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A PUNIBILIDADE NO CRIME DE USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA E O ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO CONSISTENTE NO DOLO EVENTUAL


Autoria:

Alison Mendes Nogueira


Advogado. Graudado pelo Centro Universitário Newton Paiva. Pós Graduando em ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG

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Resumo:

O trabalho tem como problema central o estudo do crime de Uso Indevido de Informação Privilegiada previsto no art. 27-D da Lei 6.385/76, dando ênfase no aspecto da punibilidade e no tipo subjetivo do delito.

Texto enviado ao JurisWay em 19/04/2012.



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1. Uso Indevido de Informação Privilegiada: Conceito e análise do tipo

 

                        No universo jurídico do Direito Penal alguns tipos se destacam por uma dupla e paradoxal configuração, concernente a importância do bem tutelado e, ao mesmo tempo, pela sua difícil e complexa aplicação no caso concreto. Entre os referidos tipos, podemos inserir o crime de Uso Indevido de Informação Privilegiada que esta previsto no Art. 27-D da Lei 6.385/76, introduzido pela Lei 10.303/2001.

 

                        O Art. 27-D preceitua:

 

“Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

 

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”

 

Nas palavras do Autor e Desembargador Federal, Fausto Martin De Sanctis “O delito no art. 27-D contempla situações nas quais alguém, antes mesmo que a generalidade dos investidores possa conhecer, utiliza no mercado de valores mobiliários, informação economicamente relevante a que teve acesso de forma particular” (2003, p. 109). Trata-se portanto, de crime Formal, que não exige para sua configuração a demonstração da vantagem obtida indevidamente, e sim, apenas, a utilização da informação privilegiada, que seja capaz de propiciar tais vantagens.

 

Podemos citar ainda, que não se trata de crime próprio, embora é necessário que a pessoa que divulgue a informação tenha o dever de sigilo. No entanto, outras pessoas que se utilizem da informação obtida de forma privilegiada poderão ser enquadradas no tipo, seja como co-autores, seja como partícipes do delito.

 

                        Destrinchando o tipo, cumpre inicialmente analisar o que significaria “informação relevante”. Para Bitencourt (2010, p.360) “a informação deve ser relevante, o que nos remete às normas da CVM que definem e regulamentam exatamente o que significa fato relevante para o mercado de capitais”. A referida norma é a Instrução Normativa 358 da Comissão de Valores Mobiliários de 2002, que faz a citada previsão em seu artigo 2˚, basicamente estabelecendo como relevante, informações que possam influir na cotação dos valores mobiliários e na decisão de investidores de comprar, vender, manter ou exercer qualquer direito sobre valores mobiliários.

 

                        Passado este ponto, é importante analisar também, o bem jurídico tutelado pela norma. Não há consenso doutrinário e nem jurisprudencial quanto a isso. Alguns estudiosos apresentam a norma como protetora do correto funcionamento do mercado (COSTA, Ramos, 2006, p.38), outros ainda apresentam a livre concorrência como o bem jurídico tutelado, e por fim há aqueles que enxergam como objeto de proteção a função pública da informação concomitantemente com a confiança dos investidores no mercado de valores mobiliários (DE SANCTIS, 2003, p. 107).

 

                        Desta forma, nota-se de pronto a importância, conforme já destacado, do dispositivo legal, considerando as situações que visa regular e o bem jurídico que objetiva tutelar. 

 

                        Em contraponto a isso, destacamos que, embora indiscutível sua importância, a primeira sentença condenatória baseada no crime capitulado no Art. 27-D da Lei 6.385/76 somente veio a ocorrer em fevereiro de 2011. Tal fato não pode ser sustentado pela alegação de que a prática prevista no tipo não é corriqueira no cotidiano de nossa sociedade. Incessantemente a imprensa destaca casos em que surgiram indícios do abuso de informações privilegiadas para enriquecimento de agentes financeiros e terceiros envolvidos em negociações dependentes de tais informações.

 

                        Destaque-se ainda, os números que nos dão conta, de que até março de 2011 a Comissão de Valores Mobiliários teria dado início a mais de 200 procedimentos investigatórios para apuração do abuso de informações privilegiadas e em contra partida o oferecimento pelo Ministério Público Federal de menos de cinco Denúncias.

 

                        Surge então o evidente questionamento concernente a causa de tal fenômeno no cenário do Judiciário brasileiro. Sem nenhuma dúvida o delito de Uso Indevido de Informação Privilegiada insere-se entre aqueles denominados de moderna criminalidade, que tem como traço característico a complexidade de sua configuração e dificuldade de apuração. A colheita de provas sempre remete a evidências indiretas e indiciárias, que em uma interpretação tradicional e restritiva do Direito Penal tendem sempre para absolvição do acusado.

 

                        Somado a isso, destacamos a dificuldade da configuração do aspecto subjetivo do tipo. É o que será analisado adiante.   

 

2. O tipo subjetivo do art. 27-D da Lei 6.385/76

 

                        Na visão da doutrina majoritária o crime de Uso Indevido de Informação Privilegiada somente poderia ser verificado uma vez constatado o dolo direto do agente. O Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, em sua obra “Punibilidade no sistema Financeiro Nacional” (2003, p. 114) é um dos que defendem tal ponto de vista:

 

“O dolo exigido é apenas o direto em face da expressão ‘de que tenha conhecimento’, sem a qual se poderia cogitar do dolo eventual. Assim, a expressão impôs a imputação àquele que apenas utiliza informação sigilosa relevante tendo ciência desta situação.

O crime não prevê a modalidade culposa, de tal sorte que descaberá ao Ministério Público denunciar aquele que ‘deveria saber ou supor’ que a informação era sigilosa, o que obrigará certo esforço processual para demonstração do dolo direto do agente.”

 

                        Quanto a possibilidade de condenação a titulo culposo, parece evidente a posição defendida por De Sanctis não merecendo nenhum reparo sua exposição. De fato, considerando que o sistema penal estabeleceu a punição a título culposo apenas como exceção que deve vir expressa no tipo, e uma vez não havendo tal previsão para o delito do art. 27-D, não há que se falar em crime de ‘abuso de informação privilegiada na modalidade culposa’.

 

                        No entanto, com o devido respeito, não seguimos a mesma linha, no que se refere a possibilidade da configuração do crime no caso de constatação de dolo eventual do agente. Conforme já afirmamos, uma das maiores dificuldades da punição do agente que se utiliza indevidamente da informação privilegiada é a reunião de um conjunto probatório robusto que implique na configuração da culpabilidade do Autor. Exigindo sempre a demonstração do dolo direito isso implicaria em um ônus adicional para o acusador, em detrimento da eficácia do dispositivo legal em comento.

 

                        De Sanctis justifica a não aceitação do dolo eventual para configuração do delito, pela presença no tipo da expressão ‘de que tenha conhecimento’. Mais uma vez pedindo vênia, a expressão referida se refere ao conhecimento da informação privilegiada. Ora, como poderia ocorrer a utilização e o abuso de informação da qual o agente não tenha conhecimento? Entendemos assim que o sentido da expressão não tem nenhuma relação com o dolo direto, vindo apenas a complementar a situação fática prevista pelo tipo.

 

                        Ademais, sabe-se que o dolo eventual, configura-se justamente pela previsibilidade do resultado e pela indiferença perante a sua evitabilidade, ou seja, quando o agente assume o risco de produzi-lo. Desta forma não há no tipo do art. 27-D nenhum empecilho a punição nesta modalidade do tipo subjetivo.

 

                        Sem dúvida, no caso concreto, em que um agente do sistema financeiro, permita o vazamento de informação privilegiada da qual devia manter sigilo a terceiros, que atuam ou possam dar margem a atuação no mercado, assumindo o risco de utilização da referida informação para obtenção de vantagem ilícita, deve ser enquadrado no tipo do art. 27-D da Lei 6.385/76. Não sendo assim, o dispositivo perde grande parte de sua efetividade, e até mesmo a sua capacidade de proteger o bem jurídico objeto de tutela, uma vez, que deixa de resguardar o mercado financeiro de uma gama de situações em que a informação privilegiada poderia ser utilizada fraudulentamente.

 

                        Além disso, a utilização do dolo eventual permitiria ainda, a punição do agente, sem que fosse necessária a demonstração concreta de sua intenção delituosa, bastando demonstrar sua indiferença perante o resultado previsto, tornando viável a condenação em vários casos que com o raciocínio contrario, culminaria em absolvição, baseado no principio In dúbio pro reo.

 

                        Por fim, ressalte-se que nada vale uma legislação abrangente e com penas rigorosas, se os mecanismos de sua aplicação restringirem e dificultarem a comprovação da culpabilidade do Réu. Isto posto pois, no direito penal moderno, é cediço que sem culpabilidade não há condenação, sendo esta ainda dependente da formação de um conjunto probatório coeso e indicativo da autoria e da materialidade do delito.

 

                        No caso do direito penal econômico, esta tarefa se mostra ainda mais árdua, pois, conforme assinala Agapito Machado, fazendo referencia a Cezar Roberto Bitencourt, (2003, p. 61) a criminalidade moderna é reflexo natural da complexidade social atual, “é grande demais para o modesto Direito Penal, limitado a seus dogmas tradicionais” e, com base em Hassemer, revela: “[...] ou se renova o equipamento, ou se desiste da esperança de incorporar o Direito Penal na orquestra das soluções dos problemas sociais.”

 

3. Conclusão

 

                        No contexto trabalhado neste artigo, a conduta do agente que assume o risco de contribuir para a obtenção de vantagens ilícitas a partir do abuso de informações privilegiadas não so pode, como deve ser punida, seja a título de dolo direto, seja a titulo de dolo eventual, dependendo para isto da prova constante nos autos, que de toda forma, levarão a condenação, tão logo provada a previsibilidade do resultado, e a intenção ou indiferença concernente a realização do mesmo.

 

                        Portanto pelo exposto, concluímos que o crime de abuso de informação privilegiada, pela sua complexidade e pela suas múltiplas formas merece um tratamento mais apurado, com vistas a tornar eficaz o seu tipo legal, deixando de ser uma previsão abstrata de crime, para se tornar um instrumento útil na proteção do mercado de capitais.

 

 

4. Referencias

 

BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes Contra o Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

 

____________. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

 

COSTA, José de Faria. O crime de Abuso de Informação Privilegiada. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

 

DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional. Campinas: Millennium, 2003.

 

MACHADO, Agapito. Crimes do Colarinho branco e contrabando/descaminho. São Paulo: Malheiros, 1998.

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