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A Concessão Gratuita de Imóveis Públicos Para Fins de Moradia Como um Direito Subjetivo Potestativo em Face da Administração e a Medida Provisória 2.220/2001


Autoria:

Marcony Maciel


Advogado no ramo do Direito Imobiliário e Direito Administrativo; professor;Especializado em Direito Imobiliário (IDP -Brasília); Especializado em Direito Público (Faculdade Processus); Especializado em Direito Administrativo (Universidade Gama Filho); Bacharel em Direito (Universidade Paulista)

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Resumo:

A concessão aqui tratada atende a evidente interesse social, na medida em que se insere como instrumento de regularização da posse no Brasil, contribuindo, sem peias, para a melhor inteligência da função social da propriedade pública.

Texto enviado ao JurisWay em 19/11/2011.



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INTRODUÇÃO

Já assentamos algures, quando falávamos do Princípio Constitucional da Função Social, que o patrimônio imobiliário estatal também sofreria a incidência desse famigerado instituto e por conseqüência disso estaria sujeito aos consectários jurídicos oriundos da sua não obediência. Evidente que as implicações dessa desobediência não seriam as mesmas aplicáveis à propriedade privada, residindo aí a grande diferença entre a incidência do preceptivo constitucional sobre os domínios públicos e sobre os particulares. Como veremos, entre os efeitos dessa incidência, está a Concessão Gratuita de Imóveis Públicos para Fins de Moradia.

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA

A grande questão ressurgente diz respeito à devida e adequada interpretação que se deve dar ao dispositivo exarado no art. 5º, inciso XXIII da Constituição, segundo o qual “a propriedade obedecerá à função social”. Boa parte da doutrina e da jurisprudência tem assentado há muito que esse preceptivo destina-se peremptória e exclusivamente aos domínios de natureza privada. Contudo, a contemporânea doutrina sustenta que, calçado na interpretação teleológica e sistemática do texto da Carta Magna é perfeitamente possível e crível sustentar a sujeição do patrimônio imobiliário estatal aos ditames do aludido princípio constitucional.

Dessa forma, há que se admitir, a priori, que os bens públicos devem observar, sem peias, o conjunto de normas que derivam da compreensão da função social da propriedade, como, por exemplo, o respeito às normas urbanísticas e ambientais e as normas relativas à função social das cidades e por consequencia lógica, assim, à predominância da posse. Diante disso, colhe-se da doutrina de Di Pietro[1], o que se denomina a “tutela do uso privativo”, ou como nós preferimos chamar “a oponibilidade de direitos possessórios ante a Administração”, isto é, a possibilidade de proteção do uso privativo de bem público perante a própria Pessoa Jurídica de Direito Público que emitiu o “título” constitutivo de uso ao administrado.

Di Pietro[2] explica o mencionado mote afirmando que “o ponto fundamental é o que diz respeito à vinculação da Administração Pública ao Princípio da Legalidade, que significa estar toda a atividade administrativa sujeita à observância da lei”, ou seja, se os aspectos da competência, finalidade, forma, objeto e motivo estiverem definidos de forma precisa pelo legislador, sem qualquer margem de liberdade de atuação para a autoridade a quem cabe praticá-lo, o ato será vinculado, não restando à Pessoa Jurídica de Direito Público senão a estrita obediência.

Entretanto, sustentamos que a questão da oponibilidade de direitos possessórios em face da Administração não está albergada tão-só pelo preceptivo normativo constitucional da legalidade, mas encontra guarida primordialmente no Princípio da Função Social da Propriedade, uma vez que o mesmo, por tratar-se de ordem geral, constitucional e, portanto, de efeito contra todos quantos se subordinam à ordem constitucional, alcança, inclusive a Administração Pública.

Na verdade, o papel da função social seria o de conformar o uso privado (por particular) e o uso público (pelos entes federados ou Administradores) dos bens com as exigências sociais que reclamam uma distribuição mais justa das propriedades existentes para satisfazer as necessidades humanas. Para esclarecer essa noção, de bom alvitre as impressões de Angel Lopez y Lopez, citado por Ferreira da Rocha, em que aduz que

Na medida em que os fins dos bens públicos não entrem em conflito com o princípio da função social, cabe exigir dos entes públicos que acomodem a utilização de seus bens de domínio privado aos parâmetros da função social, mormente quando, através do exercício do direito de propriedade dos bens patrimoniais, o ente público desempenhe uma atividade pura e exclusiva de obtenção de rendas.[3]

 

Também não passou longe dos apontamentos de Maria Sílvia Zanella di Pietro[4] o tema relativo a este estudo, lembrando-nos, no que se refere à propriedade pública, que:

 

Jamais se cogitou de a ela estender-se o princípio da função social, pois quando este começou a aplicar-se à propriedade privada, na Constituição de Weimar de 1919, já estava em pleno desenvolvimento a concepção doutrinária que atribui os bens públicos à titularidade das pessoas jurídicas estatais, sem prejuízo da finalidade pública que lhes é inerente.

 

A citada autora quando escreveu tal comentário nos Cadernos Fundap, sustentava à época a não incidência, em absoluto, da norma em comento sobre a propriedade pública, todavia, em recente obra sua publicada, finalmente concluiu que a nossa Carta abraça, expressamente, o princípio da função social da propriedade privada “e também agasalha, embora com menos clareza, o princípio da função social da propriedade pública, que vem inserido de forma implícita em alguns dispositivos constitucionais que tratam da política urbana”.[5]

Assim, não obstante os honrosos posicionamentos doutrinários em contrário, nos alinhamos às elucidativas lições do eminente professor da PUC de São Paulo, Sílvio Luís ferreira da Rocha, que combate, com proficiência, o entendimento esposado, principalmente pelo douto constitucionalista Lopez y Lopez - que sustenta a não sujeição do patrimônio estatal à norma constitucional sob discussão -, arrematando que os bens públicos estão, sem peias, submetidos ao cumprimento de uma função social, “(...) pois servem de instrumento para a realização, pela Administração Pública, dos fins a que está obrigada.”[6] Continua o eminente autor:

Os bens públicos estão predestinados a atender a fins públicos e não a fins particulares, o que não passou despercebido pela doutrina brasileira. Nesse sentido a lição de José Cretella Júnior: “o traço que distingue, entre nós, os bens do domínio público e os bens dominicais é que ambos participam da atividade da administração pública, que não se vincula a elementos volitivos, mas a um fim. O fim público é, pois, atributo específico dos bens públicos. Nisso diferem dos bens privados, que servem a uma vontade particular

 

Justificando sua posição a respeito do assunto, Ferreira da Rocha, acentua que o patrimônio imobiliário estatal serve de meio à consecução de fins públicos e, portanto, a Administração não pode dispor dos bens, de acordo com a sua vontade, mas sim está obrigada a usá-los de modo a privilegiar o atendimento aos fins públicos previstos em lei.

Nessa mesma linha posiciona-se Ruy Cirne Lima, para o qual, “a relação de administração é relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade jurídica cogente”.[7] E a finalidade cogente afeta ao direito das coisas atualmente é a estabelecida pelo art. 5º inciso XXIII, a que todos os proprietários de bens (móveis e imóveis) se sujeitam. Saliente-se, por oportuno, que a distância havida entre domínio público e domínio privado há muito se perdeu – no que toca o desiderato constitucional citado -, exatamente por força do princípio da função social da propriedade, que faz com que o particular exerça o seu direito de senhor-possuidor em estrito atendimento aos fins do bem comum. Por pertinência, indaga o professor Ferreira da Rocha se:

A finalidade obrigatória que informa o domínio público seria suficiente para: (a) imunizar a propriedade pública dos efeitos decorrentes por ela projetados no exercício da relação jurídica de propriedade; (b) limitar os efeitos decorrentes da função social da propriedade a certas categorias de bens, como os bens dominicais, exemplo que pretende M. Lopez y Lopez; ou se (c) pelo contrário, a finalidade que informa a propriedade pública se não mostra incompatível com a função social da propriedade, dela recebendo, portanto, influência.

 

Dessa sorte, depreende-se que a Administração pública enquanto senhor-possuidor de seus domínios, também se sujeita à finalidade cogente informada pelo Princípio da Função Social presente no texto constitucional, não sendo ela imune, assim, dos efeitos emanados de tal norma.


A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA (MP 2.220/2001)

Passada essa questão relativa à Função Social da Propriedade, restando comprovada a submissão dos imóveis públicos ao ditame constitucional, cumpre-nos observar, a partir de agora, os efeitos ou grau de incidência do abailado princípio sobre os imóveis públicos – sendo esse, como já assentado alhures, o ponto sufragante da diferença entre a aplicação do preceptivo normativo para a propriedade privada e o seu aproveitamento na propriedade pública.

O parágrafo 4º do art. 182 da Constituição Federal delineia os consectários jurídicos para o mau proprietário que subutiliza ou não utiliza da forma adequada seus domínios. São eles: a) o parcelamento ou edificação compulsórios; b) o IPTU progressivo no tempo e c) a desapropriação. Além desses, podemos destacar outro que não se encontra nesse rol, mas que se constitui um dos mais eficazes meios de, ao mesmo tempo, punir o mau proprietário – portanto, conseqüência pela má utilização da propriedade -, premiar aquele que faz com que a propriedade exerça ou obedeça à função social, é a usucapião.  No que diz respeito às consequencias pela não obediência ao dispositivo constitucional ora estudado por parte da propriedade pública, evidentemente que comungamos das idéias daqueles que sustentam a não aplicação dos dispositivos susomencionados no caso dos domínios estatais, isso em respeito a princípios outros, como o do pacto federativo, imunidade tributária recíproca etc.

Ora, o que aconteceria então com o imóvel público subutilizado ou mal utilizado pelo seu senhor-possuidor (a Administração)? Ou seja, diante da desídia ou alienação do proprietário público, em flagrante infringência ao exarado no art. 5º, inciso XXIII da Lei Maior, a que sanção estaria sujeita a Administração Pública, como forma, inexorável de sua sujeição aos ditames constitucionais? Indubitavelmente, como veremos, entre outras, (além das sanções penais e administrativas para o Administrador público) destacamos o nascimento do direito público subjetivo potestativo de concessão de uso para fins de moradia para o particular que venha dar funcionalidade social a esse imóvel pertencente ao Estado.

Destarte, o caput do art. 183 combinado com o seu §1º da Constituição trata, num primeiro prisma da modalidade usucapião especial urbana da propriedade privada, e, num segundo plano, em decorrência da vedação do §3º, da concessão de uso especial para fins de moradia. Oportuno destacar que, para a conformação desse outro instituto de direito real, na verdade, urge-se necessário existir todos e os mesmos requisitos exigíveis na usucapião especial tratada no caput. Dessa feita, inevitável não se concluir que, diante das considerações acima referenciadas a respeito da usucapião e do rol de sanções trazido pelo §4º do art. 182, a modalidade de concessão aqui noticiada, revela-se, sem peias, da mesma forma que a usucapião, como um dos mais eficazes meios de, ao mesmo tempo, punir o mau proprietário – portanto, conseqüência pela má utilização da propriedade -, premiar aquele que faz com que a propriedade exerça ou obedeça à função social.

Poder-se-ia ainda alvitrar outras sanções ou consectários para os imóveis públicos em razão da infringência do preceptivo fundamental exarado no art. 5º, inciso XXIII da CF, como, v.g., a legitimação da posse tratada pelo Estatuto da Cidade e pela Lei 11.977/2009, a usucapião administrativa, prevista na mesma Lei 11.977/2009 etc., contudo, nos limitaremos, por ora, a tratar especificamente da concessão de uso especial para fins de moradia.

A douta Di Pietro[8] registra que alguns autores incluem a concessão como forma de alienação de bens públicos, porém, discorda desse posicionamento, afirmando que, na verdade, constitui em maneira de utilização do domínio público pelo particular. Segundo ela,

(...) assemelha-se, em determinadas hipóteses, ao instituto do aforamento ou enfiteuse e, nesse sentido, prende-se às origens do regime de terras no Brasil. Com efeito, após o descobrimento do Brasil, todas as terras eram públicas e a sua transferência aos particulares se dava pelo sistema de concessão de cartas de sesmaria, sob um regime semelhante à enfiteuse, ou por meio de doação. Sesmaria era uma área desmembrada do domínio público e concedida ao particular, para que este fizesse sua utilização econômica, conservando, no entanto, o monarca, a titularidade sobre o bem; o sesmeiro pagava ao rei determinados privilégios e, não cumprindo sua obrigação, ocorria o comisso, perdendo o direito sob a sesmaria.

 

Define Justen Filho[9] a concessão de uso como sendo “contrato administrativo por meio do qual um particular é investido na faculdade de usar e gozar de bem público durante um período de tempo determinado, mediante o cumprimento de certas condições. Segue o mencionado autor na sua análise sobre essa modalidade de concessão dizendo que ela

(...) Não exige instrumentalização do bem objeto da concessão para realização do interesse público. Assim, pode ceder-se o uso privativo de certas áreas no âmbito de prédios públicos para o estabelecimento de restaurantes, por exemplo.

Trata-se de outorga dependente de licitação e que gera direito ao particular exigir ou o respeito do prazo previsto originalmente ou uma indenização por perdas e danos.

 

Nada obstante, não é desse “contrato administrativo”, mencionado de forma geral pelos autores acima, que versaremos, nos restringiremos a discorrer sobre uma modalidade de concessão de uso, aquela tida como “sanção”, a concessão de uso especial para fins de moradia, essa que na sua própria denominação já traz consigo o caráter humanista e social que por ela se anuncia. Assim, de certa forma, buscou o legislador, com a introdução desse instrumento no ordenamento jurídico, amenizar o problema do déficit habitacional há muito existente e que faz das cidades brasileiras verdadeiros bolsões humanos e palco dos mais avassaladores contrastes sociais, a despeito de a Constituição aduzir, expressamente, ser a moradia um direito de todos.

 

Este instituto foi previsto primeiramente no art. 4º, V, “g” e nos arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), porém, à época, o chefe do Executivo vetara tais artigos, sob o argumento de que: algumas expressões nele inseridas poderiam gerar demandas injustificadas do direito de concessão de uso especial por parte dos ocupantes de habitações de até 250m² de área edificada; os mesmos artigos não ressalvaram o direito à concessão dos imóveis públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e ruas, como também as áreas de interesse à defesa nacional, preservação ambiental ou destinadas a obras públicas; e também pela ausência de data-limite para aquisição desse direito; e por fim a não definição de prazo para Administração processar os pedidos de direito de uso[10].

Analisando a mensagem do veto do Presidente aos artigos citados, colhemos que ele reconhecera a importância do instituto e que por isso se dispunha a submeter ao Congresso Nacional outro texto normativo que viesse sanar as imprecisões apontadas, o que acabou ocorrendo com a edição da Medida Provisória 2.220/2001, ainda em vigor, pois não convertida em lei.

 

Pela leitura dessa MP, conclui-se que houve uma substancial alteração do disposto nos arts. 15 a 20 vetados do Estatuto da Cidade, posto que, agora, a concessão de uso especial para fins de moradia passa a ser um direito subjetivo oponível, inclusive, contra a própria Administração por aquele que fizer jus ao direito, ou seja, tivesse preenchido todos os requisitos previstos na norma até a data de 30/06/2001.[11]

Di Pietro[12] define essa forma de concessão como

 

Ato administrativo vinculado pelo qual o Poder Público reconhece, gratuitamente, o direito real de uso de imóvel público de até duzentos e cinqüenta metros quadrados àquele que o possui, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, para sua moradia ou de sua família.

 

Vê-se que tal instituto trata-se de verdadeiro direito real e não pessoal, uma vez que é oponível contra terceiros, incluindo a Administração Pública, quando ocorridas as hipóteses de seu nascimento para o concessionário. Assim, o jurisdicionado, somente perderá a concessão se acontecer das situações previstas no art. 8º, ou seja, quando der ao imóvel destinação diversa da moradia ou quando adquirir a propriedade ou concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural.

Ressalta Diógenes Gasparini, citado por Ferreira da Rocha[13], que a concessão é gratuita e não onerosa, nada podendo ser cobrado, sob pena de se desnaturar o instituto, sendo nulo qualquer ato que impuser quaisquer obrigações além das previstas pela MP.

A MP 2.220/2001 ainda previu no seu art. 6º e parágrafos seguintes, a possibilidade de população de baixa renda, que mora em área onde não seja possível identificar cada um dos terrenos ocupados pelos possuidores, requererem a concessão de forma coletiva. Devendo, nesse caso, haver atribuição de fração ideal do terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno ocupado, com exceção de haver acordo escrito disciplinando as frações ideais entre os ocupantes, nunca ultrapassando cada fração ideal o limite entabulado pela norma de 250m².

 

Importante destacar a preocupação do Chefe do Executivo quando vetou os artigos 15 a 20 da Lei 10.257/2001, sob o argumento de causar embaraço quanto à situação dos bens de uso comum do povo, v.g., ruas, praças, áreas destinadas a obras públicas etc. Mas, permitindo-se a concessão somente de bens de uso especial e dos bens dominicais, leva-se à conclusão que a necessidade de se dá uma atribuição social à propriedade pública, recai unicamente sobre esses tipos de bens, isto é, vindo à baila, o mote suscitado de que a incidência do aludido Princípio Constitucional da Propriedade se dá nos domínios de uma forma geral, privados e públicos, sem exceção. Porém, equivocada esta conclusão, pois toda a propriedade pública é sujeita ao preceptivo constitucional sob debate, o que ocorre é que seus efeitos irradiam de diferentes maneiras com relação ao Estado-administração, a depender se é bem de uso especial, de uso comum ou dominical.

 

A par do exposto, em se considerando, a uma, um direito real (art. 1.225, inciso XI do Código Civil), a duas, ato administrativo vinculado, uma vez que preenchidos todos os requisitos da MP 2.220/2001 pelo particular usuário, o Estado-administração está obrigado a expedir o competente termo administrativo, podemos elencar, então, as seguintes características atinentes ao instituto em comento: a) é ato gratuito de mero uso, porquanto o beneficiário somente poderá utilizar o bem cedido com o fito único de moradia (art.1º §1º); b) é perpétua, uma vez que o direito subsistirá enquanto o concessionário não incorrer nas situações de extinção obrigatória previstas no dispositivo legal (art. 8º); c) a utilização privativa, já que o uso é exclusivo do concessionário ou da sua família; e d) é um direito potestativo, obrigatório, conquanto ao Poder Público não é dada a faculdade de indeferir a concessão se o particular preencher os requisitos dos arts. 1º e 2º.

 

Não poderíamos deixar de apreciar, mesmo que perfunctoriamente, o aspecto da constitucionalidade da medida provisória na parte em que impõe aos Estados, Distrito Federal e municípios a concessão de uso de bens de seu patrimônio (art. 3º), pois invade a autonomia dos mencionados entes federados, além de extrapolar sua competência para legislar fixando as diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano (§1º do art. 24 da CF).

De fato, a Carta Magna no seu art. 24, inciso I estabelece como competência concorrente da União, Estados, Distrito Federal e municípios legislar sobre direito urbanístico, devendo limitar-se a União a estabelecer as normas gerais, não adentrando na competência suplementar dos Estados, nem dos municípios, que devem legislar sobre assuntos de interesse local, com o fito de promover, naquilo que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante o controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Dessa feita, ainda que a União tenha competência legislativa sobre o direito urbanístico e sobre a política de desenvolvimento urbano (art. 182 CF), em um e outro caso, tal competência não é privativa, tendo que se limitar, destarte, a estabelecer as diretrizes gerais a respeito da matéria.

Em consequencia disso, outrossim, não é dado a União impor aos Estados, Distrito Federal e municípios a outorga de título de concessão de uso, transformando-a em direito subjetivo do possuidor de imóveis públicos estaduais e municipais. Sustenta essa tese a douta Di Pietro[14], para quem, “a União pode, validamente, impor a concessão de uso, como decisão vinculada, em relação aos bens que integram seu patrimônio, mas não pode fazê-lo em relação aos bens públicos estaduais e municipais”. Assim, tirando essa parte mencionada que padece de inconstitucionalidade, o presente instituto está em perfeita sintonia com o ordenamento pátrio e com os ditames da Função Social da Propriedade Pública.

CONCLUSÃO

Ante os apontamentos delineados a respeito da função social, sua abrangência e efeitos incidentes sobre a propriedade privada e a pública, comprova-se que a concessão especial de uso para fins de moradia atende, sem peias, a evidente interesse social, na medida em que se insere como instrumento de regularização da posse de milhões de situações nas quais estão inseridas as classes mais pobres no Brasil, contribuindo para ampliar os horizontes a respeito do decantado princípio constitucional da função social da propriedade, chegando o seu alcance aos quadrantes dos domínios públicos.

Isso tanto é verdade, como se pôde observar, que da mesma forma que existem sanções para o mau proprietário de imóveis particulares, também existem para os imóveis públicos, entre essas, tratamos da modalidade de concessão aqui abailada, sufragando-a como um direito real e como tal, oponível “erga omnes”, inclusive à própria Pessoa Jurídica de Direito Público titular do bem, que só pode extingui-lo quando o concessionário der ao imóvel cedido destinação diversa da moradia e quando adquirir a propriedade ou concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural (art. 8º da MP 2.220/2001). Por óbvio, então, respeitados os pensamentos em contrário, concluímos pela possibilidade, inclusive, do manuseio dos interditos possessórios contra atentados perpetrados pelo próprio Estado-administração em face da posse legítima do cessionário.

E por fim, nos termos do que dispõe a medida provisória comentada, o direito que subjaz do termo administrativo constitui-se em um direito subjetivo potestativo, uma vez que preenchidos os requisitos taxados na medida provisória, deve a Administração conceder o uso do bem, com o objetivo exclusivo de moradia, e se assim não o fizer, poderá ser ela impingida a fazê-lo, por meio da tutela jurisdicional a que se socorrerá o administrado possuidor do bem.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público Por Particular.2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 52.

 

Angel M. Lopez y Lopez apud Sílvio Luiz Ferreira da Rocha. Função Social da Propriedade Pública. Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.

 

A Gestão Jurídica do P. Imobiliário do Poder Público. Cadernos Fundap, n. 17, p. 57.

 

LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, p. 63.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed. Atlas: 2007, São Paulo. p.630

 

JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 737.

 

GASPARINI, Diógenes apud Silvio Luiz Ferreira da Rocha, p. 107. Função Social da Propriedade Pública. Ed. Malheiros: São Paulo, 2005.



[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Uso Privativo de Bem Público Por Particular.2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 52.

[2] Idem.

[3] Angel M. Lopez y Lopez apud Sílvio Luiz Ferreira da Rocha. Função Social da Propriedade Pública. Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.

[4] A Gestão Jurídica do P. Imobiliário do Poder Público. Cadernos Fundap, n. 17, p. 57.

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Uso Privativo de Bem Público Por Particular. São Paulo: Atlas, 2010, p.232.

[6] Op. cit., p. 2.

[7] LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, p. 63.

[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Ed. Atlas: 2007, São Paulo. p.630

[9] JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 737.

[10] Vide mensagem de veto

[11] Vide MP 2.220/2001, art. 1º

[12] Op. Cit.

[13] Gasparini, Diógenes apud Silvio Luiz Ferreira da Rocha, p. 107. Função Social da Propriedade Pública. Ed. Malheiros: São Paulo, 2005.

[14] Op. cit. p. 5.

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