcionam mais como mecanismos de financiamento de setores ligados à ordem e desenvolvimento social, como educação, saúde e previdência social.
Na verdade as contribuições aparecem com alguns caracteres de impostos. No que se refere à COSIP, diferencia-se dos impostos na medida em que é elemento essencial desse tributo o fato gerador. Na COSIP, pouco importa as hipóteses de incidência ou o fato gerador, já que é contribuição social, dotada de finalidade específica. Ou seja, a finalidade do tributo é custear as despesas com iluminação pública, não dependendo do fato do cidadão usufruir ou não do serviço. Trata-se de serviço público uti universi, disponível a todos os cidadãos, independentemente da utilização efetiva do serviço. Nos dizeres de Luciano Amaro (2006, p. 84), a característica peculiar do regime jurídico deste terceiro grupo de exações está na destinação à determinada atividade exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil a realização de uma função de interesse público.
É preciso destacar outro fator importante para discussão. Trata-se da necessária modificação nas estruturas das instituições e dos órgãos públicos destinados ao planejamento orçamentário de gastos públicos. Da forma como está organizada a sistemática atual, as receitas provenientes dos tributos são mal distribuídas. Os orçamentos e os gastos públicos não são direcionados, muitas vezes, para o financiamento de serviços de interesse geral. É que decorre do poder constituinte originário a faculdade de organizar o Estado de forma racional para que se possa da melhor forma, prestar os serviços públicos de uma forma geral. Através dos tributos arrecadados, a máquina estatal poderá prever despesas tendo em vista o custeio e financiamento dos interesses principais e acessórios da sociedade.
Depende da concepção do orçamento a fixação do que deve conter. O certo é que, qualquer que seja ele, entram como seu conteúdo básico a estimativa da receita e a autorização da despesa, que são apresentadas em forma de partidas dobradas em seu aspecto contábil. Mas o orçamento não se define mais como simples ‘atos de previsão e de autorização de receitas e de despesas públicas.’ É uma peça de governo muito mais complexa do que isso, porque é o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa da receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro. (SILVA, 2000, p. 738)
Será destinado capítulo específico para críticas no que se refere às inadequações entre órgãos e orçamentos públicos, quanto às suas reais atuações. Essas críticas serão abordadas, fazendo-se um paralelo com o pensamento do doutrinador Raymundo Faoro e suas concepções acerca dos modelos de gestão pública. e prática entre o objeto das taxas de serviço e a finalidade da COSIP. Taxa de serviço é tributo instituído levando-se em consideração um serviço de interesse individual. O que não ocorre com as contribuições sociais. Curioso perceber que, de maneira oportunista, alguns municípios transformaram a nomenclatura do tributo para Contribuição Social, para justificar a sua cobrança. No entanto, erro jurídico perceptível maior não poderia ter sido provocado, na medida em que as contribuições possuem finalidade específica de caráter contributiva (aproximando-se aos impostos, portanto), incompatível com o caráter retributivo das taxas de serviço.
Primeira crítica faz-se plenamente possível no entorno do tema é a questão da diferença visível entre um universo de contribuintes que não coincide com o dos beneficiários do serviço. Ou seja, há que se criticar o fato de que, ao praticar o fato gerador do tributo, ocidadão irá arcar com os custos de um serviço que será utilizado por todos, emdetrimento do uso em potencial pelo indivíduo pagador do tributo.Fato contestável também é a base de cálculo que toma como parâmetro o custo dailuminação pública e o consumo individual de energia elétrica. A crítica mais veementeaos fatos até aqui explicitados é exatamente em decorrência desse termo: consumoindividual. Não há que se conceber sob a qualificação de justo tal parâmetro, visto quenão há relação entre o consumo individual e os reais gastos da administração públicacom a prestação do serviço essencial à sociedade de iluminação de ruas e logradourospúblicos.
Nos sábios dizeres do ilustre doutrinador Hugo de Brito Machado (2004, p. 400):O fato de haver a norma, inserida na Constituição pela Emenda n. 39,dito ser facultada a cobrança da aludida contribuição na fatura deenergia elétrica, com certeza não quer dizer que possa o pagamentodaquela contribuição ser colocado como condição para o pagamentoda conta de energia elétrica. Realmente, uma coisa é a cobrança de acontribuição ser feita na fatura de consumo de energia elétrica. Outra,bem diversa, é a exigência do pagamento da contribuição como umacondição para o pagamento da fatura de energia. Como o nãopagamentoda fatura de consumo de energia elétrica autoriza aconcessionária do serviço a interrompê-lo, colocar o pagamento dacontribuição como condição para o pagamento da fatura de consumode energia seria dar ao sujeito ativo da obrigação tributária um meioviolento, que exclui o devido processo legal e atropela o direito dedefesa do contribuinte contra eventual cobrança indevida. Meio decobrança que, por isto mesmo, não tem sido admitido para os tributosem geral.
Com efeito, o arcabouço jurídico-tributário da COSIP, a partir das normas constitucionais explicitadas, sugere uma relação jurídico-tributária (município/sujeito ativo) e outra relação jurídico-contratual (município/concessionária). Ademais, ainda se pode identificar uma outra relação jurídica, de caráter eminentemente consumerista (concessionária/ consumidor), que concerne à cobrança da tarifa de energia.
Deveras, a compreensão destas três relações jurídicas é fundamental para uma análise menos tendenciosa da cobrança perpetrada pelos municípios. Há, portanto, uma visão que exorbita a ótica meramente consumerista. Além das três facetas mencionadas, também não se pode desconhecer uma outra, de cunho administrativo e financeiro, advindo, ao término de todo o processo de arrecadação. Na oportunidade, então repercute no âmbito das finanças municipais e da realização das despesas daquele ente, especialmente no que se refere à prestação do serviço de iluminação coletiva. Do ponto de vista meramente privado, o que se tem é que a análise não se perfaz completa. Pelo contrário, ao cabo, sua procedência há de infligir ainda maior dano aoconsumidor.
A COSIP é tributo com caráter, nitidamente fiscal, possuindo a finalidade de custear os gastos públicos com a prestação do serviço de iluminação pública (serviço esse de feição uti universi). Não obstante essa característica há fato gerador na utilização de serviço de caráter uti singuli, serviço esse conhecido por todos como iluminação particular, útil no sentido de fornecer energia elétrica para os lares dos cidadãos, individualmente considerados. Por isso, cobrados mediante taxa.
É possível fazer um comparativo dessa prática com o modelo de gestão pública patrimonialista, que lamentavelmente, ainda permanece no país, compondo o que se chama de gestão pública da atualidade. Essas práticas patrimonialistas estão relacionadas com a pouca ou quase nenhuma distinção entre o setor público e o privado. Já que o financiamento surgido com a COSIP é para o custeio de serviço de interesse geral, não poderia, portanto ser vinculado à fatura de energia elétrica individual, tomando como base de cálculo esse consumo (individual).
Ninguém mais foi capaz de definir essa forma de gerir a coisa pública do que Raymundo Faoro em sua célebre obra “Os donos do poder”. Aduz o citado autor (2001, p.870):
"O domínio tradicional se configura no patrimonialismo, quando aparece o estado-maior de comando do chefe, junto à casa real, que se estende sobre o largo território, subordinando muitas unidades políticas. Sem o quadro administrativo, a chefia dispersa assume caráter patriarcal, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e nos coronéis. Num estágio inicial, o domínio patrimonial, desta forma constituído pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa confusão entre o setor público e o privado, que, com o aperfeiçoamento da estrutura, se extrema em competências fixas, com divisão de poderes, separando-se o setor fiscal do setor pessoal."
É o poder de tributar, prerrogativa concedida pelo constituinte aos entes federativos, elemento indispensável do ordenamento jurídico, impulsionador das receitas administrativas. No balanço entre receitas e despesas públicas, conseqüência natural dos orçamentos, há sempre (ou deveria haver) o privilégio do interesse coletivo em detrimento do particular. Portanto, são as contribuições sociais elementos necessários para a provisão de recursos estatais para o financiamento de serviços de interesse geral.
Por outro lado, o que se visualiza é uma inversão de valores institucionais, quando do momento de vinculação exemplificada de caráter vinculativo entre as cobranças de caráter tributário. O que deveria servir para financiar interesses públicos, resta financiando interesses de determinadas classes sociais. É que o destino dos recursos provenientes dessas contribuições quase sempre se dirige ao patrocínio de eventos de interesse restrito, por muito totalmente dispensáveis. Não se busca utilizar os recursos para incrementar a iluminação de logradouros públicos carentes de tal provisão como se pode perceber quando da visita a muitas ruas e vielas de capitais brasileiras.
Para que a COSIP possa ser vinculada ao consumo individual seriam necessárias mudanças estruturais. Mudanças essas que devem estar coadunadas principalmente com o cumprimento efetivo dos programas de governo, e que não devem servir de ensejo a financiamentos privados. Caso contrário, os cidadãos continuarão sendo enganados quanto as suas reais necessidades atreladas ao serviço citado. Segurança pública e urbanidade são, indubitavelmente, um dos valores mais valorizados por aqueles que moram nos grandes centros urbanos. Esses, por sua vez, poderão ser mais facilmente alcançados através de uma iluminação pública eficiente.
Enquanto o sistema feudal separa-se do capitalismo, enrijecendo-se antes de partir-se, o patrimonialismo se amolda às transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo, concentrando no corpo estatal os mecanismos de intermediação, com suas manipulações financeiras, monopolistas, de concessão pública de atividade, de controle do crédito, de consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da gestão direta à regulamentação material da economia. (FAORO, 2001, p. 871.)
É sabível da possibilidade da administração pública celebrar contratos administrativos de concessão e permissão de serviço público para fornecimento de serviço essencial de energia elétrica. Isso ocorre na medida em que se torna necessário, muitas vezes, contratos de parceria com a iniciativa privada, vide a impossibilidade de o Poder Público prestar todos os serviços à sociedade. Muitas vezes, o ente celebra contrato com particulares para melhor prestar o serviço em questão, para que se garanta a efetividade do princípio constitucional da eficiência administrativa.
Necessidade premente dos administrados é a energia elétrica. Usufruir de iluminação pública decorre desse anseio. As vias e logradouros públicos serão utilizados pelas pessoas, nas suas rotinas diárias de locomoção e permanência. É o ponto do ônibus, é a rua em que se realizará determinada festa, é a via comum que passarão veículos e pessoas retornando ou se dirigindo aos seus locais de trabalho e produção em geral.
Iluminação pública é, portanto, serviço essencial à sociedade.
Fato é que, por muito, também, o cidadão se vê na iminência de corte individual do fornecimento de energia elétrica, por falta do pagamento de taxa de energia elétrica à empresa concessionária. Pode a empresa cortar o fornecimento do serviço? O que diz a doutrina administrativa brasileira a respeito?
Analisados diversos instrumentos previstos em nosso ordenamento jurídico que protegem a continuidade dos serviços públicos, importante ressaltar que, excepcionalmente, a sua interrupção será possível nas hipóteses previstas no art. 6, §3, da Lei 8.987/95. A lei autoriza a interrupção do serviço, não se caracterizando a sua descontinuidade, quando tipificada situação de emergência ou com prévia comunicação ao usuário, quando este for inadimplente ou não oferecer as condições técnicas necessárias para que a concessionária possa prestar o serviço. (MARINELA, P. 538.)
Portanto, segundo a doutrina, é plenamente possível o corte do fornecimento do serviço nos casos de inadimplência. Até porque é fato incontestável que o indivíduo que não quita o débito perante a concessionária, torna-se inadimplente. Inadimplência essa, que poderá decorrer, muitas vezes, por impossibilidade de cunho financeiro de pagar, inclusive a contribuição social vinculada à fatura.
Há que se dizer, sem embargo, que não seria justo o corte do fornecimento de energia nos casos de fatura prevendo COSIP, na medida em que trata-se de imposição contributiva, desvinculada dos fatores individuais do serviço de iluminação privada.
Haveria, portanto, uma mescla entre tributações no interesse coletivo com o interesse privado do indivíduo que deseja usufruir dos serviços de energia elétrica no âmbito da sua residência, regulada pelos ditames privados.
É que é o poder de tributar uma decorrência constitucional de arrecadação estatal de verbas, tendo em vista a prevalência dos interesses gerais e abstratos da sociedade. O indivíduo, quando contrata o serviço de energia elétrica perante a concessionária, está à celebrar contrato com base no direito privado e seus princípios norteadores, muito diferentes daqueles atinentes ao Poder Público. Na permissão do corte do fornecimento do serviço estaria a se cercear a fruição de um bem privado, por questões de ordem pública (inadimplemento). Isso se constituiria num absurdo sem precedentes. Pior: violaria princípio fundamental, qual seja o da liberdade contratual e a autonomia da vontade.
A iluminação pública é um serviço geral e indivisível, não sendo possível medir a utilização individual. Dessa maneira, não se admite a cobrança por taxa que consiste em tributo vinculado a uma contraprestação do Estado (por taxa paga-se o que realmente foi utilizado no serviço), sendo sua cobrança inconstitucional, conforme reconhece o STF, na súmula 670. É oportuno destacar que, atualmente, esse serviço é mantido pela cobrança de uma contribuição prevista no art. 149-A da CF, introduzido pela Emenda Constitucional n. 39/02, o que é inconstitucional, porque a contribuição também é uma espécie tributária vinculada a uma contraprestação estatal. (MARINELA, p. 539)
A cobrança da COSIP jamais poderia ser instituída mediante a vinculação de seu fato gerador ao consumo individual de energia elétrica. Visíveis nos projetos de lei instituidora e mais que nunca nas suas previsões legais, sinais do modelo de gestão pública patrimonial, já por demais, ultrapassado.
Injusto e destituído de fundamentos plausíveis seria corte do fornecimento do serviço de energia elétrica, por inadimplência do usuário. Isso daria ensejo à uma intervenção anômala do Estado nas liberdades individuais, desconstituindo relações de direito privado, que não guardariam ligação com o poder de tributar constitucionalmente previsto.
Na insistência da vinculação doravante criticada, que sejam adotadas concomitantemente, medidas de reforma estrutural. As instituições e órgãos públicos devem ser canalizados para uma efetiva proteção dos interesses públicos, em detrimento de anseios particulares. No momento de alcance desses valores de interesse coletivo, poder-se-á, quem sabe pensar no implemento da vinculação, por muito criticada ao longo desse trabalho.
Referências
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. DF, Senado, 1988.
BRASIL. Código Tributário Nacional. DF, Senado, 1966.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
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