JurisWay - Sistema Educacional Online
 
É online e gratuito, não perca tempo!
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

A FALTA DE CAPACIDADE E LEGITIMIDADE DO ANALFABETO PARA REALIZAR UMA RESCISÃO CONTRATUAL TRABALHISTA


Autoria:

Ismar Leal Machado


Ismar Leal Machado, formado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, trabalha na Defensoria Pública da União-SE pos graduando em Direito tributário.

envie um e-mail para este autor

Outros artigos da mesma área

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

Senzalas e serviçalismo: o fim da empregada doméstica secular

Encarregada de limpeza de banheiros de cemitério em SP consegue adicional de insalubridade, conforme Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho

OS EFEITOS JÚRIDICOS DECORRENTES DA TERCEIRIZAÇÃO EM CONTRAPARTIDA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA PROTEÇÃO DO TRABALHADOR

O ASSÉDIO MORAL DECORRENTE DA DISCRIMINAÇÃO PATRONAL AO EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS

DISCRIMINAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO POR RESTRIÇÃO AO CRÉDITO

ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO POR OBESIDADE

O incidente da desconsideração da personalidade jurídica aduzido pelo novo CPC aplicado ao processo do trabalho

A Contribuição Sindical após a Reforma Trabalhista

O trabalhador também pode requerer ou propor alteração no contrato de trabalho

Mais artigos da área...

Resumo:

Através de uma pesquisa bibliográfica e do método dedutivo, demonstrar que a Consolidação das leis trabalhistas, apesar do seu foco social, deixou desamparado o trabalhador analfabeto ao igualá-lo aos demais trabalhadores

Texto enviado ao JurisWay em 13/02/2012.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

INTRODUÇÃO

 

O Estado de Sergipe concentra um número elevado de pessoas em condições de analfabetismo, apesar de toda evolução e globalização. Esta condição especial do analfabeto e o gigantesco número de analfabeto que ainda existe no país, clamando por uma política de inclusão e em busca de igualdade, foram as motivações para o presente trabalho.

Na busca da efetividade à proposta do Direito do Trabalho em garantir os direitos do trabalhador, é que se faz relevante entender que o trabalhador analfabeto não dispõe de capacidade plena ou legitimidade para realizar as rescisões contratuais trabalhistas sem a assistência do profissional do Direito.

Neste trabalho, pretende-se demonstrar a forma de proteção dispensada ao analfabeto em diversos ramos do Direito, fazendo uma relação da condição do analfabeto com o conceito de capacidade adotado, demonstrando que este não possui legitimidade para fazer uma rescisão contratual trabalhista.

Será apresentada a necessidade de uma legislação específica que atenda à necessidade especial do analfabeto, pela sua condição de vulnerabilidade frente às circunstâncias que comumente se depara nas relações de trabalho.

O legislador ao delinear a capacidade o fez de forma presumida, pois entendeu que ao chegar a uma determinada idade, o cidadão já teria alcançado a sua plena “capacidade”. Esta presunção tem uma razão de ser, se conceber um Estado capaz de promover o que preceitua a Carta Magna do Brasil, como a Educação sendo um direito de todo cidadão. Entretanto não é necessário nenhum esforço para reconhecer que esta capacidade, de promover a todos os brasileiros o acesso à educação, é apenas formal. As questões políticas de distribuição e de oportunidade de acesso à educação não serão temas centrais deste trabalho e, sim, as conseqüências desta ineficácia nas relações de trabalho, mais precisamente nas rescisões contratuais trabalhistas.

Será feito um comparativo entre o Código Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho, no tocante à proteção dispensada ao analfabeto. Em razão do eixo basilar de cada um, entendendo como eixo no Código Civil as relações privadas com perfil patrimonial e na Consolidação das Leis do Trabalho as relações do trabalho com perfil social.  Será demonstrado que, sob o conceito adotado pelo legislador, o analfabeto não preenche as condições previstas de aquisição da capacidade, faltando-lhe a legitimidade, impossibilitado, assim, para realizar, sem riscos ou prejuízos, as rescisões contratuais sem assistência do profissional do Direito. 

O estudo será dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo será abordado o Direito na perspectiva da tridimensionalidade, que se funda sob três aspectos, ou seja, um fato social, uma norma e um valor de acordo com o momento histórico vivido. Esta concepção será fundamental para a percepção do Direito, não como norma rígida, cristalizada no tempo, demonstrará que a norma clama pela sua aplicação dentro de um contexto histórico, para que possa ter aceitação e eficácia social, aproximando-se do conceito comum de justiça.

No segundo capítulo, para melhor compreensão do tema proposto, serão expostos conceitos importantes como pessoa, capacidade jurídica, capacidade de fato, legitimidade e rescisão contratual.

No terceiro capítulo, far-se-á uma análise crítica entre os diversos institutos do Direito, referente à forma de tratamento dispensado ao analfabeto. Demonstrar-se-á que existe uma gritante diferença entre os diversos institutos no que tange a proteção ao analfabeto.

Por fim, no capítulo quarto, será demonstrada a necessidade da assistência ao trabalhador analfabeto como única forma de garantir efetividade à norma trabalhista no que se refere à proteção do trabalhador, seja pela sua condição especial de vulnerabilidade, seja pelo número significativo de trabalhadores que estão nesta condição especial.

 

 


CAPÍTULO I

 

DIREITO DO TRABALHO NA VISÃO TRIDIMENSIONAL

 

A ciência do Direito está alicerçada em fatos ou fenômenos sociais que ocorrem numa sociedade em constante mutação. O Direito tem por fundamento o homem, ser social e livre, e, por finalidade, a pacificação da sociedade, buscando o equilíbrio, ditando normas de conduta. O Direito, enquanto conduta humana, é a arte do bom e do justo, é dar a cada um aquilo que lhe é devido.  

                        Segundo Miguel Reale (2001, p. 60), uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito demonstrou que corresponde a três aspectos básicos, discerníveis a todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato ou sua efetividade social e histórica); e um aspecto axiológico (o Direito como valor de justiça).

Assim se conclui que o Direito deve ser sempre visto com a sua tridimensionalidade, isto é, o Direito nasce de um fato social importante, para a história da sociedade, inspirando determinadas necessidades e aspirações, servindo o Direito para integrar, através do ordenamento jurídico, os fatos que ocorrem na sociedade e os valores indicados por esses fatos, conforme o momento histórico vivenciado.

Feitas essas considerações a respeito da ciência do Direito, pode-se constatar que o Direito do Trabalho surgiu no momento histórico em que a sociedade já se encontrava plenamente evoluída política e economicamente organizada, portanto, é um ramo recente, fruto das necessidades e aspirações de uma sociedade em constante evolução e transformação, muito embora as raízes que dele informam sejam antigas.

 Tomando-se por ponto de partida a teoria tridimensional do direito, o fato ou fenômeno que marcou o surgimento do Direito do Trabalho foi a Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII, a qual passou a implantar uma nova ordem econômica e social e, na mesma esteira, a Revolução Política Francesa com os ideais de liberdade e igualdade, consagrando o fim do trabalho escravo tradicional e das corporações de ofício, cuja liberdade de trabalho não assegurou a igualdade formal e material, pois o capitalismo selvagem da era industrial explorou e escravizou a massa trabalhadora, não sendo reconhecida, literalmente, a liberdade de trabalho como status de dignidade humana do trabalhador. Assim, com a intervenção estatal na relação capital-trabalho, implantou-se uma nova visão valorativa, através do reconhecimento dos direitos sociais, e buscou-se um mínimo de vida digna.

A escravidão capitalista e a exploração da mão-de-obra sempre marcaram a relação capital-trabalho. Percebe-se, no decorrer dos tempos, que apenas se inova a crise de valores entre capital e trabalho, pois o capital, para se manter no mundo globalizado e competitivo, não vacila em explorar a mão-de-obra, relegando valores supremos, como a dignidade humana do trabalhador e o valor social do trabalho.

Amauri Nascimento (2006, p.15) assim descreve:

 

Às vezes eram impostos contratos verbais a longo prazo, até mesmo vitalícios; portanto, uma servidão velada, praticada especialmente em minas nas quais se temia pela falta de mão-de-obra. É o que acontecia na indústria escocesa, na qual os trabalhadores eram comprados ou vendidos com os filhos, tanto assim que se fizeram necessários os decretos parlamentares de 1774 e 1799 suprindo a servidão vitalícia dos mineiros escoceses.   

 

             Deste relato pode-se perceber que a tensão entre capital e trabalho remonta desde os primórdios das relações de trabalho. Na exploração da mão-de-obra, a busca pelo maior lucro sempre foi uma constante esbarrando nos dias atuais.

 Um exemplo contemporâneo é o processo de informatização e mecanização associado à busca de competitividade e lucratividade que não prioriza a pessoa humana do trabalhador que é substituída cada vez mais pelas máquinas, reduzindo-se a empregabilidade e, também, é moralmente pressionada a aceitar a flexibilização das relações trabalhistas com consequente redução de direitos trabalhistas, etc., desembocando na passada e sempre presente questão social.

                                Dentro deste contexto, o ordenamento jurídico trabalhista foi instituído em razão de um fato histórico e marcante (revolução industrial e exploração desumana do trabalhador - fato social/econômico) que infringiu valor supremo (dignidade humana - valor inerente à pessoa humana), obrigando ao estabelecimento de regras de conduta e sanções respectivas para assegurar a ordem social e jurídica (normas de proteção), limitando o domínio do capital, através do garantirismo estatal, consagrando o Direito, em especial o Direito do Trabalho, como Ciência Social e Humana.

A depender do momento histórico e dos fatos relevantes, o garantismo estatal se flexibiliza para harmonizar as tensões entre fatos, valores e normas, ou seja, busca-se estabelecer uma nova concepção de Direito do Trabalho, relativizando o protecionismo legislativo inspirado no Princípio Protetor e quebrando a rigidez da legislação tutelar do trabalhador através de mecanismos de flexibilização.

 Para Amauri Nascimento (2006, p.53) são evidentes os efeitos da globalização no contrato individual de trabalho:

 

partem da premissa da necessidade de redução de custos das empresas na disputa pela competitividade nacional e internacional, são redutivos de direitos dos trabalhadores, não preservam os empregos e geram dúvidas sobre a sua necessidade, cuja justificação é tentada com os imperativos das transformações da econômica estatal para a economia de mercado e as exigências de uma nova ordem econômica e social capaz de superar as atuais dificuldades com que se defrontam quase todos os países industrializados e praticamente todos os emergentes.

 

Contudo não se pode afastar o Direito do Trabalho de sua finalidade primordial, isto é, o valor no qual se assentou que é a mínima garantia de proteção trabalhista e preservação da dignidade humana do trabalhador.

Mister se faz reconhecer e admitir o ordenamento jurídico trabalhista como um sistema aberto e dinâmico segundo Nascimento (2006, p. 245), “é plural ou pluricêntrica mediante um processo de elaboração de normas jurídicas pelo Estado e pelos grupos sociais”, ou seja, os fatos sociais indicam a necessidade de manutenção ou substituição do modelo jurídico, ou pelo menos uma revisão valorativa para ajuste às necessidades da sociedade.

Assim é imperioso concluir que a evolução da sociedade conduz à evolução do próprio Direito e, na medida em que a sociedade se transforma o Direito também, pois o Direito existe em função do homem e de suas necessidades, por isso todo fato sócio-econômico que cause revolução ou metamorfose na sociedade, repercute na esfera do ordenamento jurídico, criando um novo ordenamento ou provocando um processo de revisão para adaptação à nova realidade.

 

 

CAPÍTULO II

 

ASPECTOS CONCEITUAIS RELEVANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DO TEMA

 

Antes de adentrar propriamente no assunto, faz-se necessária uma concisa abordagem acerca de alguns conceitos utilizados no Direito, a fim de que se possa conhecer o assunto e saber da necessidade e da aplicação da medida proposta. Assim, este capítulo trata da conceituação de pessoa para o mundo jurídico, de capacidade jurídica, de capacidade de fato, de legitimidade e de rescisão contratual trabalhista.

 

2.1 - Conceitos de pessoa para o mundo jurídico

 

Ao se propor discorrer sobre Direito, imperiosamente falar-se-á de capacidade e legitimidade. Não poderia, assim, falar de capacidade e legitimidade, já que estas se relacionam estreitamente ao conceito de pessoa e personalidade, sem elucidar estes dois conceitos.

É necessário, porém, entender que ainda não se encontra sedimentado o conceito de pessoa, apesar de essencial, como dito anteriormente, à ciência do Direito.

Feitas estas considerações, retorna-se a proposta original: O que é ser pessoa para o Direito? Pessoa para o Direito não se resume, ainda que comumente se entenda como um ser ou como homem, alcança também um ser coletivo composto de muitos seres singulares. No primeiro caso temos a pessoa natural ou física e no segundo a pessoa jurídica (SANTOS, 1937, p. 227).

Segundo Santos (1937), o Direito vale-se da palavra pessoa como sujeito de direito e este, por sua vez, só pode ser aquele que é portador, que detém direitos e obrigações de natureza civil.

Clovis Bevilaqua (1953), na mesma linha de definição, coloca pessoa não como detentora de direitos e obrigações, mas como capaz de direitos e obrigações.

Percebe-se que há uma diferença nos dois conceitos, principalmente, se considerar o significado literal da palavra. Capaz, segundo o dicionário Aurélio Buarque de H. Ferreira, é aquele que tem capacidade, por seu turno, deter seria o mesmo que conservar em seu poder. Como dito anteriormente, conceituar seja pessoa ou qualquer outra palavra é uma tarefa árdua e fica ainda mais difícil quando relacionado ao Direito.

 Miguel Reale (2001, p. 212) faz o caminho inverso, porém alcançando o mesmo ponto ao afirmar que “as pessoas, às quais as regras jurídicas se destinam, chamam-se sujeitos de direitos, que podem ser tanto pessoas naturais ou físicas, quanto uma pessoa jurídica, que é um ente coletivo”.

Este conceito, apesar de ser abraçado pela maioria dos doutrinadores, suporta algumas críticas. Christophe Grzegorczyk (apud EBERLE, 2006, p. 22), doutrinador francês, proclama distintos homem, pessoa e sujeito de direito, crendo, inclusive, que qualquer tentativa de definição deste último, a partir dos dois primeiros conceitos, é fadada ao fracasso.

Como bem descreveu Simone Eberle (2006, p. 22),

 

Christofhe Grzegorczyk não é o único a fazer tal distinção, embora não afirmem abertamente, outros doutrinadores deixam-na nas entrelinhas da definição que oferecem, como Josserand e Cornu, que os seres suscetíveis de tornar-se os sujeitos ativos ou passivos de direitos, e que portanto têm a aptidão de desempenhar um papel na vida jurídica (...) um ser dotado de uma aptidão: a aptidão de ser sujeito de direito.

 

Como se pode pressentir, ainda que de forma diminuta, são distantes os conceitos de pessoa e sujeito de direito. O ponto de partida para tal distinção está na condição de que suscetível ou apto indica uma possibilidade de acontecer e não algo já concretizado.

Diversos autores posicionam no sentido de buscar um novo conceito de pessoa desvinculado da noção de sujeito de direito.

Neste sentido Pontes de Miranda (1954, p.153) adverte:

 

rigorosamente, só se devia tratar de pessoas, depois de se tratar dos sujeitos de direito; porque ser pessoa é apenas ter a possibilidade de ser sujeito de direito. Ser sujeito de direito é estar na posição de titular de direito. Não importa se este direito está subjetivado se é munido de pretensão e ação ou de exceção. Mas importa que haja ‘direito’. Se alguém nasce, está em relação do direito não é sujeito de direito: é pessoa; isto é, o que pode ser sujeito de direito, além daqueles direitos que o ser pessoa produz. O ser pessoa é fato jurídico: com o nascimento ser humano entra no mundo jurídico, como elemento do suporte fáctico em que o nascer é o núcleo. Esse fato jurídico tem a sua irradiação de eficácia. A civilização contemporânea assegurou aos que nela nasceram o serem pessoas e ter o fato jurídico nascimento efeitos da mais alta significação. Outros direitos, porém surgem de outros fatos jurídicos em cujos suportes fácticos a pessoa se introduziu e em tais direitos ela se faz sujeito de direito. (grifo nosso)

 

Segundo o autor, o ser pessoa constitui uma situação abstrata juridicamente relevante, que habilita os homens ou os entes coletivos por eles criados a se tornar, no plano concreto, sujeitos de direitos.         

Intue-se que sujeito de direito é algo mais amplo do que pessoa, uma vez que o fato de ser pessoa é uma condição primária, no entanto carente de outros elementos constitutivos para ser sujeito de direito. Por outro lado sujeito de direito seria a concretude das condições exigidas das relações jurídicas.

De maneira bem perceptível, diferenciou pessoa e sujeito de direito, Antônio Junqueira de Azevedo (apud EBERLE 2006, p.25), tomando a noção de subjetividade como sendo mais ampla do que a personalidade:

 

É verdade que, em geral, define-se a personalidade no direito brasileiro, como a aptidão para adquirir direitos (ou para ser sujeito de direitos, ou para ser sujeito de relação jurídica); entretanto, essa definição peca por ser excessivamente ampla, já que há sujeitos de direito que não são pessoas, como o nascituro, entre os entes assemelhados às pessoas físicas, e o condomínio em edificações, as sociedades de fato, e a própria família, entre os entes assemelhados às pessoas jurídicas. Pessoa, portanto, é o ente que pode praticar atos jurídicos, e não propriamente o sujeito de direito.             

 

Percebe-se que estes doutrinadores refutam igualmente a tradicional definição de pessoa, sem, contudo, dar uma uniformização quanto ao que se deve entender por sujeito de direitos.

Simone Eberle (2006, p. 28), por sua vez, discorda dos doutrinadores anteriormente citados, quanto ao fundamento da distinção. Para Eberle sujeito de direito, entendido como portador de direitos ou deveres numa relação jurídica, é um conceito vazio que pode ter como conteúdo qualquer destinatário das normas jurídicas, escolhido pelo legislador e pessoa seria apenas o ente que participa em concreto de certa relação jurídica: em um caso pode-se ter como sujeito de direito uma pessoa jurídica, em outro, uma pessoa natural. Alcançada a autonomia do conceito de sujeito de direito, entendido como elemento da relação jurídica para o qual convergem os mandamentos legais, busca-se o conceito de pessoa.

Se numa acepção mais comum a pessoa está ligada ao homem, para o direito reveste-se de um sentido particular, ou seja, o ser a que se atribui direitos e obrigações, um ser resultante não de um fato da natureza, mas de um ato de personificação que só a ordem jurídica pode praticar (EBERLE, 2006, p.30).

Numa análise da evolução, observa-se que nem sempre foi assim, se antes todo e qualquer indivíduo era reputado pessoa, com a inovação apenas àqueles que reunissem determinadas qualidades era outorgada a personalidade. Numa leitura da história, percebe-se que só detinha o estado de pessoa aquele que nascido vivo. Esse pressuposto, contudo, não bastava à aquisição da personalidade, em Roma deveria ainda o indivíduo ser livre e ser cidadão romano. Outras situações históricas podem ilustrar tal condição como a escravidão e a morte civil. Nas legislações antigas, a morte civil atingia, como pena acessória, os delinqüentes condenados por determinados crimes graves que eram reputados como civilmente mortos. Como conseqüência, podia ser aberta a sucessão do condenado como se morto fosse; perdia ele os direitos civis e políticos e dissolvia-se seu vínculo matrimonial. O direito moderno repudia unanimemente esse tipo de pena, embora permaneçam traços como os do Artigo 1.599 do Código Civil de 1916 (novo Artigo 1.816), mais como uma solução técnica do que como pena.

Ao reconhecer a condição de pessoa ao homem, esse passou a ser o foco central das atenções do Direito, contudo a personificação de entes, que não o próprio homem, surge como forma de satisfação das necessidades humanas, com isto surge a pessoa jurídica. O ser pessoa deixa, então, de constituir um atributo exclusivo do homem considerado em si mesmo e passa a estender-se a estes entes formados por meio da iniciativa humana para o alcance de fins previamente estabelecidos. Ambas tanto a pessoa natural como a jurídica são igualmente propensas a ser titulares de direitos e obrigações. Percebe-se, assim, que pessoa física e pessoa jurídica distinguem-se, sendo que a primeira consiste numa realidade concreta e palpável e a segunda resulta de uma abstração não suscetível de apreensão pelos sentidos. Assim não se pode confundir o conceito de pessoa com substrato ontológico dos entes que recebiam essa qualificação. A aproximação do homem com os entes personificados fica a cargo da aptidão que ambos tem a aquisição de direitos e deveres.

Para Recaséns Siches (apud EBERLE, 2006, p. 35), a personalidade tanto do indivíduo quanto a dos entes coletivos seria artificial, visto que igualmente traduziria uma construção do Direito. Assim sendo o ser pessoa por ser um conceito jurídico seria sempre um resultado de uma atribuição ou de uma concessão. Não distanciando da realidade valorativa de modo que o Direito não poderia negar a condição de pessoa ao indivíduo humano, sob pena de cometer injustiça.

Certo é que esta divergência não fragiliza os conceitos adotados pela vasta doutrina. O ser pessoa, de interesse do presente estudo, funda-se no conceito de pessoa natural, como aquele susceptível a direitos e obrigações, por se tratar de tema relacionado à capacidade e à legitimidade da pessoa analfabeta para realizar as rescisões contratuais trabalhistas.

 

2.2 - Conceitos de Capacidade Jurídica

 

O ordenamento jurídico não imprimiu à pessoa somente a personalidade, mas paralelamente a essa qualidade dotou-a de capacidade para aquisição dos direitos e deveres e para seu exercício, seja por si mesmo, por representação ou mesmo por assistência.

Para Silvio Rodrigues (1997, p. 41,71) todo ser humano, desde o seu nascimento até a sua morte, tem capacidade para ser titular de direitos e obrigações na ordem civil. A pessoa jurídica, por sua vez, adquire a capacidade para ser titular de direitos e obrigações no momento do registro de seu ato constitutivo.

A capacidade divide-se em duas espécies: a capacidade jurídica ou de gozo e a capacidade de fato, essa será objeto de estudo mais detidamente no próximo tópico.

Covis Bevilaqua (1953, p. 139) afirma que “capacidade é a extensão dada aos poderes de ação, contidos na personalidade”. Afiança que a personalidade se equivale à capacidade de direito. Ao entender a capacidade como sinônimo de personalidade, podem-se admitir limites à personalidade e esta limitação pode estar diretamente ligada à tríade: o compreender, o querer e o poder. Na falta de uma destas, uma forma alternativa de suporte, como condição de recomposição da integralidade poderia ser usada, isto quer dizer que para se ter capacidade, necessário se faz que tenha a compreensão, possibilidade de expressão da vontade e posteriormente o poder legal para tanto.

Outros doutrinadores, no entanto, fazem uma diferenciação entre personalidade e capacidade, admitindo que há somente uma aparente semelhança, mas que em detido estudo se percebe a distinção entre os termos personalidade e capacidade como muito bem explicado por Miguel Reale (2001, p. 216, 217) ao afirmar:

 

Em sentido amplo, poderíamos estabelecer uma sinonímia entre “personalidade” e “capacidade”. A personalidade é a capacidade in abstracto de ser sujeito de direitos ou obrigações, ou seja, de exercer determinadas atividades e de cumprir determinados deveres decorrentes da convivência em sociedade. O conceito de capacidade, em sentido estrito, é próprio, não se confunde, porém, com o de personalidade. A palavra “capacidade” por si mesma está dizendo que ela indica uma extensão do exercício da personalidade, como que a medida da personalidade em concreto.

 

Por certo que distintas são personalidade jurídica de capacidade jurídica, caso não fosse não haveria razão da existência desta e se existem é porque contemplam diferentes situações jurídicas.

Para José de Oliveira Ascensão (apud EBERLE, 2006, p. 46) a imprecisão deriva do fato de que tanto a personalidade quanto a capacidade jurídica traduzem suscetibilidade abstratas. O fato de uma pessoa ser capaz não confere efetivamente múltiplos direitos e obrigações, o fato de ser plenamente capaz não lhe confere alguma propriedade ou que tenha recebido direitos por sucessões ou doações e assim por diante, há apenas a potencialidade de que isto aconteça.

De grande valia, para fundamentar o entendimento que futuramente será exposto, é o pensamento de Francesco Carnelutti (apud EBERLE, 2006, p. 47) ao entender que a personalidade é eminentemente qualitativa e a capacidade de direito ou jurídica consiste numa perspectiva quantitativa desse atributo.

 

A capacidade jurídica é, portanto, a medida da personalidade jurídica reconhecida a cada homem, ou em outras palavras, a medida de sua participação no ordenamento jurídico (...) isso quer dizer que se todos os homens têm idêntica personalidade, não têm, em contrapartida, idêntica capacidade jurídica.

 

Enquanto a personalidade não nos dá uma dimensão ou extensão da susceptibilidade abstrata da titularidade de direitos e obrigações, a capacidade jurídica, por sua vez, revela o quanto e quais direitos e deveres pode-se ter.

Este conceito de capacidade jurídica, com um conteúdo mais flexível, a depender do ser a que é atribuída, está mais próxima à justiça igualitária proposta constitucionalmente no ordenamento brasileiro.

A origem do vocábulo capacidade remete ao conceito ora defendido. Embora designe habilidade, aptidão, seu sentido mais evidente está na idéia de volume ou âmbito interior de um corpo vazio ou do que uma coisa pode conter, conduzindo a um conteúdo quantificável, reafirmando o conceito ora endossado e de significação autônoma.

 

2.3 - Conceitos de capacidade de fato

 

A capacidade de fato não confunde com a capacidade jurídica ou de gozo, já que essa se ocupa da aptidão e da aquisição dos direitos e obrigações e aquela ao exercício deste direito.

Presente a personalidade e a capacidade jurídica há que se ter presente a capacidade de fato para que o ser pessoa possa dirigir-se autonomamente na ordem civil.

Como dito nos tópicos anteriores, a personalidade e a capacidade jurídica são perceptíveis em todos os entes a que a lei reconheça ou atribua personificação, o mesmo não ocorre com a capacidade de fato. Esta o legislador cuidou de conferir somente àqueles que vislumbram a maturidade ou discernimento necessários à realização de escolhas autônomas.

O legislador ao se deparar em situações fáticas, como pouca idade, que está diretamente ligada à falta de maturidade ou à alienação mental, condição estreita com o discernimento necessário, ou mesmo às situações de falta de integração, como no caso dos índios, sendo que estes, segundo a legislação pertinente, dividem-se em três situações, a saber: o isolado, em vias de integração e integrados, dividiu as pessoas em duas categorias: uns figurando como aptos ao autogoverno e outros que carecem do auxílio de outra pessoa que detém a capacidade plena ou mesmo da suplantação de sua vontade para que se efetive o exercício de seus direitos.

Se este procedimento é discriminatório, parecendo primariamente um prejuízo, não o é à medida que se percebe que busca em verdade a proteção dos interesses dos envolvidos, garantido efetivamente que os desejos desses sejam observados.

Imperioso registrar que a regra é pela capacidade plena do ente, sendo que seu cerceamento figura como uma exceção a esta regra. Havendo sempre uma dosimetria da capacidade, diretamente ligada à fragilidade da capacidade natural de autodeterminação do ente, seja quanto ao exercício propriamente dito de certos direitos ou quanto ao modo de exercê-los.

Neste sentido, afirmou Orlando Gomes (1985, p. 432) que “do princípio da liberdade individual decorre a regra de que todo homem pode praticar atos jurídicos. As incapacidades, definidas em lei, constituem exceção à regra. Por isso, não se presumem”.

Distingue, portanto, os absolutamente incapazes dos relativamente incapazes. Aos primeiros a lei não reconhece qualquer capacidade no plano negocial, impondo para esses um representante. Para os relativamente incapazes torna-se necessário a intervenção de um assistente.

No Código Civil, as hipóteses de incapacidade absoluta, encontram-se elencadas no Artigo 3º, ao passo que as dos relativamente incapazes, estão no Art. 4º do mesmo diploma legal. As incapacidades são taxativas não permitindo presunção como anteriormente dito, no entanto não se pode deixar de questionar outras formas veladas de incapacidades no ordenamento jurídico, como no caso dos falidos e dos encarcerados.

Da leitura do que anteriormente se explicou, pode-se abstrair que a incapacidade poderá incidir de forma absoluta apenas sobre a capacidade de fato, já que a capacidade jurídica é reflexo da personalidade, jamais podendo ser ela inteiramente suprimida.

Perquiriu o legislador na medida da possibilidade suprimir a incapacidade para dar autonomia ao incapaz. O mesmo não ocorre com a incapacidade de gozo, o legislador deseja efetivamente restringir o poder de aquisição dos direitos por parte das pessoas que se encontram em certas posições jurídicas, não prevendo, assim, assistência ou representação nestes casos. Assim um menor de 16 anos que deseja prestar seu testemunho não poderá fazê-lo por seu representante, conforme preceitua o Art. 228, Inciso I, do Código Civil. Ressalvado no caso o previsto no Artigo 405, Parágrafo 4º do Código de Processo Civil, onde o juiz poderá em casos específicos tomar o depoimento dos impedidos ou suspeitos, atribuindo o valor que entender merecer para elucidação de fato que de outra maneira não possa vir à luz.

Importante salientar que pode uma pessoa ter capacidade de gozo ou jurídica e não possuir capacidade de fato, no entanto o inverso não é verdadeiro. 

Neste sentido afirmou Orlando Gomes (1985, p. 166):

 

A capacidade de direito confunde-se, hoje com a personalidade, porque toda pessoa é capaz de direitos. Ninguém pode ser totalmente privado dessa espécie de capacidade. A capacidade de fato condiciona-se à capacidade de Direito. Não se pode exercer um direito sem ser capaz de adquiri-lo. Uma não se concebe, portanto, sem a outra. Mas a recíproca não é verdadeira. Pode-se ter capacidade de direito, sem capacidade de fato; adquirir o direito e não poder exercê-lo por si. A impossibilidade do exercício é, tecnicamente, incapacidade.

 

Aproximando-se do tema objeto do presente trabalho, vale ressaltar que a capacidade de fato sob o prisma do Direito do Trabalho, assume função das mais relevantes. Sendo o vínculo empregatício um negócio jurídico, demanda esse para sua validade a presença da plena capacidade negocial. Tem-se daí que a capacidade de fato, demandada no âmbito do Direito do Trabalho, representa em essência a mesma aptidão à concretização autônoma dos direitos disciplinados pelo Direito Civil. No entanto, o que se percebe é que o legislador deu um recorte mais distendido que os determinados em matéria de relações de ordem privada, ampliando a autonomia dos menores relativamente capazes, habilitando-os de forma desassistida de uma variada gama de atos de índole negocial.

As conseqüências desta ampliação serão tratadas oportunamente, porém deve-se salientar que tal medida vai ao encontro de soluções liberais de problemas de ordem social de responsabilidade do Estado e que este tarda a solucionar.

No entanto é imperioso afirmar que a autonomia concedida ao menor, que não tenha atingido a maioridade, vige apenas com relação aos atos concernentes à execução do contrato de trabalho, como a outorga de quitação dos salários mensais, exigindo, para as rescisões contratuais trabalhistas a assistência. Conforme disposto no Artigo 439 da Consolidação das Leis do Trabalho. Vale ressaltar que se um menor der quitação aos salários por ele recebidos, durante a execução do trabalho, esta será considerada válida, não cabendo, assim, alegações futuras em sentido contrário, a não ser que prove erro ou dolo.

 

2.4 - Conceitos de legitimidade

 

De suma importância para o presente trabalho é diferenciar capacidade de legitimidade.

Apesar de uma pessoa ser portadora de capacidade pode, em determinadas circunstâncias, faltar-lhe uma capacidade específica para a prática de determinados atos.

Neste sentido a legitimidade poderia ser entendida como um plus que o legislador acreditou ser necessário exigir da pessoa capaz, quando efetivamente estiver frente a uma situação. Este plus de capacidade, ou seja, a legitimidade para certos atos foi pensada pelo legislador para proteger um determinado interesse ou mesmo proteger a pessoa em virtude de uma situação específica que esta possa estar.

Estes impedimentos não estão ligados às hipóteses legais de incapacidade. Um bom exemplo foi dado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p. 89):

 

O tutor, por exemplo, embora maior e capaz, não poderá adquirir bens móveis ou imóveis do tutelado (Art. 1.749 I, do CC-02 e Art. 428, I do CC-16). Dois irmãos, da mesma forma, maiores e capazes, não poderão se casar entre si (Art. 1521, IV, do CC-02 e Art. 183, IV, do CC-16). Em tais hipóteses, o tutor e os irmãos encontram-se impedidos de praticar o ato por falta de legitimidade ou de capacidade específica para o ato.

 

Como se pode observar, a legitimidade está diretamente ligada à capacidade, no entanto, nada tem a ver com a falta de capacidade, conforme dito anteriormente age sobre a capacidade para lhe fornecer um plus de alcance.

No mesmo sentido manifestou Sílvio Venosa (2001, p. 139):

 

Não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação. A legitimação consiste em averiguar se uma pessoa, perante determinada situação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. A legitimação é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil. O conceito é emprestado da ciência processual. Está legitimado para agir em determinada situação jurídica quem a lei determinar. Por exemplo, toda pessoa tem capacidade para comprar ou vender. Contudo, o art. 1.132 do Código Civil estatui: ‘os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam’. Desse modo, o pai, que tema capacidade genérica para praticar, em geral, todos os atos da vida civil, se pretender vender um bem a um filho, tendo outros filhos, não poderá fazê-lo se não conseguir a anuência dos demais filhos. Não estará ele, sem tal anuência, ‘legitimado’ para tal alienação. Num conceito bem aproximado da ciência do processo, legitimação é a pertinência subjetiva de um titular de um direito com relação a determinada relação jurídica. A legitimação é um plus que se agrega à capacidade em determinadas situações.

 

A legitimidade do pai para vender ao filho fica assim condicionada à autorização dos demais, conforme preceitua o Artigo 496 do CC-02. Percebe-se que a legitimação, no caso ilustrativo, que havendo apenas um filho o plus de capacidade, ou seja, ‘legitimidade’ não se faz necessária.

Outro exemplo que poderia aqui colecionar seria o que determina o Art. 1.647 do Código Civil, ressalvado o disposto no Art. 1.648, “nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis”. Da mesma forma que no exemplo citado por Sílvio Venosa (2001), o cônjuge que, apesar de possuir uma capacidade genérica para praticar todos os atos da vida civil, se pretender vender um bem, estando casado, não poderá fazê-lo se não conseguir a anuência do cônjuge.

Simone Eberle (2006, p. 140), apesar de não citar claramente a presença ou necessidade deste plus, que aqui se denomina legitimidade, deixa entrelinha que a doutrina questiona se em determinadas situações não estaria a capacidade deficitária:

 

Não obstante a taxatividade do sistema de incapacidades, a doutrina  questiona se outras causas deficitantes da capacidade de fato, não estariam presentes veladamente no ordenamento jurídico e tal indagação geralmente se põe a propósito da situação do falido e do encarcerado.

A doutrina e acorde no sentido de não reconhecer o falido como um incapaz. Embora ele efetivamente sofra certas restrições quanto à administração e disposição de seus bens durante a execução concursal, sendo-lhe também dada a prática de atos que, direta ou indiretamente, venham a prejudicar os interesses de seus credores, o fato é que o falido não se torna, por isto, um incapaz.

 

Não há que se falar em incapacidade nos casos em que a lei exige esta legitimação para determinados atos. Simone Eberle assim ressalva (2006, p. 141):

 

Todavia, não se pode vislumbrar incapacidade nessa condição, visto que essas limitações não têm o condão de suprimir a capacidade de fato do falido, que resta intocada no que concerne ao exercício de direitos e obrigações que não estejam relacionados aos interesses da massa falida subjetiva.

 

Isso posto, resta concluir que, mesmo estando a pessoa com sua capacidade plena poderá diante de determinadas situações fáticas ter restringido o seu direito por faltar-lhe legitimidade para o ato e que esta legitimidade varia de acordo com a órbita, seja ela familiar, civil ou individual.

 

2.5 - Conceitos de rescisão contratual

 

Há na melhor doutrina uma crítica à Consolidação das Leis do Trabalho por um vício terminológico que confunde sob a expressão de rescisão os diversos modos de extinção do contrato de trabalho. Segundo Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho (1993, p. 237) a rescisão verifica-se somente em caso de nulidade.

Servindo-se deste mesmo pensamento Carvalho (2007, p. 427) afirma:

 

A terminologia utilizada pelo legislador, para se referir aos casos de cessação do contrato de emprego, parece pouco apropriada. Há uma clara generalização dos termos rescisão e demissão, usando-se um ou outro quando a lei quer se reportar ao término do liame empregatício, como se esses vocábulos não tivessem um significado técnico específico.

 

Para a melhor técnica, rescisão deveria ser usada somente para designar a dissolução do contrato de trabalho em virtude de alguma nulidade por ventura encontrada. A seu turno a demissão como sendo ato de vontade do empregado pondo fim à relação contratual.

Augusto Cesar de Carvalho (2007, p. 428), de forma mais didática, distingue os modos de cessação do contrato de emprego com base na seguinte tipologia: resilição, resolução, rescisão e caducidade. Para este doutrinador, o contrato de trabalho é resilido quando se desfaz por iniciativa das partes ou de uma delas.

Para Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho (1993), a resolução ocorre em três hipóteses: a) há inexecução faltosa por parte de um dos contratantes; b) o contrato está subordinado a uma condição resolutiva e c) a execução se torna impossível por motivo de força maior.  

A rescisão, por sua vez, para Augusto Cesar de Carvalho (2007, p. 468), se dá em virtude de alguma nulidade:

 

Para a teoria jurídica dos contratos, a rescisão se dá nas hipóteses em que o contrato é dissolvido por força de nulidade, que é a sanção consistente em negar efeito a negócio jurídico, por faltar a este um ou mais de seus elementos essenciais e acidentais do contrato de emprego, enfatizando quais os efeitos da nulidade contratual em cada um dos casos.

 

            Por final a caducidade do contrato, segundo Augusto Cesar de Carvalho (2007), é a extinção por esgotamento de suas funções no mundo jurídico. Como, por exemplo, no caso de morte ou de força maior que fazem o contrato perder eficácia.

Embora sob crítica de renomados doutrinadores, rescisão será entendida como qualquer termo de extinção do contrato de trabalho, uma vez que, para desenvolvimento do tema, não importa a forma como este se extingue e, sim, a condição para homologação.

 

 


CAPÍTULO III

 

ABORDAGEM DOS DIVERSOS INSTITUTOS DO DIREITO

EM RELAÇÃO AO ANALFABETO

 

            Para maior compreensão e desenvolvimento do tema proposto, necessária se faz uma análise dos diversos institutos do Direito, relacionando-os ao tema analfabetismo. Através deste comparativo, das formas de tratamento dispensado ao analfabeto, será possível traçar uma linha de posicionamento e demonstrar que cada instituto dispensa ao analfabeto um grau de proteção diferente. Com isso será demonstrada a necessidade de equidade no tratamento ao analfabeto, buscando uma igualdade efetiva, prevista formalmente pela Constituição.

 

3.1- O analfabeto na Constituição Federal do Brasil

 

            O ordenamento jurídico brasileiro é constituído por um conjunto hierarquicamente organizado de normas. Essa organização é feita de acordo com a concretude e importância da norma no sistema jurídico. No pensamento positivista, as normas inferiores, localizadas na base da pirâmide da hierarquia, são aquelas com maior grau de concretude, buscando sempre que necessário sua validade em uma norma jurídica superior. Se a norma inferior não tiver fundamento em uma norma superior, ela estará em desacordo com o ordenamento jurídico.

            No complexo de normas, reguladas pelo direito, a Constituição Brasileira se coloca hierarquicamente como superior às demais normas. Por certo que a Constituição não tem como objetivo disciplinar especificamente todas as relações jurídicas, buscando, de forma geral, dar um norte ao legislador e ao aplicador do direito, ao analisar o caso concreto.

            Neste contexto, aparecem os princípios e alguns desses são colocados no topo da pirâmide no momento em que são inseridos no texto constitucional, conjuntamente com as normas, tornando-se uma categoria normativa de princípios, tendo aplicabilidade a um enorme número de normas gerais. Hoje, vive-se na "era dos princípios", onde esses estão alcançando posição igualitária às normas, dentro da pirâmide normativa.

            Diz Canotilho (1995, p. 165-166) que a existência de regras e princípios é que permite a descodificação em termos de um constitucionalismo adequado da estrutura sistemática, isto é, possibilita a compreensão da constituição como um sistema aberto de regras e princípios. Vai além ao afirmar que:

 

Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. (...) Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o Constitucionalismo, que é necessariamente um sistema aberto.

           

Ao se dispor a explanar sobre determinado tema é imprescindível tentar que se definam conceitos importantes para a compreensão do proposto. Diante deste pensamento, antes de adentrar ao núcleo deste problema, deve-se perpassar à noção de princípio, levado por tamanha importância, conforme exposto no parágrafo anterior.

O conceito de princípio é dado por Ferreira (2010):

 

Princípio: s.m. Começo, origem, fonte. / Física. Lei de caráter geral que rege um conjunto de fenômenos verificados pela exatidão de suas conseqüências: princípio da equivalência. / &151; S.m.pl. Regra da conduta, maneira de ver. / Regras fundamentais admitidas como base de uma ciência, de uma arte etc.

           

Para Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 21) “Princípios gerais são postulados que procuram fundamentar todo o sistema jurídico, não tendo necessariamente uma correspondência positivada equivalente”.

            Para Dantas Jr. (2009, p. 63) “são os princípios os elementos fundamentais do ordenamento jurídico, que lhe dão sustentação e, ao mesmo tempo, harmonizam suas proposições”.

            Quanto ao papel dos princípios, Carvalho (2007, p. 50) traz a seguinte lição:

 

é certo que os princípios denunciam os valores que imperam na ordem jurídica e por isso são fonte material desta. Não sendo fonte formal de direito, revestem-se, porém, da característica de ser norma. A um só tempo, inspiram o legislador e suprem a atividade legislativa. (grifo nosso)

 

            Neste sentido, o pensamento de Miguel Reale (2001, p. 286) assim assevera:

A nosso ver, princípios gerais do direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, deste modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática. Alguns deles se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a lei), de irretroatividade da lei para a proteção de direitos adquiridos etc.

 

            Pinto Martins (2005, p.69), de forma mais sucinta, afirma que “para o direito, o princípio é o seu fundamento, a base que irá informar e inspirar as normas jurídicas”.

            Vencida esta fase em que está claro que o princípio é fundamento de todo ordenamento jurídico e tem o condão de informar o legislador e orientar o aplicador do Direito, busca-se considerar as abordagens dadas ao analfabeto, primeiramente na Constituição Federal que ao tratar do analfabeto o fez em seu Artigo 14 que assim dispõe:

 

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:

I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II – facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

§ 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I – a nacionalidade brasileira;

II – o pleno exercício dos direitos políticos;

III – o alistamento eleitoral;

IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;

V – a filiação partidária;

VI – a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz;

d)  dezoito anos para Vereador.

§ 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. (grifo nosso)

 

            O referido Artigo elenca os direitos políticos. Em dois momentos, como se pode observar, tratou do tema analfabetismo. Primeiro no Inciso II do Parágrafo 1º, deixando a opção de se filiar a algum partido ou votar em algum candidato a cargo do analfabeto, do maior de sessenta anos e aos maiores de dezesseis e menores de dezoito. Não se pode afirmar que o legislador equiparou o analfabeto aos incapazes, uma vez que na mesma condição estão os maiores de sessenta anos e os relativamente capazes, como os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito.

Nesta oportunidade não há qualquer prejuízo para o cidadão analfabeto uma vez que poderá exercer os atos inerentes à matéria se assim entender.

            No entanto, em seu Parágrafo 4º, o legislador impediu que o analfabeto pudesse se candidatar a um cargo eletivo, proibindo-o expressamente conforme apresentado. Neste Parágrafo o legislador excluiu completamente a capacidade do analfabeto, não com o desejo de proteção e, sim, entendendo que o mesmo não tem capacidade cognitiva suficiente para representar seus pares.

            Assim, o legislador levou em consideração que, para os atos inerentes aos cargos eletivos, o cidadão precisa saber ler e escrever. Entende-se que não se trata unicamente de capacidade de compreensão, mas está diretamente ligada à forma de atuação quando se tem um cargo público, seja de vereador, prefeito ou outro qualquer com as mesmas peculiaridades.

            Percebe-se que o legislador ao normatizar levou em consideração esta condição especial do analfabeto, buscando uma segurança de forma preventiva, relacionada aos atos praticados por um analfabeto, vislumbrando a possibilidade de que este ato pudesse vir a causar algum prejuízo à coletividade. Mesmo que tal proibição, a priori, possa ir de encontro ao que prevê o Art. 5º da Constituição, de que trata dos direitos fundamentais, dispondo em seu Capítulo I dos direitos e deveres individuais e coletivos e que dentre outros direitos prevê a igualdade entre os homens.

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Se todos sãos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não seria razoável que o analfabeto pudesse votar e ser votado? A princípio pode-se verificar neste tratamento desigual, motivo para indignação, porém pode-se também considerar que o legislador reconhece, na condição de analfabeto, a falta de legitimidade para exercer o cargo eletivo. Como exposto no segundo capítulo, que trata da capacidade e legitimidade, há momentos em que o legislador assegurou uma condição especial de forma que a pessoa necessite de um plus de capacidade para exercer determinados atos. Nesta matéria, o legislador não previu a possibilidade de representação, porque não se trata de capacidade e, sim, de legitimidade e essa não tem relação com a incapacidade, de acordo com o pensamento que foi exposto ao tratar da legitimidade.

            E o que seria um tratamento igualitário? Para tratar deste tema é necessário trazer à luz o conceito deste importante princípio Constitucional.

Por se tratar do princípio Constitucional de igualdade neste trabalho, que tem como propósito dar efetividade a esta nas relações contratuais trabalhistas, mais especificamente nas rescisões do contrato de trabalho feito por um analfabeto, é de suma importância trazer a crítica ou leitura história feita por José Afonso Silva (2008, p. 211), que diz:

 

O direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a liberdade. As discussões, os debates doutrinários e até as lutas em torno desta obnubilaram aquela. É que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindica o de liberdade.

 

            A constituição abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (Art. 5º caput). Em outras oportunidades também reconhece a igualdade como no Art. 5º Inciso I, Art. 7º Incisos XXX e XXXI, dentre outros. Percebe-se, no entanto, que a igualdade aqui exposta é meramente formal. A lei geral, abstrata e impessoal, que incide em todos igualmente, levando em conta apenas a igualdade dos indivíduos e não a igualdade dos grupos, acaba por gerar mais desigualdade e propiciar a injustiça (SILVA, 2008, p. 214).

A igualdade é um valor que só pode ser estabelecido mediante a comparação entre duas ou mais ordens de grandeza e, assim, estará sempre relacionada a uma comparação entre situações e/ou pessoas, pois quando pergunta se existe igualdade depara-se sempre diante da indagação de qual igualdade, entre o quê e/ou quem. A igualdade é, portanto, uma relação entre dois termos.

Na aplicação da norma ao caso concreto é que se busca a igualdade. Assim surge o imperativo de que tratar igualmente é valorar as desigualdades existentes, tratando desigualmente. 

Importante advertir de que é necessário visualizar igualdade para grupos mais ou menos constituídos, como as nações, as famílias, as empresas, as cidades, as classes, as regiões, etc..

Portanto, a igualdade poderá ser um critério de razoabilidade na aplicação da justiça, pois a casos semelhantes deverá ser aplicada a mesma solução. Neste sentido, a igualdade será uma garantia de imparcialidade na aplicação do direito e uma proteção contra o arbítrio, pois se todos são sujeitos de direito e iguais perante a Lei, ao Juiz caberá decidir de forma igual nos casos semelhantes.

Diante disto pode-se afirmar que a igualdade é um conceito sempre em construção, devendo ser considerado o momento histórico vivido, pois sempre poderá incluir na titularidade de um direito novos grupos como, por exemplo, o direito de assistência ao analfabeto nas rescisões contratuais trabalhistas.

 

3.2 - O analfabeto na Consolidação das Leis Trabalhistas

 

            A princípio é importante frisar que a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art. 477, Parágrafo 1º estipulou a necessidade de assistência, quando do pedido de demissão ou recibo de quitação de trabalho tenha ultrapassado o período de um ano. Expondo que esta assistência ficaria a cargo do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho. Existindo discordância quanto à integração ou não do aviso prévio indenizado para efeito de contagem de tempo Carvalho (2007, p. 437), afirma que:

 

a assistência sindical ou ministerial é exigível nos casos em que o empregado conta mais de um ano, sustentando Valentin Carrion que se integra, para esse efeito, o período de aviso prévio indenizado, É com vênia que, em parte, discordamos, pois essa posição só deve ser adotada se é incontroverso que houve dispensa do empregado. Se o empregado não completou um ano de emprego, pode demitir-se e, se o fizer sem conceder antes o aviso prévio, pode se descontado o salário do período de aviso prévio, mas sem integração desse período ao tempo de serviço.

 

Contrário ao pensamento de Carvalho (2007), Baessa (1996, p. 8) assevera, “lembre-se que o período de aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais[1]. Assim, se o empregado tiver 11 meses e 1 dia de serviço, é exigível a homologação”.

Tamanha a importância da assistência para o trabalhador, que cuidou o legislador de exigi-la como condição para homologação[2]. Buscou o legislador garantir que a vontade, a certeza da data em que findou a relação de trabalho, a ausência de coação sobre o empregado e ainda testemunhar o efetivo pagamento das verbas rescisórias (BAESSA, 1996).

O que importuna neste aspecto é o fato do legislador não incluir neste campo de proteção o trabalhador analfabeto, restringindo a proteção necessária, somente em razão de um valor numérico, ou seja, tempo de trabalho superior a um ano.

A importância da assistência vai além da homologação da rescisão contratual, verificando a veracidade dos atos ali praticados. A assistência tem repercussão futura, uma vez que ao trabalhador cabe o ônus da prova quando for ajuizar uma reclamação trabalhista. Barros (2008, p. 283) afirma que “o ônus da prova da situação diversa daquela resultante do contrato compete, em geral, ao trabalhador”.

Esta situação do ônus da prova agrava-se quando a Consolidação das Leis do Trabalho não exige testemunha para quitação, no caso de analfabeto, bastando a assinatura a rogo, conforme seu artigo:

 

Art. 464 – o pagamento do salário deverá ser efetuado contra recibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital, ou não sendo esta possível, a seu rogo. (grifo nosso)

 

Oliveira (2008, p. 1066) traz o quanto uma quitação por um instrumento particular pode ser danosa, principalmente na rescisão ao dar quitação. Segundo o autor, a tendência do Direito moderno é a de não negar ao instrumento particular qualquer efeito pelo fato de não estar sacramentado com as assinaturas de testemunhas instrumentárias. Segundo este mesmo autor, mostra-se mais positiva essa tendência quando se verifica que a doutrina e a jurisprudência consideram não implicar nulidade do instrumento a falta de testemunhas. Dado que, se verificar esta falta, o documento converter-se-á em documento válido, mesmo assinado apenas pela parte, tendo por eficácia a presunção da veracidade das declarações nele contidas.

Pode-se perceber que há que se cuidar para que não haja erro algum durante a rescisão contratual, porque o documento assinado pelo analfabeto será válido para todos os efeitos, sendo considerado válido[3], não poderá o analfabeto alegar falta de assistência ou conhecimento do teor do documento de acordo com a atual legislação.

Parece haver uma divergência na legislação e até mesmo no posicionamento dos magistrados, quando se trata da necessidade de assistência para as rescisões contratuais, ora o aplicador do direito vale-se da necessidade da assistência, em sua fundamentação, conforme preceitua a legislação, para validação de uma quitação contratual, ora renega a assistência sob alegação de uma veracidade presumida das alegações, tornando válido um documento sem assinatura de testemunhas como no caso envolvendo um analfabeto.

No entanto, mesmo diante destas divergências acima transcritas, percebe-se que a importância da homologação das rescisões contratuais, lembrando que, para que haja a homologação será necessária, nos contratos acima de um ano de duração a assistência, esta presente não só na doutrina, mas também em decisões judiciais. Conforme poderemos abstrair dos fundamentos pertinentes à matéria no Acórdão, TST-E RR-578.978/1999,0 – (Ac. SBDI1)- 2ª Reg.- Rel. Min. João Oreste Dalazen. DJU 3.2.06, p. 667:

 

não abona a sua conduta o depósito efetuado na conta corrente do reclamante em 12.05.04 (f.312), pois o acerto rescisório é procedimento que não se resume a pagamento de valores, mas representa a quitação de rescisão do contrato de trabalho, termos da lei, o que inclui, no caso, a assistência do Sindicato ou do Ministério do Trabalho.

 

 Verifica-se, assim pelo que consta da referida fundamentação, que o acerto rescisório não se resume a pagamento de valores, mas inclui a necessária quitação do contrato de trabalho com assistência do órgão competente para tanto, na forma da lei.

Como se observa não se pode abrir mão deste importante mecanismo de proteção ao trabalhador, principalmente quando este se encontra na condição especial de analfabetismo.

A consolidação das Leis do Trabalho em outro momento contemplou o analfabeto, como se pode ver no Art. 427 ao tratar do tema analfabetismo:

 

Art. 427 - O empregador, cuja empresa ou estabelecimento ocupar menores, será obrigado a conceder-lhes o tempo que for necessário para a freqüência às aulas.

Parágrafo único - Os estabelecimentos situados em lugar onde a escola estiver a maior distancia que 2 (dois) quilômetros, e que ocuparem, permanentemente, mais de 30 (trinta) menores analfabetos, de 14 (quatorze) a 18 (dezoito) anos, serão obrigados a manter local apropriado em que lhes seja ministrada a instrução primária.

           

Adverti-se que o legislador neste artigo buscou uma efetiva participação do empregador na busca pela erradicação do analfabetismo, impondo a este, no caso previsto no Artigo, a imposição de manter lugar apropriado para instrução primária e ao empregador o ônus da instrução.

O legislador negligenciou ao fazer esta proteção condicionada a um valor numérico e não à condição de pessoa, ou melhor, dizendo, à condição humana.  Ao limitar a obrigatoriedade de instrução somente nas condições de distância superior a 2 km e quantidade superior a 30 indivíduos, o legislador desconsiderou o valor humano do trabalhador, reduzindo a sua importância a um número, seja de distância ou quantidade e idade. Percebe-se da leitura do artigo que se neste mesmo local de trabalho existissem número superior a 30 indivíduos e cujo estabelecimento de ensino estivesse a mais de 2 km de distância, mesmo assim não teriam direito à instrução referida no Artigo 427 da CLT, se estes indivíduos não tivessem idade inferior a 18 anos. Vê-se que neste Artigo, o legislador foi ao encontro da proteção do menor trabalhador e não do trabalhador analfabeto.  

            O Artigo 464 está no capítulo da remuneração e assim dispõe:

 

Art. 464 - O pagamento do salário deverá ser efetuado contra recibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital, ou, não sendo esta possível, a seu rogo (grifo nosso).

 

            No direito trabalhista é que se tem um esvaziamento do caráter protecionista ou mesmo garantista do cidadão analfabeto. Não se preocupou o legislador no Direito do Trabalho, da mesma forma que o fez no Código Civil. Enquanto neste a busca é pela garantia da vontade do cidadão analfabeto, na legislação trabalhista tem-se o enfraquecimento desta garantia. Como se pode observar, não se exigiu no Artigo acima transcrito a presença de nenhuma testemunha, bastando que, não sendo possível a impressão digital, alguém faça a seu rogo, caso seja possível a impressão digital, este a fará dando quitação sem saber o conteúdo do recibo.

            Ao comparar o cuidado do legislador ao tratar do Casamento de um analfabeto, que exige para validade do mesmo, a presença de 4 (quatro) testemunhas, enquanto que para os letrados a exigência é de somente duas, com a completa ausência de testemunhas, no caso de efetuar o recibo de pagamento de salário, percebe-se o descuido, favorecendo o poder econômico inseparável à relação de trabalho.

            Salienta-se ainda que a remuneração do trabalhador, em especial do analfabeto, é na maioria das vezes, o seu único patrimônio, razão esta que atrai para si a proteção dada ao analfabeto no Código Civil, ao tratar do testamento em seu Artigo 1.872.

            Percebe-se que em algumas circunstâncias o julgador, com maior prudência, analisa em caso concreto se haveria alguma irregularidade ao julgar determinadas demandas.[4] No entanto não se pode deixar ao arbítrio de julgador esta tarefa tão importante de garantir direitos do trabalhador.

Observa-se no Artigo 477 que assim dispõe:

 

Art. 477 - É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direto de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa. (Redação dada pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970)

§ 1º - O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social.  (Redação dada pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970)

§ 2º - O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas. (Redação dada pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970)

§ 3º - Quando não existir na localidade nenhum dos órgãos previstos neste artigo, a assistência será prestada pelo Represente do Ministério Público ou, onde houver, pelo Defensor Público e, na falta ou impedimento deste, pelo Juiz de Paz.  (Redação dada pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970)

§ 4º - O pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado no ato da homologação da rescisão do contrato de trabalho, em dinheiro ou em cheque visado, conforme acordem as partes, salvo se o empregado for analfabeto, quando o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro. (grifo nosso)

 

            Este Artigo produz a falsa sensação de segurança, induzindo, a princípio, a acreditar que se trata de uma segurança para o trabalhador analfabeto, afirma-se isto, porque o fato de se assegurar somente o pagamento em dinheiro, parte da presunção de que o analfabeto conheça a moeda corrente sem se preocupar se o que ele está recebendo é o que verdadeiramente se está dando por quitado ou, ainda, se o valor tem equivalência com o que lhe é devido. Ao contrário do que a leitura fria da lei pode remeter, entende-se que se buscasse, efetivamente, dar segurança, o correto seria fazer o pagamento em cheque[5] ou depósito em conta, porque havendo dúvida futura quanto ao valor pago, poderia facilmente ser apurado. No entanto como a quantia é paga em dinheiro, torna-se tal verificação impossível, dificultando a prova numa futura demanda judicial.

            O que se discute não é o valor pago ao trabalhador, mesmo porque, na maioria das vezes, o trabalhador analfabeto conhece a moeda nacional, em virtude da necessidade de uso diário da mesma. O que se questiona é o fato de que se aquele valor recebido pelo analfabeto corresponde ao valor que lhe é devido e se no recibo assinado por ele, através de uma impressão digital, representa o valor por ele recebido. Não seria difícil imaginar o tamanho do risco que corre o trabalhador analfabeto diante de tal situação.

Outro ponto que merece destaque, quando se busca uma proteção ao analfabeto na hora de fazer uma rescisão contratual trabalhista é evitar que ocorra a prescrição, impedido, assim, de buscar seus direitos.[6] Se os letrados e até mesmo os operadores do direito são surpreendidos com a prescrição ou perempção, muito mais uma pessoa analfabeta.

            Através da análise desta decisão, percebe-se a magnitude de se ter uma legislação que estabeleça a assistência ao analfabeto quando das rescisões contratuais trabalhistas. Caso fosse feita a rescisão segundo os moldes defendidos neste estudo, teríamos evitado a prescrição e decadência. Eis mais uma garantia permitida ao analfabeto, atendidas as condições defendidas neste trabalho.

 

3.3 - O analfabeto no Código Civil Brasileiro

 

Analisando as questões que envolvem o analfabeto nos diversos institutos do Direito, percebe-se que há em determinados momentos um alargamento, em outros o estreitamento da proteção.

Aspira-se lançar um olhar crítico interpretativo da forma como o analfabeto é tratado na legislação e qual a consequência deste na vida do trabalhador.

            Ao analisar o Código Civil observa-se que em diversos artigos se faz menção ao analfabetismo. Porém em nenhum momento, ao se referir ao analfabeto o faz de maneira a desqualificá-lo como capaz. O Código Civil exige para atender à formalidade que haja um plus na capacidade do analfabeto para a prática autônoma da vontade, buscando com isto uma proteção maior do que a dispensada pelos outros institutos do Direito.

Veja o que diz o Artigo 215 do Código Civil Brasileiro: 

                 

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

§ 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:

I - data e local de sua realização;

II - reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos haja comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas;

III - nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;

IV - manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes;

V - referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato;

VI - declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram;

VII - assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.

§ 2o Se algum comparecente não puder ou não souber escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo. (grifo nosso)

           

            Como afirmado acima, o legislador, prevendo que o analfabeto esteja apto aos atos da vida civil, cuidou apenas de garantir que a sua vontade fosse cumprida, não criando empecilho a possibilidade de dispor de seus bens.

            Adverte-se ainda que no Inciso VI do Artigo acima citado, o legislador colocou como opção e não como imposição o fato de que para ser válida a escritura, esta  poderá ser lida na presença de todos ou de que todos a leram. Caso esta imposição de ser lida por todos, fosse condição de validade, o analfabeto teria restringido o seu poder de propriedade, não podendo dispor de seus bens, uma vez que pela condição de analfabeto não poderia ler o referido documento.

            No Parágrafo 2º do Inciso VII, vê-se que não houve como no Inciso VI, a forma alternativa “poderá”, caso essa existisse ficaria o analfabeto sem a proteção de que a sua vontade fosse respeitada, assim cuidou o legislador de que  necessariamente não podendo assinar outro o faria a seu rogo.

            Nesta mesma esteira, o Artigo 595 do Código Civil assim dispõe:

 

Art. 595- No Contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. (grifo nosso)

 

            Neste Artigo, o legislador mais uma vez buscou garantir a vontade do cidadão analfabeto ao permitir que o mesmo faça o contrato de tempo de serviço, no entanto lhe trazendo a proteção merecida, condicionando a sua validade à presença de duas testemunhas, buscando com isto a veracidade das condições ali elencadas. Pode parecer incoerente à primeira vista defender neste artigo a proteção ao analfabeto, já que nele o legislador deixou a alternativa de ser ou não assinado a seu rogo, quando faz uso da palavra “poderá”, mas o importante neste artigo a frisar é que o legislador amarrou, impondo que no caso haveria a necessidade de testemunhas em número não inferior a duas.

            Outra oportunidade em que o legislador verificou o analfabeto como sujeito capaz foi no Artigo 1.120 do Código de processo Civil, que assim dispõe:

 

Art. 1.120. A separação consensual será requerida em petição assinada por ambos os cônjuges.

§ 1o Se os cônjuges não puderem ou não souberem escrever, é lícito que outrem assine a petição a rogo deles

§ 2o As assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão reconhecidas por tabelião. (grifo nosso)

           

            Pode-se observar que mais uma vez o legislador buscou uma solução para viabilizar a prática dos atos da vida civil de forma autônoma pelo analfabeto, reconhecendo sua plena capacidade. Vê-se neste artigo que o legislador vislumbrou a possibilidade de assinatura a rogo, porém a condicionou a ser na presença de um juiz ou reconhecida por tabelião. O que demonstra a sua preocupação com a efetiva manifestação da vontade dos cônjuges.

            A seu turno assim dispõe o Artigo 1.534:

 

Art. 1.534. A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a autoridade celebrante, noutro edifício público ou particular.

§ 1o Quando o casamento for em edifício particular, ficará este de portas abertas durante o ato.

§ 2o Serão quatro as testemunhas na hipótese do parágrafo anterior e se algum dos contraentes não souber ou não puder escrever. (grifo nosso)

 

            Neste Artigo, que trata da formalidade referente à celebração do casamento, o legislador buscou dar uma segurança maior aos nubentes, impondo a presença de 4 (quatro testemunhas) no caso dos mesmos não souberem ou puderem escrever. Como podemos observar, houve um acréscimo de 100% (cem) por cento do número de testemunhas, buscando, com isto, conforme dito acima, maior segurança ao feito.

            No Artigo 1539, observa-se uma questão de emergência e ao mesmo tempo a necessidade de validade de um ato jurídico do casamento de um enfermo com moléstia grave. Neste caso em específico, o legislador verificou que o analfabeto não dispunha de capacidade plena, de legitimidade condicionando para tanto saber ler e escrever, se não veja:

 

Art. 1.539. No caso de moléstia grave de um dos nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo onde se encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever. (grifo nosso)

 

Percebe-se neste caso, que o legislador constatou no analfabeto a falta de legitimidade e capacidade para verificar a legalidade do ato praticado, esta falta de capacidade e legitimidade está expressa no Artigo acima citado pela peculiaridade da questão que exige para tanto saber ler e escrever.

            Partindo da premissa de que o analfabeto é plenamente capaz para os atos da vida civil, um cuidado maior demandou do legislador no sentido de viabilizar a sua prática sem riscos para os atos da vida civil.

            O Artigo 1.865 assim prevê:

 

Art. 1865- Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias. 

 

            Dito isto, caso não fosse criada a possibilidade prevista no Artigo acima, não poderia o analfabeto testar. No entanto, ali está presente a necessidade de testemunha para validação do ato.

            Com uma forma negativa de proteção, o legislador no Artigo 1.872 restringiu a capacidade do analfabeto ao impedi-lo de fazer testamento cerrado. Veja:

Art. 1.872. Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler.

 

            Afirma-se negativamente, porque, na busca da proteção dos interesses do testamentário analfabeto[7], o legislador restringiu sua capacidade, uma vez que neste tipo de testamento, o teor do mesmo só será conhecido após a sua morte, o que impediria verificar se sua vontade estaria ali assegurada, no entanto reconhece-se que o caso exige a proteção dispensada.

 

3.4 - O analfabeto no Código Penal Brasileiro

 

O Código Penal ao tratar do tema analfabetismo o fez somente em duas oportunidades, uma restringindo-lhe o direito de ser perito, conforme Artigo 279 do Código de Processo Penal e no Artigo 723 que assim dispõem:

 

Art. 279.  Não poderão ser peritos:

I - os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos ns. I e IV do art. 69 do Código Penal;

II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia;

III - os analfabetos e os menores de 21 anos.

 

Art. 723.  A cerimônia do livramento condicional será realizada solenemente, em dia marcado pela autoridade que deva presidi-la, observando-se o seguinte:

I - a sentença será lida ao liberando, na presença dos demais presos, salvo motivo relevante, pelo presidente do Conselho Penitenciário, ou pelo seu representante junto ao estabelecimento penal, ou, na falta, pela autoridade judiciária local;

II - o diretor do estabelecimento penal chamará a atenção do liberando para as condições impostas na sentença de livramento;

III - o preso declarará se aceita as condições.

§ 1o De tudo, em livro próprio, se lavrará termo, subscrito por quem presidir a cerimônia, e pelo liberando, ou alguém a seu rogo, se não souber ou não puder escrever.

§ 2o Desse termo, se remeterá cópia ao juiz do processo. (grifo nosso)

 

Percebe-se que no caso em comento, não se previu a necessidade de testemunha, mesmo porque o referido Artigo trata de um benefício ao preso. Destaca-se do presente Artigo que a leitura do termo de livramento condicional deverá ser realizada na presença de outros presos, o que, de certa forma, atende ao princípio da publicidade e ainda que o mesmo será lido pelo Presidente do Conselho Penitenciário ou pelo seu representante junto ao estabelecimento penal e que ambos detém a condição de veracidade e legitimidade pelo cargo que ocupam, passando ainda ao crivo do juiz do processo.

A possibilidade do intérprete prevista no Artigo 281 do mesmo Código, diz:

 

Art. 281- os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos.

 

Os intérpretes são equiparados a peritos e a função de intérprete não está diretamente ligada à alfabetização. Poderia exemplificar tal afirmativa ao imaginar uma situação envolvendo um cidadão indígena e que nesta condição desconheça a língua pátria e, assim, necessite de um intérprete. O conhecimento da língua indígena não condiciona à alfabetização, tomando essa como sendo alguém que saiba ler e escrever, diria até que aqueles que estejam mais próximos da realidade indígena teriam muito mais capacidade de fazer uma fiel interpretação sem, contudo, deter a condição de saber escrever ou ler.

 

3.5 - O analfabeto no Código de Trânsito Brasileiro

 

Ao tratar do tema analfabetismo, o Código de Trânsito Brasileiro o fez em seu Artigo 140:

 

Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos:

I - ser penalmente imputável;

II - saber ler e escrever;

III - possuir Carteira de Identidade ou equivalente.

Parágrafo único. As informações do candidato à habilitação serão cadastradas no RENACH. (grifo nosso)

 

             O legislador restringiu por completo a capacidade do analfabeto[8], entendendo que o mesmo não dispõe de condições de dirigir um veículo automotor, já que esta prática está diretamente ligada à capacidade de ler as placas de trânsito e ainda conhecer a legislação referente à matéria. Não pode tomar esta medida apenas como restritiva de direito, mas também como forma de proteção do próprio indivíduo como também da sociedade. A não observância das placas de trânsito causa acidentes, colocando em risco a vida do próprio condutor, assim como dos demais e, consequentemente, onera a sociedade. Veja que a restrição aqui imposta, ainda que restritivamente, vai ao encontro da proteção do analfabeto.

 

3.6 - O analfabeto em comparação com o Estatuto do Índio

 

É importante trazer à luz o tratamento dispensado ao índio, principalmente, porque se aproxima da pessoa analfabeta pelo fato de não saber ler e escrever a língua portuguesa.

Antes de abarcar o tema, é necessário informar que existem de acordo com o Estatuto do índio três fases, a saber:

 

Art 4º Os índios são considerados:

I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;

II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;

III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.

 

Neste contexto, destaca-se que o legislador fez uma graduação em virtude da proximidade do índio em relação à comunidade nacional, passando de isolados, por em vias de integração e integrados[9]. Esta graduação terá implicações nas relações do índio com a coletividade nacional.

No Capítulo III, de que tratará da assistência ou tutela, aproxima-se mais efetivamente da análise que se pretende fazer. No Art. 9º, mais precisamente no Inciso II, o legislador deixou claro que para o índio exercer autonomamente os atos da vida civil é necessário o conhecimento da língua portuguesa. Veja:

 

Art. 9º Qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes:

I - idade mínima de 21 anos;

II - conhecimento da língua portuguesa;

III - habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional;

IV - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional.

Parágrafo único. O Juiz decidirá após instrução sumária, ouvidos o órgão de assistência ao índio e o Ministério Público, transcrita a sentença concessiva no registro civil. (grifo nosso)

           

Como dito acima, se o legislador reconhece que para o índio poder exercer de forma autônoma os atos da vida civil, é necessário o conhecimento da língua portuguesa, incógnita a razão pela qual o legislador assim não entendeu, quando legislou em referência ao analfabeto na hora de rescindir o contrato.

Ao tratar em seu Capítulo IV das Condições de Trabalho, o legislador cuidou de dar a proteção que se defende neste trabalho como devida, declarando nulo o contrato de trabalho dos índios isolados. É preciso abstrair que esta proibição legal se deu em virtude do completo desconhecimento do indígena sobre o que poderia estar disciplinando o referido contrato e em virtude do desconhecimento da língua, situação esta que se entende ser a mesma do analfabeto. Como está exposto nos Artigos 15 e 16:

       

Art. 15. Será nulo o contrato de trabalho ou de locação de serviços realizado com os índios de que trata o artigo 4°, I.

 

Art. 16. Os contratos de trabalho ou de locação de serviços realizados com indígenas em processo de integração ou habitantes de parques ou colônias agrícolas dependerão de prévia aprovação do órgão de proteção ao índio, obedecendo, quando necessário, a normas próprias.

§ 1º Será estimulada a realização de contratos por equipe, ou a domicílio, sob a orientação do órgão competente, de modo a favorecer a continuidade da via comunitária.

§ 2º Em qualquer caso de prestação de serviços por indígenas não integrados, o órgão de proteção ao índio exercerá permanente fiscalização das condições de trabalho, denunciando os abusos e providenciando a aplicação das sanções cabíveis.

§ 3º O órgão de assistência ao indígena propiciará o acesso, aos seus quadros, de índios integrados, estimulando a sua especialização indigenista. (grifo nosso)

 

            De todo o texto legal acima transcrito, vê-se que o legislador se cercou de todo cuidado para que o índio fosse assistido e tivesse o seu direito garantido sem qualquer prejuízo de cunho material.

            Percebe-se, assim, que houve um descuido do legislador, que não verificou que tal como o índio o analfabeto precisa de assistência para realizar contratos mais precisamente o de cunho trabalhista, como forma de garantir a vontade do trabalhador.

 

3.7 - O desconhecimento da língua na Organização Internacional do Trabalho

 

Na defesa do pensamento proposto, com relação à necessidade da assistência ao analfabeto, é conveniente fazer referência à proteção dispensada ao estrangeiro, conforme Convenção da OIT N. 97 (2007 p. 117) no Anexo I, em seu Art. 6º que assim dispõe:

 

Art. 6 - A autoridade competente deverá tomar as medidas necessárias para que se cumpram as disposições dos parágrafos precedentes e se apliquem sanções no caso de infração das mesmas.

a)  A simplificação das formalidades administrativas;

b) O estabelecimento de serviços de interpretação;

c)  Qualquer assistência necessária durante um período inicial, ao se estabelecerem os migrantes e os membros de suas famílias autorizados a acompanhá-los ou a ele se reunirem;

d) A proteção, durante a viagem e especialmente a bordo de uma embarcação, do bem-estar dos migrantes e dos membros de suas famílias autorizados a acompanhá-los ou a eles se reunirem. (grifo nosso)

 

Abstrai-se desta convenção que existe proteção para o estrangeiro em razão do desconhecimento da língua nacional ao instituir a necessidade de serviço de interpretação, no entanto a legislação pátria deixa o trabalhador analfabeto desprotegido. Esta desigualdade de tratamento fica clara se entender que ambos, tanto o estrangeiro que vem prestar serviço quanto o trabalhador analfabeto, não conhecem a língua pátria.


CAPÍTULO IV

 

A NECESSISDADE DE ASSISTÊNCIA AO ANALFABETO NAS RESCISÕES CONTRATUAIS TRABALHISTAS

 

            O Brasil é um país plural com diferenças regionais e intra-regionais. Assim sendo é imperioso considerar estas diferenças para se alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direitos, que se funda numa constitucionalização aberta, que define os princípios básicos, mas que permite que várias categorias possam ter uma moldura diferenciada ao longo do tempo, é o que possibilita rever a legislação até então positivada, para se buscar a proteção necessária ao analfabeto, seja por motivos sociais, numéricos ou econômicos.

O princípio do Estado Democrático de Direito impõe não só condutas omissivas, no sentido de não serem violados os valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, mas também comportamentos positivos no sentido de efetivamente promovê-los e concretizá-los.

Dentre o conjunto das transformações tão necessárias a um futuro mais igual, mais justo, mais digno, mais constitucional está a normatização da necessidade de assistência ao analfabeto nas rescisões contratuais trabalhistas. Esta condição específica de determinados trabalhadores, pela sua peculiaridade e completa vulnerabilidade diante dos interesses econômicos que rondam a relação de trabalho, emoldura a gritante necessidade de intervenção do estado, no sentido de garantir ao trabalhador analfabeto a assistência nas rescisões contratuais trabalhistas.

Soma-se a este quadro o fato dos trabalhadores analfabetos, apesar do número significativo demonstrado nos anexos I e II deste trabalho, estar na condição de minoria. Esta condição preenche os requisitos para uma ação social que tenha como foco o atendimento a demandas da comunidade, tendo o propósito de colaborar com melhores condições seja de saúde, educação, saneamento, segurança, trabalho ou mesmo buscando a inclusão de minorias discriminadas ou socialmente desfavorecidas.

Enquanto o Estado não efetiva estes direitos, resgatando o cidadão analfabeto desta situação vulnerável, há que se buscar o máximo de proteção no sentido de garantir efetividade aos direitos positivados.

 

4.1 - Motivos sociais para assistência ao analfabeto nas rescisões contratuais trabalhistas

 

            A assertiva de Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho (1993, p. 33) “uma norma jurídica é um pedaço de vida humana objetivada”, dá a dimensão e a importância da norma em uma sociedade. Nesta dimensão, a norma é revivida por outras pessoas ou grupos em tempos distantes daquele em que a mesma foi promulgada e, na maioria das vezes, pela evolução histórica, com mudança radical de conceitos e valores sociais, impõe ao aplicador uma adequação às circunstâncias concretas de cada caso. Assim, quando as normas jurídicas pré-existentes são aplicadas a novas condições sociais, passam a ter novo sentido, nova extensão, produzindo consequências não perseguidas pelo legislador, quando da sua elaboração. A inadequação da norma, em razão da evolução no tempo, pode ser percebida quando sua aplicação não é acolhida socialmente, faltando um valor de justiça.

O juiz ao aplicar a norma, devendo fazer esta releitura para sua melhor aplicação ao caso concreto, está sujeito a cometer erros semelhantes ao que cometeria se aplicasse literalmente o texto normativo. Maranhão e Carvalho (1993, p.34) assim asseveram:

 

As experiências por que passou podem criar no subconsciente do juiz reações emotivas, favoráveis ou não, a respeito de determinados tipos ou classes de pessoas, e tais preconceitos involuntários e inconscientes, afetam a atenção e a memória em relação às declarações das testemunhas e influem sobre os motivos de sua credibilidade.

 

Nesta constante tensão entre interesses sociais e políticos, o juiz fica numa situação singular e delicada, uma vez que as modificações sociais clamam por um novo silogismo baseado em premissas para a pacificação ao mesmo tempo em que interesses econômicos, com implicação direta na política, buscam a manutenção de vantagens anteriormente asseguradas.

Túlio Viana nos traz uma crítica ao Direito enquanto sistema autopoiético.  Alega que o que caracteriza o sistema é a sua organização. Salienta ainda que tudo que não faz parte desta organização é o seu ambiente, assim o Direito, enquanto sistema organizado, tem a sociedade como seu ambiente. Para a teoria dos sistemas, a organização, ao mesmo tempo em que define o que é o sistema, define o que ele não é.

O Direito é um sistema aberto, ou seja, possui possibilidade de troca de elementos com o seu respectivo ambiente. Apesar do Direito, enquanto sistema que é, troca elementos com seu ambiente, este não muda a sua organização, garantindo, assim, a sua manutenção. Caso ocorresse a dissolução da organização deste sistema, ter-se-ia uma completa desorganização social, voltando ao estado de guerra constante, por ausência da força pacificadora que o Direito exerce na sociedade.

Apesar de o Direito ser um sistema aberto, porque troca elementos com seu ambiente, ao mesmo tempo não sofre alteração em sua organização e mantém a já existente, como no caso em estudo, vantagens do empregador frente ao empregado. No entanto, este sistema pode sofrer mudança em seu estado, desencadeada por elementos de seu ambiente, no caso específico a sociedade.

Para Túlio Vianna esta possibilidade é denominada acoplamento estrutural.

 

Enquanto uma unidade não entrar numa interação destrutiva com o seu meio haverá entre o sistema e seu ambiente uma série de perturbações mútuas que desencadearão mutuamente mudanças de estado denomina-se acoplamento estrutural.

 

Nesta perspectiva é que surge a possibilidade de interação dos interesses sociais preponderantes com o Direito, mudando-o, porém, mantendo sua organização e, consequentemente, sua força coercitiva e pacificadora para assegurar direitos, como no caso proposto, positivando a necessidade de assistência aos trabalhadores analfabetos.  

Na procura do equilíbrio entre as forças conflitantes na sociedade é que o Direito posto exerce o seu papel fundamental. Ao mesmo tempo em que é fruto de forças sociais, constitui também um instrumento de controle social.

Ao perceber que o Brasil, tem como sua marca básica, as desigualdades sociais e regionais, não poderia ser diferente com o analfabetismo. As regiões com menor desenvolvimento econômico e de economia pouco diversificada são as que apresentam os piores indicadores. Assim, o Nordeste brasileiro tem a maior taxa de analfabetismo do país, com um contingente de quase oito milhões de analfabetos, o que corresponde a 50% do total do País[10].  Contudo, ao observar a distribuição do total de analfabetos absolutos entre os Estados, constata-se que cinco deles (Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará) respondem por cerca da metade dos analfabetos do País[11].

Outra abordagem que pode ser feita é considerar o número de analfabetos em cada município, organizando esse quantitativo municipal, identifica-se a existência de 2.142 municípios brasileiros com até mil analfabetos. Esses municípios, com uma população residente que varia de 795 habitantes, com 25 analfabetos (Borá/SP), a 29.358 habitantes, com mil analfabetos (Timbó/SC), tem, em média, uma população residente de 5.470 habitantes e possuem, ao todo, 1.125.191 de analfabetos, cerca de 6,9% do total de analfabetos de 15 anos ou mais do País. Esses municípios de pequeno porte estão distribuídos, de forma mais predominante nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Por outro lado, 242 municípios apresentam mais de 10 mil analfabetos em sua população residente. Esse contingente corresponde a um total de 5.381.624 analfabetos, representando 33% da população analfabeta do País. A população residente nesses municípios varia de 34 mil habitantes, 10 mil dos quais analfabetos (Araioses/MA), a 10.400.000 habitantes, com 383 mil analfabetos (São Paulo/SP). A metade deles, ou seja, 121 municípios tem até 129 mil habitantes. Nesse grupo de 242 municípios com mais de 10 mil analfabetos, estão grandes centros urbanos e todos os municípios das capitais. Em termos relativos, as maiores taxas de analfabetismo estão em municípios localizados nas Regiões Norte e Nordeste. Esse quadro é preocupante em função das baixas condições socioeconômicas dessas localidades que, diante de suas características, promovem a manutenção dessa situação de exclusão social. As análises estatísticas dos 5.507 municípios brasileiros recenseados em 2000 mostram que existe forte correlação entre a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais e a taxa de frequência à escola. Assim, o município brasileiro cuja população de 15 anos ou mais possui o mais elevado número médio de séries concluídas é Niterói/RJ e sua taxa de analfabetismo é de apenas 3,6%[12].

Importante ainda destacar que enquanto o conceito usado pelo IBGE nas suas estatísticas considera alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhece, cada vez mais, no mundo, adota-se o conceito de analfabeto funcional, que incluiria todas as pessoas com menos de quatro séries de estudos concluídas.

 Usando este segundo critério, mais adequado à realidade econômica e tecnológica do mundo contemporâneo, o nosso número de analfabetos salta para mais de 30 milhões de brasileiros, considerando a população de 15 anos ou mais.

Esta distribuição de analfabetos no país tem, consequentemente, reflexo direto no número de trabalhadores analfabetos.

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, em 2008, o Brasil possuía 4.734.929 trabalhadores analfabetos distribuídos nas cinco regiões, conforme discriminados no anexo 1.

De acordo com o gráfico apresentado, a região Sudeste, seguida pela região Nordeste, concentra o maior número de trabalhadores analfabetos. Isto se deve ao fato de que na região Sudeste está concentrado o maior parque industrial do país e, assim, a maior oferta de emprego, e a região Nordeste figura nesta lista por concentrar o maior número de analfabeto no país, conforme dados do IBGE acima mencionados.

 

4.2 - Motivos para assistência em razão do tempo de permanência do trabalhador analfabeto no emprego

 

A discussão apresentada neste trabalho mostrou a relevância da assistência ao analfabeto para rescisões contratuais trabalhistas, mesmo havendo na CLT previsão para tanto, conforme Art. 477, Parágrafo 1º, que preceitua tal necessidade nos contratos com duração superior a um ano. Para fundamentar uma legislação específica para garantir ao analfabeto a assistência, consideraram-se vários aspectos como a sua condição de vulnerabilidade frente aos interesses econômicos do empregador. Considerou-se também a forma de tratamento dispensada ao analfabeto nas suas relações contratuais de cunho civil, demonstrando a preocupação do legislador em garantir ao analfabeto, efetivamente, que a sua vontade ao realizar um contrato estaria assegurada, fazendo naquela oportunidade um comparativo entre o grau de proteção dispensada ao analfabeto no Código Civil e na Consolidação das Leis Trabalhistas. Buscando avolumar tais fundamentos, ponderou o tratamento dado ao trabalhador estrangeiro, de acordo com normas internacionais, que garantiram ao mesmo assistência nas relações trabalhistas através de um intérprete.

Nesta mesma linha, foi demonstrado que o índio, por não saber ler e escrever a língua portuguesa, mereceu cautela do legislador ao conferir-lhe capacidade plena para os atos da vida civil o que não aconteceu ao analfabeto, apesar de se encontrar em situação semelhante ao considerar a capacidade de leitura e escrita.

Nos motivos sociais para promover a assistência ao analfabeto, destacou-se a relação de proximidade do desenvolvimento econômico com o analfabetismo, concluindo, assim, que o analfabetismo é, sem dúvida, fruto da má qualidade do ensino pela falta de oportunidade de acesso e pela necessidade emergencial de sobrevivência em regiões com baixo índice de desenvolvimento econômico.

No entanto, restou por demonstrar que além dos relevantes motivos acima colecionados existe o fato de que a CLT estipulou a necessidade de assistência, somente nos casos em que a relação de trabalho tenha duração superior a um ano, conforme exposto anteriormente.

O trabalho do analfabeto na sua grande maioria é braçal e por isto tem como característica a temporalidade, que atrai para se, tempo inferior a um ano de duração, estando assim o analfabeto descoberto da proteção da assistência. 

De acordo com CAGED, em 2008, o Brasil possuía 3.957.844 trabalhadores analfabetos e estes tinham permanência no emprego inferior a um ano, conforme discriminados no anexo 2. Estes dados mostram que apenas 16,41% dos trabalhadores analfabetos permanecem mais de um ano no emprego.

Estes números, por si, noticiam a necessidade de uma legislação trabalhista com caráter mais garantista, que busque oferecer ao trabalhador analfabeto maior segurança, quando for realizar uma rescisão ou quitação contratual trabalhista, oferecendo a este trabalhador a possibilidade da assistência através de um profissional do Direito.

 

4.3 - Busca da efetividade do caráter garantista da Consolidação das Leis do Trabalho

 

A proposta de inclusão na legislação trabalhista da necessidade de assistência ao analfabeto não busca garantir novos direitos ou mesmo ampliá-los e, sim, dar efetividade à proposta da norma que é garantir ao trabalhador o recebimento integral do que lhe é assegurado em lei. As implicações da normatização não ofereceriam, assim, qualquer ônus para o setor.

Já de longa data, percebe-se que o direito posto não supre a demanda, externando uma crise do sistema posto, na perspectiva de não suprir os problemas gerados a partir da inaplicabilidade efetiva de preceitos esboçados como direitos fundamentais.

Neste contexto de incertezas, surge a teoria garantista, haja vista que busca uma essência no social baseada em um caráter eminentemente procedimental. Então, a idéia do garantismo é, de um modo geral, a busca de uma melhor adequação dos acontecimentos do mundo empírico às prescrições normativas oficiais. Em síntese, o sistema seria mais garantista quando conseguisse minimizar a distância existente entre o texto da norma e a sua aplicação ao mundo empírico.

Luigi Ferrajoli (2006, p.788), na sua obra Direito e Razão, estabelece as bases conceituais e metodológicas do que foi chamado de garantismo penal. Todavia, percebe-se que os pressupostos estabelecidos na seara penal podem servir de subsídios para uma teoria geral do garantismo, que se aplique, pois, a todo o direito e a seus respectivos ramos administrativo, civil, constitucional, do trabalho, dentre outros.

Para Ferrajoli (2006) o Estado de Direito é sinônimo de garantismo, entendido como um Estado fundado no plano formal pelo princípio da legalidade, por força do qual todo poder público, seja legislativo, judiciário e administrativo está subordinado às leis gerais e abstratas, que disciplinam as formas de exercício cuja observância está submetida ao controle de legitimidade por parte de juízes independentes e também amparados no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão aos direitos de liberdade e das obrigações de satisfação dos direitos sociais, bem como dos correlatos aos poderes dos cidadãos de ativarem a tutela judiciária.

Nesta linha, pode-se perceber a necessidade de uma legislação específica que venha garantir a legitimação substancial dos preceitos da legislação dos direitos do trabalhador analfabeto. Sem uma legislação especial que garanta ao trabalhador analfabeto a assistência por um profissional do direito nas rescisões contratuais trabalhistas, restaria impotente a legislação geral referente a direitos com salário, décimo terceiro, hora extra e tantos outros já positivados, pelo descumprimento da norma e, consequentemente, pela dificuldade de provar controvérsia nesta matéria no âmbito judicial.

Segundo Ferrajoli (2006), o que caracteriza um Estado Liberal de um Estado Social é o fato de que aquele tem apenas prestações negativas para garantia dos direitos e este tem prestações positivas. Descortina-se, assim, o entendimento de que nesta condição de Estado Democrático de Direito Social há imperiosa necessidade de o Estado estabelecer positivamente a necessidade de assistência nos moldes até aqui defendidos. 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

            Diante da fundamentação colecionada neste trabalho, resta claro que o analfabeto apesar de gozar de uma vulnerabilidade enorme ao fazer uma rescisão contratual trabalhista, não foi envolvido pela proteção proposta ao trabalhador pela Consolidação das Leis Trabalhistas.

            Percebe-se que existem duas lacunas na Consolidação das Leis do Trabalho ao se referir à proteção do trabalhador analfabeto.

            A primeira é pelo fato do analfabeto, conforme demonstrado ao longo desta discussão, não possuir legitimidade para realizar uma rescisão contratual trabalhista sem a assistência de um profissional do direito. Restou provado que o trabalhador analfabeto precisa ter assegurado que a sua vontade estará sendo plenamente satisfeita ao fazer uma rescisão contratual trabalhista ou dar quitação. Diante da situação de alta vulnerabilidade do trabalhador analfabeto frente à usura do empregador há que se verificar que os direitos do trabalhador estarão sendo plenamente atendidos.

            Outra lacuna flagrante é que o legislador, ao estipular que somente nos contratos acima de um ano de duração haveria a necessidade de assistência, excluiu o trabalhador analfabeto, já que seu trabalho é, quase na grande maioria, de curta duração.

            Ponto relevante a ser considerado é que se o legislador garantir a assistência ao analfabeto estará atacando também a prescrição de direitos, instituto que friamente atinge o analfabeto pelo completo desamparo e desconhecimento, conforme demonstrado.

Por todo o exposto nos tópicos anteriores, é notório que somente com uma legislação específica, assegurando a assistência ao analfabeto ao fazer uma rescisão contratual ou a dar quitação de algum recebimento é que poderia garantir efetividade ao que preceitua o § 1º do Art. 477 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Se assim não for, estará o trabalhador analfabeto sempre a mercê da honestidade daqueles a quem compete pagar o que lhe é devido. Salientando que, caso esta honestidade e boa fé, imaginada pelo legislador, não encontre colo na relação de trabalho, envolvendo o trabalhador analfabeto, este suportará todo o ônus da prova, caso a divergência alcance os tribunais, este estará impossibilitado de provar o alegado e suportará todo o prejuízo.

Se o Direito é um sistema autopoiético, como tal mantém sua organização e o statu quo, deve-se primar para que haja um acoplamento dos interesses do trabalhador analfabeto ao Direito e, consequentemente, garantir a manutenção da proteção proposta pelo Direito do Trabalho.

 

 

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico - existência, validade e eficácia. 3. Ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

 

BAESSA, Sonia Regina P. Rescisão do Contrato de Trabalho. Rio de Janeiro: Esplanada: ADCOAS, 1996.

 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 4. Ed. São Paulo: LTr, 2008.

 

BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Volume 1. 10. Ed. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo LTDA, 1953.

 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª Edição. Portugal, Coimbra: Livraria Almedina, 1995.

 

CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito Individual do trabalho: remissões ao novo Código Civil: transcrição de enunciados, orientações jurisprudenciais e ementas pertinentes do Tribunal Superior do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

DANTAS JR., Aldemiro Resende et. al. Direito Individual do Trabalho I. 2. Ed. Curitiba:  IESDE Brasil S.A., 2009.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. V. 1. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

EBERLE, Simone. A capacidade entre o fato e o direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2006.

 

FERRAJOLI, Luige. Direito e Razão; Teoria do Garantismo Penal. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

FERREIRA, Ana Paula, SANTOS, Milena Sanches Tayano dos. Rescisão do contrato de trabalho: teoria, cálculos, perguntas e respostas. São Paulo: IOB, 2005.

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de H. Dicionário do Aurélio. Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com/dicionario.php?P=Principio> Acesso em 18/04/2010.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

GOMES, Orlando. Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

 

MARANHÃO, Délio, CARVALHO, Luiz Inácio Barbosa. Direito do Trabalho. 17. Ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1993.

 

MARCA, Maurício Machado. A prescrição aplicável à indenização decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional movida pelo empregado em face ao empregador. Ano 42, LTr Sup. Trab. 048/06, São Paulo: 2006. Suplemento Trabalhista.

 

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social.  22. Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. V.1. 2. Ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.

 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Tratado de direito processual do trabalho. Volume II. São Paulo: LTr, 2008.

 

PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de direito material do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.

 

REALE, Miguel. Lições Preliminares De Direito. 25. Ed., 2001. Disponível em <http://www.slideshare.net/mill84/miguel-reale-lies-preliminares-de-direito> Acesso em 18/04/2010.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, parte geral. Volume 1. 27. Ed. atualizada, São Paulo: Editora Saraiva, 1997.

 

SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 42. Ed. São Paulo: LTr, 2009.

 

SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro interpretado. Volume 1.  3. Ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1937.

 

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. Ed. São Paulo: Malheiros Editora, 2008.

 

SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções de OIT e outros tratados. 3. Ed. São Paulo: LTr, 2007.

 

Vade Mecum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - parte geral. V. 1. São Paulo: Atlas, 2001.

 

VIANNA, Túlio Lima. Da Ditadura dos Sistemas Sociais: Uma Crítica à Concepção de Direito como Sistema Autopoiético. Disponível em <http://br.monografias.com/trabalhos909/da-ditadura-sistemas/da-ditadura-sistemas.shtml > acesso em 13/06/2010.

 

<http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7B3D805070-D9D0-42DC-97AC-5524E567FC02%7D_MAPA%20DO%20ANALFABETISMO%20NO%20BRASIL.pdf>

 

<http://www.mte.gov.br/pdet/adesao/solicit_acesso.asp>

 

<http://www.mte.gov.br/legislacao/instrucoes_normativas/2002/in_20020621_3.pdf>

 

 

 


ANEXOS

 

Anexo I - Quadro demonstrativo de trabalhadores analfabetos por região do Brasil

 

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, em 2008, o Brasil possuía 4.734.929 trabalhadores analfabetos distribuídos nas cinco regiões, conforme discriminados na tabela 1, abaixo:

 

Tabela 1: Distribuição dos analfabetos por região.

 

 

GRAU DE

INSTRUÇÃO

REGIÕES

 

TOTAL

NORTE

NORDESTE

SUDESTE

SUL

CENTRO-OESTE

ANALFABETO

165.194

1.829.191

1.906.272

461.773

372.499

4.734.929

Fonte: MTE

 

O gráfico 1 ilustra, em termos percentuais, o número de analfabetos por região no país.

 

Gráfico 1: Distribuição, por percentual, dos analfabetos por região.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXO II - Quadro demonstrativo do tempo de permanência do trabalhador analfabeto no emprego

 

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, em 2008, o Brasil possuía 3.957.844 trabalhadores analfabetos com permanência inferior a um ano, conforme discriminados na tabela 2, abaixo.

 

Tabela 2: Quantidade dos trabalhadores analfabetos no emprego, por tempo de permanência.

 

 

GRAU DE

INSTUÇÃO

MÊS(ES)

 

  TOTAL

0

1,0 a 2,9

3,0 a 5,9

6,0 a 11,9

ANALFABETO

 

2.261.851

531.780

590.689

573.524

3.957.844

Fonte: MTE

 

O gráfico 2 ilustra, em termos percentuais, o número de analfabetos, por permanência no emprego, em meses

 

Gráfico 2: Porcentagem do número de analfabetos por tempo de emprego.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, mostra que apenas 16,41% dos trabalhadores analfabetos permanecem mais de um ano no emprego.



[1] Número do Processo (TRT) 0652/98   Número do Processo (Vara):  0006400-21.1994.5.20.0111
Acórdão:  0652/98  Ementa: AVISO PRÉVIO - INTEGRAÇÃO AO TEMPO DE SERVIÇO - CONTAGEM DE PRAZO PRESCRICIONAL. A teor do que preconiza o art. 487, § 1º, da CLT, o período relativo ao aviso prévio integra o tempo de serviço do empregado para todos os efeitos legais, inclusive para contagem de prazo prescricional. Publicação:  DJ/SE de 29/07/1998.

 

[2]Número do Processo (TRT) 0124300-37.2003.5.20.0005   Número do Processo (Vara):  0124300-37.2003.5.20.0005 Acórdão:  0124300-37.2003.5.20.0005  Ementa: PEDIDO DE DEMISSÃO POR ESCRITO - TRCT DEVIDAMENTE HOMOLOGADO - PROVA MATERIAL COM PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. Nos termos do art. 477, § 1º, da CLT, o pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de um ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego. Quando o TRCT está devidamente homologado, em data posterior à assinatura da notificação resilitória da empregada, firma-se a presunção de autenticidade da prova material apresentada pela ré. Não apresentando a reclamante, na instrução processual, elementos que possuam o condão de permitir o reconhecimento da coação, a qual, supostamente, teria inquinado o ato pelo qual se dera o seu pedido de demissão, é certo que não resta provado o vício de vontade alegado na inicial, ônus que cabe à autora, nos termos dos artigos 818, da CLT, e 333, I, do CPC. Publicação:  DJ/SE.

 

[3] RO - 15794/92 Data de Publicação: 23/04/1994 Órgão Julgador: Quinta Turma Des./Juiz Relator: Paulo Araújo PROVA - VERBAS RESCISÓRIAS - RECIBO - ANALFABETO - Não tendo sido produzida nenhuma prova que sustentasse afirmação da A. de ter aposto sua digital no recibo rescisório em branco, atribui-se força probante ao documento, capaz de elidir a pretensão de recebimento de tais verbas. Não se exigindo assinatura a rogo em recibos para caracterizar validade. A lei trabalhista que tem normas próprias no que tange ao pagamento do analfabeto ...

RO - 15197/91 Data de Publicação: 29/08/1992 Órgão Julgador: Quarta Turma Des./Juiz Relator: Israel Kuperman RECIBO DE SALÁRIO. Quando o recibo de quitação de salário é dado por analfabeto, a colocação de sua impressão digital é suficiente para o reconhecimento de sua validade, a teor do disposto no art. 464 da CLT ...

[4] 01110-2008-000-03-00-8 AR Data de Publicação: 27/03/2009 Órgão Julgador: 2a Seção Espec. de Dissídios Individuais Des./Juiz Relator: Convocado Rogério Valle Ferreira EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA - ARTIGO 485, INCISO VIII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - PROCEDÊNCIA. Merece ser desconstituída a decisão que homologou acordo para encerrar ação trabalhista em curso, firmado por trabalhador semi-analfabeto diretamente no estabelecimento da empresa, sem o conhecimento do seu procurador. O autor não tinha condições de compreender a extensão e o real significado dos termos descritos na petição de acordo, tendo a ré agido com má-fé para prejudicá-lo. Resta, assim, caracterizado o vício de consentimento que autoriza o corte rescisório. ...

 

[5] Processo:  Nº: 01060-2008-031-12-00-8  Ementa: VERBAS RESCISÓRIAS. PAGAMENTO EM CHEQUE NO 10º DIA CONTADO DA DATA DA NOTIFICAÇÃO DA DEMISSÃO. NÃO INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO PARÁGRAFO OITAVO DO ARTIGO 477 DA CLT. A teor do previsto no parágrafo quarto do artigo 477 da CLT, o pagamento a que fizer jus o empregado a título de verbas rescisórias, pode ser efetuado em dinheiro ou cheque, salvo se o empregado for analfabeto, quando o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro. Assim, o fato de o cheque dado para o pagamento das parcelas resilitórias ter sido compensado somente no 11º dia contado da comunicação da dispensa, não enseja o deferimento da multa prevista no parágrafo oitavo do artigo 477 da CLT. Juíza Mirna Uliano Bertoldi - Publicado no TRTSC/DOE em 08-10-2009.

 

[6]PROCESSONºTST-AIRR-790/2007-251-18-40.3-ACÓRDÃO(Ac.3ªTurma) GMALB/scm/smg/ps Alegação(ões):-contrariedade à Súmula 331/TST. - violação dos arts. 1º, 5º, X, XXXV, 7º, XXII, XXVIII e 100, § 1º-A, da CF. - violação dos arts. 11, 125, 166, II, VII, 169, 186, 398, 841, 848 e 950 do CCB, 2º da Lei nº 6.367/76 e 9º, 455 da CLT. O Autor argumenta que a transação é nula de pleno direito, não podendo implicar renúncia ao direito de ação. Consta do v. Acórdão: "A condição de analfabeto não faz do autor um incapaz, não havendo forma prescrita em lei ou formalidade especial que seja requisito para se conferir validade aos negócios jurídicos firmados por um analfabeto. Desta forma, vejo que o ato vergastado trata-se de negócio jurídico anulável, se ocorridas as causas arroladas no art. 171, também do Código Civil. É certo que o autor alegou vários vícios que se enquadram em tais hipóteses. Ocorre, entretanto, que a análise de tais situações resta prejudicada, na medida em que expirado, em muito, o prazo para o ajuizamento da presente ação, como bem observou o ínclito juízo de primeiro grau, em cumprimento ao art. 178 do Código Civil. Data:  03/09/2009   Origem:  1ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul Acórdão do processo 00731-2008-731-04-00-4(RO)Redator:  RICARDO TAVARES GEHLING- Participam: HUGO CARLOS SCHEUERMANN, JOÃO PEDRO SILVESTRIN EMENTA:  VALE-TRANSPORTE. RENÚNCIA. TRABALHADOR ANALFABETO. O fato de o autor ser analfabeto  não acarreta presunção de não ter conhecimento do teor do documento assinado renunciando ao direito ao vale-transporte em face ao princípio da boa-fé objetiva. Necessária a produção de prova quanto à existência de vício de vontade ao assinar o documento. (...) O fato de não ser alfabetizado, consoante anotação constante de sua CTPS (fl. 11), não implica, por si só, presunção que lhe seja favorável. Considerando o princípio da boa-fé objetiva que deve estar presente em todas as relações, sendo dever das partes agir com lealdade, lisura e consideração com o outro sujeito da relação jurídica, não há como se entender tenha havido a assinatura do documento (ou desenho de seu nome, como alegado na impugnação das fls. 81-82) sem o conhecimento do seu teor. Tal importaria em má-fé do empregador, o que deveria ser objeto de prova.

 

[7] TRT-RO-2928/98 - (Ac. TP. 2573/2000) EMENTA PROCURAÇÃO – ANALFABETO - O art. 38 do CPC, aplicado subsidiariamente ao Direito Processual do Trabalho, habilita o advogado a praticar os atos processuais mediante duas formas de procuração geral para o foro, quais sejam: a conferida 1) por instrumento público, ou 2) particular assinado pela parte. Assim, em se tratando de empregado analfabeto ou sem condições de assinar o seu nome, necessário que a representação seja formalizada por instrumento público. Em conseqüência, não conheço do recurso ordinário quando não configurado o mandato tácito e a procuração existente nos autos foi conferida por instrumento particular contendo apenas a aposição de impressão digital do autor.

 

[8] Apelação 990090607530 Relator(a): Marco Antonio Marques da Silva, Comarca: São José do Rio Preto; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Criminal; Data do julgamento: 07/01/2010; Data de registro: 26/01/2010

[9] Processo 2009.002778-0 Julgamento: 10/12/2009 Órgão Julgador: Câmara Criminal Classe: apelação criminal; Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - DANO - AUTORIA E MATERIALIDADE - COMPROVAÇÃO - ABSOLVIÇÃO - APLICAÇÃO DA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 56 DO ESTATUTO DO ÍNDIO - IMPOSSIBILIDADE - REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO LEGAL - PROVIMENTO. 1 - Estando a autoria e a materialidade comprovadas nos autos, não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas. 2 - Não há que se falar em aplicação da atenuante prevista no art. 56 do estatuto indígena, quando as provas colacionadas demonstram que o apelante encontra-se integrado à comunhão e cultura nacional. 3 - Se as circunstâncias judiciais são todas favoráveis ao apelante, deve a pena-base ser fixada no mínimo legal. Relator: Des. Feliciano Vasconcelos; Publicação: 08/01/2010.

 

[10] Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

[11] Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

[12] Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Ismar Leal Machado) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados