Tereza Rodrigues
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Mariana de Jesus optou por não recorrer à Justiça quando foi discriminada em uma loja de roupas na frente de vários outros clientes
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Chegar em uma loja e se sentir discriminado ou mal atendido pelo vendedor é uma situação embaraçosa, mas bastante comum. Pesquisa realizada pela Fundação Procon-SP, divulgada no dia 12, revela que 40% dos entrevistados já sofreram algum tipo de discriminação nas relações de consumo. Para a maioria destes, 80%, o constrangimento ocorreu de forma sutil e camuflada. O levantamento foi feito pelo site da instituição e, no mês em que a Consciência Negra é celebrada em todo o território nacional, mostrou o quanto o descaso é corriqueiro no dia a dia de brasileiros negros. O grupo é maioria entre as pessoas que afirmaram ter sofrido atitude discriminatória no comércio (86,52%).
Um dos dados trazidos pelo estudo que mais chamou a atenção de órgãos de defesa do consumidor, no entanto, é que a maior parcela da população que já vivenciou o problema, 62%, não tomou nenhuma atitude, seja por achar que não valia a pena, por falta de tempo, ou ainda, por não saber a quem recorrer.
Mas, de acordo com o vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Bruno Burgarelli, ao constranger o cliente, o fornecedor incide em prática abusiva, o que pode motivar a busca por direitos, como indenização por danos morais ou materiais. “A denúncia é importante também porque pode evitar que a prática seja reiterada. Grande parte dos vendedores que atendem mal uma pessoa que aparentemente não vai comprar muito – e assim não geraria uma boa comissão – faz isso com frequência. Se houver várias reclamações nesse sentido, um órgão fiscalizador pode autuar o estabelecimento”, explica.
É fato que a linha que separa o mau atendimento do preconceito é bastante tênue. Além disso, não é fácil reunir provas que comprovem o problema. Se não há gravação, é preciso contar com testemunhas, e os próprios funcionários de uma loja, por exemplo, dificilmente deporiam contra um colega de trabalho. No entanto, segundo o coordenador do Juizado Especial Cível das Relações de Consumo de Belo Horizonte, Vicente de Oliveira, mesmo que as estatísticas não sejam numerosas, as reclamações sobre discriminação no comércio são muitas e tendem a aumentar na época do Natal, com contratações de temporários. “Há casos em que é mais um despreparo de vendedores sem experiência, mas, se for caracterizado o preconceito, o consumidor deve procurar órgãos de defesa ou mesmo uma delegacia. A repercussão poderá ir para a área cível ou criminal, culminando em penas que vão de indenização à prisão”, disse.
Mesmo sabendo que seria fácil vencer a causa, Mariana Jaqueline de Jesus não recorreu à justiça quando foi discriminada em uma loja de roupas na frente de vários outros clientes. “Acho que por causa da minha cor, a vendedora achava que eu não tinha dinheiro. Quando eu perguntei o preço de uma peça ela só falou que era muito caro para mim. Depois, chegou uma cliente loira, mais bem aparentada, e ela me deixou falando sozinha.” Mariana contou que saiu da loja chorando, mas preferiu não requerer seus direitos porque, na verdade, ela é recorrentemente discriminada em lojas de roupas, sapatos e shopping centers – justamente os ramos de estabelecimentos apontados como campeões de reclamações por preconceito na pesquisa do Procon-SP.
Quando a compra envolve grandes valores, a discriminação costuma ocorrer simplesmente por causa do modo de se vestir ou da postura do interessado. A chefe de cozinha Aparecida Filomena Lima conta que depois de ter o carro roubado, há alguns anos, ela foi a uma concessionária comprar uma caminhonete à vista. “O vendedor achou que eu estava mentindo e simplesmente parou de me atender”, disse. Ela então foi embora e depois ligou para o dono da loja, que pediu desculpas e ofereceu um bom desconto que, aliás, deve ter sido o correspondente ao que o vendedor ganharia se não tivesse cometido o erro de préjulgar seu poder de compra.