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NOVA DECISÃO DO JUIZ QUE ANULOU OUTRA UNIÃO HOMOAFETIVA VIOLOU A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL


Autoria:

Daniel Lobo


Advogado, Pós Graduando em Direito Público.

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Texto enviado ao JurisWay em 08/07/2011.



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                        O juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública de Goiânia anulou novamente um contrato de casal homoafetivo[1].

                        Este cidadão, por ser juiz, sabe, mas prefere fingir não saber que cabe ao STF, dentre outras coisas zelar pela Constituição Federal – CF/88 (art. 102, I, a, e ,III, a, b e c).

                        Ao tomar esta decisão, ele, mais uma vez violou a CF/88. Violou não só porque feriu o princípio da Isonomia previsto no art. 5º que estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros detidos no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança jurídica e à propriedade...” (grifamos), violou também a interpretação que devemos ter da Constituição, que já foi definida pelo STF em recente decisão[2].

                        A Constituição tem como um dos objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV - grifamos), objetivo este também “esquecido” pelo Magistrado, que, além de rasgar a nossa Lei Maior, tem se mostrado um ingrato, já que deve aos homossexuais os seus “15 minutinhos de fama[3]”.

                        O senhor em questão também errou na sua fundamentação ao dizer que “o Judiciário não pode alterar a Constituição”. O judiciário não pode alterar o texto da Constituição (alteração formal), esta sim, somente cabe ao Poder Legislativo, mas alterar a Constituição através da interpretação é uma das funções do Judiciário (alteração informal).

Tal alteração tem o nome de Mutação Constitucional, que nas palavras do professor Luis Roberto Barroso, “é o mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance das normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação no seu texto[4]”.

A Mutação Constitucional permite que a Constituição se adapte às novas realidades sociais, e estas não podem ser desprezadas pelo Direito. Entretanto só é possível o Judiciário utilizar-se de tal instituito se a norma admitir tal interpretação, ou seja, a Mutação Constitucional tem como limite a redação do texto da própria Constituição e, não sendo este possível de se interpretar sem a sua alteração, a mutação em questão será inconstitucional, e chegará o momento da Constituição sofrer uma alteração formal, esta sim, repita-se, somente permitida ao Poder Legislativo, que o fará através da Emendas Constitucionais ou, em casos mais extremos com uma nova Constituição[5].

Para quem não sabe, o juiz é Pastor de uma Igreja Evangélica e admitiu que sua fé o influenciou na decisão, dizendo que “Constituição foi escrita sob a proteção de Deus”, fazendo uma referência ao preâmbulo (único texto constitucional que não tem força normativa)[6] e que “família é aquele núcleo capaz e gerar prole (filhos)”, mesmo não havendo qualquer disposição legal neste sentido. Há sim, no nosso ordenamento, talvez o mais recente, um conceito de família que aceita a hipótese de um casal homoafetivo ser considerado família[7].

Este conceito de família que o juiz apresentou então, não protegeria o casal heterossexual que tivesse um de seus membros estéril, pois este núcleo não seria capaz de gerar prole.

Voltando a questão da fé do juiz e sem querer polemizar (já que não é o objetivo) a Bíblia diz em Matheus 22:21 que Jesus disse: “daí a Cezar o que é de Cezar e a Deus o que é de Deus”, ensiando que devemos cumprir com nossas obrigações de cidadãos e por isso membros de uma sociedade. Ao violar a Constituição, o juiz também violou a sua própria doutrina, já que desrespeitou a decisão no STF e nossa Lei Maior. Se o juiz não concorda com a posição do Supremo (e tem todo o direito) deveria dizer na sentença que homologaria a união homoafetiva pelo fato da questão já ter sido decidida, mas que não concorda com ela.

A postura tomada pelo magistrado contribiu para o abarrotamento do Judiciário, com a insegurança jurídica e com o descrédito da justiça perante o cidadão.

Deus é tão bom que é capaz de perdoar até esta atitude, tomada por uma pessoa não soube separar a Igreja do Estado (a história nos mostra o quanto foi nocivo para a sociedade, a interseção de ambos), e que uma pessoa estudada e culta, deveria ser a primeira a zelar pelo cumprimento do nosso ordenamento jurídico (sobretudo sendo juiz) para promover o que Jesus sempre defendeu, o livre arbítrio das pessoas. Resta agora aguardar uma posição do CNJ para evitar episódios lamentáveis como este.

                       



[1] A matéria sobre o caso pode ser lida em http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/07/juiz-de-goiania-anula-outra-uniao-estavel-entre-homossexuais.html acessada em 02.07.11, às 14:00h.

[2] Decisão conjunta na ADI 4277 e na ADPF 132, julgadas em maio deste ano.

[3] Dentre outras entrevistas, o Magistrado concedeu uma para o Fantástico, da TV Globo, que foi ao ar no dia 26.06.2011, que pode ser conferida em http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1665790-15605,00-ELES+NAO+SAO+UMA+FAMILIA+DIZ+JUIZ+QUE+ANULOU+CASAMENTO+GAY.html .

[4] BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2ª ed. Saraiva, 2010, p.124.

[5] Caso a mundaça que se pretenda fazer seja para alterar o sentido de uma cláusula pétrea, será o momento de convocarmos o Poder Constituinte Originário para produzirmos uma nova Constituição.

[6] O Ministro Celso de Mello assim definiu:“o preâmbulo (...) não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideologicamente do constituinte (...) não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica . ADI 2076-AC, Rel. Min. Carlos Velloso, 15.08.2003, infs. STF nº 277/2002 e 320/2003, 08 a 12.12.2003, apud  Pedro Lenza, que completa: “o preâmbulo não tem relevância jurídica, não tem força normativa, não cria direitos e obrigações, não tem força obrigatória, servindo apenas como norte interpretativo das normas constitucionais. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14ª Ed. Saraiva, 2010, p.143. Alexandre de Moraes concorda: “apesar de não fazer parte do texto constitucional propriamente dito, e consequentemente, não conter normas constitucionais de valor jurídico autônomo (...) o preâmbulo portanto, por não ser norma constitucional, não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal...”, MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 15ª Ed. Altas, 2004, p. 51.

[7] Trata-se do art. 1º, §1º da Lei 10.954/04, in verbis: “Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - família, a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros”.

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