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Processo Administrativo Disciplinar Militar


Autoria:

Adalberto José Moreira


Adalberto José Moreira, Advogado, especializado em Direito e Processo Penal, e em Direito Público.

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Texto enviado ao JurisWay em 05/03/2011.



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PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR

 

Adalberto José Moreira[1]

Prof. Miguel Salih El Kadri Teixeira[2]


 

RESUMO

 

O Direito Administrativo Disciplinar Militar é o ramo do direito que se dedica ao estudo das relações que ocorrem entre a Administração Pública Militar, Estadual ou Federal, e os seus integrantes. O advento da Constituição Federal de 1988 trouxe para o direito administrativo novas regras que modificaram os regulamentos anteriormente existentes, que não se encontra em conformidade com o vigente texto constitucional. A prática de uma transgressão disciplinar faz surgir para a Administração Militar o que se denomina de jus puniendi (direito de punir), que somente poderá ser exercido após o processo administrativo, que passou a ser denominado pela doutrina de processo administrativo disciplinar militar.

 

A submissão do Poder Público ao ordenamento jurídico é um traço distintivo do Estado Democrático de Direito. No Brasil, a adoção desse modelo de Estado implica a existência de um conjunto de princípios e regras aplicável à Administração Pública, de sorte que, no desempenho de suas funções, deverá ela observar o regime jurídico-administrativo que lhe é imposto tanto pelo texto constitucional quanto pelas normas infraconstitucionais. Todavia, a despeito dessa regulação prevista em lei, a complexidade das relações sociais inviabiliza a previsão legal de todas as situações que porventura venham a acontecer na sociedade. Daí porque o legislador confere ao administrador certa margem de liberdade, com o intento de que seja adotada, no caso concreto, a alternativa que mais atenda ao interesse público em causa. É o que se denomina de discricionariedade administrativa.

 

Palavras-chave: Administração Pública Militar. Direito Administrativo Disciplinar Militar. Processo Administrativo Disciplinar Militar.

 

ABSTRACT


The Administrative Law Military Discipline is the branch of law that is dedicated to the study of the relations between the military government federal, state, and its members. The advent of the Constitution of 1988 brought to the administrative law new rules that modified the previously existing regulations, which are not in accordance with the existing constitutional text. The practice of a disciplinary offense gives rise to the Military Administration which is called poniard ambit of jus (right to punish), which may only be exercised through an administrative process, which became known as the doctrine of military administrative disciplinary proceedings.

The submission of the government the legal system is a hallmark of a democratic state. In Brazil, the adoption of state model implies the existence of a set of principles and rules applicable to government, so that in carrying out its functions, it must observe the legal and administrative regime that is imposed by both the constitutional text regarding the standards under the Constitution. However, despite this regulation provided by law, the complexity of social relations undermines the legal provision for all situations that may come to pass in society. That is why the legislature gives the administrator some margin of freedom, with the intent that is adopted in this case, the alternative that best meets the public interest involved. This is what is called administrative discretion.

Key-words: Administrative Procedure Military Discipline. Military Disciplinary Administrative Law. Public Administration Military.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito Administrativo. 2.1. Fontes do Direito Administrativo. 2.2. O Direito Administrativo no Brasil. 2.3. Atos administrativos. 2.3.1. Classificação dos Atos Administrativos - quanto ao seu regramento. 2.4. Atos administrativos na esfera Policial Militar. 2.4.1. Requisitos do ato disciplinar. 3. Poder Disciplinar. 3.1. Fases do processo administrativo disciplinar. 3.2. Princípios constitucionais que norteiam o processo administrativo disciplinar. 3.3. Processo Administrativo Disciplinar Militar. 3.4. Recursos Administrativos Disciplinar. 4. Conclusão.

 

 

1.     INTRODUÇÃO

O direito é um conjunto de normas que disciplinam a vida em sociedade. Derivado do latim – directum, dirigere –, que tem a significação de dirigir, de ordenar, de correto, de endireitar. Também se usa expressão em jus, como sinônimo de direito.

A partir destes pressupostos, pode-se definir o Direito como sendo primeiro, uma medida de controle social, que se constitui em regras de condutas bem definidas, normalmente escritas, de caráter genérico, abstrato, feitas para o futuro, que obriga a todos, tendo por finalidade equilibrar e harmonizar as relações sociais.

De acordo com MANOEL e ARDUIN (2004, p. 06), o Direito Disciplinar, como instituição autônoma de Direito, é criação recente e evoluiu da relação jurídica estabelecida entre os servidores públicos e a Administração Pública. Sua normatização e princípios são definidos pelo Direito Administrativo.

Pode-se dizer que o Direito Disciplinar regula o estabelecimento da relação jurídica processual que se firma entre o servidor público – civil ou militar – e a Administração Pública, tendente à apuração de faltas funcionais e aplicação de penas disciplinares, de acordo com as previsões estatutárias ou regulamentações específicas.


2. DIREITO ADMINISTRATIVO

Bandeira de Mello (2007, p. 27) define o Direito administrativo como sendo o ramo do direito público que disciplina o exercício da função administrativa, assim como os órgãos que a desempenham.

O Direito Administrativo teve origem na França do Século XVIII, notadamente com a Revolução Francesa de 1789. Antes disso, havia regras administrativas que regulavam as atividades do Estado. Somente com o surgimento do Estado de Direito é que o Direito Administrativo ganha contornos científicos e autonomia em relação aos demais ramos da Ciência Jurídica.

O Estado de Direito é aquele que se subordina ao Direito, vale dizer, que se sujeita às normas jurídicas reguladoras de sua ação. Antes do seu surgimento, vigorava o Estado de Polícia, que apenas submetia os indivíduos ao Direito, mas não se sujeitava a ele. Segundo José Afonso da Silva (2009), são características do Estado de Direito: submissão ao império da lei; divisão de poderes; e enunciado e garantia dos direitos individuais.

É de se ressaltar que as idéias revolucionárias visavam a combater o poder absoluto do Rei, de modo a fazer com que o Estado respeitasse os direitos individuais. A superioridade atribuída ao Estado em suas relações com o particular, anteriormente referida, tinha como fundamento assegurar o bem-estar social de todos, finalidade do Estado moderno. Buscava-se a submissão do Estado à lei e a separação de Poderes para combater os desmandos do governante e propiciar existência digna a todos. Não é sem razão que Bandeira de Mello (2007, p. 255) assevera:

O Direito Administrativo não é um Direito criado para subjugar os interesses ou os direitos dos cidadãos aos do Estado. É, pelo contrário, um Direito que surge exatamente para regular a conduta do Estado e mantê-la afivelada às disposições legais, dentro desse espírito protetor do cidadão contra descomedimentos dos detentores do exercício do Poder estatal. Ele é, por excelência, o Direito defensivo do cidadão – o que não impede, evidentemente, que componha como tem que compor as hipóteses em que os interesses individuais hão de se fletir aos interesses do todo, exatamente para a realização dos projetos de toda a comunidade, expressados no texto legal.

 

O dogma da separação dos Poderes na França pós-revolucionária foi tamanho que se procurou negar ao Judiciário a competência para julgar causas que envolvessem a Administração Pública, sob o argumento de que isso significaria interferência indevida de um Poder em outro. No Antigo Regime francês (período absolutista), a função jurisdicional invadia constantemente as atribuições administrativas, usurpando, por meio de decisões judiciais, competências dos órgãos administrativos.

Com isso, a própria Administração passou a ser competente para julgar as contendas propostas contra ela, por meio de recursos hierárquicos. Era o sistema do Administrador-juiz, que teve curta duração, mas teve o mérito de instaurar o controle da Administração no novo regime.

Em 1799, foi criado o Conselho de Estado, inicialmente com competências meramente consultivas e recursais das decisões dos órgãos administrativos de primeira instância (Ministros das pastas correspondentes). O Conselho apenas propunha a decisão a ser tomada pelo Chefe de Estado, que, no entanto, na maioria das vezes, limitava-se a homologar a decisão do Colegiado. O período em questão ficou conhecido como o da “justiça retida”.

Em 1872, foi extinta a necessidade de homologação das decisões do Conselho pelo Chefe de Estado, o qual manteve, porém, o poder de revisá-las (embora na prática não o fizesse). Esse sistema ficou conhecido como o da “justiça delegada”. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007), a partir desse ano o Conselho de Estado passou a exercer função verdadeiramente jurisdicional, com suas decisões deixando de submeter-se ao chefe de Estado.

Foi assim que surgiu o sistema Frances de dualidade da jurisdição ou contencioso administrativo, em que órgãos distintos – os tribunais do poder judiciário e os tribunais administrativos – possuem competência para dizer o direito com força de coisa julgada.

As decisões do conselho de estado formaram a grande base teórica do direito administrativo, difundindo-se da frança para outros países, inclusive o Brasil. Ressalta-se, contudo, que em nosso país, não foi adotado o sistema dual do conselho do contencioso administrativo, mas o sistema de jurisdição única ou sistema inglês, em que todos os litígios são sempre decididos pelo poder judiciário, conforme dispõe o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.

De acordo com Leandro Cadenas (in. www.algosobre.com.br), o Direito Administrativo, como ramo autônomo da maneira como é visto atualmente, teve seu nascimento nos fins do século XVIII, com forte influência do direito francês, tido por inovador no trato das matérias correlatas à Administração Pública.

O Direito Administrativo integra o ramo do Direito Público, cuja principal característica encontra-se no fato de haver uma desigualdade jurídica entre cada uma das partes envolvidas. Assim, de um lado, encontramos a Administração Pública, que defende os interesses coletivos, de outro, o particular. Havendo conflito entre tais interesses, haverá de prevalecer o da coletividade, representado pela Administração.

Sabe-se que a República Federativa do Brasil, nos termos da CF/88, é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (art. 1º). Em seu art. 2º, determina a divisão dos Poderes da União em três, seguindo a tradicional teoria de Montesquieu, ou seja, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si.

 

2.1. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

 

Diz-se fonte à origem, lugar de onde provém algo. No caso, de onde emanam as regras do Direito Administrativo. Luiz Cézar Dias Jorge (2009) em seu blog - blog.luizcezar.adm.br, aponta quatro principais fontes do direito administrativo:

Como fonte primária, principal, tem-se a lei, em seu sentido genérico, “latu sensu”, que inclui, além da Constituição Federal, as leis ordinárias, complementares, delegadas, medidas provisórias, atos normativos com força de lei, e alguns decretos-lei ainda vigentes no país.

Denomina-se jurisprudência o conjunto de decisões do Poder Judiciário na mesma linha, julgamentos no mesmo sentido. Então, pode-se tomar como parâmetro para decisões futuras, ainda que, em geral, essas decisões não obriguem a Administração quando não é parte na ação. Diz-se em geral, pois, na CF/88, há previsão de vinculação do Judiciário e do Executivo à decisão definitiva de mérito em Ação Declaratória de Constitucionalidade - art. 102, §2º.

A doutrina é a teoria desenvolvida pelos estudiosos do Direito, materializada em livros, artigos, pareceres, congressos, etc. Assim como a jurisprudência, a doutrina também é fonte secundária e influencia no surgimento de novas leis e na solução de dúvidas no cotidiano administrativo, além de complementar a legislação existente, que às vezes é falha e de difícil interpretação.

Por fim, os costumes, que nos dias de hoje têm pouca utilidade prática, em face do citado princípio da legalidade, que exige obediência dos administradores aos comandos legais. Além dessas, são também consideradas fontes do Direito Administrativo, aceitos pela doutrina, os Princípios Gerais do Direito (JORGE, 2009).

 

2.2. O DIREITO ADMINISTRATIVO NO BRASIL

 

O ponto de partida da elaboração do direito administrativo no Brasil situa-se na criação da cátedra da matéria na Faculdade de Direito de São Paulo e do Recife, em 1851. Já havia cátedras na França e na Itália. Em Portugal se instituíra uma cátedra coletiva para o direito administrativo, constitucional e internacional público. Por outro lado, muitas obras da matéria, publicadas na Europa, tiveram repercussão no Brasil (PALERMO, 2001).

A primeira obra de direito administrativo vem à luz em 1857, de autoria de Vicente Pereira do Rego, editada em Recife, sob o título: Elementos de direito administrativo brasileiro comparado com o direito administrativo francês segundo o método de P. Pradier – Foderé.

Nesse grupo de iniciadores da doutrina do direito administrativo pátrio, nota-se a predominante influência francesa, vindo em seguida a portuguesa, a espanhola e a belga, não somente pela bibliografia citada, mas em virtude do teor dos temas expostos (PALERMO, 2010). Tais obras refletem idéias típicas do século XIX no tocante ao Estado, à natureza da atividade administrativa, ao Poder Executivo, ao Estado e sociedade.

A partir daí o direito administrativo pátrio se desenvolve e se consolida, com predomínio da linha francesa, seguida da italiana e da alemã. Para tanto, além dos valiosos trabalhos doutrinários em livros e artigos, contribuíram os tribunais do Judiciário, com decisões de relevo que fixaram diretrizes fundamentais na matéria.

 

2.3. ATOS ADMINISTRATIVOS

 

Para Hely Lopes Meirelles (2007, p. 150) os atos administrativos são espécie do gênero ato jurídico. Fazendo uma rápida recordação, podemos afirmar que tudo aquilo que interessa ao Direito, ou seja, todos os fenômenos, naturais ou humanos, a que o Direito atribui significação e aos quais vincula conseqüências jurídicas, compõem os denominados fatos jurídicos em sentido amplo. Esses fatos jurídicos em sentido amplo subdividem-se em:

a) Fatos jurídicos em sentido estrito: são eventos da natureza, ou seja, fatos que não decorrem diretamente de manifestação de vontade humana, dos quais resultam conseqüências jurídicas. Exemplos: a passagem do tempo, o nascimento, a morte, etc.

 

b) Atos jurídicos: são eventos decorrentes diretamente de manifestação de vontade humana, dos quais resultam conseqüências jurídicas. As manifestações de vontade e os atos jurídicos conseqüentes podem ser unilaterais (ex: a promessa de recompensa), bilaterais (ex: os contratos em geral) ou plurilaterais (ex: o contrato de sociedade) (Meirelles, 2007, p. 150).

 

Feita a rápida digressão acima, podemos afirmar que o ato administrativo é um ato jurídico, decorrente de ação humana, voluntária e lícita, praticada com a intenção de obter um resultado jurídico. Da mesma forma, veremos que o ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da administração pública.

Assim, pode-se adotar o conceito elaborado por Hely Lopes Meirelles (2007, p. 150), segundo o qual:

[...] “ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos praticados pelo agente público no exercício de suas funções, usando de sua autoridade de Poder Público, devendo revestir-se de certos elementos e requisitos, para que, de conformidade com a lei, se torne perfeito, válido e eficaz.

 

Deve-se ressaltar que no exercício da atividade pública geral três distintas categorias de atos podem ser reconhecidas, cada qual sendo o ato por excelência de um dos Poderes do Estado: atos legislativos (elaboração de normas primárias); atos judiciais (exercício da jurisdição) e atos administrativos.

 

2.3.1. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS - quanto ao seu regramento

 

Embora uma quase infinidade de classificações tenham sido propostas para os diversos atos administrativos, entendemos que a mais importante é a que os distingue em atos vinculados e atos discricionários.

O ato vinculado é aquele em que a lei estabelece todos os requisitos e condições de sua realização, sem deixar qualquer margem de liberdade ao administrador, ou seja, todos os elementos do ato estão vinculados ao disposto na lei.

Já o ato discricionário é aquele que a Administração pode praticar com certa liberdade de escolha, nos termos e limites da lei, quanto ao seu conteúdo, seu destinatário, seu modo de realização, sua oportunidade e sua conveniência administrativa. A discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo.

A atividade discricionária não dispensa a lei, nem se exerce sem ela, senão com observância e sujeição a ela. Discricionário, não pode prescindir de certos requisitos, tais como a competência legal de quem o pratica, a forma prescrita em lei ou regulamento e o fim indicado no texto legal em que o administrador se apóia.

 

2.4. ATOS ADMINISTRATIVOS NA ESFERA POLICIAL MILITAR

 

O ato disciplinar nada mais é do que um ato administrativo, através do qual a Administração Pública Militar materializa suas ações. Difere dos atos legislativos e judiciais, que dizem respeito ao exercício da competência constitucional do Poder Legislativo e Judiciário, respectivamente, embora estes poderes, na relação funcional-administrativa, também pratiquem atos dessa natureza (MANOEL; ARDUIN, 2004, p. 16).

Esse conceito só abrange o ato unilateral, excluindo os contratos administrativos que são atos bilaterais. Por fim, resta inferir e caracterizar que é Ato Disciplinar:

O Ato Disciplinar é um ato administrativo, praticado de forma unilateral pela Administração Pública Militar, vinculado e discricionário, para a imposição de medida ou sanção disciplinar ao transgressor da disciplina militar no caso concreto, velando e aperfeiçoando o serviço público, em prol da coletividade (MANOEL; ARDUIN, 2004, p. 17).

 

É um ato administrativo de controle funcional da atividade e comportamento desenvolvido pelo Militar Estadual.

 

2.4.1. REQUISITOS DO ATO DISCIPLINAR

 

O Ato Disciplinar, para ser considerado válido, deve obedecer aos requisitos comuns a todos os atos administrativos: competência, formalidade, legalidade, finalidade, motivo, objeto e razoabilidade. O controle judicial do ato administrativo restringe-se aos requisitos vinculados, pois os discricionários dizem respeito à apreciação do mérito administrativo. Muitos autores excluem dos requisitos do ato administrativo/disciplinar a legalidade e a razoabilidade, por entender já estarem contemplados nos outros. Coloca-se dessa forma, ampliando os requisitos, para mais ênfase desses dois aspectos do ato disciplinar (MANOEL; ARDUIN, 2004, p. 17).

     a) Competência: segundo o Professor Caio Tácito, citado por Manoel e Arduin (2004), “não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A competência é sempre um elemento vinculado, objetivamente fixado pelo legislador”. Nenhum ato disciplinar poderá ser considerado válido, se for praticado por agente incompetente.

De acordo com o que define o Art. 10 do RDE (Regulamento Disciplinar do Exército), aplicado às Polícias Militares, “a competência para aplicar as punições disciplinares é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico”.

Na Polícia Militar do Paraná, a competência disciplinar para a aplicação de punições disciplinares é estabelecida pelo RISG (Regulamento Interno dos Serviços Gerais) e não pelo RDE.

Contudo, não é pacífico esse entendimento, pois o RISG não contempla todas as funções previstas nos atuais quadros administrativos. Toda a controvérsia é gerada em função de que a Instituição Policial Militar não tem o seu próprio Regulamento Disciplinar. A opção é pelo que dispõe o RISG e não pelo que dispõe o anexo III do RDE, somente para o estabelecimento do limite da competência disciplinar das funções elencadas pelo RISG. Para as autoridades não contempladas pelo RISG/PMPR quanto ao limite de sua ação disciplinar, devem ser utilizados os parâmetros do Art. 10, do RDE, combinado com o que dispõe o Anexo III, em virtude do RDE ter aplicação subsidiária.

Os limites para a aplicação de penas disciplinares e o “quantum”, a que cada uma compete, desde que definido pelo RISG não se pode invocar a competência regulada pelo RDE. Como exemplos, cita-se a competência dos Comandantes da Unidade, a nível de Batalhão ou equivalente, para aplicar a pena disciplinar de prisão aos Subtenentes e Sargentos: pelo que dispõe o RISG, art. 485, III, alínea “c”, esta competência é limitada em até 20 (vinte) dias de prisão disciplinar, ao passo que o Anexo III, do RDE, estabelece que essa competência é de até 30 dias de prisão. Neste caso, volta-se a enfatizar: o que deve ser aplicado é o RISG, porque ele declara expressamente a competência do Comandante de Unidade.

De acordo com essa regulamentação, como regra na PMPR, somente as autoridades elencadas pelo Artigo 485 do RISG, em regra, teriam competência disciplinar e, portanto, poder para aplicação de punição disciplinar.

b) Formalidade – é o elemento exteriorizado do ato disciplinar. É a forma através da qual se dá conhecimento aos interessados ou destinatários do ato disciplinar. A formalidade constitui requisito vinculado e imprescindível do ato disciplinar. A forma normal do ato é a escrita, revestindo-se no rito segundo o qual ele nasce e se materializa. A não observância da formalidade para a prática do ato disciplinar o torna nulo ou inexistente. A formalidade do ato disciplinar também é decorrente de Lei.

Segundo o § 4º, do art. 34 do RDE “A publicação em BI é o ato administrativo que formaliza a aplicação das punições disciplinares, exceto para o caso de advertência, que é formalizada pela admoestação verbal ao transgressor”.

Após devidamente motivado, para a aplicação da punição disciplinar, o ato disciplinar deve compreender uma nota específica, de acordo com os requisitos estabelecidos no Anexo II do RDE.

São requisitos formais estabelecidos pelo RDE para a aplicação de punição disciplinar:

Nota de Punição – onde se descreve, sumariamente, de forma cristalina e com precisão, os fatos que configuram a transgressão da disciplina militar, tipificando a conduta do transgressor ao tipo disciplinar estabelecido no anexo I do RDE - obviamente que não se trata de aplicação do princípio da legalidade penal, pois o tipo disciplinar é genérico, porque abrange um conjunto de condutas, por semelhança e inferência.

Deve conter também o enquadramento legal da transgressão cometida, as atenuantes, as agravantes, o comportamento militar do transgressor, data do início e término, e local do cumprimento da punição disciplinar.

Não se deve confundir a aplicação formal da punição com a sua motivação, pois por esta, a autoridade competente, através de despacho próprio, deverá decidir o que será adotado como solução e, na aplicação, se materializará essa decisão, traduzida na nota de punição.

Diz respeito também, à formalidade e à forma de apuração da punição disciplinar, de acordo com o processo disciplinar adequado para cada situação, observando-se sempre o contraditório e ampla defesa (Art. 35, § 2º, RDE).

 

c) Legalidade – o princípio da legalidade é matéria constitucional, estando expresso no inciso II, do Art. 5º, da CF/88, nos seguintes termos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Também é corolário da Administração Pública, segundo o “caput” do Art. 37 da CF.

Significa a submissão e o respeito à Lei, cabendo ao Administrador Público tão somente aplicar a Lei. Toda a eficácia da atividade administrativa está condicionada ao princípio da legalidade, ou seja, à Lei. O ato disciplinar também deve subordinar-se à Lei, porque, na Administração Pública, não há vontade e nem liberdade pessoal, mas somente atuação discricionária dentro dos limites da Lei.

Manoel e Arduin (2004, p. 22) apontam que tanto o requisito da competência como o da formalidade são dependentes da Lei, que determina os seus preceitos. Mas não se estanca aí a legalidade, pois autonomamente, deve ser observada em cada ato disciplinar, pois é princípio fundamental da atividade administrativa, pela regra negra insculpida no art. 37 da CF.

Também encontra-se prevista no inciso LXI, do Art. 5º, da CF, mais uma referência à necessária obediência à Lei, para a imposição da sanção disciplinar, porque só será considerada transgressão da disciplina militar o que estiver definido na Lei. Quando a CF define essa regra, ela está dizendo em sentido formal, concebida de acordo com as normas próprias do processo legislativo. Com base neste preceito constitucional muitos questionamentos têm surgido sobre o aspecto da “legalidade” dos regulamentos disciplinares que são baseados em decretos.

Decreto é ato próprio do poder regulamentar do chefe do poder executivo e não é fruto do processo legislativo, destinado à elaboração das leis. Quando o inciso LXI, do artigo 5º da CF, diz que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”, dá a idéia de que as transgressões disciplinares precisam estar definidas em lei e não em ato normativo do poder executivo, como são os decretos. Mas não se pode interpretar o dispositivo ali inserido de forma tão simplista assim, pois o seu espírito é vedar a prisão ilegal, fora dos casos estabelecidos pela lei: “em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”.

A aplicação de punição disciplinar, para ser considerada legal e válida, deve fundamentalmente obedecer ao princípio da legalidade e observar os princípios do “devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa” (incisos LIV e LV, do Art. 5º, da CF).

Entrando nos aspectos da legalidade para a aplicação de punição disciplinar previstos no RDE, como principais normas, não descartando obviamente os outros preceitos existentes, impõe-se a necessidade, na ótica do art. 35 do RDE, que:

“a aplicação da punição deve ser feita com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que a mesma se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade”.

 

É um preceito de legalidade fundamental que aduz ao mesmo tempo a finalidade do ato disciplinar, que jamais pode ser efetivado para atender preceitos casuísticos ou particulares, do ponto de vista tanto de quem pratica ou de quem o sofre, como destinatário direto. Deve estar embutido, na ação disciplinar, o sentimento de justiça, a reeducação do punido, o resgate da dignidade do Militar Estadual.

O § 1º, do Art. 35, do RDE, diz que nenhuma punição disciplinar poderá ser imposta, sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.

De acordo com o artigo 37 do mesmo diploma legal, a aplicação da punição disciplinar deverá ser feita de acordo com as seguintes normas:

I – a punição deve ser proporcional à gravidade da transgressão, dentro dos seguintes limites:

a) para a transgressão leve, de advertência até dez dias de impedimento disciplinar, inclusive;

b) para a transgressão média, de repreensão até detenção disciplinar, inclusive;

c) para a transgressão grave, de prisão disciplinar até o licenciamento ou exclusão a bem da disciplina;

II – A punição não pode atingir o máximo previsto no item anterior, quando ocorrerem apenas circunstâncias atenuantes;

 

Quando ocorrerem circunstâncias atenuantes e agravantes a punição será aplicada, conforme preponderem essas ou aquelas;

III – Por uma única transgressão não deve ser aplicada mais de uma punição.

IV – A punição disciplinar não exime o punido da responsabilidade civil que lhe couber.

V – Na ocorrência de mais de uma transgressão, sem conexão entre si, a cada uma deve ser imposta a punição correspondente.

VI – Havendo conexão, as de menor gravidade serão consideradas como circunstâncias agravantes da transgressão principal.

 

Qualquer punição disciplinar que for aplicada fora desses preceitos é ilegal, ilegítima e, portanto, fere o princípio da legalidade. Deve ainda, obedecer aos preceitos relativos à competência disciplinar de cada autoridade militar estadual, de acordo com os limites impostos pelo art. 485 do RISG/PMPR, pois a legalidade é o que fundamenta a competência.

Embora salientados esses aspectos, parte da doutrina entende o contrário, pois segundo José Afonso da Silva (2009, p. 24):

“O lícito disciplinar não está sujeito ao princípio da legalidade, pois seus dispositivos são até imprecisos, flexíveis, permitindo à autoridade militar maior discricionariedade no apreciar o comportamento do subordinado, a fim de melhor atender aos princípios de oportunidade e conveniência da sanção a ser aplicada, inspirada não só no interesse da disciplina, como também administrativo”.

 

Evidentemente que essa posição não é unânime e não pode ser considerada como totalmente acertada, pois, conforme já salientado, a atividade de Administração Pública deve obedecer ao princípio da legalidade, conforme regra do “caput”, do art. 37, da CF. Ademais, ao enumerar as garantias e direitos individuais, a Constituição Federal não distingue as pessoas em sujeitos de direito civis ou militares, existindo apenas diferença ontológica entre ambos.

Conforme leciona Eliezer Pereira Martins, citado por Manoel e Arduin, 2004, p. 24):

Não se concebe que os quartéis sejam um “mundo a parte”, mesmo porque à vida moderna impõe cada vez mais a participação da comunidade nas instituições e uma transparência absoluta em tudo que diga respeito à coisa pública. [...] a condicionante legal se expressa na imposição de que o sistema disciplinar militar seja absolutamente afinado com o direito positivo vigente no país. [...] assim, as normas disciplinares militares são condicionadas por todo o edifício jurídico e devem procurar harmonizar-se com todo o conjunto legal vigente. Os militares tendem a crer na existência de uma ordem jurídica paralela, própria e específica de sua categoria, o que não ocorre, já que as especificidades da legislação militar não são de tal ordem que justifiquem incompatibilidade com toda a ordem e hierarquia das normas nos termos estipulados na Constituição Federal. Deste modo cumpre advertir que a constituição não “... vige só do quartel para fora...” como já tivemos ocasião de ouvir de um desempregado Comandante, vige, e com mais exigências de cumprimento dentro dos quartéis, onde reside a última trincheira da legalidade. [...] as normas disciplinares-militares têm conteúdo de disposições restritivas de liberdade individual e portanto devem buscar seus fundamentos nas disposições relativas aos direitos e garantias fundamentais estatuídos na Carta Magna.

 

d) Finalidade – conforme define o Prof. Hely Lopes Meirelles, citado por Manoel e Arduin (2004, p. 25), a finalidade é elemento vinculado de todo ato administrativo, discricionário ou regrado. O direito não admite e não aceita a prática de qualquer ato pela administração pública, sem finalidade, desprovido de interesse público a ser atingido. Os fins do ato administrativo só se justificam como fator de realização dos interesses coletivos.

 

A finalidade do ato administrativo é aquela que a lei indica explicitamente ou implicitamente. Não cabe ao administrador escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos. Neste particular, nada resta para escolha ao administrador, que fica vinculado integralmente à vontade legislativa.

 

A finalidade pode ser vista como elemento mais significante do ato disciplinar. Todos os atos dessa natureza devem atender aos fins capitulados na norma reguladora, bem como ao interesse da coletividade, que em linhas gerais diz respeito ao bem comum, que é a finalidade inafastável da atividade estatal. O ato disciplinar deve procurar preservar a normalidade e as boas e necessárias condições para o aperfeiçoamento de todas as atividades desenvolvidas pela Administração Pública.

Na vida militar, sua finalidade deve estar endereçada para o controle da conduta dos Militares, preservação da hierarquia e disciplina e prestação de serviços à coletividade. Os fins da punição disciplinar, fruto de ato administrativo disciplinar, de acordo com os artigos 23 e 35 do RDE, se inspira no cumprimento exclusivo do dever e visa à preservação da disciplina, em benefício educativo do punido e da coletividade.

Não pode a punição disciplinar desviar-se desta finalidade, ser aplicada meramente como castigo ou para satisfação do interesse pessoal. Acima de tudo ela deve ser aplicada com imparcialidade, justiça e serenidade, visando à reeducação e o resgate do punido, proporcionando-lhe condições para o ajustamento às regras da caserna (MANOEL; ARDUIN, 2004, p. 23). De acordo com o que diz os artigos. 23 e 35 do RDE:

 

Art. 23 – A punição disciplinar objetiva a preservação da disciplina e deve ter em vista o benefício educativo ao punido e à coletividade a que ele pertence.

Art. 35 – A aplicação da punição deve ser feita com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que a mesma se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade.

 

e) Motivo – o motivo do ato punitivo são as razões de fato e de direito que possibilitam e embasam a aplicação da punição disciplinar. Capitula-se no enquadramento legal da falta cometida pelo Militar Estadual, de acordo com a norma regulamentadora. Pode-se afirmar que o motivo é a causa determinante da punição, o que autoriza a aplicação da punição disciplinar. A motivação, como depende de avaliação subjetiva, pode ser caracterizada como elemento discricionário, exceto se o motivo estiver fixado em Lei. A motivação é a fundamentação do ato disciplinar.

Por analogia, de acordo com o disposto nos incisos IX e X, do art. 93, da CF, assim como as decisões judiciais, todas as decisões administrativas devem ser fundamentadas e motivadas, sob pena de nulidade.

Quando o poder público, ao aplicar punição disciplinar, julgar o seu subordinado, deverá atentar para o que dispõe os artigos 16, 17, 18, 19 e 20 do RDE.

Outro fator que merece destaque quanto a este elemento, é a escolha, sempre discricionária, da pena disciplinar e da classificação da transgressão (observado o disposto no art. 37, I, do RDE). Em despacho próprio, sem os rigores de uma decisão judicial, a autoridade deverá expor os motivos que a levaram a optar pela pena imposta, bem como pela classificação da transgressão imputada ao infrator, para que este tome conhecimento dos fatos, fundamentos e motivos da pena disciplinar recebida e até mesmo para questionamento via recurso.

No art. 22 do RDE está expresso que deverá ser classificada como “grave” toda transgressão da disciplina militar que “afetar a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe”. Esses valores somente serão afetados, se a ação ou omissão do infrator estiver contemplada nos conceitos abaixo e no que dispõe o Regulamento de Ética dos Policiais Militares do Estado do Paraná, conforme já citado anteriormente, senão vejamos:

“Honra Pessoal – sentimento de dignidade própria, com o apreço e o respeito de que é objeto ou se torna merecedor o indivíduo perante os concidadãos. Se a boa reputação é necessária ao homem comum, notadamente ao Policial Militar, cuja função, perante o grupo social, de relevo, deverá pautar sua conduta para merecer o respeito da comunidade, do que se infere que sua honra pessoal deve ser intocável”.

“Pundonor Militar – está intimamente ligado à honra pessoal, pois é o esforço do indivíduo para compatibilizar sua conduta como um profissional correto. Em serviço, ou fora dele, o Policial Militar deve manter alto padrão de disciplina, porque o sucesso profissional pode ser decorrente do respeito que lhe é devido, bem como a dignidade, o prestígio e autoridade da nobre profissão”.

“Decoro da Classe – aqui se trata do valor moral e social da organização. Esse valor não é mais do que uma repercussão do valor social dos indivíduos agrupados e não subsiste sem este. A profissão policial-militar é uma experiência humana e como tal se situa no plano da ética, e conseqüentemente da conduta moral, que deve ser pautada em função do objetivo da Instituição”.

 

f) Objeto – o objeto do ato disciplinar é a pena disciplinar, é sempre discricionário, segundo a sua motivação, todavia dentro dos limites da Lei. O objeto está identificado com o conteúdo do ato disciplinar, através do qual a administração impõe a sua vontade, a sua autonomia, criando e modificando situações jurídicas em relação às pessoas sujeitas à ação do poder público.

g) Razoabilidade – diz respeito a proporcionalidade que deve existir entre a pena aplicada e a transgressão cometida, para evitar o abuso e o descabimento de sanções incompatíveis com o caso concreto, as conseqüências da ação ou omissão e pessoa do transgressor. Os atos disciplinares devem ser, no mínimo, razoáveis e providos de bom senso para adequar-se aos fins a que se destinam.

 

 

3. PODER DISCIPLINAR

Abebera-se o Processo Administrativo Disciplinar no Poder existente entre o Estado-Administrador e os Agentes Administrativos.

O Poder Disciplinar tem origem e razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público. O pré-falado pode ser conceituado como a força inerente à Administração Pública de apurar irregularidades e infligir sanções a pessoas adstritas ao regime disciplinar dos órgãos e serviços públicos.

 

SISTEMA DE REPRESSÃO DISCIPLINAR - Adotado pelo Direito Pátrio

 

O Sistema de repressão disciplinar adotado pelo nosso Direito Administrativo é o Misto ou de Jurisdição Moderada, onde é mantido a discricionariedade na apuração de fatos e escolha da pena aplicável, mitigando de certa forma o princípio do "no bis in idem" por ser possível no caso de reincidência de fato a aplicação de pena superior ao utilizado na apuração do primeiro ilícito.

 

3.1. FASES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

 

O Processo Administrativo Disciplinar compreende três fases, a instauração, o inquérito administrativo dividido em instrução, defesa e relatório, e por fim o julgamento. Se a Autoridade Administrativa não tiver elementos suficientes para instaurar o Processo Administrativo Disciplinar, quer por dúvidas quanto a autoria do fato ou por quanto a irregularidade ou não no serviço público, procederá à sindicância, que de toda forma estará inclusa nos autos do processo administrativo disciplinar, a sindicância também é utilizada para a aplicação de punição quando o ato não exigir, expressamente, o Processo Administrativo. Vejamos agora sucintamente, fases que compõem o Processo Disciplinar (ROSA, 2003):

 

INSTAURAÇÃO

É a fase deflagratória, com apresentação por escrito dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo, delimitando o objeto da controvérsia, permitindo a plenitude da defesa.

 

Ocorre com a publicação da Portaria nomeando a Comissão, ou, o Encarregado, que irá apurar os fatos imputados ao servidor. É de suma importância que a peça de início determine de forma clara e precisa o objeto da lide de forma a possibilitar a justificação plena do apontado.

 

 

3.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

 

Existem sete princípios básicos que norteiam o Processo Administrativo: O da publicidade, da ampla defesa e do contraditório, e da obediência às formas e procedimentos legais (sendo estes inerentes ao processo como um todo), oficialidade, gratuidade, atipicidade (princípios estes particulares ao Processo Administrativo).

 

- Princípio da Publicidade: Princípio que é inerente aos regimes políticos democráticos, o Princípio da Publicidade abrange toda a atuação estatal, estando os atos concluídos ou em formação.

Destarte, a sua aplicação no Processo Administrativo Disciplinar, nada mais é que uma conseqüência fundamental da sua essência de conferir transparência aos atos administrativos.

Sem publicação não fluem os prazos para impugnação administrativa ou anulação judicial, quer o de decadência para impetração de mandado de segurança, quer os de prescrição da ação cabível (Meirelles, 2007, p. 91).

- Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório: Princípio decorrente do "due process of law" existente nos Estados democráticos de Direito. O Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório é absoluto, não comportando exceções. Está garantido de forma expressa pela Legislação Constitucional em seu artigo 5º, Incisos LV e LXI.

Este princípio é inerente a todos os tipos de processos como o Processo Administrativo Disciplinar, por ser puramente acusatório.

O sobredito requer que seja dada oportunidade ao agente administrativo, hipoteticamente faltoso, de falar a respeito das alegações acusatórias em cada fase do Processo Administrativo Disciplinar, e, logicamente, de fazer prova contrária.

- Princípio da Oficialidade: É Princípio que faz parte da Administração Pública, independentemente de previsão em lei.

A eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (p. 410) consegue magistralmente resumi-lo: "O princípio da oficialidade autoriza a Administração Pública a requerer diligências, investigar fatos de que toma conhecimento no curso do processo, solicitar pareceres, laudos, informações, rever os próprios atos e praticar tudo o que for necessário à consecução do interesse público."

- Princípio da Gratuidade: Pois, seria ilógico que sendo a Administração Pública uma das partes e principal interessada na apuração e aplicação da pena ao suposto infrator, que o processo disciplinar ainda onerasse o Agente Administrativo.

 

- Princípio da Atipicidade: Diferentemente da Legislação Material Penal, no Direito Administrativo a quase totalidade das infrações funcionais não está tipificada na lei, cabe à Administração Pública analisar se o fato constitui ou não "falta grave", p. ex., daí a decorrência da necessidade da motivação dos atos pelo julgador.

- Princípio da Obediência à forma dos procedimentos: Princípio que se apresenta mitigado no Processo Administrativo Disciplinar, porquanto o supracitado deve, apesar de atender aos procedimentos descritos na lei, ser simples, sem exigências formais abusivas e ilógicas.

 

- Princípio da Verdade Material ou da Liberdade da Prova: Deve ser a busca incessante do administrador público que siga a moralidade como conduta.

O Administrador deve conhecer de novas provas que caracterizem a licitude, ilicitude ou inexistência do ato gravoso "in foco" em qualquer tempo do processo, é a busca da verdade material, o que realmente ocorreu, contrapondo-se a verdade formal, existente no Processo Civil.

 

3.3. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR

 

O processo administrativo disciplinar conforme ensina a doutrina tem por objetivo analisar a conduta do militar, federal ou estadual, acusado em tese da prática de uma transgressão disciplinar previamente estabelecida no regulamento disciplinar, que deve ser uma lei elaborada pelo Poder Legislativo, Estadual ou Federal, em atendimento aos princípios estabelecidos no art. 5º, LXI, da Constituição Federal/88.

A respeito do assunto, previsão da transgressão militar em lei, Tadeu Rodrigues Rosa (2003), observa que:

"Em outras palavras, impõe a Constituição Federal que a transgressão e o crime propriamente militar, estejam definidos, ou seja, capitulados em lei, para ensejarem a decretação da medida restritiva da liberdade individual".

 

Mas será que a afirmação apresentada por parte da doutrina a respeito da previsão da transgressão disciplinar em lei não seria uma premissa pobre, um argumento divorciado da realidade, proveniente de uma interpretação literal? A expressão contida no texto constitucional não seria lei no sentido lato sensu? Deve-se observar, que a previsão em lei da transgressão disciplinar militar é defendida por Ana Clara Victor da Paixão, assessora do Ministério Público do Estado de Goiás, por Márcio Luís Chila Freyesleben, promotor de justiça no Estado de Minas Gerais, Joilson Fernandes de Gouveia, tenente-coronel da Polícia Militar de Alagoas, entre outros, citados por José Cretella Júnior (1987), segundo o qual:

"Pode-se cometer o equívoco de entender-se que quando o legislador constitucional pede uma lei para integrar a eficácia da norma contida na Constituição, está na realidade referindo-se à lei lato sensu (medidas provisórias, decretos, portarias, etc). Tal interpretação contudo, em sendo feita de modo genérico, como mostraremos, é rematado erro hermenêutico, já que no universo das disposições restritivas da liberdade individual, a lei a que se refere o legislador é sempre o ato que tenha obedecido o processo legislativo como elemento de garantia do princípio da legalidade e mais exatamente da reserva legal. Ora, é cristalino que decreto não é lei. Na melhor doutrina, aquele é instrumento de regulamentação nos estritos limites da lei que o ensejou".

 

Das Espécies de Processo Administrativo Disciplinar Militar

 

De acordo com Martins (1996, p. 131), é assentada na teoria processual a unicidade do processo. O processo é uno, cindindo-se apenas para fins didáticos. O melhor critério didático distintivo das espécies de processo administrativo disciplinar militar é aquele que toma em conta a natureza, ou a finalidade da sanção prevista em abstrato para a conduta juridicamente relevante para o sistema disciplinar militar.

As sanções disciplinares-militares, sob este aspecto, ou seja, quanto ao fim que colimam, podem ser divididas em dois grandes grupos: sanções preordenadas à responsabilização de ilícitos ensejadores de demissão e, sanções preordenadas à responsabilização de ilícitos determinantes de punição disciplinar não demissória.

Com sede no critério apontado pode-se classificar o processo administrativo disciplinar militar em duas espécies: processo administrativo disciplinar militar demissório e processo administrativo disciplinar militar meramente punitivo.

De acordo com o autor, do ponto de vista ontológico não há diferença entre as espécies apontadas, já que ambas vigem na plenitude as garantias asseguradoras do due process of law (ampla defesa, contraditório, autoridade administrativa disciplinar natural, etc.). Não se configurando diferença de fundo entre as espécies de processo administrativo disciplinar militar, cumpre indagar onde estariam sua especificidades.

Pode-se afirmar, portanto, que na atualidade, o critério da estabilidade do servidor público militar não opera no sistema disciplinar militar, não se concebendo restrições de garantias de defesa ou contraditório para os militares não estáveis.

Isto posto as instituições militares deveriam padronizar o procedimento para o processo administrativo disciplinar militar demissório de praças (estáveis e não estáveis), e preferencialmente aquele que melhor atenda, dentre os existentes (na hipótese de abolição de um dos existentes), à ampla defesa e ao contraditório.

Aliás, diga-se de passagem, que no atual direito posto torna-se questionável a existência do critério da estabilidade dos servidores na administração militar.

De acordo com Martins (1996, p. 133), os processos administrativos disciplinares demissórios são convocados em face de fatos graves cometidos pelo servidor militar, mormente aqueles que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe. Se a conduta praticada pelo acusado tem descrição no regulamento disciplinar da instituição, exceto por reiteração de tal conduta em atitude de desprezo pela autoridade militar, não se concebe a instauração de processo administrativo disciplinar demissório. Em outras palavras, se a conduta que se imputa ao acusado tem descrição em abstrato no regulamento disciplinar, entende-se que a vontade do legislador plasmou-se no sentido de aplicar àquele que transgrediu a norma à sanção nela prevista.

A delimitação dos parâmetros de instauração dos processos administrativos disciplinares demissórios é necessária, visto que em algumas instituições o uso do sistema disciplinar como instrumento ou meio de manutenção do comando, por vezes insuficiente em si mesmo, gera um quadro de excesso de instauração de processos demissórios, com os absurdos de instaurações por fatos descritos nos regulamentos disciplinares ou por qualquer evento destituído de censurabilidade a ponto de determinar providência disciplinar tão séria e complexa.

 

Da Sindicância Disciplinar Militar

 

Conforme Martins (1996, p. 145), a sindicância está para o processo administrativo disciplinar, assim como o inquérito policial está para o processo penal. Razão pela qual prefere-se a singela expressão sindicância, como definidora de atos tendentes a fornecer elementos de autoria e materialidade para a propositura da acusação administrativa disciplinar, ato inaugural do processo administrativo disciplinar militar. É o instrumento de natureza administrativa e de caráter inquisitorial que tem por finalidade apurar fato, produzindo provas e esclarecendo circunstâncias, de forma a subsidiar decisão da autoridade competente.

Por ser a sindicância procedimento de natureza inquisitiva, não se instaura nele o contraditório. A sindicância pode plasmar-se num ato singelo ou num conjunto complexo de atos.

A fase de sindicância no processo administrativo disciplinar militar meramente punitivo dá-se invariavelmente através do binômio Parte (ou Comunicação) e Informação (MARTINS, 1996, p. 145).

A parte ou comunicação no processo administrativo disciplinar militar, nada mais é do que a determinação formal e documentada no sentido de que o militar, sobre o qual pesam indícios de autoria de transgressão disciplinar ou crime militar, informe ou preste esclarecimentos sobre o aludido fato ou ato.

Em verdade, a diferença entre o binômio Parte-Informação e sindicância stricto sensu estabelece-se apenas na possibilidade de cada procedimento enfeixar provas.

A sindicância, dada a sua evolução, reveste-se de todos os predicados inerentes a qualquer dos processos administrativos conhecidos, contudo, apesar de bastante progressista, suas normas carecem de adequação, principalmente para o estabelecimento do contraditório e, prejudicado estes, por conseqüência fica também prejudicada a ampla defesa (MANOEL e ARDUIN, 2004, p. 65).

 

De acordo com este princípio, antecipadamente, deve ser dada ciência ao Sindicado dos fatos constantes da acusação, através de citação, embora não previsto nas normas próprias. Deve-se também permitir a presença do acusado ou de seu defensor em todos os atos processuais que importem inquirição de pessoas, para que fique estabelecida a instrução processual contraditória, consoante o que estabelece o inciso LV, do Art. 5º da CF.

Tecnicamente, não há a previsão de defesa prévia nesse processo, porém é permitido ao Sindicado, durante os atos processuais e instrução, peticionar ao Oficial Sindicante, requisitando os feitos inerentes ao Direito de Defesa, conforme aspectos postulativos enumerados posteriormente, bem como apresentar até três testemunhas.

Não é considerada falha processual quando ao citar o acusado, o encarregado do feito venha a solicitar que o mesmo, querendo, apresente defesa prévia, arrolando testemunhas que pretende sejam ouvidas no processo e provas que entenda pertinentes à sua defesa que sejam produzidas ou juntadas aos autos, bem como solicitando ao mesmo que compareça aos autos com Advogado (garantia de defesa técnica).

Ainda, de acordo MANOEL e ARDUIN (2004, p. 67), pelo princípio da isonomia entre as partes e simetria processual, fica subentendido que ao Sindicante somente compete arrolar igual número de testemunhas.

O sindicado pode fazer-se presente em todos os atos processuais, desde que solicite, não se constituindo em dever a sua notificação, exceto se solicitada. Tal garantia é assegurada pelo princípio do contraditório.

Ao final das oitivas das testemunhas, primeiro as da acusação, depois as arroladas pela defesa do acusado, segue a inquirição do acusado e, conclusa esta, expede-se o libelo acusatório, vinculando a acusação e, com isto, propiciando a possibilidade de a defesa ser realmente ampla.

No âmbito da Polícia Militar do Paraná, a sindicância é regulada pela Portaria do Comando Geral nº 338, de 24 de abril de 2006, cuja norma não prevê a presença do acusado em todos os atos do procedimentos, dentre estes, as oitivas de testemunhas, dessa forma o presente Procedimento em parte fere aos dispositivos da ampla defesa e contraditório, mandamentos constitucionais em vigor.

Como a sindicância pode ser determinada para apurar e evidenciar várias situações, muitas das quais no seu início sem a figura de um acusado e portanto de acusação, alguns procedimentos instrutórios devem ser adotados pelo sindicante, sem que este tenha a obrigação de participar ao sindicado, na há previsão na referida Portaria do CG 338/2006. Quando, já na instrução estiverem presentes elementos, mesmo que mínimos, para a formulação da acusação, devem ser adotados os seguintes procedimentos processuais:

– Lavratura do libelo acusatório e a citação do sindicado, como primeiro ato, após a sua instauração;

– Interrogatório do sindicado e logo após a abertura do prazo de pelo menos dois dias úteis para a realização da defesa prévia;

– Realização dos atos probatórios, devendo a inquirição de testemunhas arroladas no libelo acusatório serem feitas antes das arroladas pelo sindicado;

– Após a realização de todos os atos probatórios, deverá ser aberta vistas dos autos para a realização da defesa final do sindicado, que deverá ser feita por escrito;

– Como ato final, o sindicante deverá elaborar o seu parecer.

Quando a sindicância partir de um fato, mas com autoria desconhecida ou sem fundamentos para a formulação da acusação, ela será um procedimento inquisicional e somente ao seu final é que poderá ser estabelecida a acusação, observando-se as garantias relativas à ampla defesa e contraditório.

Concluindo pela culpa, basta ao Comandante, responsável pela solução da sindicância, enquadrar disciplinarmente o acusado, não havendo mais necessidade de novos prazos para outras alegações ou defesas, desde que estas tenham se esgotado com o processo concluso.

É bom lembrar que o acusado não é obrigado a confessar sua culpa, nem mesmo é obrigado a depor no processo, “ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo” (art. 5º, CF), não podendo o acusado ser punido por faltar com a verdade nos depoimentos ou na defesa, afinal é a versão do acusado sobre os fatos e deve ser respeitada.

 

 

Da Instrução e das Provas no Processo Administrativo Disciplinar Militar

 

Cometido o ato que, em tese, caracterize transgressão disciplinar, deve o militar que constate a suposta irregularidade, após a informação do acusado ou das conclusões da sindicância disciplinar, se necessárias, presentes elementos de autoria e materialidade, formular a competente acusação disciplinar militar.

Com a acusação, ato que faz impor-se no feito a ampla defesa e o contraditório, poderá o acusado, através de defesa técnica, requerer a produção das provas necessárias (juntada de documentos, diligências oitiva de testemunhas, acareações, etc.) MARTINS (1996, p. 173).

Qualquer disposição que exija as razões de defesa expressas em documentos, previsto no regulamento militar é restritiva da ampla defesa já que o regulamento das instituições militares não prevê forma adequada para veiculação de defesa.

Do mesmo modo, os requerimentos da defesa devem ser expressos de forma semelhante aos requerimentos formulados em juízo.

Apresentadas as razões do acusado após a instrução probatória, os autos devem ser remetidos à autoridade militar com poder disciplinar sobre o acusado, que estando segura deverá prolatar a competente sentença administrativa disciplinar militar.

Ensina MANOEL e ARDUIN (2004, p. 49) que neste estágio de evolução do processo administrativo disciplinar militar, as punições administrativas disciplinares-militares, não são, na maioria das instituições militares, motivadas. Motivar o ato administrativo punitivo nada mais é do que estabelecer a correlação entre as provas produzidas e debatidas nos autos e a conseqüência de tal discussão: a decisão administrativa disciplinar militar.

Em verdade, a decisão administrativa disciplinar militar veiculada pela sentença administrativa, é fruto da relação entre os atos da acusação (tese) e da defesa antítese) culminando na decisão (síntese).

Portanto não basta ao aplicador, no processo administrativo disciplinar militar, a mera especificação dos dispositivos em que enquadra o acusado. É necessário que demonstre como se chegou à decisão.

Assim, opera a simetria processual, determinando que o administrador-julgador, busque no processo penal a fórmula adequada para o debate das provas e veiculação da decisão, resultando disto, o emprego da sentença no âmbito administrativo (MARTINS, 1996, p. 175).

Para o autor a (p. 178) motivação do ato administrativo disciplinar militar é requisito de validade do referido ato. Punição administrativa disciplinar militar destituída de motivação é ato nulo, devendo ser retirada pela própria administração militar e, na objeção desta, pelo Poder Judiciário. Em outras palavras, defeitos ou vícios do motivo anulam o ato administrativo disciplinar militar, assim, devendo todo ato administrativo disciplinar militar, ser motivado. A motivação equivocada, errada ou ilegal, torna o ato administrativo disciplinar militar irremediavelmente viciado.

Deixando de lado a decisão que põe termo ao processo administrativo disciplinar militar, pode-se afirmar que neste universo processual, também vigora, por simetria processual, a disciplina das decisões interlocutórias, ou seja, aquelas que contém fatos relevantes para o processo, sem contudo por-lhe termo.

A propósito, as decisões interlocutórias devem ser devidamente fundamentadas, podendo-se delas recorrer-se para a autoridade convocante do feito administrativo disciplinar militar.

 

3.4. RECURSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINAR

 

A questão dos recursos no processo administrativo disciplinar militar pertence ao universo do controle administrativo.

Como instrumentos de controle no sistema disciplinar militar, temos o direito de petição (Art. 5º, XXXIV, “a” da CF); pedido de reconsideração de ato; recurso administrativo e ações em juízo (mandado de segurança, habeas corpus, ações ordinárias etc.).

A Constituição Federal, no Art. 5º, XXXIV, dispõe que são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Assim, o direito de petição consiste no poder que tem o administrado stricto sensu para reclamar contra as autoridades, face à ilegalidades ou abuso de poder e, requerendo providências aos poderes constituídos. Encerra a garantia que tem o indivíduo de acessar os poderes públicos para que as autoridades competentes dirimam questões litigiosas, seja com particulares ou com o próprio poder público (MARTINS, 1996, p. 180).

O pedido de reconsideração de ato, na órbita de controle dos atos administrativos disciplinares-militares, é modalidade de recurso impróprio com natureza de juízo de retratação, que segundo Cunha (2008, p. 183) é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato, para que o invalide ou modifique nos termos da pretensão do requerente. Deferindo ou indeferindo, total ou parcialmente, esta reapreciação não pode ser renovada.

Todos os recursos administrativos disciplinares-militares, incluindo-se aí a reconsideração de ato, devem ser recebidos tanto nos efeitos devolutivo como suspensivo.

Para evitar-se o adiamento da execução do ato administrativo disciplinar militar, deve deferir-se ao recorrente apenas uma instância administrativa recursal, no que atende-se ao imperativo do duplo grau de conhecimento das transgressão disciplinar militar.

 

4. CONCLUSÃO

 

Todos os infratores devem ser punidos, sem exceção, independentemente do cargo que ocupa, em atendimento ao preceito estabelecido no art. 5º, caput, da CF. A lei não deve permitir a impunidade em qualquer área do Direito. As penas se necessário devem ser severas, inclusive com a perda do cargo, posto, patente, graduação, vantagens, liberdade, bens, prerrogativas, o que for necessário.

A sociedade não aceita que o Estado seja representado por pessoas que não respeitam a lei e não obedecem as ordens previamente estabelecidas. Mas, a punição efetiva deve ter como fundamento o respeito aos preceitos constitucionais.

Ao comentar os preceitos constitucionais no processo administrativo militar, observou-se que, a questão de punições militares não pode ser disciplinada tão somente com vistas a manter-se sempre a hierarquia e a disciplina, mesmo porque, se estes princípios militares são normas constitucionais, há duas normas que em verdade são princípios constitucionais que em qualquer situação devem ser respeitados e atendidos: a "presunção de inocência" e o "direito ao contraditório e à ampla defesa".

Mesmo havendo a necessidade de procedimentos sumários para manter-se o controle hierárquico da tropa, estes institutos devem ser sempre respeitados, caso contrário não se estaria em um Estado de Direito.

O art. 5º, da Norma fundamental, estabeleceu garantias que se aplicam ao processo judicial e administrativo. O ato processual ou administrativo deve preencher as formalidades, os requisitos estabelecidos em lei, para a sua validade e a efetiva aplicação da sanção.

O devido processo legal é uma garantia que fortalece o ato praticado pelo julgador, cuja decisão no âmbito da administração não faz coisa julgada, que dificilmente terá a sua decisão revista pelo Poder Judiciário, guardião dos direitos e garantias fundamentais – CF/88 art. 5º, inciso XXXV.

O processo administrativo pode ser efetivo, célere, mas com a observância dos princípios constitucionais, sem que isso signifique a quebra dos poderes outorgados a administração pública, que deve punir de forma exemplar todos os infratores.

 

REFERÊNCIAS

 

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

 

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

 

___________. Lei nº 4.346, de 26 de agosto de 2002 – Regulamento Disciplinar do Exército. Brasília-DF, 2002.

 

CADENAS, Leandro. Conceito de direito administrativo. Disponível em: http://www.algosobre.com.br/direito-administrativo.

 

CUNHA, Irineu Ozires. Regulamento Disciplinar do Exército – Parte Geral. Atualizado e comentado segundo a CF/1988. 2ª ed. Curitiba: Optagraf, 2008.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

JORGE, Luiz Cézar Dias. Direito administrativo. Elaborado em fev. 2009. Disponível em: http://blog.luizcezar.adm.br/2009/02/22/direito-administrativo-aula-1202-2009.

 

MANOEL, Élio de Oliveira.; ARDUIN, Edwayne A. Areano. Direito disciplinar militar. Curitiba-PR: Comunicare, 2004.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.

 

PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. Esforço histórico do contrato administrativo. Elaborado em Nov., 2001. Disponível em: http://juz2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2647.

 

PARANÁ. Lei nº 7.339, de 8 de junho de 2010. Regulamento Interno e dos Serviços Gerais da Polícia Militar do Estado do Paraná (RISG/PMPR).

 

SILVA, Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.



[1] Adalberto José Moreira, Acadêmico do Curso de Direito, 10º Período, Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE). Cidade de origem Londrina/PR, 2010.

[2] Miguel Salih El Kadri Teixeira, Professor Mestre, Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE).

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