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ASPECTO TEMPORAL DA MEDIDA DE SEGURANÇA E A VEDAÇÃO A PRISÃO PERPÉTUA (LIMITE DA PENA NO BRASIL)


Autoria:

José Airton Dantas Neto


JOSÉ AIRTON DANTAS NETO, Advogado, residente a Rua São José, 363, centro, Missão Velha-CE

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Texto enviado ao JurisWay em 01/08/2012.



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RESUMO

 

O presente trabalho tratará sobre o tema ASPECTO TEMPORAL DA MEDIDA DE SEGURANÇA E A VEDAÇÃO A PRISÃO PERPETUA (LIMITE DA PENA NO BRASIL). Sobre o tema será abordado o instituto da Medida de Segurança, com previsão no Capitulo VII, Título VI, art. 97 e parágrafos do Código Penal, aplicável aos inimputáveis por meio de uma interpretação constitucional fundada em alguns princípios e garantias constitucionais; tais como a proibição das penas de caráter perpetuo (CRFB/88, art. 5º, inciso XLVII, alínea “b”,LV); principio da Dignidade da Pessoa Humana (CRFB/88, art. 1º, III); principio da legalidade(CRFB/88, art. 5º, II); principio da razoabilidade (CRFB/88, art. 5º, LXXVIII); e Principio da Proporcionalidade. Por meio de um método dialético, tendo como auxiliares o histórico e o comparativo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, fundada na coleta de dados na legislação, a doutrina, e jurisprudência pátria. Por meio da leitura seletiva, analítica e interpretativa, em sua primeira parte o trabalho conceitua o instituto em tela, abordando sua natureza jurídica, finalidades, modalidades e destinação. Em seguida pode se verificar as diferenças entre a Medida de Segurança e a Pena, espécies do gênero Sanção Penal no ordenamento jurídico pátrio. Ainda dispõe o trabalho de uma abordagem sobre imputabilidade e inimputabilidade de modo a possibilitar a compreensão do leitor sobre a aplicação das suso-referidas medidas e as suas justificativas, inclusive analisando as teorias dos fins da pena. Realizou-se uma analise sobre a Medida de Segurança na Constituição Pátria de 1988, por meio de uma interpretação Neo-Constitucional e priorizando a característica de um Estado Democrático de Direito. Durante o desenvolver do trabalho ficará demonstrado que através de uma análise histórica, bem como as finalidades destas sanções penais comprovará o caráter dúplice da medida de segurança, torna devida aplicação das garantias e princípios constitucionais. Ainda nesta fase a interpretação analítica do termo PENA no texto constitucional, comprovaremos o equivoco legislativo no que se toca a possível intenção de se referir a SANÇÂO PENAL (gênero) e não apenas a uma de suas espécies (PENA). Comprovada será ainda a capacidade de restrição de direitos da Medida de Segurança, bem como o seu alto nível de estigmatização e dessocialização resultante ao sujeito inimputável. Elaborou-se uma critica ao conceito de periculosidade, aplicável ao critério de cessação da medida de segurança, posto que este último não tem  capacidade de ser demonstrado objetivamente, desse modo podendo resultar parar  o sujeito inimputável  uma sanção penal de caráter eterno. Ponderações doutrinárias acerca de uma melhor solução para o caso, revelações das jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria também foram abordadas no trabalho. Em linhas gerais essa é a proposta do trabalho elaborado, pugnando sempre pela compreensão do leitor sob a perspectiva de vários argumentos, alguns rapidamente citados acima de forma que o estudo do instituto jurídico em baila, possibilite ao interlocutor examinar criticamente a situação atual e os fundamentos utilizados para aplicação das Medidas de Segurança de modo a que conclua sem qualquer indução sobre a necessidade de se rever a sua aplicação.

Palavras-Chave: Medidas de Segurança; caráter indeterminado; inimputabilidade; vedação a penas de caráter perpetuo; limite da pena.

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO...........................................................................................................09

1. CONCEITO E NOÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DA ORIGEM DA MEDIDA DE SEGURANÇA............................................................................................................11

1.1 Surgimento das Medidas de Segurança no Contexto Jurídico........................13

1.2 Influências ao Instituto.....................................................................................14

1.3 Natureza Jurídica da Medida de Segurança....................................................15

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO............................................................................................17

2.1 Medida de Segurança x Pena, Núcleo de Finalidades e Teorias....................23

2.2.1 Finalidade das Penas....................................................................................23

2.2.2 Teoria Adotada no Brasil...............................................................................26

2.2.3 Finalidade da Medida de segurança.............................................................27

2.3 Modalidades das Medidas de Segurança........................................................30

2.4 Medida de Segurança na Lei de Execução Penal...........................................34

2.5 Medidas de Segurança à luz de Alguns Princípios Constitucionais................37

3. O CARÁTER INDETERMINADO DA MEDIDA DE SEGURANÇA E O CRITÉRIO DE VERIFICAÇÃO DA CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE...................................45

3.1 Ponderações Doutrinárias Acerca da Melhor Solução para o Caso................51

3.2 Análise Jurisprudencial Acerca da Matéria......................................................53

CONCLUSÃO.............................................................................................................62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................65

 INTRODUÇÃO

 

Vivemos atualmente na defesa constitucional de uma característica maior fundado em um Estado Democrático de Direitos, possibilitado pela efetivação de diversos direitos e garantias fundamentais inerentes ao ser humano, alvo de uma luta diária travada nos tribunais no intuito de salvaguardar tais direitos.

Ocorre que muito além da previsão de tais direitos e garantias constitucionais está a real possibilitação de efetivação destes. A intervenção estatal nos conflitos sociais por muitas vezes esbarra em princípios básicos do direito penal   e direitos e garantas constitucionais viabilizado pela característica de um Estado Democrático de Direitos.

 É visando impedir uma atuação indiscriminada do Estado no exercício do seu direito de punir que o tais garantias são invocadas, já que o respeito a estas garantias refletem em uma garantia maior, a dignidade da pessoa humana descrita como fundamento a um Estado Democrático de Direitos.

A medida de segurança há muito tempo é alvo de discussões jurídicas acerca da sua duração, sustentando-se que a sua indeterminação temporal afrontara vários princípios e garantias constitucionais, resultando em uma atuação estatal ilimitada.

Por outro lado, sustentam alguns que a indeterminação temporal decorre da essência deste instrumento jurídico, bem como somente lhe é aplicada o atual regimento, posto que esta não se confunde com a pena, o que justificaria a não aplicação à medida de segurança de diversas ordens constitucionais relativas a penas, tendo em vista que estas não se confundem.

Ocorre que não se admite no estado de evolução jurídica em que vivemos interpretações literais amplamente restritivas a direitos e garantias constitucionais, o que nos obriga a combater tais argumentos demonstrando através de uma interpretação teleológica e sistemática da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que tais direitos e garantias também atingem os inimputáveis.

Os destinatários dessas medidas, apesar de guardarem características diferentes dos demais, não justifica os despirmos de todas as garantias e direitos fundamentais inerentes a simples condição de ser humano.

Nessa vertente o presente trabalho nos leva a uma discussão sobre a medida de segurança à luz de alguns princípios constitucionais, tendo por base maior, a vedação constitucional a “penas” de caráter perpétuo.

Busca-se a aplicação de algumas regras como, por exemplo, o limite da pena no Brasil, sempre tentando demonstrar a viabilidade de aplicação de algumas  previsões que são próprias da pena também a medida de segurança.

Semelhanças e diferenças são postas na presente pesquisa de modo a determinar que as duas espécies de sanção penal não se diferenciam em essência. Para isso foram estudadas as finalidades e teorias de cada uma de modo a tentar evidenciar a presença de finalidades comuns entre pena e medida de segurança.

A apresentação de ponderações doutrinárias acerca de uma melhor solução para o caso em tela são demonstradas, ao mesmo passo que as discussões e decisões nos tribunais são expostas de modo a fazer o leitor compreender a necessidade de uma reformulação positiva da visão legal que temos hoje sobre a medida de segurança.


1. CONCEITO E NOÇÕES HISTÓRICAS DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

 

Conceito

O termo legal medida de segurança indica uma providência a ser tomada no intuito de aplicar cuidados ao seu destinatário. A sua aplicação visa inicialmente à atuação do Estado no controle social, neutralizando o risco na maioria das vezes inerente ao inimputável ou semi-imputável infrator.

 Nessa linha conceitua Prado (2009. p.686):“as medidas de segurança são conseqüências jurídicas do delito, de caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial.”

As medidas de seguranças são conseqüências jurídicas da infração penal cometida por um inimputável, todavia, não em razão da culpabilidade, mas em razão da sua periculosidade.

Inicialmente sobre o tema deve-se ter em mente que as Medidas de Segurança diferem da pena essencialmente no seu pressuposto de aplicação. Enquanto a pena elenca como requisito para sua aplicação a culpabilidade; as Medidas de Segurança tomam por exigência a periculosidade do agente, ou seja, não pelo que fez e suas circunstâncias, mas o que potencialmente poderá causar a sociedade se não lhe for imposta tal medida. Dessa forma, para a aplicação da medida de segurança leva-se em conta o que futuramente, mesmo que incerto o agente possa vir a causar, enquanto a pena baseia-se em fatos já ocorridos e passiveis de considerações e subsunção ao tipo penal, e são, pois, estes fatos e circunstancias que se levará em conta na aplicação e dosimetria da pena.

Sobre o tema proclama Pedroso (2008, p.758):

 

Dessa forma, é aplicável a medida de segurança com exclusivamente aos inimputáveis por insanidade mental, que têm sua periculosidade ex vi legis estabelecida (periculosidade presumida – de forma absoluta – n. 18.11), e alternativamente aos semi-imputáveis, como forma subsptitutiva da pena (pela qual validamente poderá optar o julgador), quando tenha sido reconhecida validamente a sua periculosidade (periculosidade real ou  judicial). Aos imputáveis a resposta penal adequada sempre será a pena, jamais havendo espaço para qualquer medida de segurança, revogada a possibilidade desta medida profilática nos casos em que anteriormente era cabível em sede de crime ou co-autoria frustrada.

 

Tem-se dessa forma a concepção que medidas de segurança são dirigidas somente aos inimputáveis portadores de insanidade mental, aos imputáveis, ainda que constatada sua periculosidade, a sanção penal será a pena, pois o seu pressuposto de aplicação é inquestionavelmente a culpabilidade.

É esse também o posicionamento de Costa (1998. p.1932/1933), aos citar as características que diferenciam medida de segurança de pena:

 

(a) que a pena é conseqüência da culpabilidade do autor, ao passo que a medida de segurança é imposta unicamente pela periculosidade; (b) outrossim a pena é determinada e a medida é sempre indeterminada; (c) a medida de segurança é sanção penal de natureza preventiva , ao passo que a pena privativa de liberdade tem caráter preventivo repressivo.

 

Na mesma linha de raciocínio Zaffaroni e Pierangeli (2004, p.809):

 

As medidas de segurança previstas no Código vigente, referem-se tão-somente aos inimputáveis (art.26, caput) e às pessoas que se encontram numa situação de culpabilidade diminuída, prevista no parágrafo único art.26. A natureza das chamadas “medidas de segurança”, ou simplesmente “medidas”, não é propriamente penal, por não possuírem um conteúdo punitivo, mas o são formalmente penais, e, em razão disso, são elas impostas e controladas pelos juízes penais.

 

Portanto, são as medidas de segurança uma resposta PENAL compatível tão somente a aplicação aos inimputáveis ou aos de culpabilidade diminuída, pois estes têm a sua capacidade volitiva, perceptiva e intelectiva afetadas pelo distúrbio mental. Tal sanção Penal visa afastar o agente do convívio social, impossibilitando-o de praticar condutas delituosas danosas a sociedade. Ao contrário do que se possa pensar é pressuposto para a aplicação da sanção medida de segurança a pratica de crime.

Todavia, acrescenta ainda Zaffaroni e Pierangeli (2004. p.809) que “A natureza materialmente administrativa dessas medidas não pode levar-nos a ignorar que, na prática, elas podem ser sentidas como penas, dada a gravíssima limitação à liberdade que implicam.”

A medida de segurança representa precaução tomada no interesse do acusado e da própria coletividade, preservando a estabilidade social.

 Urge salientar, todavia, que embora se sustente que as medidas de segurança não possuem caráter punitivo, as leis penais impõem um controle formalmente penal, e limitam as possibilidades de liberdade da pessoa (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p.809).


1.1 Surgimento das Medidas de Segurança no Contexto Jurídico

 

No contexto histórico, verifica-se que a aplicação de tais medidas a indivíduos da mesma condição pessoal, que os acima referidos, representavam risco para a sociedade remonta a um passado distante. (FERRARI. 2001. p.07).

O Código de Manu já previa dispositivos de caráter preventivo diversos da pena. Marco Aurélio imperador ao tomar conhecimento de um individuo que havia perdido a razão e cometido um parricídio, após concluir pela falta de capacidade de imputação do autor diante do seu estado mental patológico, ordenou que se o pusesse em custódia para evitar a reprodução de outros fatos criminosos, visando garantir a ordem coletiva.

As medidas mais antigas aplicadas aos doentes mentais se deram em Roma visando tornar reclusos os furiosis, foram lhes impostas internações em casas de custódias, assim evitando que oferecessem perigo a sociedade e viessem a incidir em fatos criminosos.

Sustenta Ferrari que a medida de segurança a princípio, era aplicada como meio preventivo às ações dos menores infratores, ébrios habituais ou vagabundos, e constituía-se em um meio de defesa social contra atos anti-sociais. Para a sua aplicação não se exigia nem mesmo a prática de um delito, somente que o destinatário representasse perigo para a sociedade (FERRARI, 2001. p.16).

Mas foi no século XIX que as medidas de segurança tomou natureza jurídica diversa da que era lhe conferida. Percebeu-se que a sanção penal pena não impedia o aumento da criminalidade, colocou-se em cheque sua existência naqueles moldes e passou-se a refletir sobre uma nova forma de resposta jurídico penal.

 Repensando o sistema até então aplicado, os estudiosos concluíram pela importância de aplicação de métodos preventistas, representados no tratamento do delinqüente e na sua segregação, como respostas jurídico-penal, em substituição as ideias retributivas aplicadas naquela época.

As discussões sobre a ineficácia da pena e a necessidade de uma resposta jurídico-penal que primasse pela defesa social fizeram surgir correntes de posicionamentos diversos.

Os adeptos da primeira corrente sustentavam a ideia de que a criminalidade que se apresentava não justificava a criação de uma nova sanção-penal. A pena deveria ser a única resposta jurídico-penal aplicada por vezes de forma desvirtuada.

Por outro lado os adeptos da segunda corrente proclamavam que o caráter retributivo da pena deveria ser mantido, devendo ser elaborado uma resposta essencialmente preventiva.

Apontavam as duas correntes um ponto em comum ao estabelecerem que o direito penal não poderia se limitar tão somente a ponderação do crime isoladamente, sem considerar a condição pessoal do infrator e com a finalidade única de punição.

Passaram então a propor moderações ao caráter retributivo, entre eles o princípio da legalidade penal, bem como, a proporcionalidade entre as infrações e suas conseqüências jurídicas primando pela utilidade, correção e paz social.

Primava-se agora pela prevenção da reincidência. A intimidação dos infratores e potenciais infratores por sua vez ganhava espaço, preferindo-se prevenir a prática de infrações penais ao invés de castigar o infrator. A pena agora não mais visava punir o corpo e sim alcançar uma finalidade eficaz motivada na prevenção ao crime.

Mais que a prevenção, traçou-se ainda a necessidade de conservação da paz social, justificando assim a internação do infrator detentor da condição pessoal de inimputabilidade penal.

 

1.2 Influências ao Instituto

 

 A partir dessa época recaem sobre o instituto da medida de segurança as influências da Escola Positivista Italiana, que convictos da necessidade de se ponderar sobre uma sanção penal e o seu fundamento político, faziam oposição a forma clássica de aplicação das medidas de segurança.

Em contradição a forma convencional esta escola não exaltava fins retributivo ou intimidatório, mas tratava o delito como uma patologia social que somente poderia ser curado com a imposição de um tratamento forçado durante a aplicação da sanção-penal.

Ao tratar dessa fase de desenvolvimento da medida de segurança e a influência da escola positivista italiana, Ferrari (2001. p.20) afirma o seguinte:

 

Ao adotar a ideologia do tratamento, optavam por uma concepção preventista, selecionando na Defesa Social, no Determinismo, na Periculosidade e no Utilitarismo os princípios imanentes a essa categoria de resposta sancionatória.

 

Limito-me ao tratar dessa fase somente com o já citado, mencionando o acima exposto pela sua importância histórica ao desenvolvimento das medidas de segurança.

Avanço historicamente após tratar da natureza jurídica do instituto ao desenvolvimento da matéria, na legislação brasileira, por considerar mais relevante ao trabalho ora proposto.

 

 1.3 Natureza Jurídica das Medidas de Segurança

 

O capitulo atual tratará da natureza jurídica do instituto analisado de forma breve, visando evitar que travemos discussões profundas e desnecessárias acerca da essência das medidas de segurança.

No intuito de se evitar os esforços desnecessários em desvendar a natureza jurídica das medidas de segurança, será utilizado no presente trabalho opiniões doutrinárias pré-constituídas de alguns juristas citados no transcorrer.

Assim, “a medida de segurança criminal possui uma natureza monopolizadora do Poder Judiciário, configurando-se sua aplicação condicionada à necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade da medida terapêutica” (FERRARI, 2001. p. 76).

Entende, pois o eminente jurista que a medida de segurança caracteriza uma providência do Estado e esta condicionada aos limites do poder jurisdicional.

É, pois a medida de segurança uma sanção, que apesar de ter caráter curativo diferente do atribuído à pena, não o desqualifica a ser classificado como uma sanção penal. Sustenta esse entendimento Ferrari.

Consoante Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 809), “a natureza das chamadas “medidas de segurança”, ou simplesmente “’medidas”, não o são propriamente penal, por não possuírem um conteúdo punitivo, mas o são formalmente penais, e, em razão disso, são elas impostas e controladas pelos juízes penais”.

Veja que os juristas convergem ao atribuir a medida de segurança um conteúdo penal, o primeiro atribuindo-lhe a condição de sanção penal, de conteúdo diverso do da pena, enquanto a segunda opinião lhe atribui um conteúdo formalmente penal.

Tem-se no momento que as medidas de segurança, embora tenham finalidades expressas diversas das da pena, como se verá em capitulo dedicado ao tema, têm natureza jurídica de sanção penal.

É dessa forma a medida de segurança uma espécie do gênero Sanção penal, que tem em seu corpo a pena e as medidas de segurança, com finalidades diferentes, todavia, com resultados convergentes em dados momentos.

A afirmação supra será fortificada no capitulo próprio, onde serão tratadas as diferenças, semelhanças e finalidades de cada um dos institutos  do gênero sanção penal.


2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Desenvolveram-se no Brasil antes do ano de 1893 algumas legislações sobre o instituto da medida de segurança, todavia, ainda sob a nomenclatura de pena. No Código Criminal do Império, disciplinou-se que cabia ao Juiz criminal decidir quando da ocorrência de um delito praticado por um louco, o seu encaminhamento a família ou a casas especializadas no seu tratamento. Todavia, tratava-se essencialmente de uma medida mais humanitária do que sancionatória, já que era impossível à época o julgamento de um infrator louco.

Por outro lado no Código Penal da República de 1890 previa a internação de loucos infratores em hospitais destinados a doentes mentais, ou a sua entrega a familiares, porém, ainda fixou-se naquele código casos de interdição, perda ou suspensão do emprego público.

Em 1903 disciplinou-se através do decreto 1.132 de 22 de dezembro de 1903 a primeira medida de segurança, chamada de medida de tratamento. Tal medida consistia preliminarmente, no internamento dos doentes mentais infratores, que subvertessem a ordem e a segurança públicas, em estabelecimentos destinados aos portadores de doenças mentais.

 Mas foi no Projeto do Código Penal criado por Galdino Siqueira em 1913 que se evidenciou uma nova sanção penal, posto que a este projeto foi incluída uma pena complementar, que deveria ser imposta ao reincidente perigoso. Esta pena complementar tinha duração três vezes superior ao da pena antes imposta, todavia, limitada em qualquer circunstância à 15 anos de duração.

Em 1927 surgiu novamente com o Projeto do Código Penal de autoria de Virgilio de Sá Pereira o termo medida de tratamento. O referido código foi elaborado sob as influências do Código Suíço e do Projeto de Rocco, por tal motivo, de modo ainda que limitado, tratou de temas como a periculosidade criminal, habitualidade e medidas pós-delituosas. Exigia-se para a aplicação da medida de tratamento apenas a periculosidade social, que se diferenciava da periculosidade criminal, e criou uma nova modalidade de delinqüentes, a quem atribuiu uma imputabilidade restrita.

Tal Projeto passou por duas revisões, sendo a primeira em 1928 e a segunda em 1933, não tendo obtido êxito na sua aplicação.  Foi somente no Código Penal de 1940 que o tema das medidas de segurança foi concretizado em nossa legislação.

O Código Penal de 1940 ao disciplinar o instituto da medida de segurança adotou em sua sistematização o sistema duplo binário, tendo a pena e a medida de segurança a mesma normatização. A medida de segurança, quando aplicadas aos penalmente imputáveis, tinha o papel de complementar a pena aplicada, por outro lado quando a medida de segurança era aplicada aos inimputáveis, fazia em substituição à pena.

O sistema duplo binário permitia ao julgador aplicar cumulativamente dois tipos de sanção penal, ou seja, pena e medida de segurança ao mesmo tempo.

Para a aplicação deste instituto exigiam-se alguns requisitos essenciais. O primeiro deles era a prática de um fato definido como crime, e o segundo a periculosidade social do infrator. Todavia, mesmo nos casos de crime impossível e de excludentes de ilicitude, a medida de segurança tinha sua aplicação legitimada somente com base na periculosidade social do agente, relativizando assim o principio da legalidade.

O art.78 do Código Penal de 1940 estabelecia um rol onde deveria se presumir a periculosidade do agente, e nestes casos era desnecessário o requisito de aplicação fundado na prática de fato definido como crime.

Ao imputável as medidas de seguranças eram aplicadas após o cumprimento da pena, que durante a sua execução, foi de alguma forma diminuída.

Consoante disposição daquele código as medidas de segurança durariam enquanto permanecesse a condição de periculosidade do agente destinatário, todavia, havia um tempo mínimo estabelecido para o cumprimento da medida de segurança, deixando de considerar a cessão da periculosidade antes daquele prazo.

Naquele código as medidas de segurança classificavam-se como pessoais ou patrimoniais e eram aplicadas de acordo com a gravidade do delito cometido, levando-se em conta a periculosidade social do agente, aplicada a este em razão da sua condição pessoal.

As medidas de segurança pessoais poderiam ser ainda classificadas em detentivas ou não-detentivas. Alguns exemplos de medida de segurança detentiva eram a internação do infrator em manicômio judiciário, casa de custódia e tratamento, colônia agrícola, dentre outros.  Quanto aos exemplos de medidas não-detentivas tínhamos a liberdade vigiada e a proibição de frequentar determinados lugares.

As medidas de segurança patrimoniais previam o confisco de bens, a interdição de estabelecimento, dentre outras medidas de constrição de bens patrimoniais.

Embora a aplicação da medida de segurança estivesse subordinada sua aplicação aos requisitos acima descritos, em alguns casos a sua aplicação desconsiderava o principio da legalidade posto no art.75 do Código ao permitir a aplicação fundada somente na periculosidade social do agente e sem exigência do prévio cometimento de um delito. Era, portanto, a medida de segurança de aplicação inconsistente, estabelecia requisito de aplicação e em alguns casos o desconsiderava, presumindo a delinqüência de alguns agentes.

A lei penal nestes casos afirma, segundo Ferrari (2001, p.59) substituía-se ao juiz no reconhecimento da periculosidade, dispensando a averiguação judicial, com a conseqüente presunção de periculosidade.

Quanto ao seu tempo de aplicação a lei penal estabelecia apenas um limite mínimo de cumprimento obrigatório, todavia, não era admitido o prazo máximo de cumprimento, este ficava a cargo da cessação da periculosidade por vezes presumida.

A não limitação de tempo máximo de cumprimento era fundada na proteção social e deveria persistir até a total recuperação do individuo, tido como não mais atentatório contra a vida social.

Não havia preocupação com a segregação do agente, pois o que se objetivava realmente era a proteção social, e não o efetivo tratamento do agente presumido delinqüente. Dessa forma perpetuava-se uma sanção penal investida de um termo que falsamente garantia tratamento a moléstia do agente.

Em 1969 foi publicado, mediante o decreto-lei 1.004, o novo Código Penal, decorrente da apresentação realizada anteriormente em 1963 de autoria de Nelson Hungria, mantendo-se quase que inteiramente o código penal de 1940. Ao tratar das medidas de segurança pessoais, acrescentou às medidas não-detentivas a cassação da habilitação para dirigir veículos automotores e a interdição do exercício da profissão.

Algumas modificações terminológicas foram incluídas ao Código, enquanto o anterior tratava os destinatários das medidas de segurança como irresponsáveis, o Código Penal de 1969 passou a descrevê-los como inimputáveis.

Neste código passou-se a proibir a aplicação da pena para posteriormente se aplicar a medida de segurança. Dessa forma não era possível mais cumular a aplicação das sanções penais, ou seja, pena e medida de segurança, afastava-se, portanto, o sistema duplo binário.

Agora o juiz deveria decidir se o individuo era imputável ou inimputável, cabendo naquele caso a aplicação de pena ou medida de segurança. Na duvida, sobre a imputabilidade ou inimputabilidade, deveria o julgador optar por aplicar somente uma das sanções.

Com a proibição de cumulação de pena e medida de segurança nasce no Brasil o sistema vicariante, que estabelece a aplicação de apenas uma modalidade de sanção, seja ela pena ou medida de segurança.

Todavia, há quem discorde que o sistema adotado pelo Brasil é o vicariante, os que discordam sustentam que na verdade o sistema adotado pelo Código Penal Pátrio é o alternativo, apesar de ser equivocadamente descrito por vários doutrinadores como vicariante. As mudanças nos dois sistemas não são substanciais, posto que no alternativo também não se admite a imposição de medida de segurança e pena ao mesmo tempo.

Dessa forma, a única diferença notável é revelada ao percebermos o sistema vicariante é um sistema flexível, ou seja, que permite que durante o cumprimento da execução, possam ser alternadas entre a pena e medida de segurança, de acordo com as condições subjetivas do infrator. Temos claramente pela leitura do Código Penal Pátrio que este não admite tal alternância no ordenamento jurídico brasileiro, o que caracterizaria mais precisamente o alternativo.

Passada a fase de definições e transformações propostas pelo Código de 1969, vieram as inúmeras prorrogações de sua vigência, tendo o referido código sido alterado pela lei 6.016 de 31 de dezembro do ano de 1973 e finalmente revogado no ano de 1975, sem ao menos ter entrado em vigência. Dessa forma, manteve-se todo o texto do Código Penal de 1940.

A partir da revogação voltaram a viger o sistema do duplo binário, a presunção de periculosidade tão questionada pelo Código de 1969, e outras evoluções legislativas tão importantes para o desenvolvimento da matéria forma suprimidas.

Agora o texto legal do Código Penal de 1940 necessitava imprescindivelmente de alterações legislativas que garantissem as evoluções posteriores ao Código e o readapta-se ao sistema penal moderno estabelecido no Código de 1969.

Com as conclusões retiradas do Código revogado, propostas surgiram de modo a transformar tendenciosamente o instituto da medida de segurança em uma verdadeira sanção penal.

Para repensar o novo código foi formada uma comissão em 1981, presidida pelo Ministro Francisco de Assis Toledo, e foi justamente a medida de segurança um dos pontos cruciais de acalorada discussão da referida comissão.

A comissão decidiu, após intensa discussão, que a medida de segurança, levando em conta sua finalidade, deveria ser aplicada exclusivamente ao agente inimputável ou semi-imputável. O Código de 1984, aprovado por esta comissão assim contemplou o instituto da medida de segurança, destinando-a a agentes inimputáveis ou em estado de semi-imputabilidade.

A partir deste código os inimputáveis eram caracterizados por aqueles agentes portadores de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto que, ao tempo da ação ou omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Já o semi-imputável definiu-se como aquele que em virtude de perturbação de saúde ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui ao tempo da ação ou omissão inteira capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O semi-imputável, também chamado de fronteiriço, é entendido como aquele que está em uma zona intermediária de sanidade mental, pois embora capaz de entender o caráter ilícito do fato, não tem total controle sobre os seus atos, merecendo, pois, a aplicação da medida de segurança, ou pena, ressaltando aqui o sistema vicariante.

O Código de 1984 veio privilegiar o principio da legalidade ao revitalizar os requisitos obrigatórios de aplicação da medida de segurança, fundados na periculosidade criminal e na prática de um fato definido como crime. Agora em hipótese alguma poderá o juiz aplicar a medida de segurança sem que o agente incida nos dois pressupostos básicos de sua aplicação. A periculosidade social que antes autorizada a presunção de delinqüência não mais tem lugar no código atual.

O Código vigente à época agora trazia apenas duas modalidades de medidas de segurança, uma privativa e outra restritiva. A primeira consistente na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a segunda de  tratamento ambulatorial.

O critério para a aplicação de uma ou outra foi estabelecido pelo novo código, fundado na gravidade do delito praticado e não na periculosidade representada pelo agente.

Tal critério é essencialmente objetivo, posto que nos delitos punidos com detenção poderá ser aplicado o tratamento ambulatorial, para os delitos punidos com reclusão será aplicado a internação em estabelecimento especial.

Quanto ao tempo máximo de duração das medidas de segurança o Código de 1984 não fixou limite, atrelando o fim da medida à cessação da periculosidade do agente.

Quanto ao limite mínimo de aplicação da medida de segurança o legislador deixou de pronunciar-se expressamente, todavia, estabeleceu que durante a aplicação da medida de segurança o infrator se submeterá a exame pericial para apurar a cessação da periculosidade em prazo mínimo de 01(um) ano e máximo de 03 (três) anos, o que não deixa de ser formalmente um limite mínimo de cumprimento.

Possibilitou também o novo código a “regressão” do infrator, submetido a tratamento ambulatorial, a tratamento de internação, se for comprovada a necessidade para fins curativos do agente.

Para o semi-imputável é possível a substituição da pena privativa de liberdade por uma medida de segurança quando o exame pericial assim o justificar, todavia, subordinado a realização do exame no prazo supra.

2.1 Medida de Segurança versus Pena, Núcleo de Finalidades e Teorias

 

Este capítulo tem a missão de contrapor os institutos das medidas de segurança e a pena, diferenciando-os e demonstrando as suas finalidades nos aspectos em que divergem e nos que convergem.

Terá ainda o papel de demonstrar quais as teorias adotadas no ordenamento jurídico pátrio acerca das finalidades dos institutos. Comecemos abordando os fins atribuídos a sanção penal pena.

 

2.2.1 Finalidades das penas

 

Retribucionismo

As penas comportam duas finalidades estabelecidas em seu corpo, que visam prioritariamente à retribuição e a prevenção. A primeira finalidade também chamada de fim retribucionista resta configurado na medida em que o Estado tem alguns valores, que quando feridos, merecem a aplicação de uma sanção.

A pena tinha originalmente o sentido de expiação, ou seja, punição pelo fato praticado de modo a retribuir o mau que foi causado aos valores estatais.

A pena inicialmente teria fins de ordem religiosa, e todo aquele que atentava contra a ordem da harmonia universal, atentava contra os mandamentos de Deus, portanto, deveria ser punido pela violação.

Essa concepção teocrática influenciou consideravelmente a finalidade retribucionista da pena, à época, a violação as leis eram enxergadas como violações a lei eterna deixada por Deus para ser cumprida.

O crime era visto como uma afronta direta a Deus e deveria ser punido severamente, de forma a devolver o mal causado de modo a buscar a expiação do infrator pelo mau que causou.

Mas foi com o surgimento da Concepção moralista segundo Ferrari (2001, p. 48) que o crime passou a ter uma característica de justiça. Fundado agora na idéia de que pena deveria consistir na retribuição de um mal injusto, imposto ao criminoso.

Surge então a teoria de Kant que sustentava que a pena era um imperativo categórico, visando à realização da justiça, ou seja, buscando o justo. Nesse sentido para Kant, mesmo que toda a sociedade acabasse, o último assassino presente em sua prisão deveria ser punido, para que dessa forma cada um recebesse a retribuição que merece, estabelecida pela sua conduta.

Verifica-se que neste sentido a aplicação da pena visava exclusivamente a retribuição do mal causado, sem qualquer preocupação com a prevenção de delitos futuros.

Visando assegurar o rigor moralista a pena buscava atingir o mal passado e não os danos futuros que viessem a ocorrer. O imperativo categórico de justiça estabelecido por Kant, buscando na moral e no justo, a fundamentação necessária para aplicação da pena proporcional.

Adiante surge uma nova visão retributiva da pena através das ideias de Hegel, que alterou a visão da retribuição a um ponto de vista jurídico. Não mais prevalecia aquela noção moralista da retribuição, mas sim uma retribuição meramente jurídica. Dessa forma o direito lesado pela ocorrência de um delito era restaurado pela aplicação da pena.

O ordenamento jurídico tinha sua existência e validade reafirmadas pela aplicação da pena, como forma de retribuição. Segundo Hegel todo aquele que cometia um delito, nada mais fazia do que negar a existência e a validade do direito estabelecido pelo Estado, dessa forma somente a aplicação da pena era capaz de revalidar a noção de existência e validade do direito. O Estado teria a necessidade de mostrar que todo aquele que negasse a existência de um direito por este garantido deveria ser punido.

Todavia, ainda sob este enfoque a pena somente visava à punição, castigo e retribuição, deixando de considerar a ocorrência de novos delitos, a pratica de novas condutas de negação do direito.

Daí surgiu à necessidade de se ponderar acerca da prevenção a estas condutas negativas, a eficácia da pena com única finalidade de retribuição passou a ser questionada, posto que mesmo com a aplicação severa, novas condutas delituosas voltavam a acontecer. Nascia, pois, a primeira noção de uma finalidade prevencionista.

 

 

 

Prevencionismo

Formada a idéia de prevenção passou-se a desenvolver teorias acerca dessa finalidade, situaram-se no campo da prevenção duas modalidades de finalidades.

A prevenção simples agora não bastava, surgira então uma forma de prevenção geral e outra especial. A primeira com fundamento principal na intimidação do individuo, tinha o objetivo de causar no individuo um aspecto negativo em relação a pena.

Era, pois, uma prevenção geral negativa, que guardava em seu conteúdo uma noção pedagógica, voltada a evitar a prática do delito. Acreditando-se que a pena tinha o poder de ser conhecido por todos, ou seja, toda pena era pública, apostava-se no seu efeito intimidatório e inibitórios de novas condutas delituosas.

Essa teoria teve como precursor Feuerbach, que com base na sua teoria psicológica das normas, difundia que a pena e o conteúdo das normas tinham a capacidade de intimidar potenciais delinquentes, o que seria suficiente para evitar a prática delituosa.

Dessa forma a sanção não era aplicada buscando somente a retribuição, o castigo, a punição ao corpo, agora se destinava a coletividade. Buscava-se com a punição de um infrator exemplar a sociedade de modo a causar temor ao conteúdo das normas jurídicas associadas a sua efetiva aplicação.

Surge ainda um ponto de vista positivo a prevenção geral, considerado no respeito e valorização do ordenamento jurídico. Tal visão positiva da prevenção geral tomou proporções com Durkheim, que entendia que o delito é um fenômeno social natural, e seus excessos devem ser considerados uma patologia social.

Para Durkheim a pena faria o papel do equilíbrio social mantendo os limites entre o normal e o patológico, seria uma solidariedade voltada a defesa social evidenciado na expiação da culpa (FERRARI, 2001, p.50 apud BARATA, Alexandro).

A pena agora teria uma função revitalizadora da validade e eficácia das normas jurídicas, teria uma finalidade positiva resultante do respeito às normas e a revalorização do ordenamento jurídico.

Por outro lado a prevenção especial buscava a correção do infrator, nesse ponto além de prevenir o delito, queria-se com a aplicação da pena a recuperação do infrator.

Consoante as ideias da prevenção especial influenciada pela escola positivista, o infrator necessitava de tratamento pelo mal que foi praticado. Dessa forma a pena deveria ter caráter de recuperação, ou seja, haveria um meio corretivo. A substituição da pena por um meio de tratamento do individuo era o que sustentava a escola positivista.

A segregação do individuo somente seria necessária quando justificável pelo perigo que este poderia causar a sociedade e, desde que fosse considerado incontrolável.

Havendo possibilidade de correção do indivíduo deveria ser aplicado a este somente uma forma de tratamento, evitando-se ao máximo a segregação, ficando esta reservada somente para os casos extremos e considerados incontroláveis.

 

2.2.2 Teoria adotada no Brasil

É indiscutível pela leitura do art. 59 do Código Penal Pátrio atual que o nosso legislador adotou tanto a teoria retribucionista como a prevencionista, posto que ao estabelecer que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

O legislador foi claro ao expressar os objetivos retributivo e preventivo, mas não decorre somente do texto da lei a intenção do legislador, posto que ao analisarmos o conteúdo das penas privativas de liberdade podemos concluir que a sua resposta penal é sempre proporcional a gravidade do delito praticado evidenciando assim umas das finalidades retributivas da pena.

A pena de reclusão visa também a segregação do individuo, buscando também a prevenção do delito, ou seja, restringe a liberdade do individuo na tentativa de evitar que volte a cometer delitos, demonstrando assim um fim claramente preventivo.

É possível verificar um fim preventivo na pena quando se busca a ressocialização do individuo, a pena no nosso ordenamento jurídico busca um fim de reinserir o individuo na sociedade, o que demonstra uma preocupação com a finalidade da prevenção.

Por uma análise apurada é possível se verificar no nosso ordenamento jurídico finalidades de prevenção geral positiva, negativa e especial, bem como, finalidade retributiva. Todavia, considerando a finalidade deste trabalho, limito-me a mencionar que estas finalidades estão presentes no nosso ordenamento e assegurando que o nosso legislador adotou as duas teorias genericamente, chamada de teoria mista.

 

2.2.3 Finalidades das Medidas de Segurança

Aos tratarmos dos fins das medidas de segurança encontramos consideráveis divergências, embora a discussão não seja ao ponto de atingir o mesmo patamar dos debates relativos às finalidades das penas. Demonstraremos a seguir os pontos questionados durante o desenvolver da matéria.

Pelo que se tem na medida de segurança o que se pode sustentar preliminarmente é o seu caráter preventivo, que superficialmente tende a demonstrar que o fim retributivo inexiste na aplicação dessa medida.

Todavia, é necessário perquirir no que consiste essa finalidade preventiva, no tocante a aplicação da medida de segurança. A finalidade preventiva tem-se proclamado que é voltada ao destinatário da medida, ou seja, busca-se o seu tratamento e a sua proteção pessoal. Porém, deve-se considerar que esta prevenção também é voltada para sociedade, posto que resulte na prevenção da ocorrência de outras infrações pelo doente mental, evidenciada na segregação desses indivíduos.

Pois o nascimento da medida de segurança nos demonstra que o seu surgimento inicial no mundo jurídico voltou-se a segregação desses indivíduos, que não deveriam se submeter à pena, pois não seria atingido o resultado esperado. A segregação por meio da aplicação da medida de segurança justificou-se na época no fim preventivo do instituto.

Ocorre que a segregação do individuo passou a demonstrar certo descrédito com o surgimento de teorias humanitárias, que visavam precipuamente garantir a dignidade da pessoa humana que mais tarde se tornaria um bem supremo a ser preservado sob qualquer circunstância. O tratamento do individuo justificado no fim preventivo, não mais correspondia a segregação, e sim, a ressocialização apostando assim na recuperação do individuo e na sua reinserção no meio social.

A segregação, visando somente a tornar o individuo inerte criminalmente, não se justificava a luz dessas idéias, todavia, alguns entendimentos proclamam que em caso de doença incurável a segregação se faz necessária, pois não há possibilidade de recuperação do doente, bem com reinserção deste no seio social.

Tal entendimento somente demonstra que os valores novamente foram invertidos, justificando agora o fim preventivo voltado a proteger a sociedade e não o destinatário da medida.

A ressocialização na medida de segurança desde o século XX é evidenciada no tratamento terapêutico, psiquiátrico e psicológico, na busca pela segurança. Mas essa tal Segurança, se dirige verdadeiramente ao infrator ou da sociedade? Como visto é possível perceber que não é a ressocialização do infrator portador de doença mental ou desenvolvimento mental reduzido que justifica aplicação da medida de segurança, e sim, a prevenção a novas práticas delituosas pelos detentores desta condição pessoal, o que nos leva a constatar uma intenção protetiva voltada a sociedade, e não precipuamente a proteção e tratamento do doente.

A segregação voltada somente à proteção social não se justifica, posto que a ressocialização, o tratamento buscando a reinserção deve ser a máxima da medida de segurança. Excepciona-se, todavia, os casos de total descontrole, mas não em razão da proteção social, e sim, da segurança do doente.

Existe sim objetivo de segregação do individuo, todavia, para a tentativa de ressocialização, sendo dessa forma a segregação acessória a ressocialização dependendo da existência dessa para sobreviver, não podendo perdurar se o fim reinserção social não for buscado. É acertado então sustentar que o tratamento voltado a reinserção social deve prevalecer, sob todos os aspectos, em detrimento da segurança social.

Dessa forma, é que vislumbramos nesse aspecto uma busca por uma prevenção especial positiva, ou seja, voltada ao tratamento do indivíduo e a possibilidade de prevenir o crime como é preceituado na prevenção especial negativa.

Ao analisarmos a possibilidade de aplicação da finalidade preventiva geral é possível afirmarmos que no caso da medida de segurança a prevenção geral negativa é inaplicável, considerando que os destinatários das medidas de segurança não possuem discernimento suficiente a entender o caráter intimidatório de sua aplicação.

Nesse sentido Ferrari (2001, P. 61):

 

Quanto à prevenção geral negativa, inócua será sua função com referência aos delinquentes doentes, já que não possuem capacidade de serem intimidados pela norma, nem discernimento quanto à sua compreensão.

 

Por outro lado a prevenção geral positiva exerce papel relevante, embora, como já dito não exclusivo. Como salientado em capítulo próprio um dos pressupostos para a aplicação da medida de segurança é prática de um ato tipificado como crime, e aplicação da medida de segurança ainda que intensamente criticado é aplicada em suas modalidades, observando a gravidade do ato cometido pelo infrator, situação já explicada durante o desenvolvimento da matéria.

No ordenamento jurídico pátrio a prática de um delito punido com reclusão por um doente mental ou com desenvolvimento mental reduzido, enseja na aplicação da medida de segurança de internação, já o fato típico punido com detenção enseja a aplicação de uma medida de segurança de tratamento ambulatorial.

Portanto, é a gravidade do delito que pré-determina a periculosidade do individuo, bem como qual a resposta proporcional, em outras palavras significa que a decisão que determinará se a medida será a segregação do individuo com a internação ou restrição com o tratamento ambulatorial.

Secundariamente se tem que nesse aspecto a conduta praticada pelo doente exige do Estado uma resposta proporcional aos anseios sociais (FERRARI, 2001, p. 62):

 

O abalo social propagado pelo inimputável à comunidade exige uma estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, representando-se como um dos motivos para a aplicação de uma medida privativa e não restritiva de tratamento.

 

Também na fixação do prazo mínimo para cumprimento da medida de segurança a prevenção geral positiva se apresenta, posto que para a medida de segurança é previsto o prazo mínimo de cumprimento de 1(um) à 3 (três) anos, lembrando, todavia, que a LEP estabelece que o Juiz a qualquer tempo poderá determinar a cessação da medida de segurança, mesmo ainda não atingido o prazo suso-referido.

Podemos concluir dessa forma que muito embora as medidas de segurança proclamem uma finalidade essencialmente curativa, esta não se desvinculou totalmente das teorias e ideias que fundamentam a pena, ao estabelecer uma resposta Estatal proporcional à gravidade do delito, deixando de perquirir a real gravidade da doença e a necessidade de aplicação de determinada medida em detrimento da outra. Tem-se arraigado ainda às medidas de segurança uma ideia de castigo proporcional, assim como na pena, embora esta proclame simuladamente fins essencialmente voltados ao tratamento e proteção do doente infrator.

São, pois o prazo mínimo e a pré-determinação da modalidade da medida de segurança, atos políticos voltados à reafirmação do ordenamento jurídico pátrio diante da coletividade, buscando-se uma falsa tranqüilidade social o que indubitavelmente se trata de uma finalidade de prevenção geral positiva.

Ressalte-se, por oportuno, que embora possamos verificar a intenção da prevenção geral positiva e da prevenção especial positiva, a finalidade prioritária e essencial das medidas de segurança é a prevenção especial positiva, pois o que se busca realmente é o tratamento do doente infrator visando a sua reinserção social, ou seja, a sua ressocialização.

Daí pode-se concluir que as duas modalidades de sanção penais, pena e a medida de segurança não diferem fundamentalmente em suas finalidades como ficou provado pelos argumentos acima.

 

2.3 Modalidades de Medidas de Segurança

 

As medidas de segurança dividem-se em duas modalidades genéricas, preliminarmente classificadas como medidas de segurança pessoais e medidas de segurança patrimoniais. Ressalte-se, todavia, que o ordenamento jurídico pátrio somente acolheu as medidas de segurança pessoais em sua disposição, motivo pelo qual não trataremos no presente trabalho das medidas de segurança patrimoniais, posto que não previstas na legislação nacional.

Compreendendo que a legislação nacional escolheu somente as medidas de segurança pessoais o legislador passou a subdividi-las em medida de segurança privativa de liberdade e medida de segurança restritiva de direitos. Tais modalidades serão explicadas a seguir.

Medida de Segurança Privativa de Liberdade

A medida de segurança suso-referida é caracterizada pela internação do inimputável infrator em casa/hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou em sua falta em estabelecimento adequado (pela palavra estabelecimento adequado, entenda-se estabelecimento apto ao tratamento do doente infrator, além das condições de salubridade, um esta dotado das características inerentes ao tratamento efetivo do doente). A imposição da referida medida busca o tratamento do individuo, bem como garantir a segurança social e a prevenção de novos fatos delituosos.

O estabelecimento suso-referido trata-se de um hospital com nível de segurança de um presídio, destinado ao tratamento e manutenção do individuo dentro do estabelecimento, ou seja, voltado a sua segregação subsidiariamente. Tal estabelecimento guarda características ambientais de um hospital psiquiátrico, portanto, não se exigindo celas individuais, e sim, estrutura e divisões compatíveis com o tratamento dos doentes, tal qual como em um hospital psiquiátrico convencional.

Como já citado neste trabalho, para a aplicação dessa medida é imprescindível a prática de um fato definido como crime, bem como a constatação de ser o autor do delito portador de doença mental ou desenvolvimento mental reduzido.

Especialmente nesse tipo de medida ainda há um critério a ser atingido para a sua aplicação, ou seja, torna-se vinculada a sua aplicação a gravidade do delito praticado, sendo destinada tal medida a prática dos crimes punidos com reclusão, facultando-se ao juiz sua aplicação nos delitos punidos com detenção.

Conforme previsão, essa modalidade de instrumento jurídico tratado não deve voltar-se somente a segregação do individuo, impondo-se obrigatoriamente que haja todo um sistema voltado ao tratamento e a ressocialização do inimputável.

Portanto, cumpre essa modalidade de medida de segurança uma função prioritária de tratamento e readaptação do individuo para o retorno a vida social.

A ausência desses instrumentos necessários ao cumprimento da função da medida de segurança privativa de liberdade, tornará o estabelecimento um mero local de segregação de inimputáveis.

Sabe-se que a segregação desses indivíduos acaba por estigmatizá-los, e a pura segregação pode levá-los a privação da liberdade por tempo superior ao estabelecido por lei, como limite máximo ao cumprimento de pena pelos imputáveis.  E é justamente a falta de tratamento e da readaptação social que o impedem de retornar ao convívio social, tornando possivelmente perpétua essa medida pela impossibilidade de retorno ao meio da coletividade.

Dessa forma, deve-se primar pelas funções de tratamento e readaptação social ao destinatário da medida de segurança de internação, papel este atribuído pelo legislador pátrio essencialmente, ao Ministério Público no exercício de suas atribuições constitucionais e orgânicas.

 

Medida de Segurança Restritiva de Direitos

A medida de segurança restritiva de direitos é a modalidade de tratamento do doente infrator por meio alternativo a internação. O que procura-se suprimir nessa modalidade não é a liberdade do individuo, mas impor restrições a outros direitos de que o infrator é detentor.

Esse instrumento é utilizado aos infratores portadores de doença mental ou desenvolvimento mental retardado que representam um menor grau de periculosidade, evidenciado pela prática de ato definido em lei como crime. É destinado aos infratores que cometerem um fato típico punido com pena de detenção.

Busca-se com sua aplicação impor limitações não privativas de liberdade voltadas ao tratamento do infrator e a sua reintegração social. Apesar da nossa legislação já ter previsto modalidades de medidas de seguranças restritivas de direito, tais como a liberdade vigiada, o exílio e a proibição de freqüentar determinados lugares, o código atual prevê apenas o tratamento ambulatorial aplicável ao doente mental ou desenvolvimento mental reduzido, em razão da pratica de crime punido com detenção.

O tratamento ambulatorial é uma das modalidades de medida de segurança pessoais, aplicados aos doentes infratores considerados de periculosidade menos grave, a ser realizado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro local com dependência médica adequada.

Possibilidade bastante questionada pela doutrina pátria é a realização do tratamento ambulatorial em estabelecimento privado, por considerar insatisfatória por fugir ao controle do Estado. Ao tratar dessa possibilidade Ferrari (2001, p.87) fez a seguinte afirmação:

 

Em nossa concepção, o fundamento da necessidade do controle da administração não é motivo justificador para negar a possibilidade do ambulatório particular, bastando o credenciamento junto ao órgão de execução penal. Se o problema constitui o controle da administração, vedada também estaria a aplicação das medidas restritivas em estabelecimentos públicos, vez que são raras as visitas dos operadores da execução penal, assim como diminutas as punições àqueles administradores que deveriam controlar e gerenciar os desumanos estabelecimentos públicos de tratamentos.

 

Em que pese tal discussão a LEP em seu art.43 estabelece a possibilidade de contratação de médico profissional da confiança da família ou dependentes do doente mental para auxiliar na orientação e acompanhamento do tratamento. Ainda estabelece o parágrafo único deste artigo que a divergência entre o médico oficial e o contratado serão resolvidos pelo Juiz da execução. Veja-se:

 

Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento.

Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo Juiz da execução.

 

Portanto, é o tratamento ambulatorial modalidade de medida de segurança que impõem tratamentos terapêuticos mais eficazes em contraposição a modalidade de internação, que além de importar em maior ônus ao Estado, causa alto grau de estigmatização ao destinatário da medida, sendo, pois, mais benéfico e de resultados mais satisfatórios o tratamento ambulatorial.

 

 

2.4 Medidas de Segurança na Lei de Execução Penal

 

Conceituado o instituto da medida de segurança nasceu à necessidade legislativa de se regulamentar sua aplicação, ou seja, a execução dessa sanção, verificação da cessação da periculosidade e outros pontos que merecem maior destaque e serão mencionados a seguir.

Essa carência legislativa veio a ser suprida pela Lei de Execução Penal ou simplesmente a LEP. A LEP foi promulgada aos 11 dias do mês de julho do ano de 1984 sob o veículo de lei 7.210/84, vindo a entrar em vigor aos 13 dias do mês de janeiro do ano de 1985.

Além da LEP outros instrumentos legislativos influíram na constituição do instituto jurídico em tela, tais como a Lei 1.431/51, Lei 6.815/80, lei 6.416/77 e o Decreto-lei 24.559/34, contribuindo cada um em aspectos diferentes.

A Lei de Execução Penal trouxe a exigência da expedição da guia de execução para a aplicação das medidas de segurança após o trânsito em julgado da sentença penal. Agora somente era possível a aplicação da medida de segurança após a sentença, revogando a LEP todas as disposições que tratavam da medida de segurança provisória no Código de Processo Penal a época vigente.

A referida guia somente poderia ser expedida pela autoridade judiciária, e somente seriam aceitos os delinquentes em estabelecimentos próprios para internação ou tratamento ambulatorial após a apresentação da supraludida guia. Não se tratava mais de uma faculdade da direção do estabelecimento receber ou deixar de receber um doente mental infrator, e sim uma decisão que decorria do poder jurisdicional da autoridade judiciária.

Tal guia esta presente no art.173 da LEP e traz como requisitos obrigatórios a qualificação do agente e o número do registro geral do órgão oficial de identificação; o inteiro teor da denúncia e da sentença que tiver aplicado a medida de segurança, bem como a certidão do trânsito em julgado; a data em que terminará o prazo mínimo de internação, ou do tratamento ambulatorial e outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento ou internamento.

A lei suso-referida também tratou do prazo para realização do exame pericial de cessação da periculosidade, estabelecendo o mesmo prazo outrora incluído no novo Código Penal Pátrio, ou seja, no mínimo 01 (um) ano e no máximo 03 (três) anos.

Deixou também esta lei de se manifestar sobre o prazo máximo de aplicação da medida, atrelando a sua duração até a cessação da periculosidade do agente, assim como fizeram os outros instrumentos legislativos que trataram do assunto.

Todavia, inovou a LEP ao estabelecer no seu art. 176 a possibilidade de realização do exame pericial de forma antecipada, ou seja, toda vez que se entender que há uma provável cessação da periculosidade do agente, ainda que dentro do prazo mínimo da medida de segurança é possível a realização da perícia após a autorização judicial. Veja-se o texto da lei:

 

Art. 176. Em qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da medida de segurança, poderá o Juiz da execução, diante de requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou defensor, ordenar o exame para que se verifique a cessação da periculosidade, procedendo-se nos termos do artigo anterior.

 

Dispôs que mesmo após a verificação da cessação da periculosidade e a consequente liberação do infrator, este ficará subordinado às condições a serem estabelecidas pelo Juiz da execução. Tais condições equivocadamente são as mesmas aplicáveis ao livramento condicional, são elas: obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação; não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste; não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; recolher-se à habitação em hora fixada; não freqüentar determinados lugares e ainda se for permitido ao liberado residir fora da comarca do Juízo da execução, remeter-se-á cópia da sentença ao Juízo do lugar para onde ele se houver transferido e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção.

Levando ainda em conta que a desisnternação ou a liberação do infrator não significam a extinção da medida de segurança, a LEP ainda estabeleceu que em caso de pratica de ato, que indique a persistência de sua periculosidade antes do prazo de 01 (um) ano dedicado ao cumprimento das condições estabelecidas pelo Juiz, poderá o infrator ter a medida de segurança restabelecida.

Foi a LEP que regulamentou dois incidentes de execução relativas a medida de segurança. O incidente de insanidade mental e a regressão, naquele caso quando durante a execução da pena se verificar que ao apenado lhe sobreveio doença ou perturbação da saúde mental, o juiz poderá substituir-lhe a pena por uma medida de segurança. Tal substituição poderá ser feita de oficio pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público, Defensoria Pública ou da autoridade administrativa.

No caso da “regressão” ocorrerá quando durante a aplicação da medida de segurança na modalidade de tratamento ambulatorial, o infrator se mostrar incompatível com a sua aplicação, ou seja, não comparecer ao local, praticar atos que denotem ser incabível somente o tratamento ambulatorial. Neste caso o juiz lhe aplicará a medida de internação sendo vedada a liberação antes do prazo de um ano.

Tais disposições estão presentes nos artigos 183 e 184 da Lei de Execução Penal.

Em linhas gerais são estas as disposições relativas ao conceito do instituto ora estudado, bem como as orientações históricas acerca do seu desenvolvimento.

Conclui-se que vários instrumentos legislativos contribuíram para o desenvolvimento da matéria, entre vários códigos penais, leis, decretos e regulamentos todos deixaram sua contribuição. Mesmo o Código Penal de 1969 que sequer entrou em vigência, trouxe sua contribuição legislativa nas mudanças e quebras de paradigmas que serviram de bases ao Código Penal moderno e a Lei de Execução Penal instrumentos legislativos atuais de maior importância para a matéria.

 

 

 

2.5 Medida de Segurança à Luz de Alguns Princípios Constitucionais

 

Nessa fase do trabalho tratar-se-á das Medidas de Segurança à luz de uma interpretação constitucional, primando no decorrer da apreciação pela característica constitucional de um Estado Democrático de Direitos. Uma abordagem dos princípios e fundamentos constitucionais é imprescindível, a fim de demonstrar a necessidade de garanti-los na aplicação das medidas de segurança.

É de conhecimento geral que o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana é a base constitucional da qual decorrem vários outros fundamentos e princípios voltados a garanti-la. Convenhamos que além de uma garantia constitucional à vida é exigível que se garanta acima de tudo uma vida digna.

Dessa forma, nada mais justo que iniciar essa abordagem constitucional pelo fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Dignidade da Pessoa Humana

Prescreve a Carta Magna Pátria fundamentos constitucionais a garantia de um Estado Democrático de Direitos, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como fundamento principal a efetivação da característica democrática de direitos.

Sabido é que esse referido fundamento é o objetivo de garantia dos vários outros princípios naquela Carta Magna estabelecidos, por tal razão iniciemos essa abordagem constitucional tratando da dignidade da pessoa humana.

Inicialmente esclareça-se que o respeito e proteção a dignidade da pessoa humana é uma condição irrenunciável em um Estado Democrático de Direitos, pois reúne em sua amplitude direitos pessoais, sociais, dos trabalhadores, econômicos e vários outros segmentos que nele se fundamentam.

A dignidade da pessoa humana é um atributo inerente a qualquer ser humano em virtude da sua condição de pessoalidade, por tal motivo o legislador constitucional buscou dar o maior possível sentido normativo a este fundamento.

É, pois, esse fundamento voltado à garantia do respeito ao homem e seus atributos. Aplicável as sanções penais a dignidade da pessoa humana impõe limites a sua aplicação evitando assim sanções que exorbitem a sua finalidade ou a sua aplicação ilimitada.

Tratando-se de sanção penal é exigível a luz desse fundamento que a sua aplicação guarde certa identidade de limitação temporal com a gravidade do delito para que o excesso em sua aplicação não acabe por desvirtuar a finalidade de recuperação comportamental, proporcionando sofrimento a tal ponto de ser a aplicação desta sanção penal improdutiva.

É esse fundamento que impede o ingresso no ordenamento jurídico pátrio de normas penais discriminatórias e ilimitadas, ou seja, constitui a dignidade da pessoa humana um autêntico fundamento constitucional limitativo ao ius puniendi (direito de punir) do Estado.

Todas as sanções penais, portanto, deve obedecer à estrita ordem de total respeito à dignidade da pessoa humana, como bem declara em seus ensinamentos Ferrari (2001, p.123) “nulla poena e nulla misure sine humanitate”.

Em relação especificamente as medida de segurança, estas devem ser aplicadas de modo a garantir condições humanitárias dignas ao seu destinatário, para desse modo evitar uma segregação em casa de custódia e tratamento psiquiátrico sem possibilidade de uma verdadeira recuperação. Exigi-se do Estado uma postura lúcida ao aplicar uma medida de segurança ao inimputável, pois, a inobservância de requisitos mínimos ao fundamento da dignidade da pessoa humana pode causar ao enfermo grave sofrimento desnecessário e tornar a medida de segurança desvirtuada da sua finalidade precípua.

Deve ser garantido durante a aplicação das medidas de segurança um ambiente salubre, uma equipe profissional adequada ao bom tratamento do doente, o incentivo ao contato social, boa alimentação, vestimenta adequada, medicação indicada para cada caso, além disso um tratamento progressivo e individualizado a casos específicos.

Legalidade Penal

O principio da legalidade aplicável as medidas de segurança pela sua importância jurídica deve ser considerado tanto em sua modalidade material, quanto em sua modalidade formal. O conteúdo formal do princípio da legalidade nos apresenta uma premissa consistente na afirmação de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (Art.5º, XXXIX da CRFB), o que trazido ao instituto da medida de segurança teríamos a seguinte conclusão: a ninguém será aplicada medida de segurança sem que haja prévia previsão legal.

Para a existência da medida de segurança se faz necessário o devido procedimento legal, ou seja, o processo legislativo no Congresso Nacional, processo bicameral. Implicitamente a Constituição Federal em seu art.5º, XXXIX e o Código Penal Pátrio em seu art. 2º ao tratarem da legalidade penal quanto à pena, o fizeram da mesma forma com a medida de segurança, mesmo que implicitamente.

É, pois, o princípio da legalidade expressa limitação ao ius puniendi do Estado, configurando assim garantia indispensável ao um Estado Democrático de Direitos. A medida de segurança, por ser espécie do gênero sanção penal, também limita direitos devendo, portanto, submeter-se a exigência de lei anterior para evitar abusos na sua aplicação.

O eminente jurista Ferrari apud Francisco de Assis Toledo (2001. p. 93) diz que o principio da legalidade se desdobra em quatros outros, aos que chamou de subprincípios: a) “nullum crimen nulla poena sine lege praevia; b)“nullum crimen nulla poena sine lege scripta”; c) “nullum crimen, nulla poena sine lege stricta”; e d) “nullum crimen, nulla poena sine lege certa.

Pelo primeiro subprincipio, temos que é antes de tudo é imprescindível que haja uma previa tipificação de um crime e a sanção a ser aplicada em sua decorrência por lei, ou seja, uma norma contendo o preceito primário e o secundário, consistente na previsão da conduta e consequência jurídica respectivamente. Portanto, através deste critério é possível concluir que é totalmente vedada a existência de uma sanção penal de duração temporal indeterminada.

No que toca os demais subprincipios elencados por Ferrari ao citar Francisco de Assis Toledo, estes são derivações relevantes da tipicidade. É esse princípio derivado da legalidade que impede que os tipos penais sejam formulados de modos genérico, indeterminado ou ambíguo.

É nessa fase que o conceito de periculosidade é atacado, posto que não existe uma definição clara do que o legislador quis definir por perigoso. Aqui também se ataca o exame de verificação da cessação da periculosidade, posto que este é extremamente subjetivo e inseguro, por não ser capaz de ser demonstrado objetivamente como a culpabilidade. É exatamente pelo legislador ter dado a periculosidade um conceito vazio, e condicionar a interrupção da medida de segurança à cessação dessa condição, que o princípio da legalidade se encontra frontalmente ferido.

Sabe-se que não é o fato do infrator ser portador de doença mental, ou desenvolvimento mental reduzido, que se deve retirar dele as suas garantias fundamentais, portanto, ao destinatário da medida de segurança também é dado o direito de conhecer claramente o conteúdo da sanção aplicada, bem como o seu prazo de duração, sob pena de retirarmos desses indivíduos garantias que lhes são inerentes.

Afirma Ferrari (2001, p.95) que a ausência de limites máximos estabelecidos a medida de segurança é inconstitucional, posto que afrontam a certeza jurídica e o Estado Democrático de Direitos, o que viola o art.5º, XLVII, ‘b’ c/c a cláusula pétrea estabelecida no art. 60, §4º, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 

É preciso, portanto, uma obediência mais que formal ao princípio da legalidade, é imprescindível que se cumpra o preceito estabelecido pela legalidade penal de forma material, ou seja, que a medida de segurança tenha conteúdo claro e prazo determinado que possa ser conhecido por todos.

Mais justo seria a disposição da legalidade quanto a medida de segurança, nos moldes em que fez a Constituição Lusitana ao preceituar no seu art. 29 que tanto as penas como as medidas de segurança não podem ser aplicadas sem previa definição legal. Assim também o fez o constituinte italiano prevendo expressamente a aplicação do principio da legalidade as medidas de segurança.

Em um país que se descreve como um Estado Democrático de Direitos é inadmissível o descumprimento ao principio da legalidade, pondere-se mais grave ainda quando se tratar de medidas penais aplicáveis a incapazes.

Vedação a “Penas” de Caráter Perpétuo

Dispõe o art. 5º XLVII, ‘b’ da Constituição da República Federativa do Brasil, que “Não haverá penas: ... de caráter perpétuo”. Ocorre que o Código Penal Pátrio em desconformidade com o estabelecido na CRFB/88 estabelece que as medidas de segurança serão aplicadas por tempo indeterminado, ou seja, o que nos leva a crer ter esse instituto jurídico caráter perpétuo.

Sustentam alguns que o legislador somente quis se referir  as penas, como assim o fez, não sendo pois esta vedação aplicada as medidas de segurança, portanto, não afrontaria a Carta Magna a medida de segurança ter caráter indeterminado, pois a CFRB/88 não a mencionou na vedação constitucional.

Ocorre que quando se trata de direitos, principalmente direitos fundamentais, a interpretação deve se dar pelo meio menos restrito possível. Ademais se fizermos uma interpretação teleológica e sistemática da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sob a perspectiva de um Estado Democrático de Direitos, é possível concluir que o constituinte foi infeliz ao utilizar o termo “penas”, quando na verdade o correto seria utilizar o termo “ sanção penal”, gênero das espécies pena e medida de segurança. Portanto, a interpretação deste artigo constitucional deve ser entendido pelo gênero e não por apenas uma de suas espécies.

É esse o entendimento de Vinicius de Toledo Piza Peluso, vejamos:

 

Os mais apressados e simplistas, com base unicamente na antiga e ultrapassada interpretação literal, dirão imediatamente que tal artigo (art.5º, XLVII, ‘b’ CF) não se aplica às medidas de segurança já que estas não são penas; entretanto, após uma análise mais aprofundada, tal conclusão não pode – e não deve – permanecer.

 

Dessa forma, a vedação constitucional abrange mesmo que implicitamente a medida de segurança, tendo em vista os argumentos supra.

Proporcionalidade

Também conhecido como o princípio da proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade nos revela uma verdadeira proteção a liberdade individual em face do poder estatal, evitando respostas desnecessárias, inadequadas ou desproporcionais.

            Segundo esse princípio, as finalidades estatais devem ser atingidas de modo a interferirem minimamente na esfera da liberdade individual. Portanto, impõe a obrigação de proporcionalidade limitações ao poder do Estado de legislar sobre sanções e limitações ao direito de punir.

Desse modo, sanções penais desproporcionais a gravidade do delito não são admitidas no ordenamento jurídico pátrio, da mesma forma que sanções abstratas, abertas e por tempo indeterminado são igualmente vedadas.

A medida de segurança de modo não diferente da pena deve estar condicionada a necessidade, adequação e a limitação dos objetivos da sua imposição, em consonância com entendimento de (FERRARI, 2001, p.101).

Doutrinariamente o princípio da proporcionalidade subdivide-se em necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Na fase da necessidade é exigível que se faça uma ponderação buscado o equilíbrio entre os bens jurídicos e a real necessidade de aplicação da medida, e mesmo que se conclua pela aplicação esta medida deve ser selecionada a modalidade da medida de segurança e a sua duração respeitando assim as necessidades do tratamento e os direitos do doente infrator.

A adequação por outro lado esta ligada a aplicação da medida de segurança de modo a atender aos reais objetivos de sua aplicação, ou seja, a prevenção especial positiva (fim curativo), e a prevenção geral positiva (resposta social). Portanto, a medida de segurança deve estabelecer o meio adequado a obtenção dos resultados pretendidos.

A proporcionalidade em sentido estrito impede a aplicação de medida de segurança incompatível ou desproporcional com a infração praticada ou o nível de periculosidade do agente. Visa, pois, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito impedir os excessos, analisando novamente o bem jurídico lesado e a medida aplicada ao doente visando evitar a desproporcionalidade na sua aplicação.

Ponderemos então, se é proporcional ou razoável aplicar uma medida de segurança por tempo indeterminado a um doente infrator que praticou fato definido como crime contra o patrimônio, e até sujeito muitas vezes a atipicidade com base no princípio da insignificância e por outro lado limitar a pena de um imputável homicida contumaz ao topo de 30 anos de cumprimento de pena?

Igualdade

A igualdade que pode ser entendida por igualdade formal e igualdade material é uma das características principais da condição de um Estado Democrático de Direitos. Atente-se ao fato de estar este princípio intimamente ligado a dignidade da pessoa humana.

A igualdade estabelecida no art. 5º caput da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 nos revela em sua modalidade formal que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Dessa premissa formal resulta uma igualdade de tratamento entre os indivíduos da mesma natureza. Pela igualdade formal todos são detentores dos mesmos direitos e deveres resultantes do texto constitucional e qualquer divergência afronta o dispositivo legal.

Por outro lado a igualdade material busca uma forma de tratamento igualitário real, respeitando a condição de individualidade de cada ser, posto que não somos detentores da mesmas características física, intelectuais, biológicas, sociais dentre outros, apesar de sermos portadores da mesma  essência, ou seja, a condição de ser humano.

É a igualdade material uma isonomia real, que busca tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, seguindo uma concepção aristotélica. Sabe-se, pois, que na maioria das vezes a medida de segurança é mais gravosa que a pena, pois além de causar sofrimento exagerado ao seu destinatário que por mais das vezes não corresponde o resultado sanção a pratica do ilícito-penal, além de causar alto grau de estigmatização.

Inadmissível é aplicar uma medida mais gravosa a um desigual, sem atentar para sua condição de incapacidade de entender as conseqüências jurídicas dos seus atos. Os doentes mentais e os de culpabilidade diminuída são detentores dos mesmos direitos individuais dos imputáveis, e é inconcebível que a doença mental destes indivíduos sirva de fundamento para justificar a discriminação atentatória aos ditames constitucionais.

Portanto, o que justificaria a aplicação indeterminada da medida de segurança, enquanto a pena é sempre predeterminada a não ser a pura discriminação? Patente se mostra a discriminação quando se tem como exemplo dois indivíduos um capaz e outro incapaz praticando a mesma conduta em locais e horas distintos contra vitimas de condições idênticas, enquanto o capaz terá uma pena determinada o incapaz mesmo sem entender o caráter ilícito do seu ato se submeterá pó tempo indeterminado a uma medida de segurança.

Mais grave ainda quando um capaz comete um crime hediondo gravíssimo, e em contrapartida um incapaz comete um crime contra o patrimônio, tenhamos como exemplo a receptação que é punida com reclusão, terá o doente mental que se submeter a uma medida de segurança de internação por tempo indeterminado, mesmo sem ter praticado qualquer ato de violência já que sua periculosidade é presumida. Por outro lado o capaz poderia praticar vários daqueles crimes hediondos em concurso material, certo de que sua pena se limitaria a 30 anos.

Portanto, a indeterminação temporal da medida de segurança afronta a igualdade constitucional tanto pelo prisma formal, quanto material.


 3. O CARÁTER INDETERMINADO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA E O CRITÉRIO DE VERIFICAÇÃO DA CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE

 

Instituto jurídico, intensamente discutido na doutrina e jurisprudência brasileira é a Medida de Segurança, aplicada aos inimputáveis de um modo genérico, posto que o Código Penal Brasileiro mais precisamente em seu art.97 e §1º dispôs da seguinte maneira:

 

“Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.” (grifos nossos).

 

Todavia, o Código Penal não prevê o tempo máximo para a efetivação da custódia pelo Estado.

 E é justamente no que toca a indeterminação temporal da medida de segurança, bem como no critério utilizado para a sua cessação que reside o cerne do problema.  Sustenta-se que a periculosidade não é um critério que se possa demonstrar objetivamente, ficando dessa forma o inimputável a mercê de um critério profundamente subjetivo, o que em tese fere alguns dos princípios constitucionais que já abordados neste trabalho.

Do mesmo modo, problema que também é enfrentado pelos operadores de direito, é o momento da aplicação da medida de segurança, pois não há necessidade do fato ser provado, isto é, de um juízo de certeza, o que existe é uma análise da qualidade pessoal do sujeito, a ser comprovada mediante perícia, ou seja, a periculosidade do agente. Por esse ângulo as análises psiquiátricas são calcadas em possibilidades subjetivas de que o inimputável venha ou não oferecer perigo à sociedade.

Exatamente por isso, o conceito de periculosidade do infrator e o seu diagnóstico são absurdamente subjetivos, pois carece da observação da possibilidade ou não, daquele causar dano a sociedade.

O fato de se analisar a periculosidade do agente para aplicação e duração da Medida de Segurança, resulta em grave falta de aspecto objetivo, posto que não há  que se demonstrar que o fato delituoso foi praticado com fundamento na insanidade mental ou na condição potencial, apta a prática de delitos do insano, mas tão somente na periculosidade do agente, pois somente o fato delituoso não é, por si só, capaz de demonstrar o potencial de periculosidade.

A Medida de Segurança de Internação é tão severa, ou até mais severa que a pena, pelo fato de causar ao condenado alto grau de estigmatização e o afastar cada vez mais do meio social. Por tal motivo não pode o Estado ter a possibilidade de exercer o seu ius puniendi (aplicável também a Medida de Segurança em virtude do seu caráter dúplice) de modo perpétuo ou em caráter perpetuo.

Vivemos em um Estado Democrático de Direitos albergado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, desse modo é inadmissível se pensar no ser humano sem garantir-lhe a dignidade, ou aplicar-lhe qualquer punição ou método de proteção, sem um critério que possa ser conhecido e demonstrado objetivamente, ferindo o contraditório e a ampla defesa garantidos constitucionalmente.

Luiz Flávio Gomes ao tratar do tema Medida de Segurança fez a seguinte afirmação:

 

Desde o final do século XIX a ciência penal discute qual seria a melhor forma de se tratar o delinquente Inimputável. É certo que ele não pode cumprir pena em presídio comum e muito menos ficar junto com os demais detentos mentalmente normais. Para os Inimputáveis devemos reservar as Medidas de Segurança, que hoje consistem em internação em hospital de custódia ou em tratamento ambulatorial. Quando o Inimputável comete algum delito punido com reclusão, automaticamente será internado (porque é presumido perigos). (grifo nosso)

 

O critério subjetivo esbarra muitas vezes em uma presunção de periculosidade o que levará sumariamente o inimputável a medida de internação, como afirmou categoricamente o eminente jurista Luiz Flávio Gomes.

Reforçando a afirmação feita por Luiz Flávio Gomes encontramos os dizeres de Capez (2008, p.256), in verbis:

 

Na inimputabilidade, a periculosidade é presumida. Basta o laudo apontar a perturbação mental que tenha praticado fato típico e ilícito. Na semi-imputabilidade, precisa ser constatada pelo Juiz. Mesmo o laudo apontando a falta de higidez mental, deverá ainda ser investigado, no caso concreto, se é caso de pena ou medida de segurança. (grifo nosso)

 

Sob essa perspectiva passa-se a esquecer a conduta delituosa praticada pelo inimputável e as suas circunstâncias, para de forma presumida pré-julgar a sua condição de periculosidade. O que nas palavras de Foucault ( 2007, P.20) "começaram a julgar coisa diferente além dos crimes: a alma dos criminosos".

Ademais, o Estado Democrático de Direito em que se vive hoje não admite que qualquer sanção penal seja aplicada a míngua das garantias e direitos fundamentais do homem, tal ponto merece intensa discussão, sob pena de tornar-se a sociedade eternamente conivente com as lesões a carta magna brasileira, o que de plano pode-se sustentar a inadmissibilidade.

Temos que o Código Penal Pátrio em seu art. 97, § 2º, dispõem claramente que a perícia médica para verificação de cessação da periculosidade do agente será realizada ao fim do prazo mínimo fixado, devendo este ser repetido anualmente, ou a qualquer tempo, se assim determinar o juiz da execução. Todavia, permite-se ao juiz da execução determinarex officio,a realização do referido exame ou a repetição deste a qualquer tempo, desde que haja decorrido o prazo mínimo estabelecido.

Ainda dentro do prazo mínimo, o referido exame pode ser realizado, após o devido requerimento pelo Ministério Públicoou solicitação do interessado e após a realização do exame em tela, este deve ser remetido ao juiz da execução, acompanhado de relatório minucioso e laudo psiquiátrico.

Note-se, todavia, que o diagnóstico da periculosidade é uma conclusão imprecisa e de difícil descaracterização, justamente por ausência de pontos concretos a se discutir, e em que pese à definição legal e a guarda da possibilidade de libertação do individuo, este é frequentemente submetido a esse instrumento jurídico em caráter perpetuo pelas dificuldades que encontra na tentativa de comprovar a desnecessidade de manutenção da sua segregação ou limitação a liberdade.

Ocorre que somente após a comprovação pela perícia da cessação da periculosidade, é que será determinada pelo juiz da execução a revogação da medida de segurança (desinternação ou liberação) em favor do infrator, todavia, em caráter provisório. Nesta fase de cumprimento da medida de segurança o Juiz aplicará os benefícios, bem como, as condições do livramento condicional aplicável a imputável e somente depoisde transcorrido um ano sem que o agente pratique novo fato indicativo de continuidade da periculosidade estará o agente definitivamente livre da aplicação da medida de segurança.

Como já estabelecido em tópico próprio mesmo após a verificação da cessação da periculosidade e a consequente liberação do infrator, este ficará subordinado às condições a serem estabelecidas pelo Juiz da execução. Tais condições equivocadamente são as mesmas aplicáveis ao livramento condicional impostas a infratores capazes.

Sobre o prisma da indeterminação temporal das Medidas de Segurança, elencado como problema central da elaboração do tema trata Zaffaroni e Pierangeli (2004, p.809) da seguinte forma:

 

De acordo com as regras legais expressas, as medidas de segurança não teriam limite máximo, ou seja, poderiam, por hipótese, perdurar durante toda a vida da pessoa a elas submetidas, sempre que não  advenha  uma perícia indicativa  da cessação da periculosidade do submetido. Esta conseqüência deve chamar a interpretação dos intérpretes de qualquer lei penal, por menos que reflexionem sobre uma medida de segurança significar limitações de liberdade e restrições de direitos, talvez mais graves do que os dotados de conteúdo autenticamente punitivo. Se a Constituição Federal dispõe que não há penas perpétuas (art.5º, XLVII, b), muito menos se pode aceitara existência de perdas perpétuas de direitos formalmente penais.  (grifo nosso)

 

Retira-se, pois das palavras dos nobres juristas que o fato da medida de segurança não ser pena, ou ainda, não ter caráter punitivo não justifica a sua indeterminação temporal, tendo em vistas que as limitações causadas ao agente inimputável, são por vezes mais gravosas que as impostas aos imputáveis. Ainda esclarece que quando a Constituição Federal dispõe sobre a impossibilidade de existência de penas de caráter perpétuo, quiçá a existência de medidas que suprimam a liberdade de qualquer modo, como é o caso das medidas de segurança. Ainda acrescenta Zaffaroni e Pierangeli (2004, p.809) que “Se a lei não estabelece limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo”.

Na mesma linha de pensamento Reale Júnior (2004, p.177) aborda o tema e indica solução:

 

Quanto à duração indeterminada, cabe razão aos críticos, uma vez que o princípio da legalidade impõe que se fixe limite máximo de tempo de aplicação da medida de  segurança, o que se procurou remediar no projeto em andamento no Congresso Nacional, que prevê no art.98 que o tempo da medida de segurança não será superior á pena máxima cominada ao tipo legal de crime. Findo o prazo, se não cessada a doença, segundo o propósito do Projeto, deve ser declarada extinta a medida e o internado deve ser transferido para hospital da rede pública, se não for suficiente o tratamento ambulatorial. Passa o Internado, sujeito a medida de segurança determinada por juízo criminal, a receber, vencido prazo da pena máxima cominada ao crime correspondente ao fato praticado, tratamento comum, em hospital comum.

 

Miguel Reale Júnior, não só concorda com os questionamentos sobre o caráter indeterminado das medidas como aponta soluções e o que se tem feito pra reformar esse critério. Como é o caso do projeto supracitado pelo jurista que pretende determinar um prazo máximo as medidas de segurança, neste caso até o limite da pena máxima em abstrato cominada ao delito. Outras soluções são propostas pela doutrina, e que ao longo do trabalho serão ponderadas em capitulo específico para este fim. A exemplo do que aponta Pedroso (2008, p.763), “Todavia, a medida de segurança não pode exceder o período máximo de trinta anos previstos para o cumprimento das penas restritivas de liberdade”.

Pedroso (2008, p.56) é mais um jurista que propõe solução ao problema tratado no trabalho, e que ao detalhar tal entendimento ressalta, “Do contrário, instituiria por vias transversas, a perpetuidade do estado de segregação, que é constitucionalmente vedada.”

Há, todavia, quem discorde das críticas à indeterminação temporal das medidas de segurança. Um bom exemplo entre outros é Luis Regis Prado (2009. p.711), que sustenta que o caráter indeterminado é inerente a própria finalidade da medida de segurança, bem como, não descarta a possibilidade de perdurar esta por toda a vida do inimputável. Vejamos:

 

Em sentido oposto, salienta-se que a indeterminação é inerente à própria finalidade das medidas de segurança, cuja duração não pode ser fixada. A medida de segurança deve, por conseguinte, ser indeterminada no tempo, não excluída a hipótese de se prolongar por toda a vida do condenado.

 

Note-se, todavia, que embora a carta magna garanta expressamente direitos fundamentais aos imputáveis em razão da aplicação de pena, não é justificável que se faça interpretações restritivas daqueles direitos, uma vez que tanto a medida de segurança, quanto à pena são espécies de sanção penal, portanto, formas de controle social e que fundamentalmente identificam-se. Dessa forma, todos os direitos fundamentais aplicados aos imputáveis, são também aplicáveis aos inimputáveis.

Apesar de o presente trabalho guardar tópico especifico para o tratamento da matéria a nível constitucional, se faz necessárias algumas ponderações do tema nessa fase.  Dito que os inimputáveis gozam dos mesmos direitos fundamentais que os penalmente capazes, não se pode conceber, pois, qualquer tratamento discriminatório entre estes. A aplicação em caráter perpétuo das medidas de segurança violam frontalmente a previsão do art. 5º, inciso, XLVII, alínea “b” da Constituição Federal de 1988, posto que pela analise apresentada a pouco pode-se concluir facilmente que a vedação a penas de caráter perpetuo é plenamente aplicável as medidas de segurança buscando-se evitar qualquer forma de discriminação ao inimputável.

Justificam alguns doutrinadores que a aplicação da medida de segurança deve ser aplicada nos padrões de indeterminação visto que para o enfermo mental a possibilidade de reincidência é maior que nos imputáveis, todavia, padece tal argumento de comprovação objetiva, posto que não há razão em se sustentar tal argumento, posto que dessa forma se estaria ao mesmo tempo indicando que a pena teria maior eficácia na reinserção social, ou que a pura condição pessoal do individuo justificaria a aplicação discriminatória de tal critério.

Tem-se que a condição pessoal do enfermo mental, em razão de sua incapacidade, exige maior proteção Estatal e não medidas por muitas vezes mais gravosas que a pena, não se justifica, portanto, o desrespeito as garantias constitucionais que detêm os enfermos sob a justificativa de maior grau de potencialidade a prática de crimes. Além do mais, todo infrator representa perigo para a sociedade, seja ele enfermo ou não, quanto à possibilidade de reincidência do inimputável não pode ser presumido maior comparado ao imputável. Atente-se ainda ao fato do inimputável submetido à medida de segurança, receber durante a execução o devido tratamento curativo voltado a sua reinserção social, por outro lado o imputável não se submete a esse tipo de tratamento intensivo, presumindo-se que a sua reclusão em estabelecimento penal nos moldes da LEP é suficiente para a sua transformação, o que convenhamos é totalmente insuficiente.

Fundado em uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição Federal de 1988, é possível se concluir que o termo “penas” foi utilizado no texto constitucional para se definir “sanções penais”, ou seja, para definir o gênero do qual são espécies penas e medidas de segurança, posto que não se justifica um dispositivo inteiramente oposto ao sistema constitucional apresentado pelo constituinte de 1988.

Portanto, deve ser feita sempre uma interpretação minimamente restritiva aos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, o que nos leva a crer fielmente ser aplicada a vedação a penas perpétuas as medidas de segurança na mesma linha de todos os outros direitos e garantias fundamentais albergadas na Carta Magna de 1988. 

 

3.1 Ponderações Doutrinárias Acerca da Melhor Solução ao Caso

Após a rápida abordagem acerca do problema da indeterminação temporal das medidas de segurança no ordenamento jurídico pátrio cumpre-nos a necessidade de apresentarmos às propostas doutrinárias voltadas a melhor solução para o caso.

Seguindo as orientações do trabalho realizado por Ferrari (2001) em sua obra “Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito”, bem como várias outras opiniões doutrinárias, selecionou-se uma, entre algumas propostas existentes na doutrina brasileira, por considerar a mais interessante. Passemos a analisá-la:

Desinternação Progressiva nas Medidas de Segurança

Amparados nos princípios da igualdade e nos demais direitos e garantias constitucionais inerentes ao imputável. Certos de que prioritariamente a sanção penal deve voltar-se a reinserção social, bem como, que essa reinserção deve ser progressiva e aplicável a sanção penal como gênero. Portanto, é justificável a aplicação da referida progressão também as medida de segurança.

A aplicação da progressão as medidas de segurança, possibilitará a evolução dos tratamentos do mais rigoroso ao menos de forma a respeitar a autodeterminação e dignidade do destinatário da medida de segurança, possibilitando efetivamente sua reinserção social.

Considerando a lacuna da lei já é possível perceber alguns estabelecimentos destinados a execução das medidas de segurança utilizando-se dessa proposta, embora a intitulando de modo diverso seguem na mesma essência.

Em sua obra Ferrari (2001, p. 168/169) cita alguns estabelecimentos no Brasil que já adotam essa proposta como promissora. Vejamos então os exemplos:

 

Dentre os estados que aplicam a progressividade da execução da medida de segurança, importante constitui a referência ao Instituto Psiquiátrico Forense de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o Manicômio Judiciário de Recife-Pernambuco, seguindo os moldes de Porto Alegre, e do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima, de Franco da Rocha. A progressividade, em Porto Alegre, denomina-se de alta progressiva, enquanto em Franco da Rocha, desinternação progressiva. As diferenças essenciais entre a alta e a desinternação progressiva estão relacionadas às formas de tratamento aplicáveis ao delinquente-doente. Enquanto na desinternação há um acompanhamento contínuo dos funcionários, analisando a evolução dos pacientes, a alta restringe-se a meras visitas experimentais dos pacientes às casas dos familiares, ressaltando haver também na desisnternação uma série de atividades dentro da própria unidade, facultando ao inimputável ou ao semi-inimputável o trabalho externo durante o dia, com repouso noturno na instituição, configurando-se num paralelo ao regime semi-aberto aplicado aos imputáveis.

 

Em sua obra o referido doutrinador ainda chama atenção para a necessidade de não se confundir a desinternação progressiva com a progressão das espécies de medidas de segurança. Acrescenta então Ferrari (2001, p.170):

 

A desinternação progressiva não figura como sinônimo da progressão da espécie da medida de segurança, porquanto representa apenas mudança de raio ou em certas regras, não alterando-se a espécie de medida de segurança fixada, havendo apenas maior ou menor contato exterior por parte do doente mental com acesso a laborterapia, não modificando-se, entretanto, a espécie da medida de segurança criminal executada. Já a progressão consiste em uma verdadeira transformação da espécie da medida de segurança inicialmente aplicada, passando da internação para o tratamento ambulatorial.

 

Portanto, tenha-se a desinternação progressiva por um método terapêutico, que além de tratar do problema psiquiátrico do doente, lhe devolve determinados atributos sociais pelo contrato progressivo e pelo desenvolvimento do trabalho espontâneo do doente que busca sua dignidade e auto-afirmação perante a sociedade.

Quanto às várias outras propostas de resolução do problema limito-me a citá-las, pois não guardam grandes complicações em seu entendimento, sendo suficiente menciona-las, já que em capitulo oportuno serão demonstradas nas jurisprudências pátrias. São elas: Limites mínimos e máximos à execução das Medidas de Segurança; Prescrição das Medidas de segurança e Limitação atrelada ao tempo estabelecido para pena em abstrato.

 

3.2 Análise Jurisprudencial Acerca da Matéria

 

Sabe-se que as orientações doutrinárias em conjunto, na maioria das vezes, expressam os anseios da sociedade. É voltando todos os seus esforços a investigar uma melhor solução para os fatos jurídicos vividos na nossa realidade e apontar a melhor solução que a doutrina pátria contribui relevantemente com o desenvolvimento do ordenamento jurídico pátrio.

Essa realidade nos é revelada ao passo em que podemos perceber a essência dessas orientações nas decisões dos tribunais pátrios. Seguindo o padrão de respeito às garantias e vedações constitucionais, e protegendo a característica de um Estado Democrático de Direitos é que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a guarda da Constituição da República Federativa do Brasil vêm posicionando-se relevantemente favorável as interpretações constitucionais a favor da medida de segurança.

Passemos nesse momento a analisar as jurisprudências dessas duas cortes destacando os pontos relevantes a matéria. Iniciemos, pois, pelos julgados do Superior Tribunal de Justiça:

 

HABEAS CORPUS. PENAL. INIMPUTÁVEL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. PERSISTÊNCIA DA PERICULOSIDADE. IMPROPRIEDADE DO WRIT. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. DECRETO N.º 7.648/2011. VERIFICAÇÃO DE INCIDÊNCIA. NECESSIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PENAS PERPÉTUAS. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO AO MÁXIMO DA PENA ABSTRATAMENTE COMINADA. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES.

1. Na hipótese, o Tribunal de origem, após exame do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu pela necessidade de prorrogação da internação do Paciente em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, por não restar evidenciada a cessação de sua periculosidade, embora tenham os peritos opinado pela desinternação condicional do Paciente. Assim, para se entender de modo diverso, de modo a determinar que o Paciente seja submetido a tratamento em Hospital Psiquiátrico Comum da Rede Pública, e não em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, seria inevitável a reapreciação da matéria fático-probatória, sendo imprópria sua análise na via do habeas corpus.

2. Por outro lado, nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código Penal, deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e não pode ser superior a 30 (trinta) anos.

3. Além disso, o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º 7.648/2011, concede indulto às pessoas, nacionais e estrangeiras "submetidas a medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2011, tenham suportado privação de liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, por período igual ao tempo da condenação".

4. Habeas corpus não conhecido. Writ concedido, de ofício, para determinar que o Juízo das Execuções analise a situação do Paciente, à luz do que dispõe o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º7.648/2011.

Acórdão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.)

(HABEAS CORPUS 2011/0125054-5. Relator(a). Min. LAURITA VAZ (1120) órgão julgador. T-5 QUINTA TURMA. Data do julgamento.20/03/2012. Data da Publicação/Fonte. DJe 20/03/2012).

Grifos nosso.

 

Observe que este é um julgamento recente do STJ dentre vários outros que serão expostos resumidamente a seguir:

 

RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INIMPUTÁVEL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. PRETENSÃO MINISTERIAL DE AFASTAR A LIMITAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE DE DURAÇÃO: PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE COMINADA AO DELITO E PRAZO DE 30 ANOS PREVISTO NO ART. 75 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. Nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código Penal, deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia e da razoabilidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado à pena máxima abstratamente cominada ao delito perpetrado ou ao limite de 30 (trinta) anos estabelecido no art. 75 do Código Penal, caso o máximo da pena cominada seja superior a este período.

2. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a controvérsia, manifestou-se no sentido de que a medida de segurança deve obedecer a garantia constitucional que veda as penas de caráter perpétuo, nos termos do art. 5.º, XLVII, alínea b, da Constituição da República, aplicando, por analogia, o limite temporal de 30 (trinta) anos previsto no art. 75 do Código Penal.

3. Recurso especial desprovido.

(REsp 964247/DF. RECURSO ESPECIAL 2007/0144305-1.Relator(a). Min. LAURITA VAZ (1120) órgão julgador. T-5 QUINTA TURMA. Data do julgamento.13/03/2012. Data da Publicação/Fonte. DJe 23/03/2012). (Grifos nosso).

 

Note-se, todavia, que este nem sempre foi esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, posto que pelo julgado abaixo publicado em setembro de 2005, é possível perceber a mudança de posicionamento, ainda que em turmas:

 

HABEAS CORPUS  Nº 42.683 - SP (2005/0045497-6) RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP IMPETRANTE : FRANCIANE  DE  FÁTIMA  MARQUES-PROCURADORIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA IMPETRADO:SEGUNDA  CÂMARA  CRIMINAL  EXTRAORDINÁRIA  DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE  : HAMILTON LOPES DE SOUZA (INTERNADO)

EMENTA

CRIMINAL.  HC.  LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE.  EXECUÇÃO.  RÉU SEMI-IMPUTÁVEL.  SUBSTITUIÇÃO DA PENA  PRIVATIVA  DE LIBERDADE  POR  MEDIDA  DE  SEGURANÇA  AINDA  NO  PROCESSO  DE CONHECIMENTO. INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

I.  A  medida  de  segurança  prevista  no  Código  Penal,  quando  aplicada  ao inimputável  ou  semi-imputável  ainda  no  processo  de  conhecimento,  pode  ter  prazo indeterminado,  perdurando  enquanto  não  for  averiguada  a  cessação  da  periculosidade. Precedentes.

II.  Não  há  vinculação  entre  o  prazo  de  duração  da  medida  de  segurança imposta ao semi-imputável, ainda no processo de conhecimento, com o tempo de duração da pena privativa de liberdade substituída.

III. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem."Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de setembro de 2005(Data do Julgamento)

MINISTRO GILSON DIPP Relator.

(Grifos nosso).

 

Os posicionamentos atuais mantêm-se na linha de interpretação constitucional menos restritivas possíveis ao destinatário das medidas de segurança, como se pode concluir pelos julgados abaixo:

 

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ. IMPETRANTE : RICARDO MORGADO.ADVOGADO:ANDREA ABRITTA GARZON TONET-DEFENSORA PÚBLICA.IMPETRADO:TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS.PACIENTE:RICARDO MORGADO (INTERNADO)

EMENTA

HABEAS CORPUS.  PENAL.  INIMPUTÁVEL.  APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA.  INTERNAÇÃO.  LIMITAÇÃO DO  TEMPO DE  CUMPRIMENTO  AO  MÁXIMO  DA  PENA  ABSTRATAMENTE COMINADA. PRECEDENTES.

1. Nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código Penal, deve ser interpretado em consonância com os  princípios  da isonomia e da proporcionalidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito  perpetrado, bem como ao máximo de 30 (trinta) anos.

2. Na hipótese, o Juízo de primeiro grau proferiu sentença absolutória imprópria, aplicando ao  Paciente  medida  de  internação,  por  prazo indeterminado, observado o prazo mínimo de 03 (três) anos. Contudo, deveria ter sido fixado, como limite da internação, o máximo  da  pena  abstratamente cominada  ao  delito  praticado  pelo  ora  Paciente,  previsto  no  art.  157,  §  2.º,inciso I, do Código Penal.

3.Ordem  concedida, para fixar  como limite da internação o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado pelo ora Paciente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade  dos  votos  e  das  notas taquigráficas  a  seguir,  por  unanimidade,  conceder  a  ordem,  nos  termos  do  voto  da  Sra. Ministra  Relatora.  Os Srs.Ministros  Napoleão  Nunes  Maia  Filho,  Jorge  Mussi,  Adilson Vieira  Macabu  (Desembargador  convocado  do  TJ/RJ)  e  Gilson  Dipp  votaram  com  a  Sra.Ministra Relatora. Brasília (DF), 05 de abril de 2011 (Data do Julgamento) MINISTRA LAURITA VAZ Relatora.

Grifos nosso.

 

Em consonância com a interpretação teleológica e sistemática da Carta Magna de 1988, o Superior Tribunal de Justiça manifestou acerca da vedação a “penas” de caráter perpétuo. Veja-se:

 

EXECUÇÃO PENAL. HOMICÍDIO. PACIENTE INIMPUTÁVEL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO. LIMITAÇÃO. MÁXIMO DA PENA ABSTRATAMENTE COMINADA AO DELITO.

1. Levando em conta o preceito segundo o qual "não haverá penas de caráter perpétuo" (art. 5º, XLII, b, da CF) e os princípios da isonomia e da proporcionalidade, a Sexta Turma adotou o entendimento de que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

2. No caso, o paciente iniciou o cumprimento da segunda internação

em 11/2/1985, pela prática do delito previsto no art. 121, caput, do Código Penal, cuja pena máxima é de 20 anos. À época do indulto concedido na origem (2/7/2009), cuja decisão está pendente de análise pelo Tribunal a quo, já tinham decorrido mais de 24 anos de segregação social, patente, portanto, o constrangimento ilegal.

3. Ordem concedida para declarar o término do cumprimento da medida de segurança imposta ao paciente.

(HC 174342/RS. HABEAS CORPUS 2010/0096838-9.Relator(a). Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148) órgão julgador. T-6 SEXTA TURMA. Data do julgamento.11/10/2011. Data da Publicação/Fonte. DJe 14/11/2011).

 

Na mesma linha de interpretação posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça acerca da prescrição e sua aplicabilidade à medida de segurança:

 

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PACIENTE INIMPUTÁVEL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE. INTERNAÇÃO. PRAZO INDETERMINADO. TÉRMINO. CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

1. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o

instituto da prescrição é aplicável na medida de segurança, estipulando que esta "é espécie do gênero sanção penal e se sujeita,

por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal" (RHC n. 86.888/SP, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ de 2/12/2005).

2. Considerando-se que o máximo da pena abstratamente cominada ao delito é de 30 (trinta) anos, o prazo prescricional seria de 20 (vinte) anos, nos termos do artigo 109, inciso I, do Código Penal, de tal sorte que não se vislumbra que tenha transcorrido o referido lapso entre cada um dos marcos interruptivos, não podendo falar-se, então, em prescrição da pretensão punitiva.

3. Aliás, também não há como se reconhecer a prescrição da pretensão executória no caso em comento, porquanto o início do cumprimento da medida de segurança pelo paciente interrompeu o transcurso da prescrição, nos termos do artigo 117, inciso V, do Código Penal.

4. Esta Corte Superior firmou entendimento de que a medida de segurança é aplicável ao inimputável e tem prazo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade (Precedentes STJ).

5. Ordem denegada.

(HC 145510/RS. HABEAS CORPUS 2009/0165186-1.Relator(a). Min. JORGE MUSSI (1138) órgão julgador. T-6 SEXTA TURMA. Data do julgamento.16/12/2010. Data da Publicação/Fonte. DJe 07/02/2011).

Grifos nosso.

 

Expostos acima estão os julgados do Superior Tribunal de Justiça mais relevantes a matéria. Passemos então a analisar as jurisprudências da mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal:

 

HC98360/RS-RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS
Relator(a):Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 04/08/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação
23-10-2009.

Parte(s)

PACTE. (S) :LUIZ ADOLFO WORM

IMPTE. (S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
COATOR (A/S) (ES):SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: PENAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA MEDIDA, TODAVIA, NOS TERMOS DO ART. 75 DO CP. PERICULOSIDADE DO PACIENTE SUBSISTENTE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO, NOS TERMOS DA LEI 10.261/01. WRIT CONCEDIDO EM PARTE. I - Não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição da medida de segurança uma vez que a internação do paciente interrompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, V, do Código Penal). II - Esta Corte, todavia, já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos. Precedente. III - Laudo psicológico que, no entanto, reconheceu a permanência da periculosidade do paciente, embora atenuada, o que torna cabível, no caso, a imposição de medida terapêutica em hospital psiquiátrico próprio. IV - Ordem concedida em parte para extinguir a medida de segurança, determinando-se a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/01, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente.

Decisão

A Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito. Falou o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público da União, pelo paciente. 1ª Turma, 04.08.2009. (Grifos nosso).
 

Neste caso o Supremo Tribunal Federal realizou uma interpretação sistemática e teleológica de alguns artigos da Constituição de 1988 para aplicar a vedação constitucional as sanções de caráter perpetuo, bem como limitar a aplicação da medida de segurança ao prazo de 30 anos:

 

HC84219/SP-SÃO PAULO. HABEAS CORPUS
Relator(a):Min.MARCO AURÉLIO. Julgamento: 16/08/2005 Órgão Julgador:  Primeira Turma Publicação
23-09-2005.

Parte(s)

PACTE.(S):MARIA DE LOURDE FIGUEIREDO OU MARIA DE LOUDES FIGUEIREDO OU MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA
IMPTE.(S):PGE-SP - WALDIR FRANCISCO HONORATO JUNIOR            (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)
COATOR(A/S)(ES):SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa 
MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos.
(Grifos nosso).

 

Na jurisprudência abaixo descrita a corte suprema entendeu ser aplicável a desinternação progressiva do paciente:

 

HC 107777 / RS - RIO GRANDE DO SUL
HABEAS CORPUS Relator(a): Min. AYRES BRITTO
Julgamento: 07/02/2012. Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação.

PROCESSO ELETRÔNICO. PUBLICAÇÂO EM: 16-04-2012.

Parte(s)

PACTE.(S) : JORGE ALBERTO ROHLOFF
IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. As medidas de segurança se submetem ao regime ordinariamente normado da prescrição penal. Prescrição a ser calculada com base na pena máxima cominada ao tipo penal debitado ao agente (no caso da prescrição da pretensão punitiva) ou com base na duração máxima da medida de segurança, trinta anos (no caso da prescrição da pretensão executória). Prazos prescricionais, esses, aos quais se aplicam, por lógico, os termos iniciais e marcos interruptivos e suspensivos dispostos no Código Penal. 2. Não se pode falar em transcurso do prazo prescricional durante o período de cumprimento da medida de segurança. Prazo, a toda evidência, interrompido com o início da submissão do paciente ao “tratamento” psiquiátrico forense (inciso V do art. 117 do Código Penal). 3. No julgamento do HC 97.621, da relatoria do ministro Cezar Peluso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu cabível a adoção da desinternação progressiva de que trata a Lei 10.261/2001. Mesmo equacionamento jurídico dado pela Primeira Turma, ao julgar o HC 98.360, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, e, mais recentemente, o RHC 100.383, da relatoria do ministro Luiz Fux. 4. No caso, o paciente está submetido ao controle penal estatal desde 1984 (data da internação no Instituto Psiquiátrico Forense) e se acha no gozo da alta progressiva desde 1986. Pelo que não se pode desqualificar a ponderação do Juízo mais próximo à realidade da causa. 5. Ordem parcialmente concedida para assegurar ao paciente a desinternação progressiva, determinada pelo Juízo das Execuções Penais.

 

Os demais julgados do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria guardam as mesmas características de interpretação relativa às garantias e vedações constitucionais aplicáveis a medida de segurança:

 

HC 107432 / RS - RIO GRANDE DO SUL.HABEAS CORPUS
Relator(a):Min.RICARDO LEWANDOWSKI.Julgamento: 24/05/2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação
09/06/2011

Parte(s)

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S) : GERSON LUIZ VOLKART
IMPTE.(S)  : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU INIMPUTÁVEL.
 MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE DO PACIENTE SUBSISTENTE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO, NOS TERMOS DA LEI 10.261/2001. WRIT CONCEDIDO EM PARTE. I – Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos. Na espécie, entretanto, tal prazo não foi alcançado. II - Não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição da medida de segurança uma vez que a internação do paciente interrompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, V, do Código Penal). III – Laudo psicológico que reconheceu a permanência da periculosidade do paciente, embora atenuada, o que torna cabível, no caso, a imposição de medida terapêutica em hospital psiquiátrico próprio. IV – Ordem concedida em parte para determinar a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/2001, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente. (Grifos nosso).

 

 

HC 98360 / RS - RIO GRANDE DO SUL 
HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 04/08/2009.Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação
23/10/2009

Parte(s)

PACTE.(S) : LUIZ ADOLFO WORM
IMPTE.(S)  : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


EMENTA: PENAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU INIMPUTÁVEL.
 MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA MEDIDA, TODAVIA, NOS TERMOS DO ART. 75 DO CP. PERICULOSIDADE DO PACIENTE SUBSISTENTE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO, NOS TERMOS DA LEI 10.261/01. WRIT CONCEDIDO EM PARTE. I - Não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição da medida de segurança uma vez que a internação do paciente interrompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, V, do Código Penal). II - Esta Corte, todavia, já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos. Precedente. III - Laudo psicológico que, no entanto, reconheceu a permanência da periculosidade do paciente, embora atenuada, o que torna cabível, no caso, a imposição de medida terapêutica em hospital psiquiátrico próprio. IV - Ordem concedida em parte para extinguir a medida de segurança, determinando-se a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/01, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente.(Grifos nosso).

 

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. LAUDO PERICIAL ASSINADO POR UM ÚNICO PERITO OFICIAL: VALIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA MÍNIMA EM ABSTRATO: IMPOSSIBILIDADE.1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da validade do laudo pericial assinado por um único perito oficial.2. A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal. Impossibilidade de considerar-se o mínimo da pena cominada em abstrato para efeito prescricional, por ausência de previsão legal. O Supremo Tribunal Federal não está, sob pena de usurpação da função legislativa, autorizado a, pela via da interpretação, inovar o ordenamento, o que resultaria do acolhimento da pretensão deduzida pelo recorrente. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual se nega provimento. 109 do Código Penal.

(86888 SP, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 07/11/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 02-12-2005). (Grifos nosso).

 

Podemos dessa forma concluir que pela detida analise realizada nas jurisprudências das mais altas cortes do Brasil, que as medidas de segurança merecem uma interpretação mais atenciosa a nível constitucional, pois as disposições do Código Penal, da Lei de Execuções Penais e demais instrumentos legislativos que a regulamentam, bem como as disposições constitucionais relativas a matéria, não devem ser interpretadas literalmente sob pena de lesarmos garantias fundamentais dos indivíduos destinatários desse tipo de sanção penal.

 Amparados nos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é que fortalecemos a critica, sobre os moldes em que ainda se apresenta o instrumento jurídico medida de segurança em nossa legislação. Cremos, pois, ser necessária uma maior atenção legislativa ao problema que diariamente afronta os preceitos da Carta Magna Pátria de 1988 sob o prisma de um Estado Democrático de Direitos.

É inadmissível que um Estado dotado dessa magnífica característica, ainda permita em sua legislação conteúdos ofensivos a direitos e garantias constitucionais inerentes ao ser humano, ainda que se permita interpretações benéficas, somente o direito positivado é capaz de afastar a resistência dos operadores do direito que insistem em macular a intenção do constituinte de 1988 com interpretações maléficas a direitos e garantias fundamentais.


CONCLUSÃO

 

 A presente pesquisa voltou-se a identificar os conflitos ligados a medida de segurança e sua indeterminação temporal no ordenamento jurídico pátrio. Por meio da investigação entre as semelhanças e diferenças entre o referido instituto e a pena possibilitou-se a demonstração que os referidos institutos não se diferenciam fundamentalmente, não se justificando, pois, um tratamento extremante diferente entre estes.

Desenvolveu-se a medida de segurança conceituando-a e explicitando a sua evolução no Brasil e no mundo. Durante a análise do núcleo de finalidades e as teorias que fundamentam seus objetivos, demonstramos que algumas das finalidades que fundamentam a aplicação da pena, também estão presentes na medida de segurança, que embora prime pela prevenção especial positiva, ou seja, a finalidade curativa do destinatário é possível observar a presença de uma prevenção geral positiva dentre outras que fundamentam a aplicação da pena.

Através de uma interpretação constitucional com base em alguns princípios e garantias fundamentais, demonstrou-se que é inadmissível no estado jurídico em que vivemos hoje, permitir interpretações a direitos e garantias fundamentais restritivamente, privando determinados sujeitos de sua aplicação tendo por base a sua condição pessoal.

Ainda foi possível demonstrar que as vedações constitucionais que limitam a aplicação da pena também são aplicáveis a medida de segurança, provando eu por meio de uma interpretação teleológica e sistemática é possível identificar a real intenção do legislador ao tratar da matéria a nível constitucional, posto que de maneira diferente não poderia ser já que falamos de uma constituição que prima por uma forte característica de uma Estado Democrático de Direitos e tem como um dos fundamentos principais a dignidade da pessoa humana que não deve ser relativizada.

Ponderações doutrinárias acerca de uma melhor solução para caso demonstram uma preocupação dos operadores do direito com os conflitos que o tratamento legal da medida de segurança no nosso país se apresenta, de modo afrontoso a dispositivos constitucionais. A apresentação de alternativas doutrinárias a indeterminação temporal das medidas de segurança alcançaram não somente os leitores interessados pelo tema, mas há uma forte expressão destes entendimentos nos tribunais pátrios.

Voltado a demonstrar a massificação dos entendimentos favoráveis a matéria tratada neste trabalho, é que foram apresentadas jurisprudências das mais altas cortes do país, assim entendidas como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Os julgados apresentados possibilitaram a aplicação de vários entendimentos, entre eles a aplicação da prescrição a medida de segurança, a limitação ao teto de trinta anos como é viabilizado a pena, a limitação da aplicação a pena máxima em abstrato do delito cometido pelo infrator, a desinternação progressiva e etc.

Dessa forma, podemos concluir que o tema ora proposto é alvos de intensas discussões nos palcos das academias e tribunais do nosso país, o que demonstra uma insatisfação com a previsão legal literal. Em que pese os entendimentos favoráveis dos tribunais a aplicação da medida de segurança nos moldes em que defendemos neste trabalho há uma grande necessidade de uma previsão legal literal acerca das modificações expostas, afim de excluir da nossa legislação conteúdos ofensivos a direitos e garantias constitucionais inerentes ao ser humano.

Como já ressaltado anteriormente no corpo do trabalho, somente o direito positivado é capaz de afastar a resistência dos operadores do direito que insistem em macular a intenção do constituinte de 1988 com interpretações maléficas a direitos e garantias fundamentais.

Acrescente-se que já existem diversos Projetos de Leis visando alterar o conteúdo legal prestado a regulamentar a medida de segurança em nosso país, como é o caso do projeto apresentado ao Congresso Nacional pelo jurista Miguel Reale Júnior visando alterar o art.98 do Código Penal, de modo a prescrever que o tempo da medida de segurança não será superior á pena máxima cominada ao tipo legal de crime. Findo o prazo, se não cessada a doença, deve se declarar extinta a medida, devendo o internado ser transferido para hospital da rede pública, se de outro modo não for possível a aplicação do tratamento ambulatorial.

Demonstrou-se a relevância do tema, bem como a preocupação com a sua resolução. Espera-se que o presente trabalho contribua com o enriquecimento do conhecimento do leitor acerca da matéria, bem como desperte neste a discussão ora travada, de modo a fazê-lo compreender as necessidades de tratamento legal da medida de forma diferente da que se tem hoje, efetivando realmente as previsões constitucionais e o modo de interpretação correto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Jurisprudências acerca da Medida de Segurança. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp Acesso em: 19/05/2012.

BRASIL. Jurisprudências acerca da Medida de Segurança. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=medidas+de+seguran%E7a&b=ACOR Acesso em: 19/05/2012.

CAPEZ, Fernando. Direito Penal: parte geral. 6.ed.São Paulo:Damásio, 2008.

COSTA, Álvaro Mayrink. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

FERRARI, Eduardo Reale, Medidas de Segurança e Direito Penal no estado Democrático de Direito – São Paulo : Editora Revistas dos Tribunais, 2001;

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. 34 ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

GOMES, Luís Flávio. O louco deve cumprir Medida de Segurança Perpetuamente? Disponível em http://www.juspodivm.com.br. Acessado em 20 de setembro de 2011.

PEDROSO, Fernando de Almeida Direito Penal – Parte Geral – Vol.1 : doutrina e jurisprudência/Fernando de Almeida Pedroso. – São Paulo : Método, 2008;

PELUSO, Vinícius de Toledo Piza. A medida de segurança de internamento para inimputáveis e seu prazo máximo de execução.  Disponível em: http://www.editorajuspodivm.com.br/f/%7B1D000601-34CD-453A-A7CD-F866160363DA%7D_amedida.pdf. Acesso em:15/05/2012;

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. V. I Parte Geral, 4º ed. São Paulo, RT 2009.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Vol. 1, 7ª. Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais;

REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2004;

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 5. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

 

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