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O DIREITO COSMOPOLITA E FRATERNAL: A RUPTURA DAS FRONTEIRAS ERGUIDAS PELO ENSINO JURÍDICO FRAGMENTADO DIANTE DA NATUREZA SUPRA INDIVIDUAL DOS DIREITOS HUMANOS NA PESPECTIVA DA (IM) POSSIBILIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL.


Autoria:

Marcos Paulo C. Andrade


ACADEMICO DO DÉCIMO PERÍODO DO CURSO DE DIREITO DA FACULDADE AGES, EM PARIPIRANGA-BA.

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Resumo:

A proposta deste artigo é fazer um estudo de caso sobre a (im) possibilidade da prisão civil do depositário infiel que encontra nova interpretação voltada para além da moldura jurídica, a luz do STF.

Texto enviado ao JurisWay em 10/09/2011.



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Marcos Paulo de Carvalho Andrade[1]

 

RESUMO

A proposta deste artigo é fazer um estudo de caso sobre a (im) possibilidade da prisão civil do depositário infiel que encontra nova interpretação voltada para além da moldura jurídica, a luz do STF. Para tal, fizeram-se necessários uma conexão e um contraponto com as interpretações reducionistas, sob a principal influência de Kelsen, para identificar uma “possível” crise no ensino jurídico brasileiro. Neste sentido, enveredando pelas teorias de Reale,os pensamentos de Morin em suas obras Os sete saberes e Cabeça bem feita, a obra Direito e holismo e ainda um seleto rol de artigos científicos, busca-se fomentar um pensamento de que a bússola norteadora que indica o caminho para efetivação de tais direitos ainda não está pronta, mas a construção do Estado Cooperativo, alicerçado por um novo ensino jurídico, se apresenta como alternativa real que acena no sentido de concretizar os direitos no melhor perfil do Estado Constitucional e até interconstitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos, educação, crise, depositário infiel, interconstitucionalização.

 

I-INTRODUÇÃO

 

O direito reducionista, baseado na visão fragmentada perde cada vez mais espaço para a cosmovisão de um direito total, apto a promover o “aperto de mãos” entre a ciência jurídica, profissionais das interciências (novo espírito cientifico) e a sociedade em geral. Nesta direção caminha-se em passos largos em busca da hermenêutica que sai da e para espécie humana (humano do humano), com o intuito não só de concretizar o conjunto normativo e principiológico encartados nas arras ao Estado Constitucional, mas também promover uma visão interconstitucional, cosmopolita.

Nesta perspectiva é a nova interpretação dada à prisão do depositário infiel pela nossa Suprema Corte.

A questão encontra previsão no inciso LVII do art. 5° da CF/88 que assim se manifesta:

 

 

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;(grifou-se)

 

 Ocorre que, esta modalidade de prisão civil acha-se vedada na maioria dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica, por consistir numa afronta direta a um dos bens maiores do homem, que é a sua liberdade.

Em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, reconheceu-se, o valor supralegal dos tratados de direitos humanos já vigentes no Brasil (RE 466.343-SP, j. 03.12.08). Isso significa que, em matéria de direitos humanos quando os tratados internacionais conflitam com a constituição brasileira (esse é o caso da prisão civil do depositário infiel) a solução é buscada no princípio pro homine, que denota o seguinte: sempre prepondera a norma mais favorável ao ser humano. Não importa a hierarquia da norma, sim o seu conteúdo. O mais favorável prevalece.

Tal decisão pode ser considerada um divisor de águas na história do direito brasileiro não só por tratar da impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, mas, sobretudo, porque inaugura um novo modelo de Estado, de Direito e de Justiça, um modelo que transcende as molduras jurídicas, que até então era regido por um positivismo exacerbado fruto de um ensino jurídico tradicional e fragmentado, e passa a subsistir a aurora de um novo tempo em que se consagra o homem como principal sujeito de direito dos direitos humanos.

Para compreender esta “mutação” é necessário um breve estudo sobre a evolução do ensino jurídico no Brasil que culminou em uma crise, confrontando-se com as teorias de Kelsen e Reale e com os pensamentos de Edgar Morin.

 

II. SURGIMENTO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Fazendo uma breve síntese do ensino jurídico no Brasil, tem-se que este nasceu da necessidade ideológica de poder para formar operadores de direito capazes de perpetuar no poder a classe dominante como bem se assevera no artigo, A crise do ensino jurídico no dizer de Gomes (2004, p. 8):  

 

[...] nota-se que a criação e implementação dos cursos de Direito aconteceu com objetivos  políticos e ideológicos, desprovidos de preocupação natural que deve haver com o corpo discente, ficando o ensino jurídico dessa forma desvinculado da realidade social.

Vale referir a esse respeito que as raízes deste modelo de educação têm um forte cunho do positivismo de Kelsen. Quando Gomes menciona que o ensino jurídico ficou “desvinculado da realidade social”, remete ao pensamento da escola positivista caracterizada pelo matematicismo, em que “expurga-se os elementos meta-jurídicos”, com uma função exclusiva de enunciar as normas positivas num sentido do “dever ser”, excluídos conceitos indeterminados e juízos de valor e que ainda hoje “assombram” o meio jurídico atual, tentando isolar o direito do valor e do fato.

Dentro desta perspectiva histórica ressalta-se que a metodologia utilizada pelas principais Universidades brasileiras da época consistia em uma educação de instrução, destinada a formar grupos específicos. Esta modalidade de ensino preocupa-se tão somente em transmitir dogmas como se verdade absoluta fosse.

Nesta linha, em sua obra Direito e Holismo, Paulo Roney Ávila Fagundes preocupa-se em fazer uma distinção entre, educação, ensino e instrução, que se permite abordar neste ponto como sendo: Fagundes (2000, p.145):

(...) A educação não consegue ser definida com precisão pela doutrina, que somente salienta o seu papel fundamental, que é o de promover o desenvolvimento integral das potencialidades da pessoa humana. O ensino, por seu turno, almeja apenas estabelecer uma relação entre educador e educando, que consiste na transmissão de conhecimentos. Já a instrução somente quer levar a cabo a domesticação do indivíduo, programando-o para atuar dentro das propostas previamente estabelecidas pelo sistema.

                Compreende-se do exposto que esta corrente positivista dominou nossas instituições de ensino pode-se dizer por séculos, apregoando, no dizer de José Arnaldo Vitagliano, uma educação bancária em que o professor deposita o conhecimento na cabeça do aluno e este permanece inerte sem qualquer atividade.

Desta forma a tarefa de, primeiro identificar o fracasso de tais métodos e, por conseguinte apontar uma nova metodologia capaz de libertar o individuo deste “mundo imposto”, de uma ideologia imobilizante, é tarefa difícil, mas possível.

Surge então um clamor universal no sentido de promover uma nova interpretação ás normas capaz de romper o paradigma positivista kelsiano e de se libertar deste modelo manco de educação.

Neste cenário analisar-se-á, num primeiro plano a Teoria Tridimencional do Direito do jus-filósofo brasileiro Miguel Reale e em seguida as novas metodologias ativas capazes de assumir uma postura mais eficaz no âmbito das realidades emergentes com forte sustentação nas obras de Morin.

 

III- Ruptura do paradigma positivista.

 

Nas palavras de Saramago, “as pessoas nascem todos os dias; só delas é que depende continuarem a viver o dia de ontem ou começarem de raiz e berço o dia novo- o hoje”.

Impulsionado por este espírito, enfatiza-se neste ponto que a teoria de Reale, emergiu com o propósito maior de mostrar que a norma jurídica deve ser estudada numa relação de unidade de integração entre fatos e valores, passando a ser uma teoria antecipadora dos novos estudos da hermenêutica jurídica difundida em boa parte do mundo.

Em seu artigo, “A teoria tridimensional do direito em Miguel Reale” de Francisco Cunha Neto, se acentua a influencia desta teoria, senão vejamos:

Acentua-se que a obra de Miguel Reale é uma daquelas obras que se renovam no tempo e no espaço, a dizer, é uma obra que se atualiza pela própria lógica de sua tese, mormente porque o jus-filósofo não vê o homem tão-somente no processo histórico-cultural, tendo em vista que o homem é, também, a história por fazer-se.(grifou-se).

 

Impõem-se ressaltar aqui, que nesta mesma linha do pensamento de Reale, novas disposições no cenário da educação surgem como propostas diferenciadas capazes de conduzir o ensino jurídico a um significativo desenvolvimento.

São as chamadas metodologias ativas, a exemplo da Metodologia da Problematização e Aprendizagem Baseada em Problemas. Tais métodos,como bem enfatiza Neusi Aparecida Novas Berbel,  cada um com suas peculiaridades, têm em comum o fato de promoverem um ensino e uma aprendizagem por meio da análise de um problema. Assim a proposta maior, é transformar o ensino jurídico tradicional, preso nas amarras do positivismo e do reducionismo, para uma educação de mudança, para um saber transdiciplinar, com poder de transformação social, capaz de produzir encantamento aos estudantes ao se depararem com os problemas sociais.

Encartado nas propostas destas metodologias, o artigo, A crise do ensino jurídico no Brasil e o Direito Alternativo de José Arnaldo Vitagliano, traduz este anseio por uma mudança metodológica:

(...) O estudante deve deixar de ser mero espectador da realidade jurídica atual, deve participar ativamente dos processos de mudança, deve pesquisar, produzir ciência, manifestar-se acerca dos fatos que estão ocorrendo em nosso país. As faculdades devem ser laboratórios de pesquisas e devem não só incentivar como propiciar meios aos alunos para produzirem ciência. E trata-se de um campo tão fértil de criatividade que não deveria ser desprezado, pois, o bom estudante desenvolve conhecimento minucioso em todas as áreas do direito, tendo condições maiores de encontrar soluções de muitos problemas do que muitos aplicadores, estagnados com a constante prática e distanciados muitas vezes da teoria, desvinculando uma da outra, em oposição ao estudante, que distancia-se da prática por, quase sempre, desconhecê-la.

 

 

Ainda na linha de exposição de Vitagliano, cumpre um destaque especial ao chamado Direito alternativo, originado na Itália e que toa e entoa com as propostas metodológicas aqui referidas, bem como com o modelo jurídico que se propõe. Sobre o tema manifesta-se o autor:

 

O direito alternativo não reproduz os vícios do positivismo, que identifica o direito com a norma, vinculando-o, sem flexibilização, a ela. Mas, ao reconhecer na legislação estatal um elemento importante e principal de manifestação da juridicidade, se afasta da crítica inconsequente e mecanista, que a vê simplesmente como um instrumento de dominação. Ao lado disso, ao valorizar o papel do jurídico na sociedade contemporânea, reconhece sua crescente autonomia. Portanto o direito alternativo se apresenta como um novo paradigma viável, possibilitando a recuperação da legitimidade da instância jurídica pela busca da realização concreta da justiça nas situações dos conflitos que se apresentam. Também se apresenta como novo parâmetro teórico para o ensino jurídico.

O direito alternativo busca a construção de um conhecimento novo, em consonância com a sociedade concretamente existente: um saber que viabilize as novas práticas exigidas.

 

Numa prévia conclusão depreende-se que a educação deve ter uma qualidade para além da forma e da quantificação, capaz de fomentar, o que Morin chama de inteligência global e se separar de um conhecimento simplista, para um conhecimento complexo em que se tece o contexto, o global e o multidimensional, sem ignorar os erros que existem dentro deste “conhecimento”.

Nesta perspectiva a obra de Morin, Os sete saberes necessária a educação do futuro, alerta, já em seu primeiro capítulo para necessidade de entender o conhecimento sob outra ótica. Sob uma vertente de que “não há conhecimento que não esteja em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão”. É o que o autor denomina das cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão: Morin (2007-p. 20):

 

O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelo sentido. Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão.  Ao erro da visão, acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento sobre forma de palavra, de idéia, de teoria, é fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento, por conseguinte, esta sujeito ao erro.

 

Morin vai além em seu discurso, indicando que a força destes erros é tamanha que afeta até a própria razão, quando estabelecida sob a ótica da racionalização e não da racionalidade, identificando esta (racionalidade), quando a realidade comporta mistérios, capazes de identificar suas insuficiências, de debater com idéias, estabelecendo limites á lógica, ao passo que a racionalização, contaminada pela miopia cartesiana, implanta um modelo mecanicista, uma lógica “perfeita” e encontra-se fechada em uma doutrina. Dentro desta racionalização, Fernando Pessoa, com muita razão trata a ciência: “Cega, a Ciência a inútil gleba lavra”.

No campo de todas estas incertezas, de que o conhecimento comporta erros, Morin propõe, ainda, a necessidade de se enraizar um paradigma que permita ver o conhecimento sob a lente do complexo. Trata-se do conhecimento pertinente, classificados em quatro instâncias, a saber:

O Contexto, que consiste num resgate histórico, (origem, espaço temporal) situando as informações em seu contexto, para que elas adquiram sentido e funcionalidade; o Global que é mais que o contexto, pois é tudo o que se liga ao contexto e às suas partes; o Multidimensional, que compreende o ser humano ao mesmo tempo como biológico, psíquico, social, afetivo e racional; e o Complexo, que é a capacidade de pegar a unidade e da globalidade, tornando-a inseparável do contexto histórico e cultural . Assim como não se pode isolar a parte do todo, não se pode isolar uma dimensão das outras, pois todas interagem e interdependem.

Corroborando com as perspectivas até aqui elencadas, é elementar fazer algumas ponderações acerca da obra Cabeça bem feita, de Morin, que faz coro com as necessidades de mudanças paradigmáticas do conhecimento fragmentado.

Tenciona Morin, como condição sine qua non, a necessidade de “reformar o pensamento para reformar o ensino e reformar o ensino para reformar o pensamento”. 

Dentro desta simbiose, em que o pensamento recebe benefício do ensino e este recebe benéfico do pensamento, caminha-se para formação da “cabeça bem feita”, que segundo o autor é formada por uma aptidão geral que carrega consigo elementos de uma inteligência geral, capaz de tratar dos problemas e que promova o resgate da curiosidade, aniquilada pelo processo de instrução, a que o individuo fora submetido em sua formação. Neste sentido é a síntese da obra:

 

 

 

 

Na linha da reforma do pensamento, ele propõe os princípios que permitiriam seguir a indicação de Pascal: “Considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente as partes”. Esses princípios levam o pensamento para além de um conhecimento fragmentado que, por tornar invisíveis as interações entre um todo e suas partes, anula o complexo e oculta os problemas essenciais, levam, igualmente, para além de um conhecimento que, por ver apenas globalidades, perde o contato com o particular, o singular e o concreto.Eles permitem remediar a funesta desunião entre o pensamento científico-que desassocia os conhecimentos e não reflete sobre o destino humano- e o pensamento humanista-que ignora as conquistas das ciências, enquanto alimenta suas interrogações sobre o mundo e sobre a vida.

 

Fazendo coro com as assertivas de Morin, Inocêncio Mártires Coelho, em sua obra, Hermenêutica filosófica e hermenêutica jurídica, acentua que horizontes ampliados, favorecem a percepção do todo; Coelho, (2010.p-63);

 

Assim, quem não tem um horizonte é quem não vê suficientemente longe e que, por isso, supervaloriza o que lhe está próximo; ao contrário, ter horizontes significa não estar limitado ao que há de mais próximo, mas poder ver para além disso. Aquele que tem horizonte pode valorar corretamente o significado de todas as coisas segundo os padrões de próximo e distante, de grande e de pequeno. Ganhar horizonte quer dizer sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para apartá-lo da vista, senão que, precisamente, para vê-lo melhor, integrando em um todo maior e em padrões mais corretos. O horizonte desloca-se ao passo de quem se move. (grifou-se)

 

 

Resulta claro de todas as observações até aqui expostas que o ensino jurídico no Brasil necessita do que Morin chama da proposta da complexidade, com uma comunicação entre os saberes, analisando o contexto, o global e o multidimensional, com a finalidade maior de “ensinar a repensar o pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua própria dúvida. (...)” (Juan de            Mairema).

Dentro desta perspectiva, as mudanças no cenário jurídico brasileiro, surgem mesmo de forma ainda muito tênue como é o caso de recentes decisões em nossa Suprema Corte, a exemplo da impossibilidade da prisão civil do depositário infiel que deixa claro que o Direito, não se confunde com a lei. Ele começa com o constituinte e termina com a jurisprudência dos tribunais (nacionais e internacionais). A lei é apenas uma parte desse oceano.

 

 

 

 

IV- DOS DIREITOS HUMANOS E DOS SUJEITOS DE DIREITOS HUMANOS: RUMO AO COSMODIREITO.

 

            O cerne da questão objeto deste artigo, qual seja, impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, tem uma intrínseca relação com os direitos humanos, por tratar, como referido antes, da questão da liberdade do homem. Assim torna-se imperioso tecer conceitos deste direito, bem como suas evoluções históricas, para construir pilares na busca pelo chamado ‘cosmodireito’, ou seja, pensar o direito junto com o mundo.

Em seu artigo intitulado, Direitos humanos: conceitos e preconceitos, Alci Marcus Ribeiro Borges trata da necessidade de se estabelecer um conceito atualizador partindo de um preconceito:

 

São diversos os preconceitos referentes aos direitos humanos. Vamos começar por alguns que são revelados nas várias expressões usadas para designar os direitos humanos, tais como direitos naturais, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem e direitos humanos fundamentais.

José Afonso da Silva  esclarece que não se aceita mais com tanta facilidade a idéia de que os direitos humanos sejam confundidos com os direitos naturais, provenientes da natureza das coisas, inerentes à natureza da pessoa humana; direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem, mas que são direitos positivos, históricos e culturais, que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada momento histórico.

 

 

Nesta idéia de preconceito, é sabido que o homem natural por si só, não se basta para tornar-se, no atual contexto histórico, sujeito de direito dos direitos humanos. É necessário relaciona-se ao animalesco, ao direito humano do humano, formado por um complexo biológico, psicológico e social. Nestas concepções, não há como pensar direitos humanos sem que se estabeleça um laço muito forte com as lições de Morin em suas obras Cabeça bem feita e os Sete saberes, aqui observadas.

Não podemos, pois, retirar a construção histórica de que os direitos humanos foram criados do humano para o humano. Nesta linha é o conceito atualizado assim, definido no artigo Direitos humanos: conceitos e preconceitos de  Borges:

 

Assim, os direitos humanos seriam hoje um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, buscam concretizar as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade e da solidariedade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente, em todos os níveis.

 

               

No cenário internacional a concretização dos direitos humanos ganhou contornos mais relevantes no pós-guerra. Ainda sob os escombros do Nazismo, atribuiu-se ao individuo status de sujeito de direito internacional, conferindo-lhe diretamente direitos e obrigações no plano internacional.

É o que se extrai da obra de Flávia Piovesan, Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional; Piovesan (2009. p-7):

 

Nesse sentido, de objeto das relações internacionais, o individuo se converte em sujeito, com capacidade de possuir e exercer direitos e obrigações de cunho internacional. Como explica Paul Sighart: “As atrocidades perpetradas contra os cidadãos pelos regimes de Hitler e Stalin não significaram apenas uma violência moral que chocou a consciência da humanidade; elas foram uma real ameaça à paz e à estabilidade internacional. E assim, implicaram em uma verdadeira revolução do direito internacional”. (...) Nas palavras do advogado internacionalista Hersch Lauterpacht, em 1950; ‘Os indivíduos passaram a adquirir um status e uma estatura que os transformaram de objetos de compaixão internacional em sujeitos de direito internacional’.

 

Resulta claro ante as exposições até aqui feita, que o reconhecimento do homem como sujeito de direitos humanos desempenha um papel de significativo relevo no plano da afirmação, da consolidação e da expansão dos direitos básicos da pessoa humana, dentre os quais, o direito de não sofrer prisão por dívida.

Em termos de positivação, a Declaração Universal dos Direitos humanos se inclina no sentido de tornar o individuo cidadão universal, buscando a efetivação do direito cosmopolita e fraternal. Retomando as lições de Luiz Roberto Boettcher Cupertino, em seu artigo, A Origem dos Direitos Humanos, tem-se:

(...) A Declaração Universal representa um princípio que Kant já havia defendido em seu célebre livro A Paz Perpétua: o chamado direito cosmopolita, ou seja, o direito de hospitalidade de qualquer cidadão em qualquer parte do mundo. Num primeiro momento, o indivíduo emancipado da opressão do Estado, agora o indivíduo é um cidadão do mundo (...).

Assim caminhamos para uma conclusão deste artigo, trazendo ao debate trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do RE 466.343-SP, que culminou na edição da súmula vinculante n° 25, que proíbe a prisão civil do depositário infiel, nas perspectivas de um direito holístico e das lições de Morin.

 

 

 

(...) A afirmação da mutação constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos. Ela reconhece e reafirma, ao contrário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação dos sentidos possíveis da letra da Constituição aos câmbios observados numa sociedade que, como a atual, está marcada pela complexidade e pelo pluralismo. Por isso mesmo, acentua CELSO LAFER (“A Reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 118, 1988, Companhia das Letras, S. Paulo): “O valor da pessoa humana, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. É por essa razão que a análise da ruptura – o hiato entre o passado e o futuro, produzido pelo esfacelamento dos padrões da tradição ocidental – passa por uma análise da crise dos direitos humanos, que permitiu o estado totalitário de natureza. (grifou-se)

Resta claro no voto do Ministro, a preocupação com a complexidade que rege as relações sociais, muito bem definidas por Morin, que os paradigmas positivistas estão sendo rompidos, e que a lei por si, não basta. É necessário assumir postura de colocar o ser humano na posição central.

VI- CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante de tudo que foi aqui exposto, vemos que o direito brasileiro, mesmo que de forma ainda tímida, começa a quebrar antigos paradigmas, a se desprender de um direito reducionista e fragmentado, fruto de um ensino jurídico de instrução e passa a enveredar por um caminho rumo ao direito universal, visando à construção de uma comunidade jurídica apátrida, global e planetária.

A recente decisão do STF em impossibilitar a prisão civil do depositário infiel é um exemplo de que as normas devem ser vistas dentro do que Morin, entende por complexo, composto pelo contexto, pelo global e pelo multimencional, e que os nossos julgadores devem ter a “cabeça bem feita” capaz de desenvolver uma inteligência geral apta a transmitir a sociedade o verdadeiro espírito da justiça.

 É ai que o direito apresenta seu “ponto de mutação” e nessa metamorfose, “de ostra se transforma em vento” capaz de passear em todo universo jurídico sob o baluarte da dignidade humana e da cidadania em que claramente os direitos fundamentais, em uma nova dimensão (não geração) atinge a fraternidade que começa a irradiar seus efeitos.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. Ed.São Paulo: Cortez, 2000.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

COELHO, Inocêncio Mártires. Da hermenêutica filosófica a hermenêutica jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993.

FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. Direito e holismo: Introdução a uma visão jurídica de integridade: São Paulo: LTr, 2000.

 

 

 

 



[1] Acadêmico de Direito da Faculdade Ages, 9° período.

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