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Desacolhimento institucional de menor deve ser premente


Autoria:

Carlos Eduardo Rios Do Amaral


MEMBRO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

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Resumo:

Desacolhimento institucional de menor deve ser premente

Texto enviado ao JurisWay em 06/04/2016.



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Desacolhimento institucional de menor deve ser premente

 

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

 

O Art. 101, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o acolhimento institucional, o conhecido abrigamento, como medida de proteção a ser imposta pelo juiz nos casos de ameaça ou violação dos direitos de menores.

 

O próprio ECA reputa o acolhimento institucional como um mal na vida do menor, cercando este instituto de diversas diretivas e preceitos legais expressos que nocauteiam a sua prolongada subsistência jurídica no processo e, principalmente, na vida da criança ou do adolescente.

 

A começar pelo Art. 99 do ECA que sinaliza que as medidas de proteção poderão ser substituídas a qualquer momento. Ou seja, o juiz deverá substituir o acolhimento institucional por outra medida menos dramática na vida do menor, de modo que lhe provoque um menor dano.

 

O Art. 100 do ECA, por si só, debela o acolhimento institucional quando determina ao juiz que leve em conta as medidas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares do menor. E, é evidente, não existe fortalecimento de vínculos familiares de sangue quando restringido o direito de ir e vir do menor, quando determinado que sua família esteja obrigatoriamente alijada de sua vida.

 

O § Único, I, do Art. 100 do ECA prevê que toda e qualquer medida de proteção leve em consideração a condição da criança e do adolescente como sujeitos titulares de direitos previstos nas leis e na Constituição Federal. O direito à convivência familiar e comunitária, fora dos muros de um abrigo, é garantia fundamental de assento constitucional, previsto no Art. 227, caput, da Carta da República, sob o pálio do super-princípio da absoluta prioridade.

 

Crianças e adolescentes não são meros objetos da avaliação judicial ou do Conselho Tutelar, nem reféns de frios e reservados laudos psicossociais. Todos eles possuem o direito de ter os genitores e seus familiares em suas vidas. O respeito à titularidade do direito à família atende ao princípio do superior interesse da criança.

 

O § Único, X, do Art. 100 do ECA também prescreve que toda medida de proteção deverá ater-se à prevalência da família. Devendo ser dada prioridade à medida que mantenha ou reintegre o menor à sua família natural ou extensa. Perceba-se aí a aversão e ojeriza da legislação infanto-juvenil ao acolhimento institucional.

 

Os pais, o guardião ou outro responsável têm o sagrado direito de serem ouvidos pelo juiz e, ainda, de participar dos atos e da definição da melhor medida de promoção dos direitos e de proteção da criança. Certamente, a privação da convivência familiar através do acolhimento institucional será uma intrusa a ser repudiada por todos, não podendo ser jamais o propósito da intervenção judicial.

 

O ECA qualifica o acolhimento institucional como medida provisória e excepcional, antevendo-o como forma de transição para a reintegração familiar do menor (Art. 101, § 1º, do ECA).

 

Não se pode perder de vista aqui a lúcida doutrina de NUCCI (ECA, 2015, págs. 330/331) quando leciona que “retirar a criança ou adolescente de sua família natural ou extensa, colocando-a num abrigo ou numa família estranha, é a mais drástica medida tomada pelo Estado para solucionar o drama vivido por esses menores em situação de perigo. (...) Juízes e promotores devem se conscientizar que um único dia no abrigo é um elevado custo para a infância e juventude”.  

 

Destarte, nenhum acolhimento institucional poderá gozar de contornos asilares, de definitividade ou de primazia na vida da criança e do adolescente. É expediente judicial que já nasce com seus dias contados, a bem da reintegração e da convivência familiar do menor.

 

Todas as crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pelo juiz, na qual obrigatoriamente conste os nomes dos parentes e familiares interessados em tê-los sob sua guarda.

 

A Guia de Acolhimento representa a formalização do acolhimento do menor, de modo que a Vara da Infância encaminhe o caso a uma solução. A Guia deve captar os dados da família natural ou extensa interessados em ficar com o menor.

 

Guia de Acolhimento institucional sem os nomes, qualificações completas e dados dos parentes e familiares interessados em ter o menor sob a sua guarda, é nula de pleno direito. O que contamina toda a medida de acolhimento institucional, nos termos do Art. 101, §3º, III, do ECA, juntamente com todos os atos processuais ulteriores.

 

Regra geral, sempre haverá um familiar ou parente interessado na guarda do menor, a preterir a manutenção do acolhimento institucional. Ignorar essa preponderância dificulta e retarda o encerramento deste paliativo legal de exceção.

 

Também será cominada a pecha de nulidade da Guia de Acolhimento e, assim, da própria medida de proteção de acolhimento institucional se o juiz não declinar expressamente as suas razões da não reintegração imediata do menor ao convívio familiar (Art. 101, §3º, IV, do ECA). Não podendo o juiz, como em toda e qualquer decisão, se valer de conceitos e expressões abstratas e genéricas para fundamentar sua decisão extrema.

 

Imediatamente após o acolhimento institucional da criança ou do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar, o abrigo, elaborará um plano individual de atendimento (PIA), visando à reintegração familiar do menor. É o que determina o §4º, do Art. 101, do ECA.

 

A meta primária do PIA é promover a reintegração familiar do menor (NUCCI, pág. 333), afastando o caráter de definitividade do abrigamento.

 

A ausência do PIA, ou PIA que não contemple a reintegração familiar, viola o disposto no ECA e os princípios que regem a sua aplicação. Sua nulidade é absoluta de pleno direito, inquestionável, tornando o acolhimento institucional verdadeira afronta e violação à garantia fundamental do menor à convivência familiar (natural ou extensa).

 

Insiste o ECA, no §5º seguinte, estabelecendo que o PIA será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento e levará em consideração a oitiva dos pais ou do responsável pelo menor.    

 

A não oitiva dos pais ou do responsável pelo menor pela equipe técnica do abrigo na elaboração do PIA é causa de vício desse instrumento de reintegração familiar.

 

E o ECA vai além, deverá o PIA contemplar os compromissos assumidos pelos pais ou responsável e a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista à reintegração familiar (Art. 101, § 6º, do ECA).

 

Por meio de entrevistas e conversas informais, extrai-se o compromisso assumido pelo pai e pela mãe (ou responsável) para rever seu modo de agir e entrelaçar-se de maneira correta com o filho (NUCCI, pág. 336).

 

O acolhimento institucional de todo menor deverá ocorrer no local mais próximo da residência de seus pais ou do responsável, para facilitar e estimular o contato com a criança ou com o adolescente acolhido, visando o fortalecimento dos vínculos familiares.

 

Extrai-se daí que um dos fatores da reintegração familiar do menor concentra-se na viabilidade de se estimular as visitas dos pais aos filhos.

 

A estimulação do contato com a família talvez seja o maior e mais decisivo elemento do desejado processo de desacolhimento pronto e imediato do menor (Art. 101, § 7º). Aí reside essencialmente o direito de visitação da família ao menor no abrigo aonde se encontra. Vedar a visitação dos familiares, ou dificultá-la, vai de encontro aos princípios que regem os objetivos de toda e qualquer medida de proteção, notadamente o direito à convivência familiar.

 

Durante a execução da medida de acolhimento institucional a família do menor deverá ser encaminhada pelo juiz a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, devendo obrigatoriamente ser elaborado relatório judicial no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas pelo juiz em sua tentativa de promoção da reintegração familiar do menor (Art. 101, § 9º).

 

Destaca-se neste ponto a importância das políticas públicas sociais que devem ser desenvolvidas por União, Estados e Municípios para a reestruturação das famílias, principalmente das famílias carentes. O conhecido drama do crack e de outras drogas em geral, o alcoolismo e a fome destroem com velocidade famílias inteiras, comunidades vêm se tornando reféns de traficantes armados até os dentes.

 

O Ministério Público não poderá ajuizar ação de destituição do poder familiar sem esse relatório judicial, que deverá ainda ser subscrito também por técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, conforme o Art. 101, § 9º, citado.

 

É importante observar que a lei não se refere ao corpo técnico da Vara da Infância (NUCCI, pág. 340).  

 

Sem o relatório judicial fundamentado, no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, para a destituição do poder familiar, o processo ajuizado pelo Ministério Público deverá ser extinto por falta de interesse de agir.

 

A ação de destituição do poder familiar e com muito maior razão a colocação da criança em família substituta não podem decorrer da falha ou ausência de políticas públicas municipais de garantia do direito à convivência familiar.

 

Como fiscal da lei, o Ministério Público deverá zelar pela fiel observância do Art. 101, § 9º. Toda família de menor abrigado deverá ser encaminhada pelo juiz a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, confeccionando-se relatório judicial com a participação dos agentes municipais responsáveis envolvidos com a execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.

 

Caberá ao juiz manter em sua Comarca um cadastro contendo informações atualizadas sobre as crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional sob sua responsabilidade, com informações pormenorizadas sobre a situação jurídica de cada um, bem como as providências tomadas para sua reintegração familiar (Art. 101, § 11).

 

O Art. 19, § 3º, do ECA sentencia que a manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência. A família biológica tem preferência sobre o abrigamento e a família substituta.

 

Até mesmo se a mãe ou o pai estiver privado da liberdade deverá a entidade responsável pelo acolhimento institucional do menor promover a reaproximação familiar, por meio de visitas periódicas, independentemente de autorização judicial.

 

Como se vê, a legislação brasileira torna o instituto da adoção praticamente impraticável, senão impossível, nos casos de acolhimento institucional decorrente de ameaça ou violação dos direitos de menores. Pois a opção legal do ECA pela reintegração familiar a torna imbatível frente a possibilidade secundária da colocação em família substituta.

 

Sempre haverá algum familiar habilitado a promover o desacolhimento institucional e a guarda do menor. É o que nos revela a prática do dia-a-dia forense. Geralmente são as avós, tias e irmãos que mais comparecem à Justiça clamando pela reintegração familiar do menor. Muitas vezes não poupando esses genitores de severas críticas.

 

Quanto ao instituto da adoção, com a colocação do menor em família substituta, suas chances ficam praticamente reservadas aos poucos e raros casos de entrega consciente pela genitora. E ainda assim condicionada ao não aparecimento de nenhum familiar exigindo a guarda da criança.

 

____________  

 

Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo

 

 

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