A via-crúcis dos usuários de ônibus e metrô 26/5/2014
Pesquisa do Idec no Rio e em Recife identifica desrespeito dos serviços às leis de proteção ao consumidor

RIO - Depois de mais de 20 minutos em pé à espera do ônibus que a levará da Central do Brasil até sua casa, em Imbariê, na Baixada Fluminense, Lucinéia dos Santos da Silva, de 38 anos, improvisa um assento no que sobrou do abrigo do ponto, que teve um dos vidros de proteção arrancado. Ao lado dela se acomodam os dois filhos, de 9 e 18 anos. Não há banco para sentar ou placa com informações sobre o horário das linhas. Segundo a operadora de caixa, a espera não costuma durar menos que 40 minutos. Os atrasos, a falta de estrutura em pontos e de informações sobre as linhas e os itinerários dos ônibus que passam pelo local estão longe de ser exclusividade da rotina de Lucinéia. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) junto aos serviços de ônibus e metrô no Rio e em Recife (PE) identificou 490 infrações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e à regulação específica do setor. A maioria é de problemas como esses, de segurança e qualidade do serviço.
— A passagem custa mais de R$ 5 e temos de conviver com esse tipo de situação. Tomara que essa entrevista caia nas mãos de alguém que possa fazer algo por quem mora na Baixada — diz, esperançosa, a operadora de caixa que há um ano vai ao Rio com frequência para o tratamento médico do caçula.
Na primeira fase da pesquisa do Idec, feita em São Paulo e Belo Horizonte em julho do ano passado, o número de infrações verificadas foi um terço das 490 (146). Os problemas mais recorrentes, no entanto, são os mesmos. Na avaliação do pesquisador do Idec responsável pelo estudo, João Paulo Amaral, no Rio e em Recife foi identificado um desrespeito maior ao consumidor porque, além de os serviços serem mais precários e com menos linhas, as duas capitais têm legislações locais mais rígidas e fiscalização falha.
— No Rio, a legislação é muito abrangente. Se fosse cumprida à risca, o consumidor teria um ótimo serviço — diz.
Insegurança e superlotação
No Rio e em Recife, o estudo analisou a estrutura da estação e do ponto, que teve 178 irregularidades identificadas nas duas capitais, qualidade da viagem (142), estrutura do meio de transporte (105) e atendimento ao usuário (65). Recife, com 320, acumulou quase o dobro de problemas do Rio (170). O estudo teve o apoio do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) e da rede filantrópica ClimateWorks.
— Os pontos e as estações são mal conservados, pequenos e, muitas vezes, não têm assentos. Além disso, falta informação sobre linhas e itinerários — exemplifica Amaral.
Em relação aos ônibus, ele chama a atenção para a falta de segurança. Em Recife, motoristas não pararam no ponto. No Rio, os condutores abusaram de freadas bruscas, alta velocidade, veículos circulando com portas abertas e em mau estado de conservação e higiene.
A servente Cláudia Maria da Silva, moradora de Queimados, usa ônibus para chegar ao trabalho em Botafogo. Reclama sobre outro problema apontado pelo estudo: a superlotação.
— Saio de casa às 5h para chegar às 8h no trabalho. Pego trem e ônibus. Sentar é praticamente impossível e tem dias que a fila (na Central) dá volta — diz.
Thais Lima, coordenadora de Comunicação do ITDP, observa que, no Rio, o problema está nas concentrações em regiões distintas de trabalho, mão de obra e locais de estudo. Segundo ela, 48% dos empregos ficam no Centro, mas apenas 4% dos trabalhadores moram na região.
— Temos um planejamento urbano obsoleto que não favorece a mobilidade. O desenvolvimento tem de ser orientado ao transporte. Do contrário, vamos ter um estrangulamento do sistema. É preciso rever a política habitacional. Não dá mais para construir Minha Casa, Minha Vida longe dos polos de trabalho — diz.
Segundo o instituto, apenas 10% dos deslocamentos na capital ocorrem por meio de transporte de alta capacidade — no Rio feitos pelo BRT e Metrô Rio:
No caso do metrô, a pesquisa considera que a disponibilidade de linhas nas duas capitais é incipiente: são duas no Rio e três em Recife, que atendem apenas a 10% e 14% da população, respectivamente. Os problemas mais comuns são a falta de acessibilidade para cadeirantes nas estações, atrasos e superlotação. No Rio, também foi constatado desrespeito ao vagão exclusivo para mulheres, previsto em lei estadual. Problema vivenciado pela operadora de telemarketing Débora Ribeiro, que relata ter sido assediada em um trem:
— Só viajo no vagão feminino do metrô, mas os homens não respeitam.
Hollisis Vieira Maia, de 67 anos, gostaria que fossem colocadas mais composições nos horários de pico:
— No Brasil, os governantes não dão ao transporte público a atenção que ele merece, prejudicando principalmente a população mais pobre.
Para o professor Ricardo Morishita, que coordenou um estudo sobre o serviço de ônibus no Rio feito pela FGV-Direito, o Estado deve criar canais, em parceria com entidades e órgãos reguladores, para que os consumidores possam reclamar e acompanhar as ações, expondo os problemas e as empresas infratoras:
— Ter legislação é importante e o Estado deve cumprir seu papel. Mas o controle social é muito mais simples e eficiente do que a aplicação de multas ou mais fiscais. Não precisamos de um xerife. Isso faz parte de um mundo que não existe mais. Acredito no cidadão.
Reguladores se defendem
O Metrô Rio afirmou não ter sido informado oficialmente sobre a pesquisa, e não se manifestou. A Agetransp, que regula os serviços públicos de transporte no Estado do Rio, disse que realiza, em média, duas mil inspeções nos trens, barcas e metrô por mês, além de auditorias sobre as informações prestadas pelas concessionárias. Informou, ainda, ter aplicado multa de R$ 1,4 milhão ao Metrô Rio, este ano, por incidentes ocorridos no sistema.
A Rio Ônibus ressaltou ações como implantação de corredores exclusivos, câmeras e GPS na frota e de limitadores de velocidade. Renovou a sinalização nos corredores BRTs e desenvolveu um aplicativo para o usuário acompanhar via celular o horário de partida dos ônibus nas estações da Transoeste e Transcarioca. Desde setembro, quase 12 mil motoristas passaram por oficinas educacionais. A Secretaria Municipal de Transportes disse que faz fiscalizações regulares e monitora, em tempo real, frota, frequência e itinerários dos ônibus. Só no primeiro trimestre aplicou 1.473 multas, totalizando R$ 922.464.
Fonte: O Globo - Online