V Exame de Ordem (2011.2) - Peça Profissional da prova da OAB 2ª fase de Direito Penal com a resposta formulada pela própria banca e o valor de cada item.
Em 10 de janeiro de 2007, Eliete foi denunciada pelo Ministério Público pela prática do crime de furto qualificado por abuso de confiança, haja vista ter alegado o Parquet que a denunciada havia se valido da qualidade de empregada doméstica para subtrair, em 20 de dezembro de 2006, a quantia de R$ 50,00 de seu patrão Cláudio, presidente da maior empresa do Brasil no segmento de venda de alimentos no varejo.
A denúncia foi recebida em 12 de janeiro de 2007, e, após a instrução criminal, foi proferida, em 10 de dezembro de 2009, sentença penal julgando procedente a pretensão acusatória para condenar Eliete à pena final de dois anos de reclusão, em razão da prática do crime previsto no artigo 155, §2º, inciso IV, do Código Penal. Após a interposição de recurso de apelação exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça entendeu por bem anular toda a instrução criminal, ante a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento injustificado de uma pergunta formulada a uma testemunha. Novamente realizada a instrução criminal, ficou comprovado que, à época dos fatos, Eliete havia sido contratada por Cláudio havia uma semana e só tinha a obrigação de trabalhar às segundas, quartas e sextas-feiras, de modo que o suposto fato criminoso teria ocorrido no terceiro dia de trabalho da doméstica. Ademais, foi juntada aos autos a comprovação dos rendimentos da vítima, que giravam em torno de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais. Após a apresentação de memoriais pelas partes, em 9 de fevereiro de 2011, foi proferida nova sentença penal condenando Eliete à pena final de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Em suas razões de decidir, assentou o magistrado que a ré possuía circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez que se reveste de enorme gravidade a prática de crimes em que se abusa da confiança depositada no agente, motivo pelo qual a pena deveria ser distanciada do mínimo. Ao final, converteu a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, consubstanciada na prestação de 8 (oito) horas semanais de serviços comunitários, durante o período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses em instituição a ser definida pelo juízo de execuções penais. Novamente não houve recurso do Ministério Público, e a sentença foi publicada no Diário Eletrônico em 16 de fevereiro de 2011.
Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso concreto acima, redija, na qualidade de advogado de Eliete, com data para o último dia do prazo legal, o recurso cabível à hipótese, invocando todas as questões de direito pertinentes, mesmo que em caráter eventual.
(Valor: 5,0)
Gabarito Comentado:
O candidato deverá redigir uma apelação, com fundamento no artigo 593, I, do CPP, a ser endereçada ao juiz de direito, com razões inclusas endereçadas ao Tribunal de Justiça. Nas razões recursais, o candidato deverá argumentar que a segunda sentença violou a proibição à reformatio in pejus – configurando-se caso de reformatio in pejus indireta –, contida no artigo 617 do CPP, de modo que, em razão do trânsito em julgado para a acusação, a pena não poderia exceder dois anos de reclusão, estando prescrita a pretensão punitiva estatal, na forma do artigo 109, V, do Código Penal, uma vez que, entre o recebimento da denúncia (12/01/2007) e a prolação de sentença válida (09/02/2011), transcorreu lapso superior a quatro anos.
Superada a questão, o candidato deverá argumentar que inexistia relação de confiança a justificar a incidência da qualificadora (Eliete trabalhava para Cláudio fazia uma semana) e que a quantia subtraída era insignificante, sobretudo tomando-se como referência o patrimônio concreto da vítima. Em razão disso, o candidato deverá requerer a reforma da sentença, de modo a se absolver a ré por atipicidade material de sua conduta, ante a incidência do princípio da insignificância/bagatela.
O candidato deve argumentar, ainda, que, na hipótese de não se reformar a sentença para se absolver a ré, ao menos deveria ser reduzida a pena em razão do furto privilegiado, substituindo-se a sanção por multa.
Em razão de tais pedidos, considerando-se a redução de pena, o candidato deveria requerer a substituição da pena privativa de liberdade por multa, bem como a aplicação da suspensão condicional da pena e/ou suspensão condicional do processo.
Deveria ainda o candidato argumentar sobre a impossibilidade do aumento da pena base realizado pelo magistrado sob o fundamento da enorme gravidade nos crimes em que se abusa da confiança depositada, pois tal motivo já foi levado em consideração para qualificar o delito, não podendo a apelante sofrer dupla punição pelo mesmo fato – bis in idem.
Por fim, o candidato deveria requerer um dos pedidos possíveis para a questão apresentada, tais como:
1- absolvição;
2- reconhecimento da reformatio in pejus, com a aplicação da pena em no máximo 2 anos e a consequente prescrição;
3- atipicidade da conduta, tendo em vista a aplicação do princípio da bagatela;
4- não incidência da qualificadora do abuso da confiança, com a consequente desclassificação para furto simples;
5- aplicação da Suspensão Condicional do Processo;
6- não sendo afastada a qualificadora, a incidência do parágrafo 2º do artigo 155 do CP;
7- a redução da pena pelo reconhecimento do bis in idem e a consequente prescrição;
8- aplicação de sursis;
9- inadequação da pena restritiva aplicada, tendo em vista o que dispõe o artigo 46, §3º, do CP.
Alternativamente, o candidato poderá elaborar embargos de declaração, abordando os pontos indicados no gabarito 2.
Distribuição dos Pontos - Gabarito 1
Item |
Pontuação |
Estrutura correta (divisão das partes / indicação de local, data, assinatura) |
0 / 0,25 |
Indicação correta dos dispositivos legais que dão ensejo à apelação (art. 593, I, do CPP) |
0 / 0,5 |
Endereçamento correto da interposição |
0 / 0,25 |
Endereçamento correto das razões |
0 / 0,25 |
Indicação de reformatio in pejus (0,20). |
0 / 0,20 |
Desenvolvimento jurídico acerca da ocorrência de reformatio in pejus (0,40) Art. 617 do CPP (0,15) |
0 / 0,15 / 0,40 / 0,55 |
Incidência da prescrição da pretensão punitiva. (0,30) Desenvolvimento jurídico. (0,45) |
0 / 0,30 / 0,45 / 0,75 |
Não incidência da qualificadora de abuso de confiança OU desclassificação para furto simples. (0,3) Desenvolvimento jurídico. (0,45) |
0 / 0,30 / 0,45 / 0,75 |
Atipicidade material da conduta OU Princípio da bagatela (0,3). Desenvolvimento jurídico. (0,45) |
0 / 0,30 / 0,45 / 0,75 |
Desenvolvimento jurídico acerca da incidência, em caráter eventual, da figura do furto privilegiado |
0 / 0,25 |
Desenvolvimento jurídico acerca da substituição da pena privativa de liberdade por multa OU suspensão condicional da pena (sursis) e do processo OU diminuição da pena por bis in idem |
0 / 0,25 |
Pedido correto, contemplando as teses desenvolvidas |
0 / 0,25 |
Distribuição dos Pontos - Gabarito 2
Item |
Pontuação |
Endereçamento ao juiz que proferiu a sentença recorrida. |
0 / 0,50 |
Fundamento no art. 382 do CPP. |
0 / 0,50 |
Indicação do prazo legal de 2 dias. |
0 / 0,50 |
Desenvolvimento jurídico acerca da obscuridade quanto ao artigo que embasou a condenação, levando-se em conta que houve perfeita narrativa de furto cometido com abuso de confiança, mas a capitulação dada não existe. |
0 / 0,50 / 1,00 |
Desenvolvimento jurídico acerca da obscuridade quanto aos critérios utilizados pelo magistrado para embasar o aumento da pena levando-se em conta a gravidade do crime cometido com abuso de confiança. Referido juiz não foi claro quanto ao critério utilizado, não informando em sua decisão, objetivamente, por que considerou mais gravosa a conduta de Eliete. |
0 / 0,50 / 1,00 |
Desenvolvimento jurídico acerca da contradição existente entre a condenação de 8 horas semanais de serviços comunitários, considerandose que o art. 46, parágrafo 3º, do CP estabelece que a fração é de apenas uma hora de prestação de serviços por semana. |
0 / 0,50 / 1,00 |
Data em que deveriam ser opostos os embargos: 18/02/11 (último dia, levando-se em conta que a sentença foi publicada em 16/02/11 e que o prazo legal é de 2 dias). |
0 / 0,50 |
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