A ascensão das classes C e D ao mercado de consumo impulsionou a economia e, com ela, a inadimplência. A falta de prática dos novos consumidores em lidar com crédito farto aumentou o número de calotes registrados pelos cartões. Entre 2003 e 2009, o avanço foi de 28,3% ao ano. O estudo feito pelo Banco Central sobre o setor revelou que, comparado a 2003, a quantidade de inadimplentes avançou 345,6%. Apesar de todos esses maus pagadores, a indústria de cartões não tem do que reclamar. O lucro das credenciadoras (empresas operadoras das maquininhas) avançou 538,1% de lá para cá. No caso dos bancos e das operadoras emissoras do dinheiro de plástico, as receitas dispararam 164,9% no período.
Diante da disparidade entre lucro da indústria, inadimplência dos consumidores e gastos dos lojistas com as operações, o Banco Central e o Ministério da Justiça se viram obrigados a regular o setor. O objetivo é evitar que a nova classe média fique altamente endividada, como mostra estudo que aborda o setor, e dê início a uma onda de calotes, além de perder todo o poder de compra recém-adquirido. “Eles seduzem as pessoas a entrar no crédito rotativo. O consumidor é induzido ao erro e as empresas não precisam se preocupar com a inadimplência. Esse custo é repassado ao lojista e aos clientes que pagam tudo em dia”, queixou-se Roque Pellizzaro, presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
Com a quantidade de calotes crescendo, as bandeiras têm a justificativa que precisam para a manutenção dos juros abusivos dos cartões de crédito. De acordo com levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), essa modalidade de pagamento é a de custo mais alto para o consumidor, alcançando juros de 237,42% ao ano.
Custos
Mesmo com toda a inadimplência do setor, os juros do rotativo e as mais de 50 tarifas cobradas dos clientes anulam qualquer possibilidade de prejuízo. Enquanto a indústria de cartões fez muito dinheiro nestes últimos anos, ela trabalhou também para derrubar os custos de processamento das transações — uma queda de 49,1% desde 2003. “Já no custo para o lojista, foi o contrário”, acusou Pellizzaro. “Em qualquer negócio normal do mundo, quando se aumenta o volume de operações, cai o custo do serviço ou da unidade. Na indústria dos cartões, isso não aconteceu. O custo subiu”, criticou. Segundo o BC, as taxas cobradas dos lojistas por operação passaram de 2,95% em 2007 para 2,98% no ano passado.
Com o fim da exclusividade entre bandeiras e credenciadoras, os comerciantes estão negociando o fim do aluguel das maquininhas e, em alguns casos, obtendo sucesso. Se a indústria abrisse mão do aluguel, perderia receita anual de R$ 2 bilhões. “Essa indústria (1) não perde. Eles abrem mão aqui, mas vão ganhar em outro lugar”, afirmou Pellizzaro.
1 - Perfil novo
O levantamento do Banco Central sobre o setor de cartões de crédito e débito mostra que a concentração no segmento de emissões do plástico passou de moderada para elevada. O problema é reflexo dos movimentos bancários de fusão e aquisição, como a compra do ABN Amro Real pelo espanhol Santander e a fusão do Unibanco com o Itaú.