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A evolução dos princípios contratuais e a obra "Senhora" de José de Alencar


Autoria:

Zilmara Regina De Santana Bomfim


Zilmara Regina de Santana Bomfim, acadêmica do II periodo do curso de bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES no Municipio de Paripiranga-BA.

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Resumo:

O presente artigo vem mostrar a evolução dos princípios contratuais e a sua implicação na condução dos contratos tendo como base de análise a obra "Senhora" de José de Alencar.

Texto enviado ao JurisWay em 23/07/2011.

Última edição/atualização em 24/07/2011.



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A EVOLUÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS E A OBRA "SENHORA" DE JOSÉ DE ALENCAR

 

Zilmara Regina de Santana Bomfim*

 

 

RESUMO

 

Os contratos nascem da própria natureza social do homem, modificando-se juntamente com a sociedade. Analisando a historicidade deste negócio jurídico pode-se notar uma evolução de seus princípios basilares e como isto fora influenciado pelos valores sociais vigentes. Na obra ”Senhora” pode-se notar os valores sociais da época em suas relações contratuais, que servem de base para compreensão da evolução dos princípios contratuais.

 

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade, contratos, evolução.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O homem como sendo um ser social, tem em sua natureza impressa a característica da vivencia em sociedade. Desta resulta muitos conflitos, pois em sociedade a vontade particular está limitada pela vontade do outro, e estas pela vontade geral. Para estabilizar as relações entre interesses contrapostos e possibilitar a circulação de riquezas, surgiu o contrato.

Este negócio jurídico é imensamente importante para a vivência humana, pois permite a forma de tratar sob assuntos de uma forma expressa, que obriga o cumprimento das obrigações e elimina (ao menos parcialmente) os equívocos que existem nos tratos tácitos.

O contrato, assim como todo o Direito, nasce da sociedade, portanto evolui continuadamente. Faz-se necessário então analisar a evolução dos contratos e dos princípios basilares que o norteiam, para compreender como e porque o contrato é como é.

Para servir de base para esta análise utilizaremos a obra “Senhora” que expressa muito bem as relações contratuais da época, mostrando toda a carga social com que é permeada as relações contratuais. Além disso, doutrinadores serviram de alicerce para da sustentabilidade à discussão e agregar conhecimentos sobre os tópicos abordados.

 

2 A EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS E SUA CONCEPÇÃO ATUAL

 

O contrato é o mais importante e  também o mais difundido negócio jurídico existente. Sendo forma de consenso entre as partes, representa a força motriz das relações econômicas no mundo.

Sem dúvida nenhum negocio jurídico sobreviveu tanto tempo e em tantos locais como os contratos, isso se deve, pois a essência contratual faz parte da própria natureza humana, então, onde há “humanidade” há contratos.

A essência “natural” dos contratos é unânime entre as doutrinas, apontando que tão antigo quanto a humanidade é o conceito de contrato, que nasceu a partir do momento que o homem começou a viver em sociedade.

Neste contexto pode-se concluir que desde os primórdios da civilização, quando experimentamos um estágio mais complexo de vivência, presenciamos esse negócio jurídico, que nos serviu como instrumento, para que, mesmo com interesses contrapostos a circulação de riquezas acontecesse.

O contrato veio então para, de certa forma, substituir a violência nas relações econômicas, pois ao invés de utilizar meios violentos para conseguir seus objetivos,  o homem passou formas de contratação, que além de atingir seus propósitos proporcionou estabilidade às transações.

Como a ocorrência dos contratos confunde-se com a própria evolução moral da humanidade, torna-se muito difícil fixar uma data para sua aparição. Porém, pode-se encontrar um período em que a sistematização jurídica dos contratos ficou mais clara e concisa.

A figura contratual que deu início ao que reconhecemos como contrato na contemporaneidade possui muitos aspectos em comum, porém esse negócio era marcado pela forte liberdade, que dava plenos direitos às pessoas.

Os contratos do século XIX, são exemplos típicos da preponderância da liberdade do individuo, pois segundo Walt (2010), o liberalismo individual daquela época, que ia em contraposição às limitações impostas pelo estado, pregava a liberdade dos homens no plano contratual, que deixava ao arbítrio dos mesmos a decisão sobre todas as questões econômicas, sem qualquer interferência do Estado.  

Desta forma, os contratos clássicos, que  fundam-se na autonomia da vontade, na qual prevalecem as vontades livres, dá plenos direitos para que, se alguém, por exemplo, precisasse de comida poder comprar de um comerciante, ou em vez disso alienar sua vida, tornando-se servo em troca dessa alimentação.

            Esta situação começou a mudar por influência das ideias socialistas e solidarias juntamente com a evolução do Direito constitucional, que instituiu o dirigismo contratual, em que normas públicas destinavam-se a defender os economicamente fracos.

            Este Estado “evoluído” passou então a possuir novas atribuições, que envolviam formas de direitos econômicos e sociais, em vez de apenas assegurar os direitos políticos dos indivíduos. Um dos motivos para essa modificação foi assegurar o regime democrático e estabelecer o Estado como regulador do meio econômico, e não o inverso. Assim discorre Wald (2010, p. 217):

A intervenção do Estado tornou-se assim, na realidade, um meio para assegurar a manutenção do regime democrático, pois, na palavra autorizada de Harold Laski, “ou a democracia politica deve dominar o monopólio econômico, ou o monopólio econômico dominará a democracia politica”

 

 

            A partir destas modificações e de muitas outras ao longo do tempo, os contratos a contemporaneidade admitiram uma forma muito mais complexa e “justa”. Segundo Tartuce o contrato pode ser conceituado como:

 

Um ato jurídico em sentido amplo, em que há o elemento norteador da vontade humana que pretende um objetivo de cunho patrimonial (ato jurígeno); constitui um negócio jurídico por excelência. Para existir o contrato, seu objeto ou conteúdo deve ser lícito, não podendo contrariar o ordenamento jurídico, a boa-fé, a sua função social e econômica e os bons costumes. ( 2010 , p. 32)

 

 

Nesta afirmação pode-se notar que o contrato, outrora plenamente livre, está agora orientado e limitado por princípios. Esta limitação torna-o mais “justo”, pois impede que a liberdade de contratar torne-se forma de opressão.

           

3. OS PRINCÍPIOS DO CONTRATO

 

Não se podem desvincular os contratos dos seus princípios basilares, são eles que sempre determinaram o seu funcionamento e irão continuar com essa função. Apesar das mudanças no direito e o surgimento de novos princípios e formas para trazer a intervenção do Estado para dentro das relações entre particulares.

Como principal princípio dos contratos, podemos citar o da autonomia da vontade, é ele que dá liberdade aos contratantes para escolher quando, com quem e de que modo irão fazer uso do contrato. Esse sempre foi à principal característica dos contratos, ou seja, dar liberdade para as pessoas contratarem segundo sua escolha. Desta forma, discorre Arnoldo Wald:

A autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e liberdade contratual. Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização (1995, p. 162).

 

Este princípio possui tal relevância que se extinguirmos à autonomia da vontade, estaremos extinguindo o próprio contrato. Como afirma Gagliano (et all, 2010, p. 35), "contrato sem vontade não é contrato". De fato, sem a existência da vontade o negócio pode ser considerado como tudo, menos como contrato, pois se partirmos do pressuposto de que o contrato é o encontro das vontades contrapostas, sem a vontade não haveria este encontro, não havendo, portanto contrato.

Mesmo que esse princípio represente a essência do contrato, muitas críticas foram lançadas à ele, foi então que surgiu a intervenção do Estado, que por meio de normas de limitação tentam equilibrar a balança contratual, coibindo abusos entre às partes.  Estas críticas também deram origem a princípios reguladores, como afirma Noronha:

 

Foi a crítica aos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual que permitiram que desabrochassem os princípios da boa-fé e da justiça contratual - os quais, aliás, nunca deixaram de estar latentes em todos os ordenamentos: apenas eram ofuscados pelo brilho artificialmente acrescentado ao principio da (velha) autonomia da vontade. (1994, p. 122)

 

Esses princípios nasceram, portanto, para que a vontade dos contratantes não resultasse em abuso, e para que a liberdade não se tornasse uma forma de opressão. Atualmente esses princípios são os da função social do contrato, da equivalência material e da boa-fé objetiva.

A função social do contrato tem como objetivo evitar que se tenha, por exemplo, um contrato com grande potencial econômico e que resulte em danos ao campo social.  Este princípio modificou a visão sob os contratos, o encarando sob uma ótica social, econômica e ambiental, assim como discorre Eduardo Sens Santos:

 

O contrato não pode ser mais entendido como mera relação individual. É preciso atentar para os seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da ideia de função social. O contrato somente terá função social - uma função pela sociedade - quando for dever dos contratantes atentar para a exigência do bem comum, para o bem geral. acima do interesse em que o contrato seja respeitado, acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual, há interesse de que o contrato seja socialmente benéfico, ou pelo menos, que não traga prejuízos à sociedade - em suma, que o contrato seja socialmente justo. (apud GAGLIANO et all, 2010, p. 48)

 

É importante ressaltar que este princípio não vem para acabar com o da autonomia da vontade, e sim torna-los mais vocacionados ao bem estar comum e à sociedade, sem prejuízo ao patrimônio dos contratantes.

O principio da boa-fé objetiva, para ser entendido efetivamente, deve ser precedido por as definições de boa-fé subjetiva e de boa-fé objetiva, e suas respectivas distinções.

A primeira consiste em um estado de espírito do agente , que realiza determinado ato sem ter do vício que existe, ou seja, neste ato é reconhecido a ignorância do agente, que age de boa-fé desconhecendo o vício que a coisa possui. Já a boa-fé objetiva corresponde à uma regra de comportamento, com fundo ético e exigibilidade jurídica.

Desta forma a boa-fé objetiva estabelece que em uma relação jurídica as partes devem praticar entre se a lealdade e o respeito que se espera. Alguns deveres jurídicos são impostos por este princípio, como a lealdade, a assistência, a confidencialidade, etc. Em suma, como afirma Cordeiro:

O direito obriga, então, a que, nessas circunstancias, as pessoas não se desviem dos propósitos que, em ponderação social, emerjam da situação em que se achem colocadas: não devem assumir comportamentos que a contradigam – deveres de lealdade – nem calar ou falsear a atividade intelectual externa que informa a convivência humana – deveres de informação. (apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p. 68)

 

               O princípio da boa-fé objetiva se preocupa cada vez mais com a atitude que foi tomada e a que se esperaria de um homem médio, desvinculando-se completamente do elemento vontade. Ou seja, o que é levado em conta não é exatamente a consciência do indivíduo no ato praticado, e sim se a sua ação é ordenada por princípios éticos.

Outro principio regulador dos contratos, que muitos encaram como um subproduto do principio da função social, é o principio da equivalência material. Este busca equiparar os direitos e os deveres entre às partes, antes, durante e depois da execução dos contratos, para que não haja um favorecimento excessivo para uma das partes e/ou uma desvantagem excessiva para outra parte. Desta forma pode-se notar que este princípio limita outro princípio norteador dos contratos, o principio da força obrigatória do contrato, assim como discorre Lôbo:

 

O que interessa não é mais a exigência cega do cumprimento do contrato, da forma que foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O principio clássico do pacta sunt servanda a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas (apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p. 60)

 

 

O principio da força obrigatória do contrato também tem grande relevância no direito contratual. Este cria uma "lei entre às partes", garantindo a obrigatoriedade das cláusulas contratuais, contudo, é possível que se admita a revisão destas se ficar evidente desproporção entre a situação econômica no início do contrato e no seu termino.

O principio da força obrigatória do contrato estabelece uma lei entre as partes, ou seja, torna o declarado, obrigatório.

De fato, nada valeria um negocio jurídico se fosse facultado o direito de cumprir o que é declarado, sendo que a essência do contrato firmar um pacto entre as partes, não se pode admitir que uma das partes resolva desistir de executar o pactuado. Sobre o assunto discorre Gomes:

O principio da força obrigatória dos consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas clausulas fossem preceitos legais imperativos. (apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010,  p. 38)

 

       Mesmo que este princípio seja extremamente importante, é preciso ressaltar que não se admite o pacta sunt servanda (nomenclatura clássica para a força obrigatória do contrato) de forma absoluta, pois a imodificabilidade e intangibilidade dos termos do contrato, tornou-se um forte instrumento de opressão

            Após as análises supracitadas pode-se concluir que os princípios além de exprimir características dos contratos de forma individual, se relacionam e se limitam, formando características de forma unida, sendo estas frutos de uma evolução social.

 

4 OS PRINCIPIOS CONTRATUAIS NA OBRA "SENHORA" DE JOSÉ DE ALENCAR

 

Para fixar à ideia de contrato e sua obediência aos princípios basilares vamos analisar às relações contratuais existentes na obra "Senhora" de José de Alencar. Nesta obra existem muitas relações contratuais, desde formais à tácitas, porém focalizarei nas mais importantes: o trato de casamento feito entre Seixas e Amaral, para o casamento deste com Adelaide Amaral e o trato feito entre Seixas e Aurélia, para o casamento destes. 

 Faz-se necessário afirmar também que, ao analisar a obra, deve-se ter consciência da época em que é retratada a história e o caráter fictício na qual é expressa, não podendo analisá-la de fato, a encarando apenas sob um caráter ilustrativo dos princípios contratuais.

“Senhora” de José de Alencar é uma narrativa que expressa à história de um casal, que se vê a todo o tempo separado pela busca pelo dinheiro, ou pelas consequências de possui-lo. A principal relação que é expressa neste é o contrato feito entre a “senhora” Aurélia e Seixas, na qual esta lhe propõe cem mil cruzeiros em troca de um casamento.

A primeira manifestação de vontade é expressa no capítulo IV em que Aurélia manda o Sr. Lemos, seu tutor, fazer a proposta de casamento à Seixas. Esta proposta tem os seguintes termos:

- Os termos da propostas devem ser estas; atenda bem. A família da tal moça misteriosa deseja casá-la com separação de bens, dando ao noivo a quantia de cem mil cruzeiros de dote. Se não bastarem cem mil e ele exigir mais, será o dote de duzentos mil... (ALENCAR,1999, p.33)

 

            A proposta em questão tinha caráter tácito, pois Aurélia expressou ao tio e tutor claramente que, a palavra de Seixas já lhe bastaria para fixar o contrato. Assim afirma Aurélia à seu tio: “- Eu prefiro confiar-me à honra dessa pessoa, antes do que aos tribunais. Com uma obrigação em que ele empenhe sua palavra ficarei tranquila.”(ALENCAR, 1999, p. 34)

Desta forma, Sr. Lemos  fez a proposta, sendo recusada  por Seixas em primeiro instante, pois este já havia firmado um outro pacto com Amaral, comprometendo-se a casar com sua filha Adelaide, pelo dote de 30 contos de réis.

O que Seixas não esperava é que, Aurélia também firmou um pacto com Amaral, garantindo-lhe que Dr. Torquato Ribeiro tinha 50 contos de reis, sendo muito mais benéfico casar sua filha Adelaide com este rapaz.  Então este desfez o pacto com Seixas.

A recusa de Seixas perante a proposta de Aurélia automaticamente já desobrigaria a mesma (representada por senhor Lemos) de cumprir a proposta. Mas como esta desejava permanecer com a proposta, que foi aceita por Seixas em outro momento, estava fixada a promessa de casamento, que viria a acontecer passado três meses seguintes. A única alteração na proposta foi que, em vez de serem pagos os 100 contos de réis no ato do casamento, um adiantamento de 20 contos de réis lhe foram pagos à Seixas, sendo os outros 80 no ato do casamento. Isto, firma ainda mais a proposta.

Fora escrito então um recibo, que assim expunha:

 

Recebi do Il.mo Sr. Antônio Joaquim Ramos a quantia de vinte cotos de réis como avanço do dote de cem contos pelo qual me obrigo a casar no prazo de três meses com a senhora que me for indicada pelo mesmo Sr. Ramos; e para a garantia empenho minha pessoa e minha honra. (ALENCAR, 1999, p. 57)

 

Neste recibo fora exposta praticamente toda a essência do contrato, que era um pacto em que não havia pessoalidade, pois Seixas se comprometeu a casar com a mulher que lhe indicassem, podendo ela ser qualquer uma.

Passado os três meses fez-se o casamento, que ocorrera perfeitamente, até que na noite de núpcias houve um fato que espantou Seixas, Aurélia que outrora se encontrara feliz, muda seu tom e mostra a sua verdadeira intenção neste casamento, que era apenas um casamento de fachada, nenhum contato haveria entre ela e Seixas. Após 11 meses de casados, Seixas paga o valor pelo que o foi “comprado” e se liberta do trato feito.

Após exposto as relações, partiremos para a análise dos princípios contratuais aplicados à estas relações, porém nos atentaremos para os princípios que se aplicam de forma mais bem definida, são eles: autonomia da vontade, força obrigatória do contrato e boa-fé objetiva. Os princípios da função social e da equivalência material não possuem uma aplicação direta já que o importante nesses contratos não é a transação de riquezas e sim de obrigações.

 

4. 1 A AUTONOMIA DA VONTADE

 

A autonomia da vontade é bem expressa nestes contratos (Amaral/Seixas e Aurélia/ Seixas), pois os mesmos que o objeto deste trato não seja lícita (ao menos, na época em que estamos), o fato das partes concordarem no trato, denota toda a potencialidade da autonomia da vontade.

A ilicitude do objeto em questão se deve pois, atualmente, para se cumprir um dos mais importantes princípios norteadores do Direito, a dignidade humana, que é irrenunciável, praticas como alienação para outrem, são inconstitucionais, pois atentam contra o direito à dignidade.

O princípio da autonomia da vontade, como ante exposto, se faz em duas formas, na liberdade de contratar, ou seja na liberdade que as pessoas tem de fazer/aceitar ou não a proposta. E a liberdade contratual, que é a liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato. Estas duas formas são bem exploradas no caso, já que esta liberdade de contratar é tanta, que pode até “comprar” um marido.

Porém, é preciso ressaltar que esta era uma prática comum na época descrita, na qual o “liberalismo” imperava. Hoje praticas como estas não seriam mais bem vistas.

 

4.2 A FORÇA OBRIGATÓRIA DO CONTRATO

 

A obrigatoriedade do contrato também se faz com bastante clareza nos casos, porem em circunstancias opostas, pois, enquanto o trato de Seixas e Amaral fora descumprido, ou seja, a obrigatoriedade do contrato não fora respeitado, o trato de Seixas e Aurélia fora respeitado até o final.

Como já visto, o contrato faz lei entre as partes, então no caso de Seixas e Amaral, o fato de terem tratado o casamento do primeiro com a filha do segundo os obrigava a cumprir o trato, mesmo que, como afirmou Seixas, este trato não tenha sido formalizado.

Já no caso de Seixas e Aurélia a promessa de casamento fora cumprida, sendo que todas as obrigações existentes forma respeitadas, Aurélia pagou o que lhe era obrigado e Seixas cumpriu todas as suas obrigações de marido.

Este princípio é de extrema importância para o contrato, pois se a obrigatoriedade não for cumprida de nada valerá a contratação, já que a único interesse em firmá-lo é o de estabelecer uma relação de troca de obrigações contrapostas.

 

4.3 A BOA-FÉ OBJETIVA

 

A boa-fé objetiva é um principio importantíssimo em uma contrato, principalmente em sua fase de formação, já que o comportamento dos agentes é determinante no decorrer da execução do contrato, uma vez que se alguém agir de má-fé a outra parte pode sofrer sérios danos.

Na promessa de casamento feita por Aurélia à Seixas é possível notar que a mesma age de má-fé, não no firmamento da proposta, mas sim na omissão de como o casamento seria vivido.

O comportamento de Aurélia e Seixas antes do casamento indicava que iriam viver a vida de casados de fato, e só depois de firmado o casamento é que a mesma revelou que não haveria nada além de um mero casamento de fachada. E é preciso afirmar que, mesmo que não estivesse explícito que haveria um casamento de fato, o fato de não haver se comentado nada sobre o assunto faz com que subentendesse que haveria relações conjugais entre o casal, já que é assim que são os demais casamentos. Houve então um ato de má-fé, pois o agente desconhecia esta variação que este casamento teria de um casamento normal.

 

4.4 SENHORA E A EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS

 

Na analise destas relações contratuais  e na observância de alguns principios nortadores dos contratos nestas, pode-se observar que os principios que pregam a liberdade de contratar foram muito mais preponderantes do que os principios “limitadores” dos contratos.

Ao analisar a evolução dos contratos, pode-se observar que isso se deve pela época em que se foi passado o caso, pois com menos intervenção do Estado e diga-se até menos “direitos”, torna-se muito mais abrangente a liberdade do individuo em contratar, porém em contraposição, com esse aumento de liberdade de contratar há também uma maior liberdade de se firmar um contrato em que o objeto seja “ilícito”, ou seja, firmar-se um contrato em que por exemplo, algum aliene sua vida a outrem, ou prometa o casamento de uma filha, etc.

A narrativa presente nesta obra também nos remonta à evolução que os contratos, assim como o direito, possui com o passar do tempo. Pois, valores presentes na época, como  casamento e  a honra - que estão diretamente ligados e até interdependentes -  não são presentes (ou são com bem menor intensidade) na atualidade, assim o direito também tende a se modificar para atender às necessidades da época. Portanto, falar que firmar uma promessa de casamento em troca de dinheiro pode parecer absurdo para os indivíduos hoje, mas na época era não só comum, como necessário.

 

5 CONCLUSÃO

 

O ser humano é um ser social, e onde há sociedade há sempre Direito. Neste sentido, como toda sociedade se modifica, todo direito modifica-se igualmente.

Na analise da obra “Senhora” de José de Alencar pode-se notar relações contratuais onde se predomina a autonomia da vontade, em preponderância a outros princípios limitadores do conteúdo do contrato. Isto exprime um momento histórico, onde o Estado exercia um papel bastante “suave” nas relações particulares, o que aumentava a liberdade, porém aumentava a possibilidade de exploração.

Atualmente pode-se notar que a realidade contratual é bastante permeada pela intervenção do Estado, o que diminui a possibilidade dos indivíduos disporem deste meio para a opressão dos mais “fracos”.

Os contratos então, que eram ordenados pelos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória do contrato (como em “Senhora”), hoje também e principalmente são ordenados pelos princípios da função social, boa-fé objetiva e da equidade material. Estes trazem um novo jeito de se contratar, e procuram não diminuir a liberdade dos indivíduos e sim o mal usufruto desta liberdade.

 

REFERENCIAS:

 

ALENCAR, José de. Senhora: perfil de mulher. 6. Ed. São Paulo: FTD, 1999.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze et all. Novo curso de direito civil: contratos. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

NORONHA. Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 5. ed. Rio de Janeiro: MÈTODO, 2010.

 

WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 12. Ed. São Paulo: RT, 1995.

 

 

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