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Ficha Limpa: Um Instrumento da Democracia


Autoria:

David Schlickmann


Acadêmico da 10ª fase do curso de Direito do UNIBAVE - Orleans, SC.

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Resumo:

A Lei da Ficha Limpa surgiu com o objetivo de "limpar" a política brasileira, e tem forças para tal. As contrariedades não podem ser capazes de derrubar este verdadeiro instrumento da democracia, que propõe uma representação ética.

Texto enviado ao JurisWay em 09/08/2012.



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Orientador: Wilson Demo[1]

 

INTRODUÇÃO

 

Conforme certa vez disse Anthony Eden, político, embaixador e Primeiro-Ministro britânico nos anos 50, “a corrupção nunca foi compulsória", ou seja, ela não é obrigatória, temos instrumentos para impedi-la de se perpetuar, e um deles será alvo da presente pesquisa, a chamada Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010.

Em vista da importância do tema para a sociedade brasileira nos tempos atuais, o presente estudo buscará abordar de forma analítica, no entanto clara, o conteúdo desta Lei, passando pela minuciosa análise de seu conteúdo, verificando desde já seus pontos positivos e acertos; e um estudo referente aos argumentos contrários a sua aplicação, demonstrando a falta de fundamentação legal de tais argumentos, que perecem frente a uma interpretação sistemática do texto legal.

Claramente, ainda é um tema que divide opiniões, controverso, apesar da já favorável decisão do STF. No entanto, em grande parte, tal contrariedade é de certa forma movida por interesses políticos, os quais indubitavelmente caminham em sentido contrário ao do interesse coletivo.

Sendo assim, objetiva-se clarear o entendimento em torno da constitucionalidade integral da LC 135, que surgiu com o intuito de salvar o cenário político brasileiro.

 

1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Democracia (do grego "demo+kratos", que significa, em linhas gerais, que o poder reside no povo) é um regime de governo em que o poder de tomar decisões políticas importantes está com os cidadãos, direta ou indiretamente. A Democracia pode ser desmembrada em diferentes espécies. A distinção mais importante fica entre democracia direta (ou "democracia pura"), quando o povo expressa a sua vontade por voto direto em cada assunto particular, e a democracia indireta (ou "democracia representativa"), quando o povo expressa sua vontade por meio da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram. Sendo assim, presume-se que aquele que for eleito representará a vontade do povo.

Porém, nem sempre é assim que acontece. A figura do “político” que atua em interesse próprio não é novidade. No Brasil, a corrupção é manchete quase todos os dias. Uma pesquisa realizada pelo juiz Márlon Reis revela que entre as eleições do ano 2000, quando começou a vigorar a Lei n. 9.840, de iniciativa popular, a Justiça Eleitoral (JE) promoveu a cassação de 623 mandatos através de processos nos quais se apuravam alegações de corrupção eleitoral. Estão relacionados casos de prática de captação ilícita de sufrágio, condutas vedadas aos agentes públicos e abuso de poder apurados através de representações, investigações judiciais eleitorais, recursos contra a diplomação e ações de impugnação de mandato eletivo. Todas as hipóteses se referem à utilização de bens ou vantagens de origem pública ou privada para alterar a vontade dos eleitores ou fortalecer campanhas de forma ilícita. E neste número não estão incluídos políticos que perderam cargos em virtude de condenações criminais. Não é preciso gastar “saliva” dizendo mais do que isto, exemplificando, pois o povo brasileiro está cansado de ouvir e saber.

Pelo exposto, é no mínimo razoável imaginar que não é qualquer pessoa que será merecedora da confiança de toda uma população. É válido pensar que ao menos requisitos mínimos o postulante a representar o povo deva preencher. Afinal, não faz sentido entregar a administração pública nas mãos de alguém sobre o qual não se possa ter plena confiança. É algo grande demais para ser objeto de falta de diligência.

Para ser ministro do STF, ou até mesmo um Juiz de primeira instância, a Constituição Federal exige reputação ilibada, o cidadão comum quando vai prestar concurso público precisa mostrar que tem a ficha limpa. Por que não se faria essa exigência de quem pretende representar o povo por meio do voto popular?
            Sob a ótica de Rosa Weber, ministra do STF, “o homem público, ou que pretende ser público, não se encontra no mesmo patamar de obrigações do cidadão comum no trato da coisa pública. O representante do povo, o detentor de mandato eletivo, subordina-se à moralidade, à probidade, à honestidade e à boa-fé, exigências do ordenamento jurídico e que compõem um mínimo ético, condensado pela lei da Ficha Limpa, através de hipóteses concretas e objetivas de inelegibilidade".

 

2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E LC Nº 64

 

A Constituição Brasileira de 1988 nos apontou, no parágrafo terceiro de seu artigo 14, as condições de elegibilidade, a saber: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária e as idades mínimas elencadas para cada cargo. Na falta de qualquer destas condições, o indivíduo fica inelegível. Ainda, os parágrafos quarto e sétimo do mesmo artigo indicam como inelegíveis os analfabetos, os inalistáveis e, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção.

Não obstante, de forma a reafirmar o supracitado, a necessidade de “filtrar” os possíveis candidatos, o parágrafo nono do mesmo artigo constitucional abriu a possibilidade de Lei Complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação. O parágrafo nono do artigo 14 da CF, ao apontar a possibilidade de Lei Complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, expressamente esclarece o objetivo de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerando a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Sendo assim, já estava previsto na CF que poderiam surgir casos onde os atos do indivíduo o tornassem inelegível. Não tratando necessariamente de condenação transitada em julgado, e sim de vida pregressa como requisito para sua elegibilidade.

Haja vista esta previsão constitucional, a LC nº 64, de 18 de maio de 1990, trouxe os casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determinou outras providências. Ela elencou nove casos de inelegibilidade para qualquer cargo, a qual perduraria, dependendo do caso, entre 3 e 5 anos, entre outros tantos casos para cargos específicos.

 

3 A LEI DA FICHA LIMPA

 

Devido à desastrosa década política que se presenciava, no tocante ao exorbitante número de atos corruptos vindos à tona, e a certa ineficiência da LC 64, surgiu a Campanha Ficha Limpa. Um Projeto de Lei de iniciativa popular sobre a vida pregressa dos candidatos que pretendia tornar mais rígidos os critérios de inelegibilidades, ou seja, de quem não pode se candidatar. O projeto de lei foi iniciado com a clara tentativa de trazer para o cenário político nacional mais moralidade, probidade, eficiência e, acima de tudo, respeito à coisa pública, tendo em vista que a sociedade não aguentava mais ver sucessivos escândalos envolvendo políticos que exerciam funções públicas, seja no legislativo, seja no executivo. O projeto conseguiu aproximadamente 2 milhões de assinaturas.

A Lei da Ficha Limpa alterou a Lei Complementar nº 64, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Ela incluiu oito novos casos de inelegibilidade ao inciso um do artigo 1º da LC 64 e alterou outros oito. Em linhas gerais, alterou todos os prazos de cessação da inelegibilidade para oito anos e acrescentou às alíneas que tratam de casos de inelegibilidade dependentes de decisão transitada em julgado o trecho “ou proferida por órgão colegiado”. Ou seja, não é mais necessário que transite em julgado, que não caiba mais recurso, basta uma decisão proferida por órgão colegiado para tornar o indivíduo inelegível. Também, segundo consta, os efeitos da LC 135 alcançam os atos praticados antes de sua vigência, ou seja, tem efeito retroativo.

Importante verificar que para os detentores do foro privilegiado (privilégio concedido a autoridades políticas de ser julgado por um tribunal diferente ao de primeira instância), a inelegibilidade se dá com a denúncia criminal recebida pelo tribunal competente. Neste caso, considerou-se bastar o recebimento da denúncia porque na maioria dos casos o processo criminal pode ser suspenso por decisão do Poder Legislativo. Não é justo, portanto, que os detentores de foro privilegiado não tenham o mesmo tratamento que os demais cidadãos. Além disso, a denúncia é recebida por um colegiado composto por desembargadores ou ministros, magistrados experientes e que decidem em conjunto sobre a existência de prova da existência do crime e de indícios que demonstrem ser o acusado o provável autor do delito[2]. Isto significa maior rigidez e provável maior eficácia!

Analisemos os novos casos de inelegibilidade[3], acrescidos pela LC 135 ao artigo 1º da LC 64, de forma a se elucidar quanto à racionalidade neles presente. A alínea “J” traz o caso de condenação por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma. A alínea “K” trata da renúncia de políticos no exercício de mandatos para se ver livres de processos. É bastante razoável que estes sejam impedidos de tentar nova candidatura. Primeiro porque, no caso da alínea “J”, o indivíduo que compra votos, por exemplo, caminha em sentido contrário à democracia e desrespeita fortemente o sangue derramado em busca do direito ao voto, e segundo porque, no caso da alínea “K”, a renúncia para fugir de processos implica a total falta de moralidade ao não assumir seus próprios atos.

No caso da alínea “L”, que trata da suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa, é ainda mais claro, como no caso de enriquecimento ilícito, desvio de verba pública. Não há o que se discutir. No entanto, a alínea “M” tem sido muito discutida. Ela traz o caso dos que forem excluídos do exercício da profissão em decorrência de infração ético-profissional. Ora, se o indivíduo já não agiu bem na profissão de sua especialidade, o que esperar dele como representante do povo?[4]

Seguindo, a alínea “N” simplesmente complementa um caso de inelegibilidade já previsto na CF. Trata-se do caso já citado do parágrafo sétimo do artigo 14 da CF. Aquele que tentar fugir da inelegibilidade por vínculo conjugal ou de união estável o desfazendo, ou simulando desfazer, será inelegível da mesma forma. Exemplo: a esposa de determinado prefeito, visando ser candidata no mesmo território de jurisdição do marido, separa-se deste para não ser inelegível. Atitude imprópria para um representante do povo.

Aos casos das alíneas “O” e “Q”, que tratam dos que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial e dos magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente, aplica-se o mesmo, no que couber, dito sobre a alínea “M”.

Quanto à alínea “P”, é inegável que os responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais devam ser inelegíveis, pelo “simples” fato de serem ilegais e interferirem negativamente no processo eleitoral.

 

4 CONTRARIEDADES À LC 135

 

Diante do até aqui exposto, evidencia-se que não há nada a ser questionado quanto à necessidade da aplicação da Lei da Ficha Limpa, e ainda mais, que são plenamente válidos os fins perquiridos pela norma, buscando manter distante da administração pública o “político” corrupto, que despreza a confiança depositada pelo pobre povo brasileiro e literalmente “passa a mão” no tão soado dinheiro público, isto é, no dinheiro do povo. Porém, quanto aos meios utilizados para a aplicação, agora alterados pela LC 135, buscando uma aplicação efetiva, fática, criou-se dúvida sobre uma possível violação do princípio constitucionalmente protegido da presunção de inocência. Dúvida sem fundamento, como se notará a seguir.

Esta alegação é destituída de fundamentação jurídica, vez que se volta apenas a impedir a aplicação imediata das sanções de natureza penal. E não se trata aqui de pena. Inelegibilidade não é pena, mas medida preventiva. Assim como a falta de qualquer condição de elegibilidade, a inelegibilidade nos termos da LC 135 é uma restrição temporária à possibilidade de qualquer pessoa exercer mandato[5]. Considera-se que o momento de aferição das causas de inelegibilidade é o da formalização do pedido de registro de candidatura, e não na sentença condenatória, por exemplo.

A partir de Coêlho,

 

o Princípio da Inocência não se aplica a Lei de Ficha Limpa, pois, a inelegibilidade não é uma pena e o mandato não é um bem individual, assim, impedir à candidatura não estabelece culpa ou retira os direitos políticos do cidadão (não se trata de cassação de direitos políticos art. 15, III, CF), pois, ele passa a não poder se candidatar, mas mantém seus direitos políticos, tanto que pode votar. (2012, s.p.)

 

O princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência se aplica apenas ao âmbito penal, servindo para impedir a antecipação de penas[6]. No âmbito eleitoral, prevalecem outros princípios constitucionais, como o da prevenção, onde o bem tutelado é de natureza coletiva e não individual. Neste âmbito, basta ser parente de um detentor de mandato ou ocupar certas funções para não poder se candidatar. Eles não estão sendo antecipadamente consideradas culpadas de usar seus vínculos familiares ou seus postos para interferir no pleito, mas sim de adotar uma postura preventiva, impedindo que o ato corrupto ocorra, impedindo que se aproveitem de tal condição para obter vantagens eleitorais ilícitas. Não se propôs que aí estivesse presente qualquer afronta ao princípio da presunção de inocência.

Em conformidade com o comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral,

 

no caso da vida pregressa dos candidatos, acontece a mesma coisa: não se trata de considerá-los culpados, mas de, à vista de circunstâncias objetivas, prevenir a sociedade da possível candidatura de alguém que não deve exercer a função pública. O fundamento dessa inelegibilidade não é o reconhecimento da culpa, mas a simples existência da condenação, ainda que provisória[7]. É a própria Constituição que, no § 9° do art. 14 da CF, determina ao Congresso a edição de Lei Complementar que estabeleça “outros casos de inelegibilidade (...), considerada a vida pregressa do candidato”. Ou seja, enquanto no âmbito penal exige-se o esgotamento de todos os recursos para a aplicação da pena, no âmbito eleitoral basta a consideração da vida pregressa. A sociedade tem o direito de definir em norma o perfil esperado dos seus candidatos[8].

 

Neste sentido, aponta o Juiz de Direito Marlons Reis,

 

As pessoas ainda veem os políticos como se eles fossem autoridades acima da lei, além do normal, como se eles fossem os detentores de poder, e não se veem, na verdade, como sendo elas as detentoras do poder que é emprestado temporariamente para os que deverão exercer o mandato em seu nome. Então, na verdade, os políticos são empregados da sociedade, e não donos da sociedade. Há uma inversão de valores. A Ficha Limpa veio para dizer quem define quais são os candidatos, quais são os perfis esperados: quem define é a sociedade. (2012, s.p.)

 

Sendo assim, volta-se a afirmar. Não se trata aqui de presunção de culpa, trata-se de requisito a ser cumprido para ser candidato, não se trata também de retirar os direitos políticos do cidadão, pois, ele passa a não poder se candidatar, mas mantém seus direitos políticos, tanto que pode votar[9]. Não se trata também de antecipação da pena, até porque no caso de condenação criminal, por exemplo, o fato de o indivíduo se tornar inelegível não implica na conclusão do processo crime. Este seguirá com seus trâmites legais, com o acusado tendo direito a todos os recursos normalmente, e, se sobrevier condenação penal transitada em julgado, a sanção penal será aplicada ao final.

A partir da advogada Mary Mansoldo,

       

há muito tempo, políticos desonestos utilizam o Princípio da Presunção de Inocência como um escudo para seus atos ilícitos e imorais. Assim, a lei surge como proteção à verdadeira moralidade política. É inquestionável que a vida pregressa do candidato demonstra seus verdadeiros intuitos. Ela destaca ainda que, é salutar observar que nenhum direito, mesmo fundamental, é absoluto, pois a realidade é mutante, como também, nenhuma liberdade pública é absoluta. (2008, s.p.)

 

Ainda, a inelegibilidade não é nenhuma espécie de pena, como já retratado, é uma medida preventiva. Então, se fosse necessária a culpa devidamente provada e firmada por decisão transitada em julgado para a aplicação de medida preventiva, não seria a prisão preventiva inconstitucional? Não seria a inelegibilidade por parentesco prevista na própria constituição também inconstitucional? Ora, tal alegação é a própria afronta à carga magna.

Portanto, não há presunção de culpa, conforme muito bem retratou ao tratar do assunto o grande penalista brasileiro Fernando Capez (doutor em Direito, Procurador de Justiça, eleito duas vezes Deputado do Estado de São Paulo e também duas vezes presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa de São Paulo, além de autor de 24 livros publicados):

 

não se trata de pena, não se trata de punição, não se trata de declarar ninguém culpado. Mas tão somente de se estabelecer um requisito para participar de pleitos eleitorais. Aqueles que tiverem uma condenação em órgão colegiado, mesmo que esta condenação não seja definitiva, não reúne condições para participar de um pleito. Pela prosaica razão de que não possui ainda plenas condições de credibilidade para exercer uma função de representatividade popular. (2012, s.p.)

 

Sob a mesma ótica, Capez segue sua análise de maneira magnífica:

 

Com relação à retroação dessa Lei, ou seja, a aplicação da Lei para fatos cometidos antes de sua vigência, não há obse algum. Também não se trata de violar qualquer tipo de direito. O que se estabelece é uma norma de caráter processual, com incidência imediata para aquele determinado pleito. Todos os candidatos que quiserem se alistar para concorrer às eleições de 2012 terão que se submeter às regras em vigor naquela data. E as regras que estarão em vigor são aquelas que determinam que os portadores de condenações por órgãos colegiados, ainda que não definitivas, não reúnem condições para participar. Trata-se apenas da aplicação do brocardo tempus regit actum. A norma não está retroagindo para considerar ninguém culpado de nada. Mas simplesmente incidindo de imediato para regular os requisitos de participação num determinado pleito eleitoral. (2012, s.p.)

 

Na realidade, não há retroatividade da lei propriamente dita, e sim, o cumprimento de legais determinações em relação ao ato de registro de candidatura. Não arguir a vida pregressa dos candidatos seria um desrespeito à Soberania Popular, ao Estado Democrático de Direito e à Justiça Eleitoral. A ética e a moralidade no exercício dos cargos públicos devem ser condições essenciais para o deferimento da elegibilidade de um candidato.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Por isso exposto, a LC 135 é integralmente constitucional. Não viola o princípio da presunção de inocência. Somente regula as eleições a partir da próxima eleição, e não encontra nenhum impedimento para sua aplicação. Com isso, sem ferir a letra da constituição, reconhece-se a necessidade de que os postulantes a representantes estejam cada vez mais à altura da condição de representar com credibilidade os seus eleitores, tendo em vista a vasta importância de tal representação, que é, sob nossa ótica, o próprio instrumento máximo da democracia representativa.

De qualquer forma, a Lei da “Ficha Limpa", com sua função de sanear à política, reacende a esperança em relação à política brasileira, que se encontra derradeiramente desacreditada por toda uma população. Tendo em vista que a realidade dos fatos tem nos mostrado que processos contra políticos raramente chegam ao fim, exceto para declarar a extinção da punibilidade pela prescrição. É o clássico “terminou em pizza”.

No entendimento do ministro do STF Joaquim Barbosa,

 

as alegações de inconstitucionalidade da LC 135 decorrem de uma interpretação limitada da Constituição, que privilegia uma minoria de ocupantes de cargos eletivos em detrimento de toda a sociedade, que anseia pela moralização da política brasileira, para que não haja mais engodo do eleitorado, manipulações e falsas promessas; para que os eleitores comecem a ter a liberdade de escolha real, verdadeira.

 

Para finalizar, um ditado popular, que ouvíamos de nossas mães, avós, cujo qual jamais imaginei que poderia representar tão bem o tema, e tenho plena certeza que ninguém discordará. “Melhor prevenir do que remediar”[10].

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

 

BRASIL. Lei Complementar nº. 135 de 4 de junho de 2010. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em 8 ago. 2012.

 

BRASIL. Lei Complementar nº. 64 de 18 de maio de 1990. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em 8 ago. 2012.

 

COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. A Lei da Ficha Limpa está prevista na Constituição. Disponível em: . Acesso em 9 ago. 2012.

 

Fundamentos e constitucionalidade. Disponível em: . Acesso em 8 ago. 2012.

 

MANSOLDO, Mary. Lei das Fichas Limpas. Diversidades de entendimentos. Disponível em: . Acesso em 9 ago 2012.

 

MARLONS, Reis. Juiz diz que as eleições têm que movimentar menos dinheiro e mais ideias. Disponível em: . Acesso em 9 ago. 2012.

 

Políticos cassados por corrupção eleitoral. Disponível em: . Acesso em 8 ago. 2012.



[1] Bacharel em Direito pela UNISUL, especialista em Ciências Jurídicas - Dogmática pela UNISUL e especialista em Direito Constitucional Aplicado pelo CESUSC.

[2] Conforme comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

[3] Aqui, mister notar que as novas disposições legais atingirão igualmente a todos aqueles que, no momento do pedido de registro, incidir em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas. O indivíduo que se enquadrar em qualquer dos casos de inelegibilidade previstos (seja os da LC 135, da LC 64, ou da CF) simplesmente não está de acordo com as “regras do jogo”, e assim não poderá “jogar”.

[4] No que toca a esta causa, alega-se que tal conferiria a ente não estatal o poder de retirar um direito público subjetivo, que deveria ser tratado no campo da área pública. No entanto, o ente não estatal não retira direito público algum. Em nenhum momento se disse que o órgão profissional tornaria o indivíduo inelegível, e sim que este o seria com base nos maus atos passados. Basta voltar à análise de que o Direito Eleitoral tem base constitucional para levar em consideração a vida passada do postulante, inclusive sua exclusão do exercício da profissão em decorrência de infração ético-profissional.

[5] De acordo com o entendimento do TSE sobre a aplicabilidade da LC 135.

[6] Conforme comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

[7] “Por que não esperar o trânsito em julgado?”. Porque, normalmente, um processo pode demorar até dez anos para chegar ao final, e, enquanto isso, o acusado continua atrasando o processo, com recursos, brincando com o eleitorado brasileiro, ainda de posse na administração pública, com plenas condições de “se abastecer” com o dinheiro público para o período inadiável de inelegibilidade. Pois, se for esperar o trânsito em julgado, enquanto o processo anda, o indivíduo continua se elegendo. Acaba um mandato, elege-se outra vez, e por aí vai.

[8] Sob esta ótica, caberia indagar “por que não deixar o povo escolher nas urnas?”. Primeiramente, o Estado estaria de certa forma defendendo o próprio cidadão, pois este fica a mercê do político corrupto. Assim, o Estado, com a Ficha Limpa, está cumprindo seu papel de Estado. Sob outro aspecto, a escolha apontada pela Lei da Ficha Limpa já é do povo, haja vista ser uma Lei de Iniciativa Popular, com imenso apoio de grande parte da população desde seu surgimento até os dias atuais. E como aponta o parágrafo único do artigo 1º da CF, “todo o poder emana do povo”. Isso é democracia! Afinal, o que seria respeitar à Soberania Popular? Seria a Lei permitir que políticos imorais participassem das eleições desvalorizando o voto do cidadão? Pois, como já dito, a maioria da população brasileira não tem os meios devidos para estar realmente informada sobre quais os políticos que não são capacitados para exercerem os cargos eletivos. Enquanto que a Justiça Eleitoral o tem. E, por outra observação, como bem exposto por Furtado Coelho: “Não há desrespeito à Soberania Popular, pois, caso contrário, defender à Soberania Popular a qualquer custo tornaria ilegítima qualquer decisão da Justiça Eleitoral”.

[9] Ainda, destaca-se o disposto no artigo 3º da nova lei que permite a suspensão, em caráter cautelar, da inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão do recurso.

[10] A prevenção se dá com a imposição de requisitos, buscando evitar que o político corrupto se eleja. Sem a prevenção, resta apenas tentar “remediar” (aqui, leia-se: instauração de várias CPIs, dinheiro público desviado, mensalão, dinheiro na cueca...). Isso enquanto ainda for possível remediar.

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