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Súmula Vinculante 11 do STF e a limitação ao uso das algemas


Autoria:

Andre Pinheiro De Sousa


Advogado, especialiado em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Atame.

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Resumo:

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Texto enviado ao JurisWay em 08/07/2011.



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SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF E A LIMITAÇÃO AO USO DAS ALGEMAS
 
 
 
 
O assunto ganhou bastante destaque em virtude de algumas prisões efetuadas por órgãos policiais, que ganharam as páginas da imprensa escrita e viraram notícias nos principais telejornais de nosso país. Tais fatos recolocaram em debate um assunto um tanto quanto polêmico, qual seja a discussão acerca da legalidade na utilização de algemas, quando do momento da prisão de pessoas que, ao menos de forma aparente, sequer chegaram a oferecer resistência ou sequer esboçaram atitude de indício de fuga.
Temos um confronto constitucional, no qual, em primeiro plano, nos deparamos com normas constitucionais que determinam que a segurança pública é dever do Estado, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e de seu patrimônio, através dos órgãos policiais.
Em segundo plano, emanam do próprio texto constitucional, princípios de grande importância para a estrutura democrática, tais como: o da dignidade da pessoa humana e presunção de inocência, que não podem ser feridos quando o Estado exerce o seu poder de polícia.
Com o objetivo de discutir sobre o tema, o primeiro capítulo faz referências no que diz respeito à origem histórica e a evolução das algemas, mostrando a sua criação e uso.
O segundo capítulo traz uma análise sobre a previsão legal sobre as algemas e seu uso no sistema penal brasileiro, mostrando que sua utilização, de modo preventivo, antes mesmo da tentativa de fuga, pode encontrar respaldo no interesse público em garantir a aplicação dos princípios de justiça em defesa da coletividade. Mostrando também, a polêmica da súmula vinculante n°11 do Supremo Tribunal Federal, mostrando sua relevância e sua constitucionalidade.
No terceiro capítulo tecemos considerações ao uso das algemas e a problemática dele decorrente, onde se verifica que sua função não é a de torturar, física e psicologicamente e nem denegrir a imagem do preso, mas sim, prevenir e evitar qualquer reação que leve a um confronto, com graves conseqüências ao detido, ou até mesmo, ao agente público.
O quarto capítulo, ponto ápice do ensaio, aborda os fundamentos jurídicos do uso de algemas, mostrando que mesmo sob o panorama da carência de legislação específica, seu uso, independente de quem seja a pessoa custodiada, suas posses materiais, sempre deverá ser feito quando concretamente necessário, nunca expondo sua imagem, nem tampouco violando o consagrado princípio da dignidade da pessoa humana.
 
 
 

CAPÍTULO I: ALGEMAS: ETIMOLOGIA, ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
 
A palavra algema vem do árabe al-jemme ou al-jemma, que possui o significado de: a pulseira. Herança da ocupação árabe da península Ibérica (BIGAIL, 2006).
O termo tornou-se mais comum a partir do século XVI, embora grilhões, ou simplesmente ferros, fossem também freqüentemente usados. Hoje em dia, é comum e de costume usar a palavra “algema” no plural, considerando que visa conter as duas mãos.
No curso da história mundial, os sistemas penais de repressão adotavam práticas desumanas e humilhantes com seus prisioneiros.
Desde os primórdios da humanidade, já era adotada a prática de se limitar os movimentos de uma pessoa por suas mãos e pés. Durante boa parte da história, para tal função, era mais comum o uso de cordas e couros, devido o fato de metais serem raros e caros. Tais cordas e couros, apesar de serem baratas e fáceis de repor, possuíam uma problemática: podiam ser rompidos pelos próprios prisioneiros e tendiam a produzir ferimentos por aperto excessivo, oferecendo assim, pouca segurança aos capturadores.
Adotou-se então, a prática de usar grilhões nos prisioneiros. Os grilhões eram mais difíceis de remover e prendiam de modo firme os pulsos e tornozelos dos prisioneiros. Podendo ser ligados entre si por barras metálicas ou correntes, fornecendo graus variados de imobilização a quem os utilizasse.
O maior problema dos grilhões era o diâmetro fixo de suas grilhetas (peças de seção circular ou retangular que prendiam os pulsos e tornozelos), pois pessoas que possuíam pulsos e mãos mais finos que a média, poderiam escapar. Fazendo-se necessário ter grilhetas de menor diâmetro, as quais poderiam produzir desconforto, dor, lesões e danos graves em pessoas de físico mais robusto, ou até mesmo, serem impossíveis de aplicar, devido ao seu tamanho. Daí gerou-se a necessidade de se dispor de grilhetas de diversos diâmetros, o que era um custo muito alto naquela época.
Desses grilhões, foi-se aperfeiçoando o instrumento contentor das mãos até os presentes modelos, modernos e sofisticados, das algemas, que passaram a ser usadas por todas as outras sociedades estando presentes até a atualidade, sem qualquer indício de abolição.
Para grilhões e algema, existe uma figuração para cada termo. Os grilhões incorporam uma imagem negativa de punição e suplício, ausente nas algemas, já que eram mais usados especificamente nos tornozelos.
As algemas foram evoluindo em suas formas e seus materiais de fabricação, tornando-se cada vez mais utilizadas por diversas outras sociedades. Diversos tipos foram criados, porém, vários não se sucederam no tempo, permanecendo o modelo mais convencional que conhecemos até hoje, que é a algema de catracas, que possui uma trava, onde a principal função é impedir que, uma vez obtido o ajuste, as algemas cedam e abram.
Diniz (1998, p. 162) conceitua algemas como “Argolas de ferro dotadas de fechadura que são utilizadas para prender, pelos pulsos, as mãos de prisioneiro cuja fuga se receia”.  
Segundo o Dicionário Bueno (1996), define-se a palavra algema por: “Argola de ferro para prender os braços pelos pulsos; cadeia; grilheta; opressão”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO II: A PREVISÃO LEGAL DO USO DE ALGEMAS NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
 
 
 
 
Após toda uma evolução histórica das algemas, desde as ordenações Filipinas no Século XVII passando pelos primados de Dom Pedro onde o Decreto de 23 de maio de 1821, ordenou o afastamento do seu uso em pessoas não julgadas até sentença final, sobrevieram, posteriormente a esse emano, várias reformas foram realizadas no sistema penitenciário. Entre elas, as que merecem ênfase são a do Código de Processo Criminal e a nova reestruturação do processo penal brasileiro em 1871, estabelecendo até aqui, que o preso não seria conduzido com o uso de algema, salvo caso extremo de segurança, devendo ser justificado pelo condutor, senão, penalizado com pena e multa.
Passados vinte anos da data da reestruturação, a Constituição de 1891 proporcionou às Unidades Federativas a competência para legislar sobre processo penal. Todavia, poucas limitaram a adoção a legislação do império e a grande maioria exerceu competência legislativa.
Com advento da Carta Magna de 1934 se restabeleceu a competência privativa da União sobre a legislação penal. Em 15 de agosto de 1935 o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Vicente Ráo, apresentou o Projeto de Código de Processo Penal e precisamente o artigo 32 vedava o emprego de algema, in verbis: “É vedado o uso de força ou emprego de algemas, ou de meios análogos, salvo se o preso resistir ou procurar evadir-se”.
 
O artigo 33 complementava:
Artigo 33, in verbis – No caso de resistência, o executor e as pessoas que o auxiliarem podem usar dos meios indispensáveis a sua defesa, lavrando-se o respectivo auto, na qual será a occurrência, com a subscripçãode duas testemunhas.
 
Contudo, esse projeto acabou não prosperando, motivado pela Constituição de 1937 promulgada com o golpe de Estado. Marques (2001) explica: “A constituição promulgada com o golpe de Estado de 10/11/1937 impediu que a aprovação e discussão de Vicente Ráo fossem levados adiante”.
Hélio Tornaghi (1978) apresentou um projeto bastante relevante no Ciclo de Conferências sobre o Anteprojeto do Código de Processo Penal Brasileiro, que também não prosperou:
Artigo 453Não será permitido o emprego da força, salvo a indispensável no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência por parte de terceiros, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para vencê-la e para defender-se. De tudo se lavrará auto, subscrito pelo executor e por duas testemunhas.
 
Nota-se, que comparado ao projeto de Ráo, Tornaghi não trouxe muita inovação. Pois preferiu complementar em seu § 1°, que por sinal, recebeu várias críticas pela grande margem de discricionariedade que fornecia à possibilidade de usos de materiais diversos para se efetuar a condenação: “É permitido o emprego de algemas e de outros utensílios destinados à segurança, desde que não atentem contra a dignidade ou a incolumidade física do preso”.
 
Relativamente Garcia (1965), a respeito do assunto criticou:
o Anteprojeto declara que é permitido empregar algemas e outros utensílios destinados à segurança, desde que não atentem contra a dignidade ou a incolumidade física do preso (artigo 453 § 1°). A rubrica marginal desse texto é ‘Algemas etc.’. Eu votaria pela redução do enunciado à sua parte inicial, permitindo tão-só o emprego de algemas e, assim, suprimindo aquela imponderável ‘etc.’, que aumenta desnecessariamente os métodos de contenção do preso (GARCIA, 1965, p. 136-137).
 
O Código de Processo Penal da década de 40 foi aprovado sem prever de uma maneira expressa no que tange ao uso das algemas.
O Decreto-Lei nº 3.689 datado de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) e vigente, em vigor a partir de 1º de janeiro de 1942, trouxe a seguinte redação em seu artigo 284: “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”.
Apesar não expor objetivamente ao uso de algema sinaliza referência extrema a sua aplicação.
O artigo 292 também versa sobre a força como forma de vencer a resistência do preso:
Art. – 292: Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão e, flagrante ou determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto, subscrito também por duas testemunhas.
 
Observa-se que há, na lei, lacunas quanto aos meios de conter a força. Percebe-se que apenas em casos de exceções, em termos de resistência ou tentativa de fuga é admitido o uso de algema.
Essas lacunas motivaram vários doutrinadores a exibirem suas críticas a respeito da lei.
O desembargador Lima, (apud Pitombo, 2008), disserta sobre a lei processual vigente:
A lei proscreve como regra o uso da força, isto é, o de meios coercitivos para executar a prisão. Mas como a execução, deixa o executor a faculdade de empregar a força necessária e adequada às circunstâncias, ao momento, à pessoa, quando se lhe oponham ameaças e violências, ou haja tentativa de fuga, daí surgindo a possibilidade de recorrer às algemas, correntes, cordas, laços, camisas de força, para impedir que a reação triunfe. Pode até mesmo acontecer que a aplicação desses meios extremos seja necessária para garantir a vida do próprio preso, que pelos seus atos de resistência pode dificultar a pronta remoção do local onde sua vida corra perigo, facilitando o aliciamento de pessoas e recursos com fim de vingança e represália (LIMA, apud, Pitombo 2008).
 
O autor tenta transmitir a idéia de que a palavra “força”, utilizada pelo CPP, em seu artigo 284, não tem o significado de capacidade física, pois se tivesse, haveria a possibilidade do agente autorizado valer-se de sua capacidade física para dominar o preso, medindo força com ele.
Um equívoco comum é associar o uso da algema ao emprego de força, quando, na verdade, a algema é forma de neutralização da força e de imobilização do sujeito. É menos traumático, doloroso e arriscado imobilizar o meliante pelo recurso à algema, do que pelo acesso a técnicas corpóreas de imobilização.
O sentido contextual da palavra “força”, usada no dispositivo legal, é geral e amplo, para estabelecer domínio necessário para deter a possível insubordinação ou tentativa de fuga do preso. Portanto, caberá ao agente saber a força e a espécie da força necessária a ser utilizada, proporcionalmente à gravidade da reação, enfocando que não seja possibilitada a fuga, que a resistência seja revertida, com o intuito do agente não ser o próprio atacado na qualidade de executor de uma ordem.
Nessa mesma linha de raciocínio, Tornaghi (1978) questiona:
Teria sido bom que, ao permitir o emprego da força, o Código houvesse deixado claro o que pensa o legislador sobre o uso de certos meios coercitivos. Poderia dizer-se, dos artigos 284 e 292, o que um escritor francês afirmou acerca do Code d’ Instruction Criminelle, ao tratar exatamente do mesmo assunto, isto é, que eles lançam a dúvida sobre um ponto, o qual, mais que qualquer outro, necessita de certeza. Dessa forma, a lei, em lugar de dar respostas, faz perguntas e, em vez de ensejar soluções, oferece problemas! É permitido o uso de algemas, de grilhões e de grilhetas, de correntes, cadeias e ferros? Pode o executor, lançar mão de armas, especialmente das de fogo, que vão alcançar o capturado ao longe? (TORNAGHI, 1978, p. 233).
 
O próprio autor (1978) responde suas indagações:
Dir-se-á: as grilhas e outros utensílios semelhantes desapareceram, não havendo por que lembrá-los. Mas a verdade é que o uso de algemas começa a generalizar-se entre nós, e no interior não é desconhecido o emprego de cordas para amarrar os presos (...). É certo que a lei não pode ser casuística e fez bem em conter uma norma geral. Mas a respeito da permissão de algemas e do uso de armas teria sido conveniente que ela dispusesse. A delicadeza do legislador, que não se atreve a falar em cadeias ou em grilhões, o escrúpulo de não reviver passadas vergonhas, estaria a salvo e não impediria de regular o emprego de outros meios, que, na realidade, são usados. Diante dos artigos 284 e 292, parece não haver dúvida de que, se com algemas o executor da prisão pode vencer a resistência, ele estará autorizado a usá-las (TORNAGHI, 1978, p. 233).
 
A força é usada para vencer a fuga do preso. E a respeito do uso de armas de fogo como uma “força” para evitar resistência ou fuga, Tourinho Filho (2004, p. 421) exemplifica: “Assim, se a polícia vai prender alguém e este corre, para evitar a prisão, pode o executor, inclusive, usar a força necessária para evitar a fuga, disparando-lhe, por exemplo, um tiro na perna”.
Portanto, se a polícia pode usar de métodos como disparar tiros de arma de fogo, em áreas não letais do preso que irá ser capturado, no caso de uma fuga, torna-se legítimo e necessário o algemamento daquele indivíduo que resiste à prisão.
Assim Gomes (2002) define a justificativa do uso da força:
Indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica (‘para’ a defesa, ‘para’ vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com muito mais razão), de algemas. Tudo se resume, conseqüentemente, no princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação na medida e vale no Direito processual penal por força do artigo 3° do CPP (GOMES, 2002, p. 150).
 
Nessas circunstâncias, faz-se necessário que o policial que esteja efetuando uma prisão, saiba medir a natureza da força que pretende usar, evitando que sua pessoa seja atingida e a fuga venha a ocorrer. E, para tanto, a lei autoriza o emprego de meios, tais como o emprego de algemas.
Portanto, algemas não servem apenas para garantir a segurança da equipe policial ou para assegurar a integridade física do preso. É implícita uma terceira razão: inibir a ação evasiva do preso e atos irracionais num momento de desespero. Sendo de uma menor importância a periculosidade do agente, sua estrutura corpórea, idade ou status político e social. Pois a reação de uma pessoa é sempre inesperada.
Somente com a reforma do procedimento do Júri, trazida pela Lei n° 11.689, de 9 de junho de 2008 que a palavra “algemas” foi inserida no Código de Processo Penal, ou seja, após 67 anos de várias discussões polêmicas, ela foi mencionada em dois artigos do seu diploma legal:
Artigo 474, in verbis. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção.
§ 3° - Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
“Artigo 478, in verbis. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
 
Porém, a inserção da palavra algemas aplica-se somente aos julgamentos perante o Tribunal do Júri (assunto que será detalhado mais adiante).
 
 
 
 
Artigo 234, in verbis. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto, subscrito pelo executor e pelas testemunhas.
§ 1° - O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido nos presos a que se refere o artigo 242.
 
O Código de Processo Penal Militar de 1969 prevê que o emprego de algema deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso, preservando espírito elitista das Ordenações Filipinas. Tal legislação proíbe categoricamente em seu artigo 242 a utilização de algemas em presos especiais, quais são:
a)                Ministros de Estado;
b)                Governadores ou Interventores de Estados, ou Territórios, o Prefeito do Distrito Federal, seus respectivos Secretários e Chefes de Polícia;
c)                 Membros do Congresso Nacional, dos conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados;
d)                Cidadãos inscritos no Livro do Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei;
e)                Magistrados;
f)                   Oficiais das Forças Armadas, das Policiais e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados;
g)                Oficiais da Marinha Mercante Nacional;
h)                 Diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;
i)                   Ministros dos Tribunais de Contas;
j)                   Ministros de confissão religiosa.
 
Neto (1992, p. 77), profissional e doutrinador da área jurídico-militar, salienta que “se ocorrer alguma das hipóteses mencionadas, que justifique o seu emprego, a escolta deverá redobrar a sua cautela”.
A respeito das prisões especiais elencadas acima, o doutrinador Tourinho Filho (2004, p. 574-575), em sua obra, critica:
Em rigor, deveria ser estendida a todas as pessoas que fossem presas provisoriamente. Ante a impossibilidade, por falta de recursos e estrutura, limitou-se o legislador a distinguir certas pessoas em vista da sua escolaridade e das funções que exercem no meio social. Não se trata de privilégio, como se propaga pela imprensa, mas de uma homenagem em razão das funções que certas pessoas desempenham no cenário jurídico-político da nossa terra, inclusive o grau de escolaridade (TOURINHO FILHO, 2004, p. 574-575).
 
Com esse comentário, o doutrinador procura mostrar a desigualdade entre as pessoas e a divergência entre as regras do Código de Processo Penal e Código de Processo Penal Militar, pois é injustificável uma dessas pessoas elencadas não ser algemada quando cometer um crime militar e sofrer algemamento ao cometer um crime comum, ainda que o primeiro seja de uma maior gravidade.
É importante ressaltar que se o ordenamento jurídico não prevê qualquer das hipóteses acima colocadas em questão, ainda que o seja em legislação essencialmente militar, poderia ser aplicada analogia, conforme autoriza a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 4°, estendendo esse rol privilegiado para os casos de cometimento de crime comum, com o intuito de haver uma forma de integração de norma com outra, ainda que de estatutos diferentes.
Mas, na prática, não é isso que acontece, pois os policiais que se preocupam em tomar todas as cautelas necessárias para com aqueles que assumem a condição de preso, com o objetivo de evitar fugas e lesões, acabam por algemar qualquer uma das pessoas elencadas na lei, por motivo de desconhecimento dessa possibilidade trazida essencialmente pela analogia.
Na falta de regulamentação, a saída para quem se sente desrespeitado é a Justiça. No STF (Supremo Tribunal Federal) acórdãos e decisões monocráticas formam jurisprudência sobre uma série de constrangimentos provocados pela omissão da lei. Além dos diversos entendimentos de primeira instância.
Temos exemplos, que a mídia nos trouxe, de casos de prisões de juízes: João Carlos da Rocha Mattos (que fora filmado pelas câmeras nacionais utilizando algemas) e Nicolau dos Santos Neto, que depois de quase um mês de negociações com a polícia para se render, seu advogado na época impunha a condição de que seu cliente não usaria algemas, para não ser exposto à opinião pública, querendo que o mesmo recebesse um tratamento diferenciado na cadeia.
No caso do Juiz Rocha Mattos, condenado e preso pela operação Anaconda, da Polícia Federal, que investigou venda de sentenças judiciais em 2003. Ao Supremo, ele alegou o uso indevido de algemas, em habeas corpus sob relatoria do ministro Joaquim Barbosa.
Segundo a defesa, existe interesse de todos os membros da magistratura em saber se pode um juiz federal ser algemado e filmado nessa condição. Para o ministro, ao menos em sede liminar, esta argumentação não procede. Sem entrar o mérito da questão, Barbosa afirmou: "A expressão ‘interesse’ utilizada na alínea n, do inciso I, do artigo 102, da Constituição Federal significa a possibilidade de o status jurídico dos magistrados vir a ser modificado por força da decisão a ser proferida. Vale dizer: trata-se de interesse em sentido material, de tal sorte que algum direito ou prerrogativa de cada magistrado possa ser modificado, quer no sentido ampliativo, quer numa perspectiva restritiva".
Já acórdão da 1ª Turma da Corte entende que o “uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita, ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”.
 
 
 
 
A Lei n° 7.210/84 instituiu a Lei de Execução Penal no sistema brasileiro. Seu artigo 199 prevê que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”.
Tal artigo define que o emprego de algemas exige necessária regulamentação através de um decreto federal, tornando norma de eficácia contida a previsão de uso através de regulamentação complementar.
Porém, quase 25 anos já se passaram e o ordenamento jurídico ainda não tem o decreto regulamentador do referido artigo, para que a lei federal possa ter sua aplicabilidade na prática.
Ademais Nogueira (1996, p.270), em sua obra diz: - “Não é de hoje que muitos estudiosos estão reclamando a regulamentação nacional do uso de algemas”.
Nesse mesmo sentido, Mirabete (2000, p. 776) desabafa:
Não há dúvida sobre a necessidade de regulamentação, pois o uso desnecessário e abusivo de algemas fere não fere não só o artigo 40 da lei de Execução Penal, como também o artigo 5° XLIX, da Constituição Federal, que impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do preso (MIRABETE, 2000, p. 776).
 
Portanto, se faz necessário o mecanismo regulamentador para definir o uso de algemas no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, nas palavras de Gomes (2008) assevera que “não há dúvida que, em princípio, traz uma certa insegurança a falta desse decreto específico”.
Para o advogado Costa (2008):
As regras da Organização das Nações Unidas para tratamento de prisioneiros estabeleceu que o emprego de algema jamais, seja aplicado como medida de punição. Evidente semelhança com artigo 180 do Código de Processo Criminal do Império, que o uso desse objeto é fora do comum e deverá ocorrer somente em casos que à vista da necessidade impedindo ou evitando a fuga do preso ou quando se cogitar confirmação de prisioneiro perigoso (COSTA, 2008).
 
 
 
Desde que o Supremo Tribunal Federal adotou a vinculação de súmulas de suas decisões sobre temas discutidos reiteradamente, as discussões sobre o tema não param, seja questionando o “engessamento” do Direito; seja criticando as condições de pouca criatividade a que os juízes ficariam exposto, seja questionando as próprias alegações de que a súmula vinculante não vai aliviar a carga de trabalho dos tribunais.
A Súmula Vinculante integra a pauta da Reforma do Judiciário, e teoricamente tem como objetivo servir de instrumento para dinamizar a prestação jurisdicional. Sustentada na hipótese de reduzir os trabalhos das altas Cortes, a Súmula pode produzir outros vícios, não constituindo, pelo que se pode perceber, em solução adequada para aquilo que Judiciário quer resolver: o acúmulo de processos.
Todavia, desde agosto de 2008, outro fato vem merecendo igual ou mais atenção por parte de doutrinadores, de operadores do Direito, da segurança pública e da própria sociedade: a edição da Súmula 11, que restringe o uso de algemas quando da prisão de pessoas.
A edição da Súmula Vinculante n° 11 decorreu do julgamento do HC n° 91952-SP do STF, que fazia menção ao fato do réu ter permanecido algemado durante sessão do Tribunal do Júri. Tal súmula foi editada no seguinte teor:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
 
A súmula consolida o entendimento do STF sobre o assunto, com base no inciso III do artigo 1º da CF e de vários incisos do art. 5º, que estabelecem o respeito à dignidade da pessoa humana e a seus direitos fundamentais, e dos artigos 284 e 292 do CPP, que abordam o uso restrito da força quando da realização da prisão de uma pessoa.
Também o art. 474 do CPP, alterado pela Lei 11.689/08, estabelece no parágrafo 3º que: "Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".
No parecer dos Ministros sobre a súmula vinculante, foram feitos apartes sobre o controle de a polícia ser um encargo do Ministério Público. Também se demonstrou preocupação quanto aos efeitos práticos de uma súmula sobre a autoridade policial no ato da prisão, isto é, a súmula poderia tornar-se um elemento desestabilizador do trabalho da polícia.
Do mesmo modo, reconheceu-se que o ato de prender um criminoso e de conduzir um preso é sempre muito perigoso, por isso, a interpretação do uso ou não de algemas deveria ser sempre em favor do agente ou da autoridade do Estado.
Contudo, os argumentos foram combatidos pelo então presidente do STF, Gilmar Mendes, que explicou que a súmula tinha a finalidade, basicamente, de evitar o uso de algemas para exposição pública do preso. “A Corte jamais validou esta prática, que viola a presunção da inocência e o princípio da dignidade humana”, afirmou o presidente. Para ele, geralmente a utilização de algemas é feita para violar claramente esses princípios e de “colocar na TV". “Ao Ministério Público incumbe zelar também pelos direitos humanos, inclusive propondo os inquéritos devidos”, concluiu ele.
As discussões, sempre girando em torno de sua constitucionalidade, até o momento, não têm levado a maiores resultados, permanecendo sua vigência da mesma forma, apesar da polêmica levantada por sua edição.
Essa súmula possui um caráter impeditivo de recursos, conforme notícia veiculada no site do STF salientando que: “o Tribunal decidiu, também, dar a esta e às demais Súmulas Vinculantes um caráter impeditivo de recursos, ou seja, das decisões tomadas com base nesse entendimento do STF não caberá recurso”.
 
E mais:
O instituto da Súmula Vinculante, criado pela Emenda Constitucional (EC) 45/04, tem o intuito de pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário. Após sua aprovação – por no mínimo oito ministros e publicação no Diário de Justiça Eletrônico (DJe), a Súmula Vinculante permite que agentes públicos – tanto do poder Judiciário quanto do Executivo, passem a adotar a jurisprudência fixada pelo STF.
A aplicação desse entendimento tem por objetivo ajudar a diminuir o número de recursos que chegam às instâncias superiores e ao STF, permitindo que sejam resolvidos já na primeira instância. A medida pretende dar mais celeridade aos processos judiciais, uma vez que podem ser solucionados de maneira definitiva os casos repetitivos que tramitam na Justiça, permitindo que o cidadão conheça o seu direito de forma mais breve.
 
A edição da Súmula Vinculante n.º 11 levantou polêmicas em todo o país e nas mais diversas áreas de atuação da Justiça, questionando-se sua constitucionalidade, sua inconstitucionalidade e a própria decisão do STF, considerada incoerente com o que ele mesmo determinou quando da adoção de súmulas vinculantes sobre suas decisões.
 Ressalta-se que Neves (2008) analisa o aspecto técnico da súmula e ressalta que essa “decisão” “destoou completamente da realidade vivida pelos profissionais que trabalham no sistema penal, mormente policiais (federais, civis e militares) e agentes penitenciários.” Para esse autor, a conduta dos ministros não causa estranheza porque “nenhum deles tem contato com réus presos no dia-a-dia de seus trabalhos, desconhecem as necessidades dos profissionais de segurança pública e ignoram as regras de segurança ensinadas nas Academias de Polícia.”
Continuando, ele argumentou que o art. 103-A, caput e §1º, da CF, com a redação dada pela EC nº. 45/07 estabelece os requisitos que o STF deve observar para aprovar uma súmula vinculante. Essa norma, como qualquer outra prevista na Carta, não pode ser desrespeitada, sob pena de o ato normativo ser inconstitucional, ante a supremacia da CF.
Art. 103-A O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (grifamos)
§1º - A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (grifamos).
 
Pelo teor desse artigo, percebe-se de imediato que o STF deve observar pelo menos quatro requisitos para aprovar uma súmula vinculante: 01. Reiteradas decisões sobre matéria constitucional; 02. Validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas; 03. Controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública; 04. Fatos que acarretem grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Ademais Neves (2008) ainda explicou:
A súmula fixa responsabilidade penal e administrativa aos servidores que desrespeitarem tal enunciado. Mas para alguém ser responsabilizado criminalmente, é preciso que haja previsão expressa na lei penal, o que não há. Enquadrar o funcionário que desrespeitou a súmula no crime de abuso de autoridade ou constrangimento ilegal é ‘forçar a barra’. O abuso ou o constrangimento no manuseio de tal instrumento demanda uma elementar específica no tipo penal para atendermos o princípio mais importante do direito penal, qual seja: legalidade. De igual sorte, para se responsabilizar um servidor por falta disciplinar, se faz necessária previsão nos respectivos estatutos (da Polícia ou Lei Orgânica da Magistratura) (NEVES, 2008, p. 12).
 
A pior parte, entretanto, o STF deixou para o final do enunciado da citada Súmula Vinculante. Ele determinou que haverá nulidade da prisão ou do ato processual, “caso a ela seja desrespeitada.” Todos policiais sabem do investimento feito pelo Estado, do tempo e do trabalho que demanda uma investigação criminal até culminar na expedição e no cumprimento de um mandado de prisão. Declarar nula uma prisão, relaxar e colocar um indivíduo em liberdade após toda movimentação da máquina estatal somente pelo uso "desnecessário" ou "constrangedor" das algemas pode trazer graves conseqüências para o processo, além tornar a Justiça a polícia desacreditadas. Isso é ferir os princípios da razoabilidade (tão utilizado pelo STF em seus julgamentos) e do prejuízo (um dos mais importantes princípios da teoria geral das nulidades), segundo o qual “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (art. 563, CPP).
As discussões envolvendo a Súmula 11 de agosto de 2008 vêm crescendo. Em seu contexto, volta-se a discutir com mais força o controle de constitucionalidade e a própria constitucionalidade dessa súmula, com base em critérios constitucionais que deveriam Ter sido atendidos pelo próprio STF.
Dessa forma, o uso das algemas deixou de ser regra, tornando-se exceção para o preso, restringindo-se às hipóteses nas quais a autoridade, através de fundamentação escrita, considere que tenha havido resistência, baseando-se no receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia. Assim, entende-se que o STF autoriza o uso apenas em tais casos, sob pena de o agente ou a autoridade responderem nas esferas disciplinar, penal e civil.
Em artigo publicado pelo site de notícias Estadão, é chamada a atenção dos leitores a respeito da súmula vinculante número 11. Pois uma semana após sua edição, o acusado por tráfico de drogas conhecido como Fernandinho Beira-Mar (de altíssima periculosidade), em mais um de seus julgamentos no Rio de Janeiro, chegou algemado ao fórum, momento em que seu advogado pediu que fosse cumprido o teor da súmula vinculante supracitada. Logo em seguida, as algemas foram soltas. Vejamos um trecho da reportagem:
SÃO PAULO - O traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, não está usando algemas durante o julgamento desta sexta-feira, 15, já que a juíza aceitou o pedido do advogado de Beira-Mar, Francisco Santanna, no início da audiência. Beira-Mar é julgado no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, pela juíza Maria Angélica Guerra Guedes, por associação ao tráfico.
[...] Antes do início do julgamento, Francisco Santanna afirmou que iria fazer o pedido à juíza, alegando que o traficante tem os mesmos direitos do ex-banqueiro Salvatore Cacciola. "A única diferença é que ele nasceu em berço de ouro, mora em mansão e é rico. Fernandinho Beira-Mar é negro, nasceu na favela e mora na cadeia. Mas o direito é o mesmo.
 
Ocorrida esta polêmica, a Polícia Federal se manifestou no sentido de cumprir a súmula, não escondendo sua indignação com o ditame, se contrapondo com seu Manual de Planejamento Operacional, que previa o algemamento em qualquer caso de detenção.
Naquela época, o jornal O GLOBO publicou razões que tentavam explicar a indignação da Polícia Federal com a súmula vinculante n°11 do STF:
Para a polícia, o anúncio de uma ordem de prisão tem forte impacto psicológico e torna praticamente imprevisível a reação de qualquer pessoa que esteja sendo presa. Muitos ficam profundamente abatidos e não conseguem esboçar reação alguma. Outros têm gestos intempestivos. Não faz muito tempo, um adolescente se jogou da janela do apartamento onde morava com os pais no Rio de Janeiro Logo depois de saber que seria preso numa investigação sobre pedofilia na Internet. Segundo um delegado, os policiais que estavam na operação não quiseram algemar o rapaz diante dos pais e, numa fração de segundo, ele teria escapado cometendo suicídio.
O Delegado da Polícia Federal Gomes (2006) sustenta o entendimento:
Propugna-se, pois, que a periculosidade seja presumida quando haja mandado de prisão expedido contra a pessoa sujeita à jurisdição penal do Estado e que excepcional seja a sua não utilização, por violar a segurança da equipe policial e o bem maior que é a vida dos profissionais da área de segurança pública. Caso se enxergue uma colisão de direitos fundamentais, essa deve ser resolvida em prol da sociedade, com o recurso que imobilize e neutralize efetivamente o preso, até posterior deliberação da autoridade competente policial ou judiciária. O recurso das algemas é sim o meio adequado e proporcional para a garantia de vida e integridade física da equipe policial e do investigado, acusado ou condenado, muito longe dos grilhões de outrora (GOMES, 2006).
 
Apesar de já falado anteriormente que esta súmula vinculante possui um caráter impeditivo de recursos, esta questão ainda não se encontra definitivamente pacificada.
Parlamentares federais já discutem a intenção de editar a lei a respeito do assunto, ou até mesmo, sustar a referida súmula.
É claro que as razões que as razões da criação da súmula são extremamente válidas, neste país onde o acúmulo de processos é desanimador, principalmente para o cidadão que se coloca nas mãos da Justiça em busca de solução para seus problemas. O que se questiona é seu poder de vinculação, principalmente diante dos casos em concreto.
Pelo estudo realizado, a conclusão é a de que a referida Súmula é inconstitucional, uma vez sua elaboração, edição e adoção foram revestidas de procedimentos inconstitucionais e contraditórios, como por exemplo, a ausência de um dos quesitos exigidos constitucionalmente para a elaboração de uma súmula vinculante, que é a existência de discussões reiteradas sobre um mesmo caso jurídico.
Em outras palavras, na elaboração da Súmula 11 não se observou nenhum dos critérios que embasam a criação das súmulas vinculantes, como foi estabelecido constitucionalmente, quais sejam: 01) reiteradas decisões sobre matéria constitucional; 02) validade, interpretação e a eficácia de normas determinadas; 03) controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública; 04) grave insegurança jurídica; 05) relevante multiplicação de processo sobre questões idênticas.
Além disso, a própria matéria de que ela trata a limitação máxima do uso de algemas nos casos de prisão de pessoas, pode deixar conseqüência para o exercício da tarefa policial, principalmente diante do nível de violência que se observa na atualidade em qualquer lugar do país.

 
 
 
O uso das algemas envolve várias discussões, abusos e interpretações errôneas, que podem acabar ferindo os direitos fundamentais da pessoa humana. Em algumas dessas discussões, é colocada em questão a imagem daquele que é submetido ao uso das algemas, dando ênfase nas ações da Polícia Federal, que busca sempre fazer frente às câmeras da mídia.
Nesse contexto, cabe uma reflexão: pois de um lado temos nós, a sociedade, ansiosos para ver os “criminosos” (que ainda não foram julgados) serem presos, usando algemas. De outro lado temos a polícia, que acaba se promovendo, de uma maneira social, ao algemar todo e qualquer suspeito.
No que tange ao direito de imagem, a nossa Constituição Federal prevê:
Artigo 5°, in verbis:
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
 
Com esse dispositivo legal, a Constituição resguarda direitos, que são inerentes à personalidade da pessoa humana, influenciando diretamente seu íntimo, seu psicológico, indo além das lesões e bens patrimoniais, pois são de difícil reparação.
O doutrinador Moraes (2000) salienta:
Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões lícitas externas. A proteção constitucional refere-se, inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.) (MORAES, 2000, p. 135).
 
Nossa Carta Magna também normatiza o direito de informação em seu artigo 220, determinando que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
 
Devido à alta e crescente tecnologia, a imagem tornou-se elemento de maior necessidade dentre os planos da mídia. D’Azevedo (2001) justifica:
O direito à imagem assumiu uma posição de destaque no contexto dos direitos da personalidade, devido ao extraordinário progresso tecnológico dos meios de comunicação, tanto no desenvolvimento da facilidade de captação da imagem, quanto ao de sua reprodução. Hoje, é possível a captação mais fácil à distância e a reprodução para todo mundo em segundos, o que tem alterado a preocupação na proteção ao direito à imagem, já que esta se torna mais árdua de se realizar (D’AZEVEDO, 2001, p. 200).
 
Dessa forma, é válido dizer que uma violação ao direito de imagem pode tomar proporções maiores e irreparáveis, pelo fato de um “simples toque” poder repassar a mensagem para o mundo inteiro.
 E afirmado por Herbella (2008), que a sociedade encara o direito de imagem como um dos mais importantes dos direitos da personalidade:
A liberdade e o direito à informação são necessários, porém, o limite à sua amplitude encontra-se nos direitos à personalidade. Os direitos à personalidade têm como característica a sua indisponibilidade. Entendemos, outrossim, que o único dos direitos da personalidade que tem um caráter disponível é o da imagem (HERBELLA, 2008, p. 100).
 
De fato, a violação a esse direito consiste em utilizar a imagem de outrem, sem sua devida e expressa autorização. Nesse sentido, os autores se expressam:
O artigo 220, §1°, da Constituição Federal dispões sobre a liberdade de informação jornalística. A existência de opinião pública livre é um dos primeiros pressupostos da democracia de um país. Só é possível cogitar de opinião pública livre onde existe liberdade de informação jornalística. Por isso entende-se que esta é mais do que um direito, uma garantia constitucional. A liberdade de informar só existe diante de fatos cujo conhecimento seja importante para que o indivíduo possa participar do mundo em que vive, não se incluindo, portanto, os fatos sem importância, geralmente relacionados à vida íntima de uma pessoa (CHIMENTI, 2007, p. 77).
 
Relativamente Moraes (2000) preconiza no sentido de que a imagem desnecessária e aviltante não viola apenas os direitos à personalidade, mas sim, a própria dignidade da pessoa humana:
Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1°, III), como o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, artigo 5°, X) converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos, ou quaisquer desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público (CF, artigo 5°, XIV), que acarretem injustificado dano à dignidade humana autoriza a ocorrência de indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito a resposta (MORAES, 2000, p. 73).
 
Porém, pela busca de uma autopromoção, as polícias têm batizado operações com nomes significativos, exibindo na mídia a prisão de pessoas renomadas usando algemas.
Dissertando acerca desse tema, podemos citar alguns casos de grande polêmica, que além de expor a pessoa, gerou-se uma grande discussão da necessidade ou não do uso de algemas. Pois, relembrando algumas notícias, temos o algemamento dos senadores Luiz Estevão, Jader Barbalho, os juízes Nicolau dos Santos Neto e Rocha Matos, o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, entre outros.
A revista Carta Capital se pronunciou sobre o assunto:
No Brasil, as polícias adotaram a salutar prática de convocar a imprensa para acompanhar as diligências de prisões preventivas e apreensões, e especialmente em casos de repercussão, a envolver figurões. E a maioria é algemada e estampada nas televisões, apesar de não haver resistência, tentativa de fuga ou desobediência. As algemas passaram a fazer parte do espetáculo promocional das polícias. Portanto, volta-se ao sistema inquisitorial, medieval, como nítido objetivo de maltratar, insultar, expor a humilhações.
 
A análise de quais casos e quando as pessoas devem ser algemadas já foi feita anteriormente neste trabalho, porém, não cabe às polícias, indiscriminada e indistintamente, deixar de algemar aquele que se encontra na condição de preso, pelo simples fato de se tratar de uma pessoa diferenciada, em razão de sua capacidade econômica ou profissional, pois as normas de segurança da polícia regem que o preso deve ser algemado quando do transporte. Porém, ocorre que a figura da pessoa algemada, por mais que seja de maneira justificada, é constrangedora e passa a degradar sua imagem. Pois as algemas tiram o status de liberdade do indivíduo.
Vários presos tentam esconder as algemas no ato da prisão, visando amenizar tal ofensa à sua imagem. Temos o exemplo do Senador Jader Barbalho, conforme publicação do Jornal do Brasil, em 19 de fevereiro de 2002:
O ex-presidente do Senado ficou 13 horas encarcerado, a título de prisão preventiva, tempo suficiente para que sua imagem, com algemas, mal escondidas por um livro sintomaticamente chamado ‘Tempos muito estranhos’, corresse o País.
 
O ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, apareceu na mídia escondendo as algemas, através de uma malha de lã jogada sobre elas, quando foi preso pela Polícia Federal. Sem contar que sua figura foi exposta quando ainda vestia pijamas.
Acerca desse assunto, a autora Herbella (2008) tece valioso comentário:
Quando a pessoa adquire a condição de presa, não quer, em razão disso, ser exposta, por danos irreparáveis à sua imagem e à de sua família. Quando presa, a pessoa tem, sem dúvida a sua capacidade de argumentação diminuída, em razão da própria constrição física a que está submetida, assim, não tem condições de impedir que sua imagem, não autorizada, seja exposta. Nesse caso, o próprio artigo constitucional, garantidor do direito à imagem, prevê a devida indenização. Desse modo, entendemos que o direito à informação jornalística é permitido, desde que não viole os direitos da personalidade (HERBELLA, 2008, p. 104).
 
De certa forma, a mídia não pode ultrapassar os limites dos direitos da personalidade, sob pena de responsabilização civil e penal.
Já existem medidas para tentar coibir a exposição do preso algemado.
A Lei de Execução Penal, em seu artigo 40, obriga todas as autoridades ao respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios e, na seqüência, fixa, entre os direitos do preso, o da proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (artigo 41, VIII). Essa lei ainda ressalta que é proibida ao integrante dos órgãos da execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que exponha o preso a inconveniente notoriedade durante o cumprimento de sua pena (artigo 198).
Portanto, cabe aos órgãos públicos, coibir a exposição injusta e desnecessária do preso. Nesse sentido, o promotor de Justiça Humberto Ibiapina (1999) se pronuncia:
Cabem aos agentes estatais, Delegados de Polícia, Policiais Militares, Ministério Público e Poder Judiciário o dever de preservar os direitos da personalidade do suspeito, pois como dito antes, o Estado assumiu o dever dessa preservação, quando legislou sobre a proteção à imagem, à honra e à intimidade, elevando tais direitos a nível constitucional, não podendo, esses mesmos agentes, serem desatenciosos neste trato, impedindo as ações previsíveis da mídia sedenta por algo, que lhe ponha no topo da audiência (IBIAPINA, 1999).
 
Pode-se concluir que a mudança e a efetivação do respeito ao direito de imagem para o preso algemado e também para aquele que se encontra na qualidade de custodiado, dependem dos órgãos públicos. É preciso também, ter uma maior conscientização da imprensa, para que não seja exposta, indevidamente, a imagem de alguém.
 
 
 
 
 
um conjunto de procedimentos destinados a forçar, com todos os tipos de coerção física e moral, a vontade de um imputado ou de outro sujeito, para admitir mediante confissão ou depoimento, assim extorquidos, a verdade da acusação. A tortura não é só um crime contra o direito à vida. É uma crueldade que atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e a humanidade como um todo (SILVA, 2008, p. 23).
 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 veda, expressamente, a tortura determinando que seu artigo 5º, inciso III, que: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
No decorrer dos tempos, acreditar que a tortura foi erradicada seria utopia. Porém, através de sua criminalização, juntamente com a abertura democrática do país, a tortura está diminuindo.
As polícias, contam hoje com matérias obrigatórias de direitos humanos em sua grade curricular para a formação de novos policiais. Atualmente, as algemas são utilizadas pelos policiais tão-somente com o objetivo de resguardo à integridade física do preso e também do policial condutor e não para infligir castigo ou tratamento cruel. Sendo utilizadas quando necessárias, quando o preso estiver fora do cárcere ou quando estiver sendo transportado.
Tirando esses casos, quando as algemas forem utilizadas no intuito de humilhar ou castigar, podendo deixar lesões em alguém que já se encontra recolhido, teremos um dos casos típicos de tortura definidos em lei.
De fato, as algemas são de utilidade apenas das Forças Policiais e deveriam ser de uso restrito. Porém, são de livre comercialização, podendo ser encontradas em casas de esporte, ferragens, armas e até em sex shop. Justificando-se assim, as práticas sadomasoquistas, contenção de vítimas seqüestradas e a prática de tortura e maus tratos, devido a sua facilidade de aquisição.
Para Herbella (2008): “Deveria haver uma norma que tornasse as algemas um produto controlado para uso restrito das Forças Policiais, inviabilizando seu livre comércio”.
A Anistia Internacional elaborou o Regulamento CE n° 1.236/05, em 27 de junho de 2005, dispondo sobre determinados produtos que podem ser usados como pena de morte ou para infligir penas cruéis, desumanas e degradantes e inclui entre eles, especificamente, as algemas. Assim, a Anistia espera que os países da União Européia apliquem plenamente o Regulamento, editando leis para coibir a fabricação e venda indiscriminadas desses produtos. Porém, apenas alguns países europeus assim o fizeram.
 
 
 
Devido ao injusto prejulgamento que pode ser feito, em decorrência da imagem da pessoa algemada, tendo em vista sua possível influência na convicção dos juízes leigos, houve grandes quantidades de reivindicações em juízo, advindas da defesa, pela não utilização das algemas durante as audiências e, principalmente nos julgamentos do Tribunal do Júri.
Sobre a questão do uso das algemas do réu durante o seu interrogatório judicial, Pinho (2000) se manifesta:
Entendo que, durante o interrogatório, devam ser retiradas as algemas do réu. Claro: mantê-lo com as mãos imobilizadas inibiria seu direito de defesa, na medida em que impedido de expor, com clareza que por vezes os gestos propiciam, a forma como se deram os fatos. Assim, por exemplo, o réu que alegue ter agido em legítima defesa, em vista de um ataque com utilização de faca que lhe desferia a vítima, por certo necessitará das mãos livres para explicar seu ato defensivo e o posterior revide. Preso, restaria impedido de, com maior precisão e riqueza de detalhes, ofertar sua versão defensiva (PINHO,2000 p.191)
 
Tal posicionamento não é tão pertinente. Pois se o acusado responde ao processo preso, deve ser mantido algemado durante seu interrogatório judicial. Nesse caso, o anseio pela liberdade é inerente ao ser humano. Desta forma, cabe ao magistrado prevenir uma eventual fuga. Resguarda-se com isso a ordem dos trabalhos e a segurança de todos os presentes, inclusive a do acusado.
Admitir-se, de forma absoluta que o réu necessita das mãos livres para exercer sua ampla defesa representa um exagero. O acusado poderá exercê-la através de sua narrativa, sendo que ao juiz caberá estar bem atento para a sua melhor compreensão. Se por acaso, durante ou mesmo após a narrativa do acusado, o magistrado ficar com alguma dúvida, poderá então determinar a soltura das algemas para que o réu, querendo, faça a gesticulação que entender pertinente. O próprio artigo 251 do nosso Código de Processo Penal preceitua que: “ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública”.
Em março de 2005, nos Estados Unidos:
“... um acusado de estupro, quando aguardava o julgamento em uma sala anexa a do júri, sem o uso de algemas, em um descuido do policial ou em vantagem de seu físico, apoderou-se da arma do policial, atirou contra o juiz e contra dois policiais. Usou essa arma para roubar dois veículos que lhe possibilitariam a fuga e matou mais um policial fora do tribunal. O acusado, recapturado, foi descrito por seu advogado como pessoa ‘com uma personalidade tranqüila e muito querido entre seus companheiros de trabalho’”.
 
Esse exemplo demonstra, para a grande maioria, a importância do uso de algemas nas dependências do Poder Judiciário. Pois o réu, que estava aparentemente tranqüilo, numa oportunidade, apoderando-se da arma de um policial, cometeu quatro homicídios. No entender de alguns, tudo poderia ter sido evitado se ele estivesse usando as algemas.
No ano passado, no Brasil, em Porto Alegre, ocorreu a fuga de um réu, pelo fato de ter havido um equívoco da parte dos policiais ao lhe retirarem as algemas dentro do fórum, conforme notícia abaixo:
O presidiário Vanderlei Luciano Machado, indicado por assaltos a joalherias e estabelecimentos comerciais, com passagens pela polícia e duas prisões preventivas decretadas, realizou, nesta quinta-feira, sua quarta fuga espetacular. ‘Lelei’, como é conhecido, iria depor no fórum de Lageado, a 157 quilômetros de Porto Alegre, quando teve as algemas retiradas pelos policiais. Num golpe rápido, sacou o revólver que escondia sob o gesso do braço quebrado e tomou como refém a secretária do Fórum. Em seguida, prendeu no banheiro o juiz Ney Alberto Vieira, funcionários do Fórum e agentes penitenciários. Já na frente do prédio, fez de escudo a secretária e rendeu o motorista de um fusca, que usou para fugir em alta velocidade, após libertar a moça. A perseguição da polícia foi em vão.
 
Sobre retirada ou manutenção das algemas durante os julgamentos, nunca houve um entendimento unânime. Alguns juízos entendem que o uso das algemas é necessário e obrigatório. Indeferindo qualquer reivindicação feita pela defesa. Outros, porém, ordenam a retirada das algemas.
O Código de Processo Penal era omisso em regular o uso de algemas em audiências ou em julgamentos no plenário do Júri.
Assim, como o poder de polícia, na sessão do Tribunal do Júri, pertence ao Juiz Presidente, conforme atribuição conferida pelo artigo 497, I, do Código de Processo Penal, pelo qual deverá “regular a polícia das sessões (...)” ficava tão-somente ao seu poder discricionário a retirada de algemas.
Havendo qualquer discordância sobre o tema, o próprio juiz presidente do Tribunal do Júri, ou mesmo da audiência, considerando a personalidade do réu, que decide se ele poderá ficar com ou sem algemas.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende, em um de seus acórdãos, que:
A orientação para uso de algemas é da competência do Presidente da sessão, diante das circunstâncias do julgamento. Cada magistrado tem a liberdade de analisar as situações fáticas apresentadas e eleger um critério que seja compatível com a ordem dos trabalhos e a administração da justiça (HC 70.001.561.562. 1° Cam. j. 27/09/2000. Rel. Des. Silvestre Jasson Ayres Torres. RT 785/693).
 
Recente alteração ocorrida no CPP, por meio da Lei n°11.689, de 9 de junho de 2008, inaugurou, em nível nacional, uma legislação que dispõe, literalmente, sobre algemas. A inserção se deu, especificamente, no capítulo que dispõe sobre o procedimento no Tribunal do Júri.
Os dispositivos legais em comento preceituam da seguinte maneira:
Art. 474 – (...)
§3° - Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
 
Art. 478 – Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgam admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
 
 
Essa alteração foi direcionada aos procedimentos do Júri, onde as algemas poderiam influenciar um convencimento dos jurados, diferentemente do que ocorre nas audiências (quando o réu está diante de um juiz togado, que é um técnico imparcial e não se deixa influenciar).
Tal alteração impõe a análise da situação do réu, que permanece algemado durante a Sessão de Julgamento no Tribunal do Júri.
Para o autor Gomes Filho (1992, p. 115):
Especialmente nas hipóteses de julgamento pelo Tribunal do Júri, nas quais não é possível reconstruir a elaboração mental que levou o julgador à decisão, uma vez que não há o dever de motivar, é ainda mais forte a exigência de que se evitem situações em que se possam vislumbrar antecipações, ainda que simbólicas, do reconhecimento da culpabilidade, predispondo do psicologicamente os jurados a uma decisão desfavorável ao acusado (FILHO, 1992, p 115).
 
Nesse sentido, assim já julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Júri – Nulidade – Réu mantido algemado durante os trabalhos sob a alegação de ser perigoso – Inadmissibilidade – Fato com interferência no ânimo dos jurados e, consequentemente, no resultado – Constrangimento ilegal caracterizado – Novo julgamento ordenado – Aplicação do art. 593, III, ‘a’, do CPP. Írrito o julgamento do Júri se o réu permanece algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstância interfere no espírito dos jurados e, consequentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa a nulidade (Apelação n° 74.542-3, 2ª Câmara, rel. des. Renato Talli, julgado em 08 de maio de 1989 – RT 643/285).
 
Contudo, é pertinente dizer que o posicionamento da jurisprudência majoritária é o mais certo e mais aceitável. É de se considerar que os jurados do Tribunal do Júri são pessoas leigas do ponto de vista jurídico. Mas afirmar que a permanência do réu algemado durante a Sessão de Julgamento pode ter o condão de influenciar o Conselho de Sentença a ponto de proferir uma decisão desfavorável ao réu é exagero. Pois, se fossemos pensar dessa forma, também se poderá argumentar que o fato de o réu encontrar-se preso preventivamente e comparecer ao julgamento com as vestes do próprio estabelecimento prisional, também poderá influenciar negativamente aos jurados.
Entende-se que deve prevalecer aqui a mesma regra já mencionada anteriormente nesta explanação, quando da análise do uso de algemas pelo réu durante o seu interrogatório judicial, isto é, se o acusado responde preso ao processo deve ser mantido algemado durante a Sessão de Julgamento. Como já dito, o anseio pela liberdade é inerente ao ser humano e, em sendo assim, melhor que o magistrado se previna quanto a uma eventual possibilidade de fuga. Agindo dessa maneira, o juiz estará resguardando a ordem dos trabalhos e também a segurança de todos os presentes, incluindo o acusado. Até porque, se o juiz pode o mais, que é justamente determinar a retirada do réu da sala, conforme a regra do artigo 497, VI, do Código de Processo Penal, certamente pode o menos, isto é, mantê-lo presente na Sessão, ainda que algemado. 
Portanto, sempre que a autoridade julgar que haja resistência, receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, para o STF, está legitimado o uso de algemas.
 
 
 
 
Há uma celeuma sobre a imposição de algemas sem necessidade em uma pessoa. Discute-se se este ato é considerado crime de abuso de autoridade.
A Lei n°4.619, de 28/04/1965 (que prevê os crimes de abuso de autoridade) conceitua: “considera-se autoridade todo aquele que exerce cargo, emprego ou função pública de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente ou sem remuneração”. Portanto, só comete esse crime aquele que mantenha vínculo profissional com o Estado, conforme a redação do texto legal.
Particular, que faz o uso de algemas em outrem, sem ter o poder de polícia, cometerá outros crimes, tais como: tortura, maus tratos, lesão corporal, entre outros.
A autoridade age discricionariamente, isto é, a lei lhe permite certa margem de escolha, devendo, no entanto, atuar nos estritos limites da lei. Quando a autoridade exorbita o exercício de suas funções, extrapolando os limites legais e, assim, agindo fora dos limites traçados pela lei, ela comete o abuso de autoridade.
Foi sempre difícil precisar os limites impostos à autoridade, quando esta realizava ou determinava o ato de algemar, pois não havia na legislação em vigor regulamentação satisfatória e detalhada sobre o uso das algemas. Há tempos se esperava um regramento de tal matéria pelo legislador, para que o ato de algemar não ficasse a livre critério da autoridade.
O abuso de autoridade pode configurar-se quando há violação ao direito de liberdade. A alínea “a” do artigo 3°, da Lei n° 4.898/65, dispõe que constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção.
O enquadramento nessa alínea pode ser feito quando houver a violação ao direito de locomoção e, para isso, podem ter ou não sido usadas algemas.
Para Moraes (2000): “o direito de locomoção engloba quatro situações: ingressar, sair, permanecer e deslocar-se no território nacional”.
Diante de tal assertiva, o abuso de autoridade ocorre pelo cerceamento do direito de locomoção e não pelas algemas.
Sobre esse assunto, o STF manifestou-se:
É hora de o supremo emitir entendimento sobre a matéria, inibindo uma série de abusos notados na atual quadra, tornando clara, até mesmo, a concretude da lei reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, para a qual os olhos em geral têm permanecido cerrados. A lei em comento – n° 4.898/65, editada em pleno regime de exceção -, no artigo 4°, enquadra como abuso de autoridade cecear a liberdade individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder – alínea ‘a’ – e submeter pessoa sob guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei – alínea ‘b’ (HC 91.952/ SP).
 
O correto uso das algemas não provoca lesão corporal, embora, dependendo do modo de colocação e do seu estado de conservação, ferimentos possam ser causados no contido. Se houver qualquer lesão provocada pelo uso indevido das algemas, o policial responderá por abuso de autoridade em concurso material com o delito que tenha provocado dano à integridade física. Porém, o ato de algemar, de maneira necessária e justificada, que decorre de uma prisão legalmente imposta, não caracteriza abuso de autoridade. Mas se o detido estiver algemado com o fim de exposição a vexame ou constrangimento, poderá ser configurado o crime de abuso.
A simples condução de um preso algemado, ainda que as câmeras televisivas e fotográficas capturem sua imagem (dentro das constitucionais liberdades de imprensa e de informação), não caracteriza o crime acima, pois inexiste o dolo específico de expor e humilhar.
Todavia, diante da edição da Súmula Vinculante n° 11 do STF, já comentada neste trabalho, o quadro jurídico mudou. Pois onde havia diferentes interpretações dentro de uma polêmica jurisprudência, agora existe uma assertiva da Suprema Corte.
A referida súmula prevê que:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
 
Nesse ditame, se fortalece a hipótese de que a responsabilização do crime de abuso de autoridade é do policial ou da autoridade causadora do uso indevido das algemas. Pois a súmula é bem clara em dizer: “...sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
 
 
 

 
 
 
 
 
As algemas necessitam de fundamentos jurídicos para seu uso. Fundamentos estes que estão amparados pelo direito legítimo, conferido pelo Estado, denominado “poder de polícia”. Tal poder é amplo, autorizado desde que o interesse público o exigir, encontrando seu limite no respeito à dignidade da pessoa humana, daquele que irá receber as algemas.
Automaticamente o Estado, que usa as algemas para proteção dos indivíduos, não poderá violar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Poder de polícia:
(...) é definido, por nossa melhor doutrina, como aquele que dispõe a Administração para acondicionar, restringir, frenar atividades e direitos de particulares para a preservação dos interesses da coletividade. Sem dúvida nenhuma, a definição oferecida faz com que o exercício desse poder encontre fundamento na supremacia do interesse público sobre o particular, que norteia todas as atividades administrativas (SPITZCOVSCKY, 2005, p. 66). 
 
O objeto do poder de polícia administrativa é:
todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito, a administração pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução de atividades, como pode condicionar o uso de bens que afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou oponham aos objetivos permanentes da Nação (MEIRELLES, 2000, p. 124).
 
Essa definição, além de ter sido dada pela doutrina, também pode ser encontrada na lei, através do artigo 78 do Código Tributário Nacional:
Artigo 78, in verbis – Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.
Parágrafo único – Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
 
Mesmo que previsto no Código Tributário Nacional, o poder de polícia não se refere apenas a matérias tributárias, como exposto acima.
Poder de Polícia não se refere somente às polícias judiciárias ou militares, sendo conferido a elas, enquanto órgãos integrantes da Administração Pública. O agente de autoridade, independente de sua natureza, quando procede ao ato de algemar, está exercendo o poder de polícia a ele conferido.
Logo, Silva (2008, p. 710) enfatiza que: “com a justificativa de garantir a ordem pública, na verdade, muitas vezes, o que se faz é desrespeitar os direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia”.
Para que o abuso do poder de polícia seja coibido, deve haver um aperfeiçoamento dos agentes do poder estatal, para que conheçam os limites da lei, cumprindo-a de forma consciente.
A Polícia é uma instituição criada para a defesa e garantia da segurança e que todas as suas atividades devem ser desenvolvidas com base nos princípios constitucionais, primando sempre para que sejam estes cumpridos e respeitados, sendo que tal efetivação só se viabiliza através da concessão do poder de polícia a ela concedido pelo próprio Estado. Para que o poder de polícia seja perfeito e uno, não se incorrendo em abuso, já que ainda não há não há lei que trace os exatos freios e limites do algemamento para todas as situações possíveis, temos que fazer uma análise levando em conta o princípio da proporcionalidade, observando nas situações típicas, o cabimento das algemas. Sendo proporcional às necessidades do caso concreto, não haverá abuso.
Para Bastos (1999) ensina sobre o princípio da proporcionalidade que acima menciona-se:
O princípio da proporcionalidade, tal como hoje se apresenta no direito constitucional alemão, na concepção desenvolvida por sua doutrina, em íntima colaboração com a jurisprudência constitucional (cf., v.g., Heck, 1995), desdobra-se em três aspectos, a saber: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. No seu emprego, sempre se tem em vista o fim colimado nas disposições constitucionais a serem interpretadas, fim esse que pode ser atingido por diversos meios entre, entre os quais se haverá de optar. O meio a ser escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir o resultado almejado, revelando conformidade e utilidade ao fim desejado. Em seguida, comprova-se a exigibilidade do meio quando se mostra como ‘o mais suave’ dentre os diversos disponíveis, ou seja, menos agressivo aos bens e valores constitucionalmente protegidos, que por ventura colidem com aquele consagrado na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostra como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores com o mínimo de desrespeito de outros, que a eles se contraponham, observando-se, ainda, que não haja violação do ‘mínimo’ em que todos devem ser respeitados (BASTOS, 1999, p. 59-60).   
 
Outro princípio que se percebe é o da eficiência, pois com o uso das algemas, permite-se a efetiva aplicação da lei penal e o resguardo da segurança pública. Motivo pelo qual, seu uso é meio indispensável à manutenção da segurança pública e para que se assegure a aplicação da lei penal.
 
 
 
 
Assim Moraes (2000) define a dignidade da pessoa humana como:
Uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social (MORAES, 2000, p. 135).
 
Para Santos (1998), a dignidade da pessoa humana é um princípio absoluto:
Neste sentido, ou seja, que a pessoa é um minimum invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, dissemos que a dignidade humana é um princípio absoluto, por quanto repetimos, ainda que se opte, em determinada situação, pelo valor coletivo, por exemplo, esta opção não pode nunca sacrificar, ferir o valor da pessoa (SANTOS, 1998, p. 105).
 
A importância da dignidade é elencada em todos os tratados internacionais. Nesse sentido, o Brasil deu merecido destaque, traçando-a entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, estreando na Constituição Federal em seu parágrafo 1°, inciso III.
Outrossim, Piovesan (2003), em sua obra, destaca a importância e o reconhecimento da dignidade:
Conclui-se que a Declaração Universal de 1948, ao introduzir a concepção contemporânea de direitos humanos, acolhe a dignidade humana como valor a iluminar o universo de direitos. A condição humana é requisito único e exclusivo, reitere-se, para a titularidade, para a titularidade de direitos. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de nenhum outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana se projeta assim, por todo o sistema internacional de projeção. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a roupagem do positivismo jurídico, incorporam o valor da dignidade humana (PIOVESAN, 2003, p.38).
 
 Nesse contexto, a finalidade das algemas não é a de atentar contra a dignidade da pessoa humana. Seu uso devido, legítimo e necessário, não vai de confronto contra tal dignidade. Porém, seu excesso e sua injusta colocação fatalmente estarão ferindo tal princípio.
As algemas são meramente instrumentais, não tendo escopo de pena, castigo ou humilhação. Para alguns autores, o simples fato de algemar configura violação ao princípio da dignidade. Todavia entendo que não é, pois cada caso deve ser analisado em suas particularidades.
Todos devem ter preservada a sua imagem, como proteção à dignidade da pessoa humana.
Conclui-se este capítulo com a idéia central de que não há de se falar em humilhação e ofensa à dignidade humana da pessoa, quando do uso de algemas, pois seu uso não é um castigo, mas sim, uma medida de prevenção à integridade do preso e do agente público, com escopo de cautela entre os interesses da sociedade e do próprio detento.
 
 
 
 

 
           
Após a realização de um estudo das controvérsias do tema em tela, é notório que o emprego de algemas representa um importante instrumento na prática policial, uma vez que possui funções de: proteger a autoridade contra reações do preso; garantir a ordem pública ao obstaculizar a fuga do preso, preservando a sua própria integridade física, que poderia ser colocada em risco com a sua posterior captura pelos policiais em cão de fuga.
Embora tais funções garantam a segurança pública, as algemas devem ser utilizadas com cautela e respaldadas por reservas legais. Pois a má utilização e o desvio de sua finalidade podem constituir drásticas medidas, que ensejam caráter punitivo e vexatório, configurando grave atentado ao princípio constitucional da dignidade humana. Pois, o policial que não adota procedimentos de segurança põe em risco não apenas sua integridade física, mas também a de pessoas.
É positiva a atenção que a sociedade vem dedicando ao uso das algemas, ao trato com o cidadão criminoso, garantindo-lhe seus direitos fundamentais, pois não basta o Estado garantir direitos de um indivíduo, criminoso ou não, mas sim, procurar um equilíbrio entre direitos fundamentais e as possibilidades do Estado.
A edição da Súmula vinculante n° 11 do STF está longe de resolver os problemas relacionados aos critérios para o uso de algemas, na medida em que, sua primeira parte constitui mero reflexo dos dispositivos já existentes em nossa legislação, pois em seus termos, as algemas não são instrumento lógico, natural, obrigatório e permanente de qualquer prisão, tendo como requisito a excepcionalidade.
A referida súmula priorizou, sem dúvida, pela proteção aos interesses individuais de quem está sendo submetido à privação estatal da liberdade.
Embora a edição de tal súmula seja dotada de efeito impeditivo de recursos, seria de suma importância que fosse feita sua revisão, pois muitas questões controvérsias ainda não se encontram pacificadas.
 O princípio da autoridade está deixando de existir. Os motivos de tal situação são vários, mas um dos principais é a impunidade.
Conclui-se que a sociedade precisa recuperar o bom senso ético à aplicação do direito em todo o seu potencial, efetivando os princípios constitucionais e internacionais, preservando a dignidade da pessoa humana.
 
               

 
 
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Comentários e Opiniões

1) João (03/10/2012 às 18:39:14) IP: 187.106.127.54
Creio que matéria é polemica, e deve ser analisado no caso em concreto na teoria é uma coisa, na prática é outra. Muita vezes é melhor prevenir do que remediar, e na maioria das vezes só é algemado quem cometeu alguma coisa e que deu margem para ser algemado, pessoas educadas e cidadãos de bem não são algemados,salvo melhor juízo e análise do fato.


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