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OS OFENDÍCULOS E SUA NATUREZA JURÍDICA


Autoria:

Artur Livônio Tavares De Sampaio


Advogado, graduado pela Universidade Estácio de Sá (campus: Recife). Mestrando pela UNISULLIVAN. Título de CIVILISTA (2012-2013) e de FAMILIARISTA (2010-2011) conferidos pela URCA/Crato. E de PENALISTA (2008-2009) pela ESMAPE/Recife. Advogando desde 09 de março de 2009, em escritório próprio, no Centro de Juazeiro do Norte-CE, em ramos variados como: Trabalhista; Cível; de Família; do Consumidor; e Previdenciário. Com destaque para: Cível em geral e Trabalho. Faço minhas as palavras do grande: "Sou um civilista com incursões notórias na área do Direito do Trabalho." (Orlando Gomes)

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Resumo:

Artigo que traz o conceito de "ofendículo", dando a origem do termo e fazendo o enquadramento jurídico. Explicitando a polêmica, se é caso de "Exercício Regular de Direito" (art. 23, III, do CP) ou de "Legítima Defesa" (art. 25 do CP).

Texto enviado ao JurisWay em 18/12/2012.

Última edição/atualização em 19/12/2012.



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 INTRODUÇÃO: UMA LESÃO LEGÍTIMA CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA DO INVASOR 

Ofendículos (ou ofendículas, offendicula, offensacula, offendiculum) são obstáculos, colocados pelo proprietário, que impedem a penetração de alguém numa propriedade. Dessa forma eles dificultam que uma pessoa invada um domicílio, bem jurídico protegido pelo art. 150 do CP. Nas palavras de Fernando Capez: 

 

São aparatos facilmente perceptíveis destinados à defesa da propriedade e de qualquer outro bem jurídico. Exemplo: cacos de vidro ou pontas de lança em muros e portões, telas elétricas, cães bravios. Como trata-se de dispositivos que podem ser visualizados sem dificuldade, passam a constituir exercício regular do direito de defesa da propriedade, já que a lei permite até mesmo o desforço físico para a preservação da posse (novo CC, § 1º do art. 1.210). Há quem os classifique como legítima defesa preordenada, uma vez que, embora preparados com antecedência, só atuam no momento da agressão (nesse sentido: Damásio E. de Jesus, Direito penal, 23. ed., São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 395). De uma forma ou de outra, em regra, os ofendículos constituem causa de exclusão de ilicitude. (CAPEZ, 2003, p. 264) 

 

            Depois de definir o que seria ofendículo faz-se necessário mostrar o que será abordado ao longo desta obra.

            No primeiro capítulo será exposto o conceito de legítima defesa e todos os pontos relevantes desta excludente. Servindo de base para fundamentar, em capítulo posterior, a preferência do exercício regular de direito em face da legítima defesa.

            Já no segundo capítulo é demonstrado o que significa exercício regular de direito e os aspectos pertinentes para o tema em questão.

  

O exercício de uma faculdade juridicamente reconhecida (exercício regular do direito) sempre foi tido como excludente da punição. Em Roma dizia-se que quem executa seu direito não ofende ninguém. O Direito Canônico não tinha uma disposição expressa sobre o tema, embora a excludente fosse reconhecida caso a caso. (FÜHRER, 2007, p. 69) 

 

            Por fim, na conclusão, defende-se que a natureza jurídica dos ofendículos é exercício regular de direito e não legítima defesa. Mas é certo que há grande polêmica doutrinária.

            Será feita uma vasta pesquisa em vários livros sobre o tema, o que possibilitará a feitura desta obra.

 

1. OS OFENDÍCULOS COMO LEGÍTIMA DEFESA E OS ELEMENTOS QUE CONFIGURAM A LEGÍTIMA DEFESA 

            Trata-se de uma excludente de ilicitude prevista no código penal, para que as pessoas possam repelir agressões injustas sem serem responsabilizadas por crime. Vale salientar que para que o ato de repelir uma agressão seja considerado legítimo, tem que se adequar a todos os elementos que definem a legítima defesa.  

 

A ordem jurídica exige respeito ao direito de outrem. Se este não fosse protegido, seria impossível a coexistência social. É mister respeitarmos o direito do próximo para que o nosso respeitado também seja. Ora, a legítima defesa, como o próprio nome está dizendo, é tutela do direito próprio ao de terceiro, e, portanto integra-se na ordem jurídica; conseqüentemente é um direito. (NORONHA, 1999, p. 196) 

 

            Pode-se extrair seis elementos (para quem inclui o elemento subjetivo) do conceito de legítima defesa dado pelo art. 25 do CP e pela doutrina. Esses elementos são: agressão injusta; atual ou iminente; a direito próprio ou de terceiro; repulsa com meios necessários; uso moderado de tais meios; conhecimento da situação justificante. Faltando um desses elementos a legítima defesa não é configurada. Por isso que a correta compreensão desses requisitos é tão importante.

            Somente o ser humano é capaz de agredir. Logo quem é atacado por um animal irracional não está sendo vítima de uma agressão, por não tratar-se de um ser humano. Quem mata um animal pra preservar a própria vida, está acobertado pelo estado de necessidade, por está num estado de perigo.

            Porém se esse animal estiver protegendo uma propriedade que está sendo invadida, a coisa muda de figura. Pois cães bravios usados para defesa da posse é algo permitido pelo Direito, estando o dono dos cães no exercício regular do seu Direito. E os invasores não poderiam alegar estarem em estado de necessidade, já que a agressão deles seria injusta. É injusta toda atitude que viola os preceitos legais, não sendo autorizado pelo Direito, nesse caso, a invasão do imóvel. Vale ainda evidenciar, que o uso de animais para proteger um bem é um exemplo de ofendículo.

            A agressão, que alguém repele na legítima defesa, tem que ser atual ou iminente. Atual é quando está acontecendo no momento e iminente o que está em vias de acontecer. Portanto não se admite a agressão passada nem a futura, observando a própria previsão legal. Por isso que quem coloca cacos de vidro em cima de um muro está em exercício regular de direito e não em legítima defesa. O uso de pregos, vidros ou qualquer coisa que dificulte a entrada de alguém indesejado, refere-se a um ofendículo. Quem faz isso está se protegendo de uma agressão futura, agressão essa que pode nem mesmo acontecer. E agressão futura não é iminente em atual. Conclui-se, dessa forma, que os ofendículos são um exercício regular de direito. “Se a agressão é futura, inexiste legítima defesa. Não pode, portanto, argüir a excludente aquele que mata a vítima porque esta ameaçou-lhe de morte (mal futuro).” (CAPEZ, 2003, p. 255)

            O direito que se refere na legítima defesa é o direito próprio ou de terceiro. O direito próprio é o direito de si mesmo. E o direito de terceiro é o direito de outrem. No Código Penal não diz quais direitos podem ser defendidos por essa excludente. Por isso entende-se que qualquer direito pode ser defendido, como a propriedade, a honra, a vida, etc. A defesa da propriedade por meio da legítima defesa é a feita com o próprio desforço físico. A feita por ofendículos é exercício regular de direito. Com o desforço físico o ser humano age no momento de uma agressão atual. Já no momento em que alguém se fere nos pregos colocados num muro, o dono da propriedade não está mais agindo. O proprietário só agiu no momento que pregou os pregos, sendo a agressão ainda futura.

            Para se repelir uma agressão injusta, tem que se valer de meios necessários e do uso moderado de tais meios. Meios necessários se refere a escolha do meio menos lesivo. E moderado se refere a utilizar o meio escolhido sem cometer excesso no momento de repelir agressão. Vale salientar que apesar da escolha ser pelo meio menos lesivo, esse meio tem que ser capaz de repelir por completo a agressão. E não há moderação, por exemplo, em quem mata alguém que lhe ofendeu apenas verbalmente.

            Caso aconteça de outra pessoa ser atingida, estranha ao evento da agressão, será aplicado o instituto jurídico do Erro de Execução. “Pode, na repulsa legítima, o defendente atingir outra pessoa (aberratio ictus). O fato, consoante a regra do art. 20, § 3.º, deve ser considerado como se praticado fora contra o agressor.” (NORONHA, 1999, p. 198)

            Um elemento subjetivo presente na legítima defesa é o conhecimento da situação justificante. O sujeito tem que saber que estar agindo em legítima defesa. Ou, pelo menos, pensar que está mesmo não estando, caso este de legítima defesa putativa. Não precisa entender de Direito pra poder agir protegido por essa excludente. Se fosse assim, só os operadores do Direito estariam beneficiados por essa justificativa. O que se exige aqui é a vontade de frear uma agressão injusta. Porém Magalhães Noronha se posiciona contrário a existência desse elemento subjetivo: 

 

É causa objetiva excludente da antijuridicidade. “Objetiva” porque se reduz à apreciação “do fato”, qualquer que seja o estado subjetivo do agente, qualquer que seja sua convicção. Ainda que pense estar praticando um crime, se a “situação de fato” for de legítima defesa, esta não desaparecerá. O que está no psiquismo do agente não pode mudar o que se encontra na realidade do acontecido. A convicção errônea de praticar um delito não impede, fatal e necessariamente, a tutela de fato de um direito. É, portanto, a legítima defesa “causa objetiva” de exclusão de antijuridicidade. São seus requisitos: a) agressão atual ou iminente e injusta; b) direito próprio ou alheio a ser preservado; c) moderação no emprego de meios necessários a repulsa. (NORONHA, 1999, p. 196) 

 

            Ninguém é obrigado a se acovardar estando em situação de legítima defesa, pois segundo essa excludente, pode repelir de agressão fazendo uso de outra agressão.  

2. OS OFENDÍCULOS COMO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

 

            Quando a lei permite determinada conduta, não se pode entendê-la como criminosa. Trata-se de excludente de ilicitude (ou antijuridicidade) prevista no art. 23, III, segunda parte, do CP. Quando alguém age no exercício regular de direito, não há crime. Afinal não pode ser considerado como crime, uma conduta permitida pelo Direito. Essa permissão dada pelo Direito pode vir de uma Lei extra-penal, como do Código Civil, por exemplo. “O que é permitido pelo ordenamento jurídico não pode ser proibido pelo Direito Penal, ainda que esta conduta realize um tipo de delito.” (BRANDÃO, 2003, p. 125)

Diversos casos se enquadram nessa excludente, como: na intervenção cirúrgica, na violência esportiva, etc. Porém, para que essa conduta seja considerada permitida, tem que antes terem sido respeitadas as regras da atividade. Já que a inobservância dessas regras faria a excludente cair, havendo assim o excesso do art. 23, parágrafo único, do CP. 

No caso da violência esportiva, uma que vem rapidamente na mente das pessoas é o boxe. O boxe é considerado um esporte e tem o seu regulamento, dizendo o que pode ou o que não pode ser feito durante a luta. O murro desferido contra o adversário, que é nocauteado e vem a sangrar o supercílio é considerado exercício regular de direito. Porém, caso não estivesse durante um jogo, o murro poderia ser considerado o crime de lesão corporal do art. 129 do CP.

Outro caso seria o de um médico que abre a barriga de uma mulher, na realização de um parto. Ou ainda, uma enfermeira que aplica uma injeção no paciente que está sendo vacinado. Nesses casos não estariam cometendo o crime de lesão corporal, já que há observância das normas de atividades regulamentadas. Pois todos sabem que a arte médica e a de enfermagem, são permitidas por Lei. 

 

Do mesmo modo que o exercício da medicina, as eventuais lesões provocadas por esportes, dentro dos limites de suas regras, o direito de correção dos pais em relação aos filhos, dentre outros, são acobertados pelo exercício regular de um direito. O exercício regular de um direito difere do estrito cumprimento do dever legal porque neste último existe a obrigação de prestar a conduta, enquanto no primeiro existe a faculdade de exerce-la. (BRANDÃO, 2003, p. 126)

 

 

Ponto de relevante discussão na doutrina é quanto a natureza jurídica dos ofendículos. Uns consideram como sendo um exercício regular de direito e outros defendem ser legítima defesa. Somos favoráveis a parte da doutrina que diz ser exercício regular de direito. Tendo em vista que a colocação de obstáculos para proteção de um bem é algo que o Direito autoriza. Mas para que o exercício regular de direito seja realmente caracterizado, a colocação de aparatos tem que respeitar as leis que tratam sobre esse assunto.

Por exemplo, não é em qualquer muro que é permitido a colocação de pregos ou vidros. O muro tem que ter uma altura mínima permitida por Lei, evitando assim que pessoas inocentes venham a se ferir. E também a Lei determina que a quantidade de energia que passa numa cerca elétrica tem que causar apenas lesões corporais num possível invasor, sem que seja quantidade de energia capaz de causar a morte. Inclusive nos muros onde forem instaladas cercas elétricas, têm que serem colocadas placas que avisem ser cerca que contem energia. Caso um larápio venha a morrer em virtude de uma energia de alta tensão que passa pela cerca elétrica no momento em que ele tentava invadir a propriedade, o dono da propriedade responderia por homicídio culposo (art. 121, § 3º do CP). Nesse caso o exercício regular de direito foi afastado pelo cometimento do excesso, já que passava pela cerca quantidade de energia não permitida pela norma.

 

Quem eletrifica a porta de sua casa, que dá para a calçada da rua, age com culpa manifesta, senão com dolo, pois qualquer transeunte pode tocar ou encostar nela. Entretanto, quem assim fizer com a porta de uma casa rodeada de jardins e quintais e cercada de altos gradis e muros, de modo que é necessário a escalada, à noite, para tocar naquela, não age com culpa stricto sensu. De observar ainda que na predisposição de meios deve haver também moderação – outro requisito da justificativa. Pode se proteger o patrimônio, v. g., com uma corrente elétrica, não é preciso que seja fulminante: uma descarga forte dissuadirá o mais animoso amigo do alheio. (NORONHA, 1999, 197) 

 

Entretanto se um indivíduo colocar na sua casa obstáculos que dificultem a entrada indesejada de alguém, seguindo todas as normas que regulam o dispositivo, não incorrerá em crime em virtude da excludente do exercício regular de direito. Não importa se quem foi ferido foi um louco, uma criança ou um bandido. Pois quem age de acordo com a Lei não pode ser depois punido por agir de acordo com a própria Lei. Um inocente ser ferido é algo que causa piedade, mas o proprietário não poderá ser punido por isso, já que agiu seguindo os passos do próprio Direito.

 

3. DISTINÇÃO ENTRE INSTALAÇÃO E ATUAÇÃO DO OFENDÍCULO

 

            Instalação é o momento que o ofendículo é colocado no local. Por exemplo, é quando os grampos (ou cacos de vidros; ou lança; ou cerca elétrica) estão sendo pregados em cima do muro. Já a atuação do ofendículo se refere ao instante da invasão. Ou seja, é quando os grampos furão o invasor, ou quando cães bravios mordem o intruso, ou, ainda, quando uma cerca elétrica dá choque em quem tentou pular o muro de uma residência.

 

4. MODERAÇÃO NA UTILIZAÇÃO DE OFENDÍCULOS

 

            A moderação se refere a respeitar os limites, a não agir além do permitido. As excludentes de antijuridicidade autorizam determinadas condutas, desde que os limites das excludentes sejam respeitados.

            Quando alguém se conduz sem moderação é porque está agindo demais, ou seja, faz surgir o que se chama de excesso. O excesso tem como conseqüência eliminar a causa que a princípio excluiria a ilicitude.

            Existem vários exemplos práticos que podem ser citados para ilustrar o excesso. Digamos que uma cerca elétrica é instalada com energia que em vez de dificultar a entrada, numa propriedade, faz é causar a morte do invasor. Nesse caso, houve o excesso na instalação desse ofendículo. Outro caso de excesso, dentre muitos outros, seria colocar uma arma predisposta a atirar no caso de invasão (o gatilho da arma amarrado a porta).

            O excesso não é permitido, porque além de por em risco um inocente ainda extrapola os meios de defesa de uma propriedade. Digamos que o filho do dono da casa (que tem uma arma de fogo pré-disposta) chegue e seja morto ao abrir a porta, nesse caso ele não era invasor e, mesmo assim, foi morto. E, mesmo que fosse um invasor, a defesa de uma propriedade não vale mais que sua vida.

            Em Direito, quando há conflito entre dois bens jurídicos esse conflito é solucionado por meio da ponderação. Se houver conflito entre o direito à propriedade e o direito à vida prevalecerá o direito à vida. Afinal, a vida é mais importante que a propriedade. O art. 5º, caput, da Constituição Federal prevê, vale evidenciar, à vida e à propriedade como direitos invioláveis, por isso que poderá, em um caso prático, surgir conflito entre eles. Mas, a solução, como já foi dita, será obtida por meio da ponderação. Ponderar é colocar cada direito em uma balança e analisar qual deve prevalecer, verificando os pros e contras.

            Para ter moderação algumas regras têm que ser seguidas, como a altura do muro em que se pretende colocar grampos em cima. A lei determina a altura mínima do muro, para evitar que um inocente seja atingido. Portanto, tem que ser respeitada a altura legal. 

 

5. CONCLUSÃO: AGRESSÃO FUTURA NÃO É AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE, LOGO OFENDÍCULO SÓ PODE SER EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

 

            Há grande discussão sobre qual seria a natureza jurídica dos ofendículos. Uns defendem tratar-se de exercício regular de direito, já outros sustentam ser legítima defesa. Mas todos concordam que os ofendículos são motivo de exclusão de antijuridicidade. Afinal tanto a legítima defesa quanto o exercício regular de direito são excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do CP.

            Para os que advogam que os ofendículos são legítima defesa observa apenas o instante em que o obstáculo entra em ação, não considerando o momento em que ele foi instalado. Esse instante que ele entra em ação é exatamente quando alguém tenta invadir uma propriedade e leva um choque elétrico numa cerca, por exemplo. Costumam chamar até de legítima defesa preordenada quando alguém age pensando em se proteger de agressão futura. Em parte estão certo, já que quem coloca um obstáculo é com o intuito de repelir agressão injusta, que é um elemento da legítima defesa. Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci: 

 

Legítima defesa preordenada, voltando-se os olhos para o instante de funcionamento do obstáculo, que ocorre quando o infrator busca lesionar algum interesse ou bem jurídico protegido. Posicionamo-nos nesse sentido, como o fazem Hungria (Comentários ao Código Penal, v. I, t. II, p. 293), Noronha (Direito penal. parte geral, p. 197), Assis Toledo (Princípios básicos de direito penal, p. 206), Frederico Marques (Tratado de direito penal, v. II, p. 151), Flávio Augusto Monteiro de Barros (Direito penal – parte geral, p. 307). O aparelho ou animal é colocado em uma determinada propriedade para funcionar no momento em que esse local é invadido contra a vontade do morador, portanto serve como defesa necessária contra injusta agressão. (NUCCI, 2006, p. 252) 

 

            Entretanto a quem entenda que os ofendículos são exercício regular de direito, argumentando que o dono faz o que bem entender com sua propriedade, desde que seja feito algo que a lei permite. Para os que seguem esse posicionamento, olham apenas para o momento em que os ofendículos foram colocados e não quando eles entrarão em ação futuramente.  

 

Exercício regular de direito, sob a ótica de que os obstáculos instalados na propriedade constituem o uso legítimo de um direito. Enfoca-se, com isso, o momento de instalação do ofendículo e não de seu funcionamento, que é sempre futuro. Aliás, como alerta Marcello Jardim Linhares, quando a armadilha entra em ação, não mais está funcionando o homem, motivo pelo qual não se pode admitir esteja ocorrendo uma situação de legítima defesa, mas sim de exercício de direito. E mesmo quando atinja um inocente, como uma criança que se fira em pontas de lança de um muro, atua o exercício de direito, pois não se pode considerar uma reação contra quem não está agredindo (Estrito cumprimento de dever legal . Exercício regular de direito, p.256-257). Assim: Bento de Faria (Código Penal brasileiro comentado, v. 2, p. 217), Aníbal Bruno (Direito penal, t. 2, p.9) Mirabete (Manual de direito penal, v.I, p. 187), Jair Leonardo Lopes (Curso de direito penal - parte geral, p. 142), Paulo José da Costa Jr. (Direito penal - curso completo, p. 105); (NUCCI, 2006, p. 251-252) 

 

Existe ainda a posição dos que dizem que a natureza jurídica dos ofendículos será legítima defesa em um caso e poderá ser exercício regular de direito em outro. Ou seja, para essa corrente não há uma resposta fixa sobre qual seja a natureza jurídica, pois essa será analisada a cada caso concreto. 

Na verdade, a decisão de instalar os ofendículos constitui exercício regular de direito, isto é, exercício do direito de autoproteger-se. No entanto, quando se reage ao ataque esperado, inegavelmente, constitui legítima defesa preordenada. (BITENCOURT, 2002, p. 88) 

 

A posição que parece ser a mais acertada a respeito da natureza jurídica dos ofendículos é a que diz tratar-se de exercício regular de direito. Pois, para que fosso considerado legítima defesa precisaria que, o obstáculo, estivesse repelindo agressão atual ou iminente, elemento previsto na definição dada pelo art. 25 do CP para a legítima defesa. E agressão futura, que inclusive pode nunca acontecer, jamais foi atual nem mesmo iminente.  

 

Questão interessante no estudo desta causa de justificação é a questão das offendiculas, que são aquelas defesas predispostas que visam dificultar a agressão, quer seja ao domicílio, quer seja ao patrimônio, ou qualquer outro bem jurídico. Para alguns, as offendiculas constituir-se-iam uma legítima defesa, todavia, para nós, essa argumentação não pode ser acolhida. Para que exista legítima defesa é imprescindível a existência de uma agressão atual ou iminente, e a offendicula dirige-se a uma agressão futura, que poderá acontecer ou não. Assim, as offendiculas não se adequam a este requisito da legítima defesa. O que justifica essa ação é o exercício regular do direito, porque nela há um legítimo direito de defender o patrimônio ou outro bem jurídico, contra agressões susceptíveis de acontecer. (BRANDÃO, 2003, p. 126) 

 

O dono de um imóvel, no momento em que coloca uns ofendículos na sua propriedade, está agindo. Mas esse proprietário não estará mais agindo quando os ofendículos vierem a ferir um invasor, já que não poderá fazer mais uma ponderação de valores, sobre o bem preservado e o bem atacado. E sendo o ato de colocar ofendículos algo permitido pelo Direito, o proprietário não poderá vir a ser punido por ato futuro que venha a ocorrer com esse instrumento de proteção. Como Aníbal Bruno bem explicita:

 

Não nos parece que a hipótese possa ser resolvida como legítima defesa. A legítima defesa é um caso de exercício de direito, que só pode configurar-se dentro de estritos requisitos, que não se verificam na defesa predisposta. Nesta, a ação do sujeito, no momento em que se realiza, apresenta-se, não como reação justa, oportuna e medida contra agressão atual ou iminente, mas como um gesto de prevenção contra possível agressão futura e, embora o aparelho predisposto só se destine a funcionar no momento do ataque, a verdadeira ação do sujeito é anterior: no momento da agressão, quando cabia a reação individual imediata, ele, o seu gesto e a sua vontade de defesa, está ausente. Além disso, a atuação do aparelho é automática e uniforme, não pode ser graduada segundo a realidade e a importância do ataque; o agente não pode dar-lhe a capacidade de submeter-se àquele critério de necessidade e àquela razoável proporcionalidade entre o valor do bem a defender e a força da reação, necessário para que a defesa se configure como legítima. O movimento do aparelho pode realizar-se sem que na realidade haja bem a defender, na defesa, por exemplo, de um cofre ocasionalmente vazio, ou dirigir-se contra quem não tinha o ânimo de defender o bem, no exemplo de um menor ou um empregado, que, por curiosidade ou inadvertência, pratica o gesto que põe o mecanismo em ação. Por tudo isso, esse proceder fica distante dos termos precisos da legítima defesa, que supõe sempre um sujeito atuando, com o seu gesto e o seu ânimo de defender-se, no momento mesmo e com a medida justa e oportuna, contra agressão atual ou iminente.

(BRUNO, 2003, p. 10) 

 

            Portanto, existem vários motivos que demonstram a natureza jurídica dos ofendículos serem exercício regular de direito e não legítima defesa. Tendo em vista que eles não se adequam aos elementos da legítima defesa, que tem que serem observados para que a mesma seja configurada. Na legítima defesa a agressão precisa ser atual ou iminente e injusta, enquanto que os ofendículos repele agressão futura e nem sempre se trata de agressão injusta, no caso de uma criança vir a se ferir por descuido. Além disso no momento que alguém é ferido por uma offendicula não poderá ser analisado o requisito da moderação, por o dono da propriedade não está mais agindo. Além de muitos outros motivos já demonstrados anteriormente.

            Apesar da divergência doutrinária, fica evidente que é mais acertado considerar os ofendículos como exercício regular de direito e não como legítima defesa. Afinal, além de todo o exposto, todos sabem que a lei permite o uso de meios para defender a propriedade privada, sendo assim, um exercício regular de direito. Além de que, só se configura a legítima defesa para repelir agressão atual ou iminente e não agressão futura, como acontece com os ofendículos. 

 

REFERÊNCIAS 

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BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2000. 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 

BRUNO, Aníbal. Direito penal - parte geral: Tomo II - Ed. Forense, 2003. 

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 

COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao código penal. São Paulo: Saraiva, 1997.  

FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado. Rio de Janeiro: Record, 1958.  

FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, sociedade de risco e o futuro do direito penal: panorâmica de alguns problemas comuns. Coimbra: Almedina, 2001. 

FERRACINI, LUIZ ALBERTO. Legítima defesa – teoria, prática e jurisprudência. São Paulo: LEUD, 1996.  

FERRI, Eurico. Princípios de Direito Criminal. Campinas: Russel Editores, 2003. 

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Código penal comentado. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. 

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. v. 1, 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 LINHARES, Marcello J. Legítima Defesa. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

 

 

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. v. 1, 35° Ed. São Paulo, Saraiva, 2000. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral Parte Especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 

PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: IBBCrim, 2003. 

PIMENTEL, Francisco Mendes. Armadilha contra ladrões noturnos. in Revista Forense. v. 45. Belo Horizonte.  

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. 

REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 

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Comentários e Opiniões

1) Maceió (20/01/2017 às 10:03:44) IP: 179.221.108.105
Excelente artigo, entendo que em regra a interpretação dos ofendículos como exercício regular do direito seria teleologicamente a mais adequada.
Entretanto, em termos prático ambas produziriam o mesmo efeito realizadas dentro da proporcionalidade e razoabilidade.
Contudo, essa natureza para mim pode variar de acordo com o caso prático, a exemplo do cão de guarda treinado que pode atacar um invasor por estar ali colocado previamente e na ausência de seu dono ou sob o comando direto do dono.


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