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PRISÃO: A ESTIGMATIZAÇÃO HUMANA


Autoria:

Adriano Varella Zampronio


Graduado em Direito pela Universidade Norte do Parana - Unopar (Londrina), Pós-graduado em Gestão Pública Municipal pela UTFPR - Telemaco Borba - PR.

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Resumo:

Referido artigo trata de como os apenados são subjugados e estigmatizados dentro do sistema prisional pátrio.

Texto enviado ao JurisWay em 04/03/2011.



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PRISÃO: A ESTIGMATIZAÇÃO HUMANA

 

O Direito Penal é uma forma de conter os atos praticados contra a coletividade, e nesse diapasão exsurge o poder punitivo estatal – jus puniendi – como maneira controladora das agressões à sociedade. Depois da sentença penal condenatória, no caso do regime fechado, aplicar-se-á a Lei de Execução Penal, garantindo ao apenado todos os direitos não excluídos pela sentença. O sistema prisional então inicia o processo de degeneração e degradação do condenado, onde na tentativa de controlar, ou moldar a vida do interno passa a extirpar o seu individualismo através de mecanismos que garantam sua efetividade, como exemplo tortura e agressões físicas e morais. Referido trabalho foi coletado na literatura Penal, Processual Penal, Execução Penal, Constitucional, Direitos Humanos e Direito Internacional, em livros e periódicos científicos. Enfoca as formas de degradação humana nas penitenciárias e conclue que o sistema penitenciário está longe de ter uma solução plausível, tendo por escopo o total descaso do Estado.

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

A criminalidade aumentou de forma incontrolável nas últimas décadas e trouxe conseqüências desastrosas para a sociedade de modo geral. As condenações, ou seja, a penalização e seus efeitos à população carcerária no que tange à ressocialização, reintegração do preso no meio social é questionável. 

O processo degradativo e degenerativo a que é submetido o interno de uma instituição penal, foi o principal aspecto a despertar o interesse na realização deste trabalho. O controle existente e o objetivo central de mudanças no ser humano é uma característica de toda instituição fechada.

O atual quadro presidiário e penitenciário do Brasil indaga sobre a função precípua da pena. Tem função de retribuir o mal impingindo outro mal, ou função de ressocializar o apenado de forma a inseri-lo novamente na sociedade.

A penalização no Direito Pátrio, pelo que se observa, está distante de ser ressocializadora ao apenado. A sociedade – enquanto desprotegida – necessita da punição dos infratores do preceito jurídico, e a conseqüência deste ato é a degradação humana do preso.

O objetivo central deste estudo, através de uma interposição teórica é o de buscar elementos que indiquem a “degradação”, a “degeneração” humana ante o sistema prisional vigente no Brasil.

Respectivo trabalho inicia-se com relato do Direito Penal, sua historicidade e sua evolução; o Direito do Estado de punir seus transgressores; a Lei de Execução Penal e suas vertentes e também os Direitos Humanos.

Aborda-se também, o processo de “degeneração” do apenado, levantando as principais situações vivenciadas por eles.

Metodologicamente este estudo está respaldado por um estudo teórico da questão enfocada.

                                     Espera-se que este estudo contribua positivamente nas discussões e reflexões acerca do atual sistema penitenciário, do seu caráter desumanizante e desestruturador do homem.

 

2 A GÊNESE DO DIREITO PENAL

 

2.1 As Fases do Direito Penal

 

O Direito Penal surgiu à priscas eras como uma forma de conter, reprimir os atos praticados contra o particular e contra a coletividade.

Essa repressão passou por várias fases como se segue:

Primeiramente, tem-se a fase da vingança privada, tida como a lei do mais forte, Lei de Talião (olho por olho, dente por dente), onde o ofendido executava a pena ao seu agressor, podendo ser prolongada à sua família e até a aniquilação total de seu grupo social. Mas, como acontece em todos os segmentos sócio-jurídicos, havia disparidades.

Tem-se também nessa fase, a composição – compositio – donde a ofensa era executada mediante uma indenização, e, dessa forma livrava o transgressor indene do suplício.

Em seguida, a fase da vingança divina, uma época teratológica para a humanidade, onde os sacerdotes, religiosos e teocratas puniam veementemente em nome de Deus, usando de subterfúgios para cometerem as maiores atrocidades da história, fundamentando que a pena era uma purificação para a alma do criminoso, uma maneira de amenizar a ira de Deus.

Parafraseando Edgar Magalhães Noronha:

O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. [1]

Segundo João José Leal, a reação contra o infrator, envolta no manto da magia e do sobrenatural, baseava-se na idéia de reconciliação do grupo com seu deus (ou deuses) protetor. [2]

Surge também a fase da vingança pública, em que há interferência estatal no que tange à tutela dos direitos do soberano em garantir sua própria segurança, trazendo para si a responsabilidade de punir o infrator. Mas essa penalização era realizada de acordo com os interesses do soberano e seu poder volitivo, e que estava entre o poder divino e o poder político. Na verdade, o Direito Penal nessa época era somente em detrimento da nobreza. Um exemplo grotesco disso era a mulher que antes de seu casamento se deleitaria com seu senhor feudal, e se tal fato não ocorresse seria aplicada à pena de morte aos nubentes.

Urge salientar que essa fase ainda estava sobre o influxo das anteriores, nada alterando a crueldade das penas. Não deslembrando que essas fases tiveram um longo interstício.

Em meados do século XVII, no decorrer do Iluminismo que exsurge a fase humanitária, havendo uma real transformação no que diz respeito às penas através da máxima obra “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria, que é uma referência expressiva ao Jus Puniendi e que influenciou intensamente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

César Bonessana quando escreveu sua obra, não foi para uma pequena parcela da sociedade, e sim para um grande público, por ser de fácil leitura e compreensão.

Outro nome que deve ser citado é John Howard, um inglês que encabeçou o movimento humanitário na reforma das prisões, propondo um tratamento mais digno ao apenado, dando todo tipo de assistência. John Howard é considerado por muitos como o Papa da Ciência Penitenciária, justamente por ter um profundo sentido humanitário. Indubitavelmente, John Howard criou o penitenciarismo. Citar-se-á também Jeremias Bentham que considerava a pena e sua finalidade.

 

2.2 As Escolas Penais

 

É bom citar também as escolas e tendências penais que foram: a Escola Clássica tendo como grande precursor Francesco Carrara, que definiu a pena como:

 A pena não é mais do que a sanção do preceito ditado pela lei eterna: a qual sempre visa à conservação da humanidade e a tutela dos seus direitos, sempre procede da norma do justo: sempre corresponde aos sentimentos da consciência universal. [3]

Surge também a Escola Positiva tendo como pioneiro César Lombroso; na Alemanha com a iniciativa de Von Liszt surge a Escola Moderna Alemã; na Itália surge a Escola Crítica ou Eclética, pois se situa entre as duas primeiras escolas e seus precursores foram Alimena, Carnevale e Impallomeni; tem-se também a formação da Escola Penal Humanista com 1qVicente Lanza; em 1.905 surge a Escola Técnico-Jurídica com Arturo Rocco; Escola correlacionista com Karl Roder.

 

2.3 A História do Direito Penal Pátrio

 

A história do Direito Penal Brasileiro deriva das ordenações portuguesas a partir do descobrimento tendo em vista o Brasil ser uma colônia, e, assim sendo, teve que absorver as leis e os costumes de Portugal que era politicamente e socialmente organizado.

Ad argumentandum tantum que as ordenações que o Brasil estava submetido – Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, respectivamente, eram dotadas de uma crueldade sem precedentes, pois a tortura era adotada em larga escala.

Houve também uma curta influência das leis holandesas que por força de um nacionalismo crescente extinguiram-nas.

Já com a independência proclamada e com a Lex Magna de 1.824 houve a necessidade da elaboração de um Código Penal fundado nas bases sólidas da justiça e no princípio da isonomia, surge então o Código Penal de 1.830 que era baseado no Iluminismo. Em 1.890 foi promulgado o novo código penal, depois, houve os projetos de Vieira de Araújo (1893), de Galdino Siqueira (1913), Sá Pereira (1927, 1928 e 1935), e, o projeto Alcântara Machado, que após ser revisado culminou na promulgação do atual código penal que data de 1.940, e que hoje conta com várias reformas e alterações.

 

 2.4 Direito de Punir na Atualidade

 

Atualmente o Direito Penal, como órgão contendor da criminalidade, visa à satisfação, a segurança da norma jurídica e a proteção da sociedade, que por sua vez é a meta de todo Direito. A pena imposta ao transgressor da norma deve servir de exemplo aos que não delinqüiram, e essa proteção – prevenção – para que não voltem a delinqüir.

Sendo o Direito Penal instrumento basilar – objeto de todo Direito – da satisfação ou segurança jurídica, o homem nesse contexto deve coexistir abster-se de condutas prejudiciais a outrem.

 Para garantir essa pseudocoexistência, há necessidade de infligir sanções ao transgressor do preceito jurídico, implicando em uma afetação de direitos (liberdade, patrimônio, etc.), para que haja a garantia dos direitos da sociedade restante, destarte, dentro da proporcionalidade da sanção penal, como por exemplo: aquele que pratica um furto simples não pode ser condenado à morte, e, um parricida ter a prerrogativa da suspensão condicional do processo, sendo sua conduta considerada como de menor potencial ofensivo, como elenca a Lei 9.099/95 em seu art. 89.

O Direito Penal tem, como caráter diferenciador, o de procurar cumprir a função de prover a segurança jurídica mediante a coerção penal, e esta, por sua vez, se distingue das restantes coerções jurídicas porque aspira assumir caráter especificamente preventivo ou particularmente reparador.[4]

Em suma, não é combater um mal com outro, é simplesmente garantir o bem jurídico sem alterar o sentimento de insegurança jurídica da sociedade.

 

3 O JUS PUNIENDI

 

 

Como já exposto anteriormente, o ser humano deveria coexistir, viver somente em sociedade e de acordo com os parâmetros legais por ela estabelecidos, não devendo ele renunciar à convivência pacífica e harmoniosa entre seus pares. Se se observar tal fato – não harmonia e não pacificidade – instalar-se-ia o caos e a total desordem entre os homens.

Nesse diapasão surge o Estado com seus elementos – povo, território e governo – estabelecendo o sistema regulamentador, com leis que presumem o bem-estar da sociedade, através dos poderes legislativo, executivo e judiciário, aonde cada um em sua respectiva esfera conduz o homem – enquanto ser social – aos caminhos da permissividade ou da proibição.

O Estado, revestido de sua armadura legítima, impõe normas de conduta que colimam regular a vida e os fatos das relações em sociedade. Tal preceito, ou seja, a norma jurídica é diuturnamente transgredida e, em face dessa ocorrência, o Estado, tutela os interesses da sociedade, tendo o direito e o dever de punir o infrator da conduta através do “jus puniendi”.

Direito este que, nas palavras do nobre mestre Fenech,

... quando ocorre uma infração penal, quem sofre a lesão é o próprio Estado, como representante da comunidade perturbada pela inobservância da norma jurídica e, assim, corresponde ao próprio Estado, por meio dos seus órgãos, tomar a iniciativa motu próprio, para garantir, com sua atividade, a observância da lei. [5]

Perfilhando deste mesmo entendimento, Gonzáles Bustamante diz:

...que o jus puniendi equivale à legítima defesa que se reconhece aos particulares. A sociedade tem o direito de defender-se, adotando contra qualquer pessoa que ponha em perigo sua tranqüilidade as medidas preventivas e repressivas que sejam condizentes.[6]

Ainda por Arturo Rocco, referido direito equivale à:

Faculdade do Estado de agir de acordo com as normas jurídicas que asseguram a realização de seu escopo punitivo e de pretender do réu aquilo a que é obrigado por força da mesma norma. [7]

A sociedade, enquanto parametrada pelo Estado, precisa e deve ser definitivamente protegida dos infratores da norma penal e demais normas ora transgredidas.

Porém, o que se observa, é o alto índice de criminalidade, sua afluência imperiosa, que se estabelece como um problema iminentemente social, e que conduz o Estado ao infligimento de sanções mais rigorosas, erga omnes, aos que violam os preceitos jurídicos.

 Nesse segmento, ocorre que, o jus puniendi, ora tão festejado e indelével do Estado, representa não ser jus e tampouco puniendi, as sanções punitivas deveriam impor ao apenado restrições a ele inerentes, ou seja, a supressão da liberdade individual, reprimir simples e exclusivamente o delito praticado.

É preciso que as infrações sejam bem definidas e punidas com segurança, que nessa massa de irregularidades toleradas e sancionadas de maneira descontínua com ostentação sem igual seja determinado o que é infração intolerável, e que lhe seja infligido um castigo de que ela não poderá escapar. [8]

Destarte, a situação mais difícil é a imposição da sanção penal que visa à punição do transgressor da norma, considerando a desorientação e a desinformação da norma jurídica que desacredita o sistema jurídico pátrio.

Em suma, nas linhas de Foucault, é preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar[9], ou seja, o Estado tem a faculdade de punir o transgressor da norma, mas não tem a prerrogativa de puni-lo corporalmente como uma forma de vingança.

 

4 LEI 7.210 DE 11 DE JULHO DE 1984 – LEI DE EXECUÇÃO PENAL

 

 

 

A Lei de Execução Penal foi elaborada em meados de 1984 com o intuito de abrandar o sistema penitenciário caótico e também para amenizar o clamor dos Direitos Humanos ante a degradação do interno enquanto “ser social”. Grosso modo, referida Lei recebe pelos apenados a alcunha de Carta Magna dos Detentos, pois esta regula os direitos e deveres destes com o Estado e a sociedade, no que tange a aplicabilidade das normas durante o período de reclusão.

Antes deste instituto, já houveram tentativas de execução penal com o projeto de Código Penitenciário da República, de 1937, antes mesmo da promulgação de Código Penal de 1940. Depois adveio a Lei 3.274 de 1957 que dispunha sobre normas do regime penitenciário dentre outros que também restaram infrutíferos.

Lembrando que existem várias teorias para a execução da pena, a teoria absoluta (de retribuição), a pena é o castigo; teoria relativa (utilitária) fim prático (prevenção); e a teoria mista que é adotada no Brasil, de caráter retributivo, onde não é somente prevenir, mas educar e corrigir.

Quando da elaboração do referido diploma – Lei de Execução Penal, observaram-se todos os padrões sociológicos da época, mas fato é que a sociedade e o direito mudam constantemente e, regra geral a norma jurídica torna-se ultrapassada ante os anseios da sociedade e da própria condição de humanização do apenado.

O apenado, quando excluído de seu habitat natural e atirado numa penitenciaria ou qualquer outra instituição que vise a sua reclusão, psicologicamente prevê que a supressão total ou parcial de seu bem jurídico – liberdade – não seja uma degradação do seu “eu”, do individualismo inerente a todos os seres humanos, e assim, devem ter seus direitos e suas garantias constitucionais, penais e penais executórias preservadas.

Como exemplo citar-se-á o direito à vida, à integridade física e moral, à liberdade de consciência e religião, à assistência judiciária, ao uso do próprio nome, ao trabalho remunerado, a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo e vários outros.

A inobservância aos direitos do preso, seja o desrespeito à sua integridade física e moral, a negligência médica, a alimentação deficiente, os castigos cruéis e desnecessários, significa a imposição de uma pena suplementar não determinada em lei. [10]

Esta Lei, em seu artigo 1º institui suntuosamente, como principal objetivo da pena, a condição de propiciar a integração, reinserção social do condenado.

Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.[11]

Ressocializar seria tornar o ser humano, ora penalizado, a ser novamente capaz de conviver em sociedade – revertendo seu valor nocivo para valor benéfico – pacifica e harmoniosamente, de tal modo que sua conduta seja realmente aceita pela mesma sociedade que o rejeitou, ou seja, penalizou para corrigi-lo.

Assim, sendo a LEP um instituto do direito, um instrumento de ressocialização (grifo) do interno, o que se tem é uma efetiva inaplicabilidade, uma irreal funcionabilidade político-carcerária padronizada, e que há uma má-versação político-administrativa da verba destinada ao reestruturamento das penitenciárias e demais instituições destinadas à recuperação do interno, visto que suas prerrogativas não são cumpridas, ferindo assim o princípio da legalidade como consta na exposição de motivos da LEP:

...o corpo e o espírito da lei, de forma a impedir que o excesso e o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal. [12]

A finalidade precípua da pena privativa de liberdade é a ressocialização (grifo) através de tratamento penitenciário específico. O objetivo de reintegrar o preso na sociedade fundamenta a tese de que ele continua sendo membro da comunidade. [13]

A Lei de Execução Penal é uma das mais modernas, mais progressistas Leis no que tange ao tratamento do preso, e, se fosse cumprida “ipsis litteris”, com certeza a ressocialização do interno seria efetivada.

Perfilhando deste entendimento tem-se o art. 1º da Lei de Execução Penal:

A execução penal tem por objetivo efetivar s disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. [14]

O Estado deve resguardar um mínimo de liberdade e personalidade do apenado para sua assimilação no processo de retorno ao convívio em sociedade. O não cumprimento das normas elencadas na Lei de Execução Penal e demais Leis que colimam tratar o preso com dignidade, deve, ou deveria acarretar sanções em desfavor do “Estado”, visto que a relação Estado-apenado não é efetivamente alcançada.

Tais fatos revelam limpidamente que a inobservância às normas protetivas do apenado estão totalmente prejudicadas, e, é fato também que uma pequena parcela destes retornam a sociedade recuperados.

O preso apesar da circunstância do cárcere privado, tem direito à proteção jurídica, uma maior valoração do seu “eu”.

No mesmo sentido, sobre a aplicação da Lei de Execução Penal, Odir Odilon Pinto da Silva e José Antonio Paganella Boschi, recolhidos a um mesmo estabelecimento prisional, não haveria como dispensar-lhes tratamento diferenciado, inclusive no que tange a seus próprios direitos. [15]

Partindo desse pressuposto e em atenção ao princípio da isonomia – garantia constitucional – a execução penal visa tratar o apenado com igualdade, independentemente da justiça que o condenar.

 

5 OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

 

 

 

Aprioristicamente, os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, o que não se pode afirmar com exatidão, pois estes precederam dos estabelecimentos prisionais holandeses, ingleses, alemães e suíços.

A primeira prisão americana data de 1.776, com o sistema pensilvânico ou celular e o sistema filadélfico no qual, nos dizeres de Dario Melossi e Massimo Pavarini, a organização de uma instituição era o isolamento em uma cela, a oração e a abstinência total de bebidas alcoólicas deveriam criar os meios para salvar tantas criaturas infelizes.[16]

Tais sistemas haja visto sua semelhança, fracassaram, e, tal fracasso foi devido ao grande crescimento da população carcerária. Diante desse fato – o crescimento carcerário – foram construídas duas novas prisões, uma – ocidental – seguindo o modelo de Jeremias Bentham, e outra – oriental – seguindo o modelo de John Haviland. A primeira era isolamento absoluto e a segunda permitia-se algum trabalho.

O sistema auburniano – silent system – surge da necessidade de superação das limitações e pechas do regime celular. Tal sistema permitia-se o trabalho mas o silêncio era absoluto.

O sistema penal progressivo surgiu nos Estados Unidos, no século XIX e é a base do sistema penal atual tem por escopo fundamental incorporar, reinserir o apenado à sociedade antes que termine a sua condenação.

5.1 Dos Locais Destinados aos Presos

 

A Lei de Execução Penal estabelece, ou determina que as várias categorias de estabelecimentos prisionais sejam identificáveis por características específicas e que sirvam a tipos específicos de presos.

De modo ímpar, a Carta Magna de 1988 dispõe em seu art. 5º, inciso XLVIII que:

A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. [17]

Ainda, pela Lei de Execução Penal, seu art. 82 dispõe:

Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. [18]

Vislumbra também desse entendimento o nobre professor Edmundo Oliveira, que no ano de 1994 era presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que através da resolução nº. 07, de 11 de julho de 1994, em sua exposição de motivos preceitua acerca das diretrizes básicas da política penitenciária nacional:

Todos os cidadãos precisam entender que a punição se aplica ao criminoso e não ao crime, isto é, o alvo da pena corporal deve ser a pessoa e não o histórico dos crime praticados. Todo o corpo social deve dispensar àquele que um dia delinqüiu – e está pagando seu débito com a sociedade – tratamento condizente com sua condição de ser humano, sem esquecer que a Constituição da República, em seu artigo quinto, ao tratar dos direitos e garantias individuais, estabelece no inciso 48, que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do condenado. [19]

Perfilha também a exposição de motivos da resolução nº. 14 de 11 de novembro de 1994, que trata das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil:

A edição das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil traduz não apenas a satisfação de antiga aspiração nacional, como atinge o ideal de tornar factível a plenitude da execução penal adequada aos interesses da Justiça, preservando o interesse coletivo de segurança ante o resguardo das garantias e dos direitos individuais.

...

Essas Regras Mínimas sintetizam os esforços e a esperança de que é possível encontrar o caminho fértil para o aprimoramento humano do preso, em condições de fortalecer o alicerce da reconstrução pessoal para merecer o respeito e a confiança dos cidadãos no convívio social. [20]

Sobre o tratamento do preso, na década de 20 do século passado, Enrico Ferri já apontava vários critérios diretivos sobre o tema:

 

1º - Adaptação às duas categorias fundamentais de presos: os incorrigíveis ou incuráveis e os readaptáveis à vida social;

2º - não impor aos presos sofrimentos, aflições, humilhações, mas também não lhes proporcionar uma residência e uma existência muito cômoda e fácil, que esqueça e faça esquecer as dificuldades e as privações, que a vida livre impõe à generalidade dos homens honestos;

3º - educar, valorizar e aproveitar o sentido de dignidade pessoal e de autodisciplina e a esperança de um regresso à vida normal, especialmente nos criminosos ocasionais, que são a grande maioria;

4º - diferenciados os presos nas várias classes segundo a sua conduta, tratá-los por modo correspondente e sempre menos rígido e com encargos de confiança, para os habituar gradualmente à vida livre.[21]

Leciona o notabilíssimo Enrico Ferri acerca da execução da sanção:

A razão da “bancarrota dos atuais sistemas penais” (Holtzendorff) e, portanto, do contínuo aumento das reincidências e dos indivíduos condenados muitas e muitas vezes, com um grotesco e escandaloso vaivém do cárcere para a vida livre e para o tribunal, está toda na orientação clássica sobre a “entidade jurídica” do crime e da pena. [22]

Pelo que em todo o estabelecimento carcerário entra uma multidão anônima de condenados à mesma forma de pena, numa estranha mistura de jovens e velhos, sãos e doentes, neuropatas e psiconeuropatas, ociosos e trabalhadores, tranqüilos e turbulentos, deficientes e inteligentes, analfabetos e instruídos, operários especializados ou vulgares e indivíduos sem profissão, etc. [23]

Nesse sentido, e em conformidade com o artigo 5º, inciso XLVIII da Constituição Federal, os condenados à pena de reclusão pelo mesmo crime ou por sua periculosidade devem ter a sua individualização da pena, e não como ocorre hoje, e como lecionou anteriormente Enrico Ferri, um amontoado de condenados num mesmo lugar.

A Lei de Execução Penal dispõe de vários gêneros – estabelecimentos penais – para o devido cumprimento da sentença penal condenatória, mas para esse trabalho enfatizar-se-á a “penitenciária”.

 

5.2 As Penitenciárias

 

As penitenciárias são um mecanismo auxiliar para a aplicabilidade da sanção penal, destinando-se ao encarceramento do transgressor do preceito jurídico, salientando que a pena a ser cumprida é em regime fechado.

Observa-se que as penitenciárias devem preencher requisitos para a acomodação do interno, como descrito no art. 85 da LEP:

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. [24]

 

Ainda pelo art. 87 do mesmo instituto:

Art. 87. A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado. [25]

 

 

Correlacionado com o supramencionado artigo, houve atendimento in thesi no que tange ao tratamento reeducativo e também se relaciona com a segurança interna e disciplina do interno. 

Acontece que as instituições não cumprem referidos requisitos nem parcialmente e menos ainda totalmente. Esse descumprimento, esse descaso estatal acarreta uma série de problemas ao sistema e principalmente ao interno, tais como: superlotação, proliferação de doenças, homossexualismo e, mormente a desumanização, a total descaracterização da personalidade do interno, como personifica o art. 88, parágrafo único, alíneas a e b, da LEP:

 

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único – São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6 m2 (seis metros quadrados).[26]

 

Urge salientar alguns dos artigos das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil:

Art. 8º Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados pro presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

§ 2º O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que se refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação. [27]

 

Cita-se também as Regras Mínimas da ONU para Tratamento dos Reclusos:

Nº. 9.1. As celas ou quartos destinados ao isolamento noturno não deverão ser ocupados mais que por um só recluso. Se por razões especiais, tais como o excesso temporal da população carcerária, resultará indispensável que a administração penitenciária central faça exceções a esta regra, se deverá evitar que se alojem dois reclusos em cada cela ou quarto individual.

Nº. 9.2. Quando se recorra à utilização de dormitórios (leia-se alojamentos coletivos), estes deverão ser ocupados por reclusos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos para serem alojados em nestas condições. Pela noite, estarão submetidos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento de que se trate.

Nº. 10. Os locais destinados aos reclusos e especialmente para aqueles que se destinam ao alojamento dos reclusos durante a noite, deverão satisfazer as exigências da higiene, levando em conta o clima, particularmente no que concerne ao volume de ar, superfície mínima, iluminação, calefação e ventilação. [28]

 

Não obstante, as sanções penais, ou seja, a executoriedade das penas ocorre em locais inadequados e há uma grande indisponibilidade de vagas.

     O que se tem e se vê é uma realidade utópica, pois todos os estabelecimentos ou instituições penais não dispõe de celas individuais como a que é estipulada pela LEP.

Mister se faz dizer, para simples avivamento da memória, que o sistema prisional pátrio está completamente falido e que, essa falácia se reflete em todos os segmentos da sociedade, ainda porque, todo esse problema está longe de uma solução plausível, que resulte na redução deficitária do sistema carcerário do País.

 

6 OS DIREITOS HUMANOS

 

 

 

A defesa e a formulação dos Direitos Humanos datam de tempos imemoriais, e, a exemplo disso temo o Código de Hamurabi, o Decálogo de Moisés, a Senda das Oito Trilhas de Buda, a República de Platão, o célebre Sermão da Montanha, Declaração da Independência dos Estados Unidos, Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, Doutrina das Quatro Liberdades do Presidente Franklin Delano Roosevelt (liberdade de palavra, de culto, de não passar necessidade e de não sentir medo).

Entre as já mencionadas e tantas outras doutrinas e ensinamentos, finalmente em 10 de dezembro de 1948, a ONU, Organização das Nações Unidas, proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo rol de artigos, embora não se revestindo de caráter coativo, constituem uma responsabilidade assumida pelas nações que integram a ONU.

Dos trinta artigos da Declaração dos Direitos Humanos, alguns são pertinentes a este trabalho, como por exemplo:

Artigo I – Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade (grifo) e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante. (grifo)

Existem também os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1.966 que esmiuçou o conteúdo da Declaração universal dos Direitos Humanos de 1.948 e trás em seu artigo 10 a seguinte disposição:

Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. [29]

Citar-se-á também os pactos internacionais sobre direitos humanos, como por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário. Referido diploma dispõe:

 

Art. 5º - Direito À integridade pessoal

1 – Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2 – Ninguém deve ser submetido a tortura, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o devido respeito à dignidade inerente ao ser humano.

3 - ...

4 - ...

5 - ...

6 – As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. [30]

É curial dizer que a grande maioria das Constituições existentes consagra veementemente os Direitos Humanos, como exemplo tem-se:

Constituição da República da Bulgária:

Art. 29. (1) Nadie puede a ser sometido a tortura, a trato cruel, innumano o denigrante, ni tampoco a la asimilación étnica por la fuerza.[31]

Constituição Espanhola:

 

 

Artículo 25. 2) Las penas privativas de liberdad y las medidas de seguridad estarán orientadas hacia la reeducación y reinserción social y no podran consistir en trabajos forzados.[32]

 

 

Constituição da República Italiana:

Art. 27. As penas não podem comportar tratamentos contrários ao senso de humanidade e devem visar à reeducação do condenado. [33]

Constituição de Portugal:

Art. 25. 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.

2. Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos. [34]

Nossa Constituição Federal foi impiedosa ao tratar dos direitos individuais, principalmente no que tange à integridade física e moral.

Nas letras de José Afonso da Silva, agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade físico-moral constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do indivíduo.[35]

Ainda, a Magna Carta da República do Brasil, datada de 03 de outubro de 1.988 proclama em seu artigo 5º, inciso III, o total respeito à integridade física e moral dos apenados. Estes conservam todos os seus direitos e garantias como se fossem livres, excluindo-se apenas aquilo que é inerente à sua condição de interno do sistema prisional – liberdade de locomoção, direitos políticos, etc. – mas ainda conserva outros direitos, principalmente o direito à vida e a dignidade humana.

6.1 Dos Direitos do Preso

A idéia de que preso não tem direito algum surgiu e também se arrasta por um longo período. A sociedade sempre considerou o apenado como um indivíduo funesto, infame, e assim sendo não teria direitos. Deste mesmo modo, a Administração Estatal – prisional – submetia-o e/ou submete ao poder arbitrário, despojando-o de todos os seus direitos.

De modo corolário a LEP em seu artigo 10, parágrafo único e artigo 11 e incisos, impõe explicitamente os direitos do preso no que tange a assistência:

 

Art. 10 - A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único - A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11 - A assistência será:

I - material;

Il - à saúde;

III - jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI - religiosa. [36]

 

 

 A finalidade precípua da assistência é a prevenção do crime e a orientação do apenado para o retorno a sociedade. Nos dizeres de Renato Flávio Marcão, a assistência aos condenados e aos internados é exigência básica para se conceber a pena e a medida de segurança como processo de dialogo entre os destinatários e a comunidade.[37]

A assistência à saúde é preceituada no art. 14, caput, e § 2º da LEP, mas a realidade é que na maioria das instituições prisionais não há tal assistência, então aplica-se o disposto do § 2º, redirecionando o apenado a rede pública para aplicação do preceito, o que também é complicado, pois esta tem que atender a população ordeira, e novamente o Estado não garante aquilo que é de direito aos presos.

A assistência jurídica, art. 15 da LEP, é uma outra razão pela qual os condenados não obtêm os benefícios que lhes são garantidos. Mas, os defensores públicos muitas vezes não aparecem nas instituições prisionais para a devida prestação jurídica. Uma solução plausível para amenizar esta situação foram as Faculdades imbuírem os estudantes de Direito a realizarem tal prestação e avaliarem as condições dos presos.

A assistência à educação está preceituada no art. 17 da LEP e colima a instrução escolar e formação profissional do preso e do internado. Urge salientar que essa assistência é precária e inexistente a formação profissional.

A assistência religiosa, prevista no art. 24 da LEP é prestada de forma satisfatória na grande maioria das penitenciárias.

A assistência social também se torna ineficaz pela falta de profissionais. Por essa assistência é que o apenado é avaliado e verifica-se se este está em condições, se preenche os requisitos para uma liberdade condicional.

Como se observa, os artigos ora mencionados são um imposição, a “mens legislatoris” incumbiu o Estado o dever de prestar assistência, e, respectiva visa meramente à prevenção do delito e a reincidência, e também, uma orientação do infrator da norma jurídica ao convívio social.

Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito devido à dignidade e ao calor inerentes ao ser humano.

Não haverá discriminação em razão de raça, sexo, cor, língua, religião, opinião política ou outra origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou outra condição.[38]

 

A LEP ainda prevê em seu artigo 3º o asseguramento ao condenado todos os direitos não atingidos pela sentença.

Ante tudo o que foi explicitado, o que se segue de ora avante é justamente o contrário do que preceitua nossa Lex Magna e demais Leis e Pactos Internacionais.

 

7 PENITENCIÁRIAS E SUAS IMPLICAÇÕES

 

 

A idéia de se enfrentar um perigo iminente e desconhecido pode nos afastar de uma problemática, buscando-se simplesmente a satisfação da consciência vulgar, o que pode ser encarada como uma forma prática de eximir de pensar sobre os problemas, afastando-os de nós, ou afastando-nos deles.

Elucidando: convive-se com a fome de muitos e acredita-se ser um fato extremamente natural, como também, pode-se depositar essas pessoas em alguma organização social e acalmar a consciência culposa.

As penitenciárias, prisões, cadeias e outras instituições públicas que colimam repelir o crime através do seu cerceamento da liberdade do transgressor da norma jurídica, aparecem dissimuladamente como uma remissão, um consolo para todas aquelas questões sociais, sendo que esse sistema produz e reproduz uma série de novas relações sociais.

Os sistemas penitenciários e demais vertentes abarcam o lixo, a escória da sociedade. Ao serem depositados neste meio, os homens são rotulados como anormais. A penitenciária exsurge então como uma oportunidade e um momento para sua “recuperação”, pois, nesse meio, poderá refletir e repensar sobre seus atos e suas conseqüências, e por sua vez, descansar as consciências sociais.

As “Instituições Totais” – penitenciárias e afins, definem-se:

...como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. [39]

Elas são o depósito de lixo humano, formada pelos homens que infringiram o preceito jurídico, as normas de conduta de uma sociedade “padrão”, destarte, essa mesma sociedade não questiona as atitudes de quem a assegura, ou seja, o Estado. A esse respeito, de serem o lixo humano, leciona Heleno Fragoso: O status do preso comum em uma sociedade estratificada representa o escalão mais baixo da pirâmide social. [40]

Os grupos sociais detentores do poder não questionam a manutenção estatal, pois essa situação lhes beneficia e assegura a própria hegemonia social, garante o seu “status”, enquanto que o grupo social relativamente fraco não questiona porque o “lixo humano” sai justamente do seu meio social.

É fundamental vislumbrar que toda instituição, distintamente, configura em seu objetivo principal a “doutrinação do indivíduo”.

A prisão deve ser um aparelho disciplinar exaustivo. Em vários sentidos: deve tomar a seu cargo todos os aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições; a prisão muito mais que a escola, a oficina ou o exercito, que implicam sempre numa certa especialização, é “onidisciplinar”. Além disso, é sem exterior nem lacuna; não se interrompe, a não ser depois de terminada totalmente sua tarefa; sua ação sobre o indivíduo deve ser ininterrupta: disciplina incessante (grifo).[41]

Essa disciplina incessante, exaustiva, tem como finalidade precípua a ressocialização, a reinserção do apenado na sociedade que anteriormente pertencia.

7.1 Prisão e Controle

 

A vida de um interno é controlada, vigiada a todo o momento e todos seus atos podem ser utilizados para ele ou contra ele, pois as normas internas de conduta, prevista na Lei de Execução Penal devem ser respeitadas. Nota-se então, especificamente às instituições penais, que pouco se respeita à concretização oficial da pena, ou seja:

Punições retributivas do mal causado pelo delinqüente; prevenção da prática de novas infrações através da intimidação do condenado e de pessoas potencialmente criminosas; regeneração do preso, no sentido de transformá-lo de criminoso em não-criminoso. [42]

As instituições penais contribuem significativamente para a “desestruturação” do apenado e principalmente do homem – enquanto ser social.

As castrações e situações vexatórias sofridas auxiliam nessa desestruturação, nessa degeneração mental, embora isto ocorra com a anuência dos internos e, mesmo com esta anuência não conseguem conter sua proliferação e finalmente sua contaminação.

A perda do individual gerada pela vida institucional é forte demais, é uma violência, e o mecanismo de defesa encontrado é a alienação, sendo esta produzida não pelo apenado, mas sim pelo sistema o qual está inserido.

Não se sabe a quem poderia atribuir a responsabilidade dessa situação, a ideologia da expulsão do mal vem sendo repassada através dos tempos pelo grupo social detentor do poder.

A falácia das instituições penais perpetua-se através dos tempos. Suas formas mudam, mas o objetivo ainda é o mesmo, buscar o controle do homem social.

 

7.2 A Realidade Carcerária

 

A premissa maior para a reinserção do interno em sociedade são os princípios legais da pena. Porém, evidencia-se que o respeito a tais princípios é inconveniente e precário na instituição prisional, o que contribui gradativamente para a degradação do interno.

É difícil conceituar que é o papel real de uma instituição prisional, qual a sua função a ela designada. O que se evidencia é como sendo o da proliferação da criminalidade, um cancro que se alastra sem o menor controle.

A violência ora combatida fora das prisões é insuficiente, não é eliminada, e sim, transportada para um espaço fechado tido como controlável e seguro. Essa falsa de segurança resume-se em extrair o mal e evitar que este retorne ao exterior.

A reintegração, como dever do interno, evidencia-se como um direito. Tarefa pouco fértil é falar de direito de preso, uma vez que seu valor social participativo é mínimo.

A concretude da realidade carcerária, a sua constante rotina, acaba provocando reações individuais que devem ser suportadas pelo coletivo.

Urge salientarmos um fator vital a todos os seres, a alimentação.

É uma rotina totalmente desequilibrada, sem proteínas, vitaminas, nutrientes necessários, tornando-se assim pobre e inexpressiva.

Conforme preceitua o artigo 12 da LEP que fala sobre a assistência material:

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação (grifo), vestuário e instalações higiênicas. [43]

Perfilha também o artigo 13, parágrafo único, das regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil:

 

Art. 13. A administração do estabelecimento prisional fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo único. A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e dieta por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para a manutenção da saúde e do vigor físico do preso (grifo). [44]

    Partindo do pressuposto dos artigos retro mencionados, o que realmente se vê é o não cumprimento das normas elencadas na Lei de Execução Penal e das regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil.

 

7.2.1 A Degeneração do Interno

 

 

As instituições penais ou organismos sociais que ostentam o poder possuem o mesmo objetivo: o controle do homem.

Percebe-se que para o controle em toda sua amplitude positivamente se efetive, faz-se necessário a criação de mecanismos adequados que garantam tal efetividade. Mister se faz também que as pessoas “fora” do grupo a ser controlado sintam a necessidade deste controle, percebendo-o legítimo.

Outro aspecto singular da prisão, a merecer pronto registro, diz respeito à multiplicidade de fins a que ela se propõe, os quais, ligados, oferecem espantosa combinação: confinamento, ordem interna, punição, intimidação particular e geral, regeneração – tudo dentro de uma estrutura severamente limitada pela lei, pela opinião pública e pelos próprios custodiadores.[45]

 

O enfoque na análise depredadora e controladora do interno se deterá à instituição penal. Ainda assim, outro aspecto considerado refere-se ao processo de inclusão institucional. As pessoas internas não se encontram reclusas por sua vontade própria, são involuntariamente ali depositadas.

A existência dessas instituições prisionais receptoras de infratores do preceito jurídico não se prende somente à necessidade de excluí-los do meio social. Busca-se também, moldar os indivíduos e prepará-los para um possível retorno ao mundo externo e, às vezes è alcançado, tal fato, esse êxito alcançado, não significa sua inclusão social.

 

7.2.2 Cotidiano Institucional

 

 

Quando, depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o apenado é “jogado” dentro de uma penitenciária ou outra instituição qualquer que vise puni-lo, inicia-se, independente de sua vontade, uma nova vida, onde deve introjetar e aceitar novos padrões e normas que decidirão sua conduta, deixando o apenado de possuir uma identidade individual e passando a viver dentro de uma coletividade a qual não escolheu, mas tendo que aceitá-la.

A castração do apenado é o básico para a manutenção desse sistema de relações.

Seus bens pessoais, tão comuns ao meio externo, raro se tornam no seu novo habitat. Tudo o que faz e possui é compartilhado com outros internos. As agressões vão desde seus bens materiais até agressões físicas e morais. O seu novo ambiente é uma grande comunidade onde todos compartilham tudo de todos, inclusive indignações.

...a posse de bens materiais faz parte, de maneira fundamental, da concepção do indivíduo sobre si mesmo. Nas condições descritas, que somam às demais características da prisão, fácil fica avaliar a que ponto desce o conceito que o preso tem de si, como pessoa. Julga-se, e convenhamos, com toda razão, o lixo da sociedade. [46]

A violência do aparelho prisional é com certeza a mais impiedosa e vexatória ao apenado. Não há uma mensuração de recuperação, de ressocialização, há, sim, um instrumento de vindita. O próprio sentido de intimidação e de excessivo rigor punitivo não deixa de construir uma modalidade de terrorismo oficial.

A degradação sofrida pelo “eu” foge ao controle do interno, pois o próprio ritual prisional é preestabelecido e sua rigidez é demasiada.

Tem-se como exemplo básico a despeito desse assunto o próprio banho. Para muitos um momento sagrado, que se torna um ato público e coletivo, onde a possibilidade do seu corpo ser a representação do seu “eu” – enquanto intimidade – deixa de ser considerada. Este disparate, esta violação, esta total desconsideração é apresentada tanto pelos agentes carcerários como pelos seus pares que já “acataram” as leis desse novo mundo. O seu corpo, até então limite simbólico de sua individualidade, é violentado intimamente.

Preceitua, aliás, determina o artigo 15 das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil que os condenados mantenham seus corpos asseados e que as autoridades prisionais forneçam os artigos para essa mantença, o que acontece em poucos estabelecimentos prisionais, pois, na maioria das vezes é a própria família é quem fornece os respectivos materiais.

Esse preceito é diuturnamente violado, mesmo tendo todos os presos acesso aos banheiros, estes normalmente estão avariados ou quebrados, o que inviabiliza o uso e prolifera doenças. Os chuveiros, quando existem, também são ou estão danificados. Conforme figura 1.

 

Figura –1

 

Tem-se também outro ponto a discutir que é a revista pessoal que é feita toda vez em que há indícios de uma provável rebelião ou simplesmente revista pessoal de rotina:

A revista corporal é vista, sempre, como uma violação, qualquer que seja a delicadeza – às vezes real – daquele que a opera e cuja situação é tão penosa quanto à do preso. Entre as múltiplas queixas expressas pelo detentos, ela aparece raramente ou, então, sob uma forma atenuada, ou escamoteada, sem esses pormenores crus, geralmente abundantes, por força de seus propósitos. Aqueles dentre nós que, acidentalmente, foram vítimas da experiência, por parte de zelosos agentes alfandegários, podem fazer idéia dessas apalpadelas, mesmo que elas não tenham chegado à exploração da cavidade anal.; tanto quanto aos fiscais da aduana, os guardas não experimentam prazer com essa maçada, e se os detentos os suspeitam de gozá-las, é porque estes se sentem, então, como objetos submetidos ao desejo de outrem. A revista não é nem pode ser considerada como uma simples operação de controle: ela agride, ao mesmo tempo, o corpo real, o corpo imaginário e o corpo simbólico. O homem revistado é um homem possuído. [47]

A integridade moral do detento é desrespeitada a partir do momento em que ele entra na prisão. A revista corporal minuciosa por que passa quando de sua admissão (e sempre) no estabelecimento e o despojamento de seus pertences já iniciam o processo de despersonalização e representam (principalmente o exame corporal humilhante feito com a justificativa de impedir a entrada de tóxicos) os primeiros indícios do absoluto desrespeito à sua integridade moral que marca a vida no cárcere. [48]

Nas prisões, as humilhações, violências sofridas pelo corpo físico, a nível externo, são vistas como necessárias para que, internamente, o recluso perceba a existência do domínio de um novo padrão cultural e o que o “seu grupo social” exige que seja respeitado. Busca-se de todos os modos integrar o indivíduo.

Talvez o tipo mais evidente de exposição contaminadora seja a de tipo diretamente físico – a sujeira e a mancha no corpo ou em outros objetos intimamente identificados com o eu. [49]

A figura do eu – apenado, do caráter interno e individual de cada ser humano, configura-se como foco central deste ante o sistema prisional. Não se encara como dois pontos estanques o aspecto interno e o externo, porém acredita-se que o eu interno – emoção, afetividade, sentimentos – é o alvo a ser atingido pelo processo institucional – externo.

Os castigos e privações físicas objetivam além do sofrimento corporal a conversão do ser humano, ou como traduz FOUCAULT[50], o seu “adestramento”, a sua remodelação social.

A degradação e o sofrimento experienciados pelo apenado são desconsiderados. Não se observa, na maioria dos casos, que para este estado de degradação, de depredação, surja uma reação do indivíduo, que busca fugir deste mundo concreto que lhe causa tantos sofrimentos, tanta dor.

O sofrimento advém da coisificação do seu ser, da constante busca do sistema em transformá-lo, rotulá-lo e adestrá-lo, fabricam-se indivíduos submissos e constitui-se sobre eles um saber (grifo) em que se pode confiar. [51]

Essa coisificação configura-se também em sua resignação. Dentro dos sistemas prisionais, cria-se a “ideologia do bom preso” ou “preso de confiança”. O bom preso é aquele que obedece as normas ali ditadas, aceita tudo com resignação, não contesta em hipótese alguma as ordens emanadas e normas da equipe dirigente e colabora com a mesma, auxiliando, fornecendo informações das atividades internas, contribuindo assim para a manutenção da ordem interna.

Mas, bom preso é também um bom cidadão? Evidente é a negativa da resposta, pois o cotidiano de um interno é diferente do externo.

Retomando sobre a atitude de resignação do interno, ou ideologia do bom preso, acredita-se que seja por parte da equipe dirigente, com relação ao mesmo, um tratamento diferenciado, nem sempre evidente. Confirma-se o sistema de privilégios presente na instituição.

Na medida em que a ligação do internado com o seu civil foi abalada pelo processo de despojamento da instituição, é em grande parte o sistema de privilégios que dá um esquema para a reorganização pessoal.[52]

O sistema de privilégios mostra como as necessidades pessoais são satisfeitas, pela aceitação das normas institucionais, e, esse conjunto de normas, em alguns casos, fará parte de sua vida externa. A necessidade de frisar ao interno a coisificação do seu eu, extrapola os limites institucionais e o acompanha após a sua “reinserção” no mundo externo.

Observa-se que não é suficiente o apenado ser um objeto maleável dentro do sistema. Ele precisa sair deste aceitando todas as imposições que advierem deste meio. Tal procedimento não é difícil de acontecer, pois as marcas internas e externas sofridas são profundas e ele levará consigo um rótulo que o transformará em um eterno ser errante.

O infligimento da pena ao indivíduo ante o delito cometido, no que tange à aplicação da pena, deveria se encerrar nas muralhas que o cercam, e inobstante se encerra.

Mas, observa-se que a degradação cometida em desfavor do apenado não se encerra, ela se alastra como se uma câncer fosse, extrapolando e rompendo sua dignidade de forma avassaladora, deixando chagas irremediáveis. Quiçá, quando reduzido a termo, ou seja, quando findar sua desditosa vida, este recupere sua dignidade.

Estigma: Uma Permanente Rotulação

Quando se fala rotulação que acompanha o indivíduo, deve-se lembrar da constante vigia e do descrédito que existe sobre ele, por parte não só dos seus pares como também por membros da instituição.

...acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso fazemos vários tipos de discriminação, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. [53]

Os indivíduos que já passaram por uma instituição prisional estão marcados e inaptos a viverem em sociedade.

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. [54]

A distribuição em categorias sociais permite uma estratificação adequada dos membros, colocando-os em seus respectivos lugares.

Em resposta a esta estratificação social, o indivíduo estigmatizado, basicamente pode apresentar três comportamentos: reincidência criminal, auto punição e tentar provar às pessoas que é capaz de levar uma vida hipoteticamente normal, que seria a superação do estigma. Percebe-se então, que o estigma funciona como o elo entre o indivíduo e a instituição. A ligação transporta para o nível externo as marcas de sua anormalidade.

Além da deformação pessoal que decorre do fato de a pessoa perder seu conjunto de identidades, existe a desfiguração pessoal que decorre de mutilações diretas e permanentes do corpo.... [55]

As torturas sofridas nas penitenciárias e demais instituições prisionais ou correcionais, tanto por parte dos seus pares como por parte dos agentes públicos, objetivam a intimidação da pessoa, mas, representa ser ineficaz. Figura 2 e 3.

Figura 2

 

Figura 3

A condição de vida dos indivíduos estigmatizados e dos egressos dessas instituições é mais delicada do que a do indivíduo que possui uma deformação física.

Chega-se a essa conclusão por dois fatos: a culpa social imposta aos membros do primeiro grupo é de natureza interna – responsabilidade exclusivamente dele, já o segundo, há um sentimento de consternação, estes possuem uma anomalia visível e, sua maior preocupação é com sua aparência. Os membros do primeiro possuem uma anomalia interna e que foge do controle social, ele busca sempre esconder sua identidade, pois a sua culpa é de ordem exclusivamente moral.

A questão do estigma ou rótulo é um sistema dentro do qual todos os seres humanos estão enquadrados de forma depreciativa ou não. Passa-se a identificar as pessoas por um determinado símbolo que lhe imputamos: maneira de vestir, cabelos, o andar, a fala, cor da pele, religião, etc.

O estigma carregado pelo interno de uma instituição prisional torna-se sua segunda pena ou sentença, ou seja, convive-se com a pena legal que lhe é sentenciada e com o rótulo ilegal que lhe é providenciado.

O rótulo carregado pelo interno não se detém ao espaço físico da instituição, ele se transfere para o mundo externo. As discriminações sofridas por estes indivíduos limitam suas possibilidades, suas oportunidades sociais, estimulando assim sua reincidência.

Neste diapasão, aponta-se a questão da proliferação da criminalidade. As condições sociais oferecidas pelas instituições penais para o enquadramento social do indivíduo, em padrões de normalidade são ínfimas, restando-lhe então poucas alternativas, além da figura do delito, aperfeiçoado na própria experiência como interno da instituição.

O egresso passa então a omitir sua história. Esta omissão apresenta-se como mais um mecanismo de controle e castração do “seu eu”, do individualismo, do seu passado portador de uma “anormalidade” adquirida em sua permanência no sistema prisional, um espaço onde muitos acreditam só existir “animais” enjaulados que precisam de um adestramento.

Talvez o significado de “recuperação” institucional objetive justamente esta “transformação” do homem tomando como um experimento[56].

Ócio e Devaneio

A solução apresentada para a reestruturação dos apenados é a sua desestruturação, aprioristicamente a cargo das instituições.

As decisões são tomadas pela equipe dirigente, as previsões dos acontecimentos e tudo mais, ao recluso não é permitido tomar decisões, fazer planos. O futuro torna-se um constante delírio e sua imaginação como saída para a preservação da sua saúde mental é tida como demência.

O poder de sonhar, de imaginar o que vai acontecer, também pode ser controlado, e, não raro alguns internos dizem não pensar no futuro.

As divagações e os delírios são auxiliados pela ociosidade que ocorre dentro do sistema prisional. As atividades corporais e mentais são raras.

A ociosidade contribui ainda mais para a degradação do interno, pois, lhe é negada a participação do processo produtivo, ponto de referência para a definição da normalidade social do homem.

O trabalho, quando existe, resume-se a algumas atividades esporádicas. A atividade realizada constitui numa simples prestação de serviços, sem um real sentido sócio-econômico, o que contribui para um afastamento ainda maior entre a realidade social interna e a externa, fazendo com que o interno perca o controle da sua capacidade de trabalho.

Mas, como desviar-se da meta central das instituições, que ocultamente é a desestruturação do interno e este manter sua integridade interna?

 Os seres humanos possuem uma característica específica:a capacidade de sonhar, de idealizar e transportar-se mentalmente para outras realidades e, esta capacidade a ele inerente é o mecanismo utilizado para reverter ou retardar sua degradação.

Resta, quem sabe, que este momento não seja tomado, invadido e aprisionado.

Quando um condenado passa a vivenciar a realidade carcerária, automaticamente ele é excluído da sociedade, torna-se incapaz de agir com influxo nas decisões de nível físico e moral, estirpando seu sentido de posse e reforçando sua futilidade.

Entender-se-á por futilidade, um inseto, que em zig-zag não tem e não sabe para onde ir e o que realmente fazer.

A liberdade física e moral do homem são castradas e sua organização pessoal ou sua tentativa de organização é escassa.

O Estado – enquanto defensor ou mantenedor do sistema prisional – não demonstra um real interesse no que tange à abolição da ociosidade, ou seja, ele – Estado – não colima um aperfeiçoamento, uma profissionalização do apenado para sua reinserção social.

Acredita-se que a falácia do sistema carcerário é reflexo de uma política sócio-governamental totalmente precária, o que torna a organização interna e expectativas futuras do apenado.

A Privacidade

Conforme já explicitado anteriormente, nos artigos 85 e 88 da Lei de Execução Penal, surge a confinação geográfica que influi diretamente na limitação física de cada interno.

Ainda, consagra de forma exuberante nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, erigindo o valor humano à condição de direito individual, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem da pessoa.

Algumas celas, onde normalmente caberiam quatro internos, abrigam, em média, dezesseis internos, mas essa quantia é bem maior.

De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões onde convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos humanos se acumulam a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e galerias, exalam um odor insuportável; onde as celas individuais são desprovidas por vezes de instalações sanitárias; onde os alojamentos coletivos chegam a abrigar 30 ou 40 homens; onde permanecem sendo utilizadas, ao arrepio da Lei 7.210/84, as celas escuras, as de segurança, em que os presos são recolhidos por longos períodos, sem banho de sol, sem direito a visita; onde a alimentação e o tratamento médico e odontológico são muito precários e a violência sexual atinge níveis desassossegantes? Como falar, insistimos, em integridade física e moral em prisões onde a oferta de trabalho inexiste ou é absolutamente insuficiente; onde os presos são obrigados a assumirem a paternidade de crimes que não cometeram, por imposição dos mais fortes; onde um condenado cumpre a pena de outrem, por troca de prontuários; onde diretores determinam o recolhimento na mesma cela de desafetos, sob o falso pretexto de oferecer-lhes uma chance para tornarem-se amigos, numa atitude assumida de público e flagrantemente irresponsável e criminosa?[57]

Essa limitação de privacidade estende-se ao sistema como um todo, alocando uma população carcerária quatro vezes maior que sua capacidade. Conforme figuras 4 e 5.

 

Figura 4

Figura 5

Inicia-se então um processo de restrições sofridas pelo apenado, e, suportadas em consideração ou respeito ao padrão ora imposto pelo sistema prisional.

Outra situação também explicitada foi o banho que na sua grande maioria é coletivo.

As regras políticas da instituição – privação – atingem também as necessidades fisiológicas, como exemplo relações heterossexuais. O apenado quando cedido o direito de visitas íntimas, normalmente compartilha essa intimidade com os demais companheiros de cela, justamente por não haver um local destinado exclusivamente para esse tipo de visita.

Na vida civil, o cidadão é, geralmente, membro de uma família, de um grupo laboral, de um grupo de vizinhança, de uma comunidade local, que apresentam grande variação de interesses grupais, uma variação completa de idade e uma variedade infinita de ligações sociais. A maioria dos adultos tem relações sócio-sexuais de um padrão permanente, contínuo e, usualmente, heterossexuais....[58]

Perfilhando desse axioma – privacidade – outra prática muito comum nas instituições prisionais é o homossexualismo.

 

Na prisão, em contraste, as relações sociais são temporárias (pela duração da sentença) e compulsórias (geralmente baseadas na residência numa cela, bloco de celas ou pátio e no local de trabalho, embora em algumas prisões os interesses grupais possam desenvolver-se). A variação de idade é estreita e as relações sócio-sexuais são, exclusivamente, homossexuais. [59]

Ainda sobre o homossexualismo, este é às vezes latente e outras vezes não, este se divide em três partes distintas, os escrachados, os violentados e os enrustidos:

Escrachados: aqueles que, simplesmente, mantêm, na cadeia, o desvio que trazem da liberdade. Continuam a triste saga de procurar o macho, antes de serem procurados, e de lhes dar vantagens, antes de as receberem. Mostram sinais ostensivos de feminilidade.

Violentados: indivíduos submetidos à força, pela violência física. Muito comum nas prisões policiais, onde os alojamentos são coletivos.

Enrustidos: mantêm a aparência masculina, guardando absoluta discrição acerca de seu desvio (e os outros presos respeitam o segredo); continuam, para o mundo externo, a serem tidos como homens e nessa condição recebem suas visitas, inclusive da mulher, dos filhos, dos parentes, dos amigos. Após serem postos em liberdade, não repetem as práticas homossexuais. [60]

O sistema prisional como um todo é um cubículo rotineiro e desgastante. Não há como estabelecer níveis e momentos em que a privacidade é invadida, pois, a mesma configura-se numa globalidade pessoal.

Perfilhando do que ora foi exposto, a privacidade é invadida, usurpada em todos os sentidos e, com a prática do homossexualismo ocasiona a proliferação de doenças.

 

REFERÊNCIAS

 

ALBERGARIA, Jason. Manual de direito penitenciário. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1993.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional / Celso Ribeiro Bastos. – 21. Ed. atual. – São Paulo : Saraiva, 2000.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Título original: Dei delitti e delle pene (1764). São Paulo: Editora Martin Claret, 2003.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, volume 1 – 9. Ed. – São Paulo : Saraiva, 2004.

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[1] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo, Saraiva, v.1, 1998, p. 21.

[2] LEAL, João José. Direito Penal Geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 58/59.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, volume 1 – 9. Ed. – São Paulo; Saraiva, 2004. CARRARA, Francesco. Programa de Derecho Criminal. Trad. Ortega Torres, I, Bogotá, Temis, 1971, p. 19.

[4] Bis in idem, p. 101.

[5] FENECH, Miguel. Derecho procesal penal. Barcelona, Labor, 1952.

[6] BUSTAMANTE, Juan José Gonzáles. Princípios de derecho procesal penal mexicano. México, Porrúa, 1971, p. 3.

[7] ROCCO, Arturo. Sul concetto del diritto subiettivo di punire, no volume Opere Giuridiche, III, Roma, Soc. Ed. Foro Italiano, 1933, p. 132.

[8] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes,1987. p. 73.

[9] Bis in idem, p. 63.

[10] FRAGOSO, Heleno. Direitos dos presos / Heleno Fragoso, Yolanda Catão, Elisabeth Sussekind. – Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 85.

11 LEP, art. 1º.

 

[12] Exposição de motivos da Lei 7.210 de 11-7-1984.

13FRAGOSO, Heleno. Direitos dos presos / Heleno Fragoso, Yolanda Catão, Elisabeth Sussekind.Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 84.

14 Lei 7.210 de 11-7-1984, art. 1º.

 

 

 

[15]SILVA, Odir Odilon Pinto da. BOSCHI, José Antonio Paganella. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro, AIDE, 1986, p. 21.

 

[16] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal : parte geral, volume 1 – 9. Ed. – São Paulo; Saraiva, 2004, p. 121. MELOSSI, Dario &  PAVARINI, Massimo. Cárcel y Fabrica – Los Orígenes del Sistema Penitenciário. Siglos XVI – XIX, 2ª Ed., México, 1985, p. 168.

 

[17] CF, art. 5º, XLVIII.

[18] LEP, art. 82.

[19] Exposição de Motivos da Resolução nº 7 de 11-07-94.

[20] Exposição de Motivos da Resolução nº 14 de 11-11-94.

[21] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime / Enrico Ferri; prefácio do Prof. Beleza dos Santos; tradução de Paolo Capitanio. – 2. Ed. – Campinas: Bookseller, 1998, ps. 348/ 349.

[22] Bis in idem, p. 340.

[23] Bis in idem, p. 340.

[24] LEP, art. 85.

[25] LEP, art. 87.

[26] LEP, art. 88.

[27] Resolução nº 14, de 11-11-94, arts. 8º e 9º.

[28] Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento do Recluso, 1955.

[29] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos – 2ª Ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2001, p. 301.

[30] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. Max Limonad, São Paulo, 1996.

[31] Direitos Humanos: Declarações de Direitos e Garantias – 2ª Ed. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, p. 46.

[32] Bis in idem, p.125.

[33] Bis in idem, p. 165.

[34] Bis in idem, p. 256.

[35] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 202.

 

[36] LEP, arts. 10 e 11.

[37] MARCÃO,  Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. Saraiva, São Paulo, 2001, p. 42.

[38] Bis in idem, p. 25.

[39] GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos, 2ª Ed., Editora Perspectiva, 1987, p. 11.

[40] FRAGOSO,  Heleno. Direito dos presos / Heleno Fragoso, Yolanda Catão, Elisabeth Sussekind. – Rio de Janeiro : Forense, 1980,  p. 81.

[41] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 198-199.

[42] THOMPSON, Augusto, A Questão Penitenciária, Rio de Janeiro, Forense, 1980,  p. 4.

[43] LEP, art. 12.

[44] Resolução nº 14, de 11-11-94, art. 13.

[45] THOMPSON, Augusto, A Questão Penitenciária, Rio de Janeiro, Forense, 1980,  p. 22.

[46] THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária, Rio de Janeiro: Forense, 2000,  p. 64.

[47] Cf. Augusto Thompson, apud Simone Buffard, ob. cit., ps. 47-48.

[48] FRAGOSO, Heleno. Direitos dos presos / Heleno Fragoso, Yolanda Catão, Elisabeth Sussekind. – Rio de Janeiro : Forense, 1980, p. 87.

[49] GOFFMAN, Erving, op. cit., p. 32.

[50] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 152.

[51] Bis in idem, p. 258.

[52] GOFFMAN, Erving, op. cit. p. 49-50.

[53] GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro,  1982, p. 15.

[54] Bis in idem, p. 29.

[55] GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos, op. cit., p. 29.

[56] GOFFMAN, Erving, op. cit., p. 22.

[57] LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 87/88.

[58] Cf. Augusto Thompson, apud  Dennis Chapman, Sociology and the Stereotypes of the Criminal, Tavistock Publ., Londres, 1968, ps. 201 e 203.

[59] Bis in idem.

[60] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária – Rio de Janeiro: Forense, 2000, ps. 70-71.

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