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O mercado de cartões de pagamento, que movimentou mais de R$ 375 bilhões só no ano passado, pode estar prestes a mudar. O Banco Central e os ministérios da Fazenda e da Justiça estudam uma nova regulamentação do mercado com o objetivo principal de aumentar a concorrência do setor, hoje praticamente dominado por duas empresas.
As lojas, no entanto, pagam às administradoras de cartões uma taxa que pode chegar a 5% do valor da compra, o que torna as vendas no cartão menos rentáveis.
A idéia por trás da potencial mudança é que a possibilidade de cobrar preços diferenciados pode gerar benefícios para o consumidor que utiliza dinheiro ou cheque, que não terá que “dividir” com os usuários de cartões as taxas pagas às administradoras.
As entidades de defesa do consumidor, no entanto, são contrárias à cobrança diferenciada. “A gente entende que não deve ter diferenciação alguma pra quem paga em dinheiro e cartão de crédito. Todos os pagamentos são à vista”, diz Renata Reis, técnica da Fundação Procon de São Paulo. No Distrito Federal, no entanto, uma decisão judicial já permite essa diferenciação.
“Essa questão da diferenciação fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC)”, aponta Ione Amorim, economista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
“O meio de pagamento não altera a característica da venda. Quando você usa o cartão, é um pagamento à vista, e não parcelado. O cartão é uma forma de pagamento que o lojista oferece para aumentar as condições de venda de seus produtos. E é favorável para ele, porque ele não responde pela inadimplência. Criar uma diferenciação não vai fazer com que baixe o preço”, explica.
O próprio varejo tem dúvidas sobre a vantagem da mudança. “Acho que afetaria muito o uso do cartão você saber que, para usá-lo, vai ter que pagar uma taxa ao lojista, além da taxa anual que já paga para o cartão. Não sei se isso é benéfico”, diz Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). “Você mudaria os termos da relação do consumidor com a empresa do cartão”, completa ele.
Empresas de cartões
A indústria de cartões se diz indiferente à mudança. “Essa é uma questão que afeta os órgãos de defesa do consumidor, que historicamente é contra. Para a indústria, nós não temos nenhum posicionamento, favorável nem desfavorável”, diz Roberto Medeiros, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Cartões e Serviços (Abecs).
Apesar da oposição, a regra atual pode ser alterada mesmo antes da conclusão dos estudos do governo. A mudança entrou “de carona” na Medida Provisória 460, que trata de alterações na cobrança de impostos do setor da construção, no âmbito do programa de habitação “Minha Casa, Minha Vida”. A MP já foi aprovada pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados.
Concorrência
Em estudo sobre o mercado de cartões de pagamento divulgado em março deste ano, o Banco Central destaca a necessidade de se aumentar a concorrência do setor, dominado pela Redecard e pela Visanet, o que poderia resultar em ganhos para os consumidores.
Uma das maiores dificuldades para quebrar esse quase duopólio são as redes de máquinas de leitura dos cartões. Isso porque hoje cada bandeira opera apenas em máquinas da própria rede – dessa forma, a entrada de uma nova operadora exigiria mais uma leitora em cada loja ou prestador de serviço.
Além do investimento que isso exigiria da empresa de cartões, o varejo também teria seus gastos aumentados, uma vez que as máquinas são alugadas, a um custo que pode chegar a R$ 120 mensais.
“Você ter duas máquinas significa você pagar dois aluguéis, e também linha telefônica. Se você tem vários caixas, multiplica tudo por dois. Então hoje realmente você criar um cartão de crédito e montar uma nova rede é quase impossível”, diz Solimeo, da ACSP.
Para o Idec, a unificação das máquinas pode beneficiar o consumidor. “A unificação tende a reduzir custo. Isso é favorável para o comércio e para o consumidor”, diz Ione.
A própria Abecs apóia a integração das redes. Segundo Medeiros, a entidade propôs o fim da exclusividade das máquinas.
“O que a gente está propondo é que não se tenha mais exclusividade da bandeira com os adquirentes (empresas que credenciam os estabelecimentos e fornecem os equipamentos). No final o estabelecimento vai decidir com qual adquirente quer trabalhar, e a máquina vai atender todas as bandeiras”, diz ele.
O diretor da Abecs lembra, no entanto, que hoje grande parte dos estabelecimentos já têm máquinas que operam as diversas redes – nesses casos, elas não são alugadas, mas compradas pelas varejistas, que são responsáveis por sua manutenção.
Lojistas reclamam
Do lado dos lojistas, as maiores protestos são quanto às taxas cobradas sobre as operações feitas com cartão de crédito (de 3% a 5%) e do tempo decorrido entre o pagamento feito pelo cliente e o recebimento do dinheiro pelas operadoras de cartões, hoje entre 30 e 40 dias, bastante superior ao vigente na Europa e nos Estados Unidos.
“O que queremos é a redução de custo, que é o que interessa para o varejo”, diz Fabio Pina, economista da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio).
“Precisa ver quanto que ocorreria de redução. Mas o fato é que vai reduzir o custo do varejo e abrir possibilidade de oferecer condições melhores para o consumidor”.
Ione, do Idec, também vê nas possíveis mudanças a chance de melhora nas condições para o consumidor. “Se o lojista tiver melhor condição de receber, não vai ter essa necessidade de repassar custo para o consumidor”, diz.
Para a Abecs, no entanto, o formato brasileiro da indústria de cartões é mais benéfico ao consumidor. “Tudo na vida tem explicação. No Brasil é assim porque o portador do cartão paga sua conta também em 30 dias, sem nenhuma incidência de juros. Então o estabelecimento também é pago 30 dias depois”, diz ele.
“Nos Estados Unidos, também não tem uma outra facilidade que tem no Brasil, que é o parcelamento sem juros. Lá, você vai pagar juros desde a data em que você fez a compra. É um modelo diferente. Aqui é um modelo que tem mais vantagem para o portador do cartão”, defende Medeiros.