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A constituição econômica brasileira


Autoria:

Faustino Da Rosa Júnior


Advogado, Professor e Pesquisador. Doutorando em Direito. Especialista em Direito do Estado. Laureado e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Professor em diversos Cursos de Pós-Graduação em Direito e Cursos Preparatórios para Concursos.

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Resumo:

Trata-se de um estudo acerca do modelo de constituição econômica adotado pelo Estado brasileiro.

Texto enviado ao JurisWay em 11/03/2011.



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A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA BRASILEIRA

Faustino da Rosa Júnior

 

1. GÊNESE

 

1.1 O “ECONÔMICO” NAS CONSTITUIÇÕES LIBERAIS

A ideia de constituição que o século XVIII consagra como imprescindível à reta organização do Estado descura do elemento econômico. Sua preocupação é com o “político”, com a estruturação de poder e sua limitação, a bem da liberdade individual. Visa a estabelecer uma organização limitativa do poder político que sirva para garantir contra o abuso a liberdade, e as liberdades individuais. Abuso este que, a juízo dos pensadores liberais da época, somente proviria do governo, ou melhor, do rei e seus ministros, como era então o caso. As constituições que formam a primeira geração do constitucionalismo não contêm, por isto, normas destinadas a disciplinar a atividade econômica. Tal omissão, ademais, ajusta-se perfeitamente ao pensamento econômico liberal, segundo o qual a regra de outro seria o laissez faire, laissez passer, devendo o Estado abster-se de ingerência na órbita econômica. Melhor do que ele, mais sabiamente do que ele, a “mão invisível” de que fala Adam Smith regularia a economia[1].

É certo que havia nessas constituições e, mormente, nas declarações de direitos que as precediam ou acompanhavam, normas de repercussão econômica. É o caso, por exemplo, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que a Constituição francesa de 1791, propõe-se a garantir, do princípio geral da liberdade enunciado no Art. 4º e, sobretudo, da afirmação do direito de propriedade, com sua proteção específica (Art. 17); na Declaração de 1793, não só da reafirmação do direito de propriedade (Arts. 16 e 19), como do reconhecimento expresso da liberdade de trabalho, indústria e comércio, essencial para a livre iniciativa (Art. 17) etc. Ou, na Constituição do Império de 1824, não só a consagração do direito de propriedade (Art. 179, nº. 22), da liberdade de trabalho, indústria e profissão (Art. 179, nº. 24), como a expressa proibição das corporações de ofício (Art. 179, nº. 25)[2]. Não havia nelas, contudo, uma disciplina sistemática, ou consciente, da atividade econômica.

Inegavelmente, as constituições promulgadas no curso do século XIX foram repetindo essas regras de repercussão econômica e a elas acrescentando uma ou outra, sempre de modo esparso e assistemático. Assim, a Constituição francesa de 1848, antecipa-se a qualquer outra, na medida em que consagra não apenas a liberdade de trabalho, mas igualmente um direito ao trabalho, que envolve o ensino primário gratuito, a educação profissional, o estabelecimento de “trabalhos públicos próprios para empregar os braços desocupados” etc. (Art. 13). Todavia, foi ao final da primeira guerra mundial que, pela primeira vez, apareceu, na Constituição escrita, um corpo de normas destinado a reger o fato econômico[3].

 

1.2 O “ECONÔMICO” NAS CONSTITUIÇÕES SOCIAIS

Foi a Constituição alemã de Weimar, de 11 de agosto de 1919, que fixou o presente modelo. Esta, de fato, contém uma seção intitulada “Da vida econômica”, na qual estão as grandes linhas de uma regulação sistemática da economia, de uma Constituição “econômica”. Há quem conteste esta primazia, apontando a anterioridade da Constituição mexicana de 1917. Este documento, sem dúvida, antecipa-se no reconhecimento de direitos sociais, como educação (Art. 3º); na previsão de uma reforma da estrutura agrária (Art. 27) etc. Entretanto, nela inexiste sequer um esboço de tratamento sistemático da atividade econômica. Por outro lado, seu reflexo imediato foi reduzido, enquanto a repercussão da Constituição germânica foi instantânea e profunda, na Europa e fora dela. E foi ela e não a mexicana que serviu de inspiração, e foi copiada, às vezes, pelas Constituições da Europa central e báltica, da Espanha (1931), e pela brasileira de 1934[4].

Esse modelo, inclusive, ainda não se exauriu, sendo ainda seguido e aplicado, depois da segunda guerra mundial, pelas Constituições da Itália (1948), da República Federal Alemã (1949) e do Brasil (1946 e 1967). Em todas estas, como na Constituição de Weimar, abre-se espaço para o delineamento de uma disciplina da economia. Enfatize-se, contudo, que o enfoque nesses textos é ainda predominantemente o de garantir ao indivíduo determinados direitos, considerados necessários para a plena expansão de suas virtualidades e, especialmente, para que possa realmente gozar das liberdades públicas e adequadamente participar do exercício do poder. Não existe neles a pretensão de fixar a organização da economia, numa verdadeira constituição da economia, paralela à intenção de estabelecer política, na Constituição (política)[5].

 

1.3 O “ECONÔMICO” NAS CONSTITUIÇÕES SOCIALISTAS

O desiderato de incluir no corpo normativo da constituição tanto a disciplina do político quanto do econômico e do social primeiro se manifestou nas leis fundamentais de inspiração marxista. Assim, tal intenção é patente nas Constituições soviéticas, desde a de 1936, como nas Constituições das “democracias populares” editadas logo nos primeiros anos que se seguiram à segunda guerra mundial. Neste rol ocupa lugar à parte a Iugoslávia, que cedo se desvinculou do padrão moscovita e com a Constituição de 1974 delineou uma economia socialista autogestionária[6].

Ainda por inspiração socialista o mesmo se deu, nos últimos anos, em Portugal, com a Constituição de 1976, e na Nicarágua, com a Constituição de 1986, por exemplo[7].

 

2. A CONSTITUIÇÃO “ECONÔMICA”

O mais significativo é que constituições que rigorosamente não são socializantes, como a espanhola, de 1978, e a brasileira de 1988, também possuem normas que sistematizam a disciplina da economia, a ponto de se poder dizer, a seu respeito, que possuem uma Constituição “econômica” integrada no corpo da Carta Magna. Consagram, assim, um novo tipo[8].

Entretanto, não se deve tomar a expressão “Constituição econômica” num sentido não-jurídico, descritivo. Há entre os economistas, quem o faça, usando da expressão para descrever a organização básica da economia, sua estrutura fundamental, suas leis (no sentido de relações necessárias) que negam a produção, a distribuição e o consumo, ou, mais especificamente, as leis (econômicas) que regem os preços, a moeda, o crédito, o câmbio, etc.

Na verdade, aqui se faz referência à Constituição econômica jurídica. Trata-se da Constituição juridicamente definida da economia[9]. Porém, quanto à Constituição econômica, cumpre também distinguir entre Constituição “material” e Constituição “formal”, tal qual como se dá com a Constituição política.

 

3. CONCEITO

A Constituição econômica é definida, para José Afonso da Silva, a parte da constituição que interpreta o sistema econômico, ou seja, que dá forma ao sistema econômico[10]. Por sua vez, Vital Moreira, considera que a Constituição econômica está constituída pelo conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e caracterizam, por este mesmo motivo, uma determinada ordem econômica[11].

 

4. DIREITO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO

 

4.1 OBJETO

O Direito Constitucional Econômico tem, pois, como objeto as bases da organização jurídica da economia. Sua finalidade é estabelecer o controle da economia, porque esta enseja fenômeno fonte de poder. Consiste, assim, nas normas jurídicas que regem a atuação da pessoa humana, dos grupos sociais e do Estado no domínio econômico. Compreende, portanto, “as normas jurídicas básicas que regulam a economia, disciplinando-a, e especialmente controlam o poder econômico, limitando-o, com o fito de prevenir-lhe os abusos[12].

 

4.2 CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA FORMAL

Como se costuma fazer com a constituição política, também cabe, com referência à constituição econômica, estabelecer sua conceituação tanto formal como material. Assim, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

A Constituição econômica formal é o conjunto de normas que, incluídas na constituição, escrita, formal do Estado, versam o econômico.[13]

Inexistindo até hoje a formulação da constituição econômica num documento exclusivo, esta constituição aparece nos tetos escritos como uma espécie de complemento, ou apenso, da constituição política. Entretanto, isto é um fenômeno decorrente da história, visto como, bem antes de surgir a preocupação de controlar o poder econômico, já era o poder político objeto de disciplinamento constitucional.

A primeira tentativa de dar-se tratamento constitucional sistematizado ao fenômeno econômico está, como se viu acima, na Constituição alemã de Weimar de 11 de agosto de 1919. As constituições liberais não possuíam normas que visassem diretamente à disciplina da economia, conquanto nelas houvesse regras de repercussão econômica[14].

Porém, o modelo de Weimar não importava num tratamento completo da matéria econômica. Longe mesmo fica de abordar todos os pontos fundamentais de uma ordenação jurídica da economia. Contém, sobretudo, afirmações de princípio, não raro declarações cheias de intenções generosas, bem como numerosos lugares comuns.

Todavia, é indiscutível que, nessa Constituição, como nas que lhe seguiram os passos, encontra-se uma Constituição econômica formal, na medida em que existem regras formalmente constitucionais que definem pontos fundamentais da organização jurídica da economia[15].

 Portanto, existe nas constituições que, primeiramente, incluíram uma disciplina mais ou menos completa e sistemática da economia, uma Constituição econômica formal. É o que ocorreu com Portugal, em 1976, com a Espanha, em 1978, e com o Brasil, em 5 de outubro de 1988.

 

4.3 CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA MATERIAL

Analisada sob o ponto de vista (ou sentido) material, segundo ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

(...) a Constituição econômica abrange todas as normas que definem os pontos fundamentais da organização econômica, estejam ou não incluídas no documento formal que é a constituição escrita.[16]

Inclusive é comum que a Constituição econômica material seja mais extensa que a constituição formalizada. Portanto, as regras jurídicas que integram a constituição material, caracterizam-se não pela forma e sim pelo seu conteúdo. Este conteúdo, ou matéria, é o fundamental para a organização da economia.

 

4.4 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA MATERIAL

Convém delimitar-se o que exatamente compreende a “matéria” da Constituição econômica, assim como quais são os seus pontos essenciais, sob o aspecto material. Neste âmbito, conforme os ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, indiscutivelmente, incluem-se:

(1) A definição do tipo de organização econômica, que de perto se relaciona com (2) a delimitação de campo entre iniciativa privada e pública, e mais (3) a determinação do regime básico dos fatores de produção, capital e trabalho, tudo isto encimado pela (4) finalidade atribuída à atividade econômica.[17]

 

5. EFEITOS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO ECONÔMICO

Em sendo a Constituição econômica considerada aquela parcela da constituição diretamente direcionada à regulação da economia no âmbito estatal, tal processo de constitucionalização imprime dois principais efeitos direcionados especificamente ao tratamento, no âmbito prático, dado à ordem econômica.

Em primeiro lugar, ao ser constitucionalizado, o sistema econômico, no âmbito normativo de aplicação (interpretação), acaba recebendo a influência de toda a sistemática normativa constitucional, na medida em que a ordem econômica e financeira torna-se uma parte da constituição formal, ou seja, uma parte do texto constitucional e nele se integra, daí porque os critérios juspolíticos e as exigências de índole material e formal imputadas às demais proposições constitucionais, serão também aplicadas às proposições constitucionais de regulação da economia.

Logo, a interpretação, a aplicação e a execução dos preceitos que compõem a Constituição econômica passam a reclamar, com a sua respectiva constitucionalização, o ajustamento permanente das regras da ordem econômica e financeira às disposições do texto constitucional que se encontram nas outras partes da constituição, uma vez que sua totalidade textual é indissociável, posto que a constituição constitui um sistema. Desta feita, o grande efeito gerado por tal constitucionalização é que os preceitos constitucionais relativos à ordem econômica e financeira ficam submetidos e devem, portanto, harmonizarem-se aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e do Estado democrático constitucional de direito.

Em segundo lugar, os preceitos econômicos incorporados à constituição servem como fundamento ou parâmetro de análise para todas as atuações econômicas no âmbito do Estado, em especial para as condutas dos poderes públicos concernentes às intervenções na economia.

 

6. A ORDEM ECONÔMICA

O termo “ordem econômica” determina a idéia da ordem econômica, enquanto manifestação do dever-ser, ou seja, como parcela do direito que cuida das questões de relevância econômica, institucionalizando uma determinada ordem (ordenação, regulamentação) no mundo do ser (forma econômica).

Assim, pode-se dizer que a ordem econômica constitucional consiste no conjunto de preceitos normativos que optam e operacionalizam uma determinada ordem econômica no sentido concreto. Neste sentido, segundo ensina Eros Grau, na medida em que se designa o conjunto de normas e de instituições jurídicas que têm por objeto as relações econômicas, a ordem econômica acaba abrangendo necessariamente planos jurídicos distintos (direitos público e direito privado) e ramos jurídicos diversos (direito empresarial, direito civil, direito do trabalho, direito administrativo, etc.)[18].

Todavia, a Constituição econômica não se confunde com a ordem econômica. Na verdade, esta última é muito mais abrangente que àquela. A ordem econômica constitui-se por todas as proposições normativas ou instituições jurídicas que têm por objeto as relações econômicas. Dentre estas, somente algumas possuem hierarquia constitucional e, assim, compõem a Constituição econômica.

 

7. AS NORMAS ECONÔMICAS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Sistematicamente, apontar-se-á agora as principais normas econômicas nas constituições brasileira. Para tanto, utilizar-se-á as observações formuladas por Maria Cristina de Brito Lima[19]:

¨ Constituição do Império, de 1824: sua fonte inspiradora foi a Constituição francesa, de 1814, e deu-se o primeiro passo na garantia do direito de propriedade em toda a sua plenitude, na forma do artigo 179, incisos XXII e XXVI[20]. Outro passo foi quanto à liberdade de iniciativa e de concorrência, evidenciados nos incisos XXIV e XXV, do mesmo artigo[21]. Assim, a Carta Magna de 1824 evidenciou o primado da iniciativa privada, que era assegurado pela abolição das corporações de ofícios, pela garantia do direito da propriedade e, em especial, pela consagração da liberdade de indústria e do comércio e da liberdade de associação.

¨ Primeira Constituição da República, de 1891: abraçando a liberdade profissional através do seu artigo 72, §24[22], apontou o grau de intervenção do Estado na conformação econômica da população.

¨ Constituição de 1934: foi a primeira das Constituições do Brasil a instituir expressamente uma ordem econômica, de maneira apartada em seu título IV, Arts. 115 a 143. Esta Constituição sofreu forte influência da Constituição alemã de Weimar, de 1919, e criou um capítulo especial com o título “Da Ordem Econômica e Social”. A inscrição de normas de caráter social e econômico com o fim de assegurar os interesses do Estado para melhor assegurar os interesses da coletividade, procurando, sobretudo, amparar as classes menos favorecidas da fortuna – constitui a característica predominante das modernas Constituições[23].

¨ Constituição de 1937 (Polaca): esta Constituição dedicou inúmeros artigos à ordem econômica, tendo se estabelecido no país uma ditadura; consagrou um período fértil em decretos-leis, estes devendo ser consideradas fontes (efetivas) das normas econômicas que então vigorariam. Celso Bastos comenta que, na Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, pretendeu-se substituir o capitalismo por uma economia corporativista, na qual a economia de produção deveria ser organizada em corporações colocadas sob a assistência e a proteção do Estado. Além disto, eram entendidas como órgãos do Estado, exercendo funções delegadas do poder público (Art. 140). Assim, pode-se concluir que tal constituição sofreu o influxo histórico da época, evidenciado na consagração, em seu Art. 140, do corporativismo, então vigente na Itália e em Portugal[24].

¨ Constituição de 1946: Restabeleceu o sistema de 1934, de economia capitalista de mercado. Orientou-se no sentido de um neoliberalismo econômico, que conciliava a iniciativa individual com a intervenção do Estado, sem, entretanto, disciplinar os detalhes deste mecanismo, tarefa destinada ao legislador ordinário.

¨ Constituição de 1967: Embora tivesse fixado os princípios fundamentais do ordenamento econômico, na linha traçada pela Constituição de 1946, todavia, a ordem econômica não é explícita, possuindo contornos imprecisos.

¨ Emenda Constitucional nº. 1, de 1969: aqui a ordem econômica teria como finalidade realizar o desenvolvimento nacional, ao lado da já consagrada justiça social. Acrescentava-se, ainda, como princípio, dentre outros, a expansão das oportunidades de emprego produtivo (inc. VI) que, em 1998, vai se tornar a busca do pleno emprego e, por fim, mencione-se a consagração, na época, da harmonia e da solidariedade entre as categorias sócias de produção (inc. IV).

¨ Constituição de 1988: pretendeu operar uma profunda mudança na concepção econômico-intervencionista do Estado, estabelecendo um regime bem mais liberal do que o anteriormente vigente, reiterando a adoção do sistema capitalista de economia descentralizada, baseada no mercado. Estabeleceu competências para legislar sobre assuntos econômicos (Arts. 22, VIII, e 24, V, da CR).

 

8. RECENTES REFORMAS ECONÔMICAS

As recentes reformas econômicas brasileiras envolveram, segundo Maria Cristina de Brito Lima[25], três transformações estruturais que se complementam, mas não se confundem. Duas delas tiveram de ser precedidas de emendas à constituição, ao passo que a terceira fez-se mediante a edição de legislação infraconstitucional e a prática de atos administrativos.

A primeira transformação substantiva da ordem econômica brasileira consistiu na extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro. Sucede que a Emenda Constitucional nº. 6, de 15.08.95, suprimiu o Art. 171 da Constituição, que trazia a conceituação de empresa brasileira de capital nacional e admitia a outorga a elas de proteção, benefícios especiais e preferências[26].

A referida emenda modificou a redação do Art. 176, caput, para permitir que a pesquisa e a lavra de recursos minerais, assim como o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica sejam concedidos ou autorizados a empresas constituídas sob as leis brasileiras, dispensada a exigência do controle do capital nacional. No mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº. 7, de 15.08.95, modificou o Art. 178, não mais exigindo que a navegação de cabotagem e interior seja privativa de embarcações nacionais e a nacionalidade brasileira dos armadores, proprietários e comandantes e, pelo menos, de dois terços dos tripulantes[27].

Mais recentemente ainda, foi promulgada a Emenda Constitucional nº. 36, de 28.05.02, que permitiu a participação de estrangeiros em até trinta por cento do capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão[28].

A segunda linha de reformas que modificaram a feição da ordem econômica brasileira foi a chamada flexibilização dos monopólios estatais. A Emenda Constitucional nº. 5, de 15.08.95, alterou a redação do § 2º, do Art. 25, abrindo a possibilidade de os Estados-membros concederem às empresas privadas a exploração dos serviços públicos locais de distribuição de gás canalizado, que, anteriormente, só podiam ser delegados a empresa sob controle acionário estatal[29]. O ocorreu com relação aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

É que a Emenda Constitucional nº. 8, de 15.08.95, modificou o texto dos incisos XI e XII, que só admitiam a concessão à empresa estatal. E, na área do petróleo, a Emenda Constitucional nº. 9, de 09.11.95, rompeu, igualmente, com o monopólio estatal, facultando à União Federal a contratação com empresas privadas de atividades relativas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e transporte dos produtos e derivados básicos de petróleo (outrora vedados pelo Art. 177, da CR, e pelo § 1º, da Lei nº. 2.004/51)[30].

A terceira transformação econômica de relevo – a denominada privatização – operou-se sem alteração do texto constitucional, com a edição da Lei nº. 8.031, de 12.04.90, que instituiu o Programa Nacional de Privatização, depois substituída pela Lei nº. 9.491, de 9.09.97. Entre os objetivos fundamentais do programa incluíram-se, nos termos do Art. 1º, incisos I e IV: (a) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; (b) contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia[31].

Ressalta-se ainda que, além das Emendas Constitucionais números 5, 6, 7, 8 e 9, assim como da Lei nº. 8.031/90, os últimos anos foram marcados por uma fecunda produção legislativa em temas econômicos, que inclui diferentes setores, como: energia (Lei nº. 9.247, de 26.12.96), telecomunicações (Lei nº. 9.472, de 16.07.97) e petróleo (Lei nº. 9.478, de 6.08.97), com a criação das respectivas agências reguladoras; modernização dos portos (Lei nº. 8.630, de 25.02.93) e defesa da concorrência (Lei nº. 8.884, de 11.06.94); concessões e permissões (Lei nº. 8.987, de 13.02.95, e Lei nº. 9.074, de 7.07.95), para citar alguns exemplos[32].

Ademais, conforme ressalta Maria Cristina de Brito Lima[33], há que se assinalar que a redução expressiva das estruturas públicas de intervenção direta na ordem econômica não produziu um modelo que possa ser identificado com o de Estado mínimo. Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas. O Estado, portanto, não deixou de ser um agente econômico decisivo. Para comprovar o presente argumento, basta examinar-se a profusão de textos normativos editados nos últimos anos.

Assim, a mesma década de 90, na qual foram conduzidas a flexibilização de monopólios públicos e a abertura de setores ao capital estrangeiro, foi cenário da criação de normas de proteção ao consumidor em geral e de consumidores específicos, como os titulares de planos de saúde, os alunos de escolas particulares e os clientes de instituições financeiras[34]. Foi também nesse período que se introduziu no país uma política específica de proteção ao meio ambiente[35], limitativa da ação dos agentes econômicos, e estruturou-se um sistema de defesa e manutenção das condições de livre concorrência[36] que, embora longe do ideal, constituiu um considerável avanço em relação ao modelo anterior. Foi justamente neste contexto que despontaram as agências reguladoras, como instrumento efetivo de atuação estatal na fiscalização da realização das atividades econômicas[37].

 



[1] SMITH, Adam. Da riqueza das nações. São Paulo: Abril, 1983, Vol. 1, p. 379.

[2] FERREIRA FILHO, op. cit., p. 348.

[3] Idem, ibidem.

[4] Idem, p. 348-349.

[5] Idem, p. 349.

[6] Idem, ibidem.

[7] Idem, ibidem.

[8] Idem, p. 349-350.

[9] Idem, p. 350.

[10] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 765.

[11] VITAL MOREIRA. Economia e constituição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 5.

[12] FERREIRA FILHO, op. cit., p. 350.

[13] Idem, p. 350.

[14] Idem, p. 350-351.

[15] Idem, p. 351.

[16] Idem, p. 351.

[17] Idem, ibidem.

[18] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 71.

[19] LIMA, op. cit., p. 7-9.

[20] XXII. É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização” (...) “XXVI. Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda, que hajam de sofrer pela vulgarização”.

[21] XXIV. Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos”,XXV. Ficam abolidas as corporações de ofícios, seus juízes, escrivães e mestre.

[22] §24. É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”.

[23] CASTRO, Araújo. A nova constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953, p. 454.

[24] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 448.

[25] LIMA, op. cit., p. 9.

[26] Idem, ibidem.

[27] Idem, p. 9.

[28] Idem, ibidem.

[29] Idem, ibidem.

[30] Idem, p. 9-10.

[31] Idem, p. 10.

[32] Idem, ibidem.

[33] Idem, ibidem.

[34] Neste período, foram editados os seguintes diplomas normativos: Lei nº. 8.078, de 11.09.90 (Código de

Defesa do Consumidor); Lei nº. 9.394, de 20.12.96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação); Lei nº. 9.656, de 03.06.98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde); Lei nº. 9.870, de 23.11.99 (anuidades escolares); Lei nº. 10.167 de 27.12.00 (banimento à publicidade de cigarros); Lei complementar nº. 109 de 29.05.01 (disciplina a previdência privada); Resolução BACEN nº. 2.878, de 26.07.01 (procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral).

[35] Lei nº. 9.605, de 12.2.98 (Lei do Meio Ambiente e dos Crimes Ambientais).

[36] Lei nº. 8.158, de 08.01.91 (já revogada; instituía normas para a defesa da concorrência); Lei nº. 8.884, de 11.6.94 (Lei de Defesa da Ordem Econômica); Lei nº. 9.021, de 30.03.95 (Lei de implementação do CADE).

[37] Texto integral do capítulo com o mesmo nome de BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do Estado e legitimidade democrática.

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