Oficial de Justiça - TJ/PE 2007
Elaboração: FCC
Prova aplicada em Maio/2007

Questão 3 - Língua Portuguesa

Marcações visuais :

Você poderá efetuar marcações visuais de certo e errado no texto das questões.

Anexo para as questões 1 a 15

Atenção: As questões de números 1 a 15 referem-se ao texto que segue.

Duzentas gramas

Tenho um amigo que fica indignado quando peço na padaria "duzentas" gramas de presunto - já que a forma correta, insiste ele, é duzentos gramas. Sempre discutimos sobre os diferentes modos de falar. Ele argumenta que as regras de pronúncia e de ortografia, já que existem, devem ser obedecidas, e que os mais cultos (como eu, um cara que traduz livros) devem insistir na forma correta, a fim de esclarecer e encaminhar gente menos iluminada.

Eu sempre argumento que, quando ele diz que só existe uma forma correta de falar, está usurpando um termo de outro ramo, que está tentando aplicar a ética à gramática, como se falar corretamente implicasse algum grau de correção moral, como se dizer "duzentas" significasse incorrer numa falha de caráter, e dizer duzentos gramas fosse prova de virtude e integridade.

Ele vem então com aquela de que se pode desculpar a moça da padaria quando fala "duzentas", pois ela desconhece a norma culta, mas quanto a mim, que a domino, demonstro uma falha de caráter ao ignorá-la em benefício dos outros - só para evitar o constrangimento de falar diferente. "Quem sabe fazer o bem e não o faz comete pecado" - parece concluir.

Eu reconheço, sim, que falo de forma diferente dependendo de quem seja meu interlocutor. Às vezes uso deliberadamente formas como "tentêmo" ou "vou ir". Pelo mesmo motivo, todas as gírias e dialetos locais me interessam. Não que - por exemplo - a decisão de dizer "duzentas" gramas seja consciente, uma premeditação em favor da inclusão social. É que, algumas vezes, a coisa certa a se fazer - sobretudo na linguagem falada - é ignorar a norma, ou pervertê-la. Quando peço "duzentas gramas de presunto, por favor", a moça da padaria invariavelmente repete, como que para extorquir minha profissão de fé à norma inculta:

DUZENTAS?

Duzentas, confirmo eu, já meio arrependido, mas caindo, ainda assim, em tentação.

(Adaptado de Paulo Brabo, site A bacia das almas)


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No segundo parágrafo, a argumentação do autor diante da convicção do amigo quanto ao uso da linguagem pode ser assim resumida:


A Deve-se desculpar o pecado de quem insiste em falar ou escrever de modo incorreto.
  
B Não se deve confundir o plano da suposta correção da norma culta com o plano ético das virtudes pessoais.
  
C Mesmo quem desconhece a norma culta está virtualmente habilitado para um dia vir a dominá-la.
  
D Quem se vale da linguagem espontânea demonstra ser mais virtuoso do que aquele que se vale da norma culta.
  
E O desconhecimento da norma culta prejudica apenas a comunicação, mas não implica falta de caráter.