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Brasil: O País das Medidas Provisórias


Autoria:

Allan Thiago Barbosa Arakaki


Especialista em Direito Público

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Resumo:

O presente artigo analisa os requisitos de urgência e relevância na adoção das medidas provisórias. Ademais, delineia algumas características destas no que tange à sua natureza e sua utilização, sob uma visão crítica e jurídica.

Texto enviado ao JurisWay em 14/01/2008.

Última edição/atualização em 24/01/2008.



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INTRODUÇÃO

 

             Diante do alto número de edição de medidas provisórias pelo Executivo, o presente ensaio tem por objetivo analisar a natureza das medidas provisórias; focando, sobretudo, os requisitos de relevância e urgência na sua adoção pelo Presidente da República e as suas conseqüências para o regime democrático brasileiro.

  

DA MEDIDA PROVISÓRIA

 

             A medida provisória, com esteio jurídico no artigo 62, da Constituição Federal, refere-se a um instrumento normativo excepcional que, apesar de não ser lei, possui a mesma força desta durante a sua vigência, podendo ser adotada pelo Presidente da República nos casos de urgência ou relevância.

             Como se pode observar, tal espécie normativa ímpar representa uma inovação do Poder Constituinte Originário que, à elaboração da Constituição de 1988, optou pela criação das medidas provisórias em substituição ao decreto-lei. Este, por sua vez, não se confunde com as medidas provisórias, eis que cada instrumento encerra um regime jurídico-constitucional peculiar: No caso do decreto-lei, caso o Legislativo não o apreciasse em 60 dias, era tido automaticamente como aprovado; diferentemente ocorre com as medidas provisórias, que necessitam obrigatoriamente do aval do Legislativo para se converterem em lei; não há nesse último caso aprovação automática ou presumida.

 

            Já, quando adotada pelo Presidente da República, a medida provisória, revestida de seu caráter sui generis, começa a irradiar desde já os seus efeitos; porém, ressalte-se o fato de que ainda não é lei. Assim, tornar-se-á lei a partir do momento em que o Congresso aprová-la e, portanto, convertê-la. O prazo para a apreciação da medida provisória pelo Legislativo é de 60 dias, sendo prorrogável por uma única vez (art. 62, § 3º, da CF). Esse interregno temporal, limitado pela norma constitucional, decorre da própria lógica histórico-constitucional, eis que se correria o risco de o Presidente, caso não conseguisse a conversão da medida provisória em lei ou o Congresso não a apreciasse a tempo, legislar por via de media provisória. Destarte, para coibir eventuais abusos e chancelar a tripartição de poderes, a Constituição, principalmente após o advento da Emenda Constitucional nº.32/01, cujo intuito foi de diminuir a discricionariedade na edição de MP; garante limites quanto ao conteúdo da medida provisória e quanto ao seu limite temporal de vigência. 

 

            Cite-se, como exemplo, a vedação expressa, no sentido de não se admitir a tipificação de uma conduta por meio de medida provisória (art. 62, § 1º, b). Privilegia-se, em tal caso, o princípio da legalidade, responsável por garantir que somente lei em sentido estrito é fonte legítima para tipificar condutas. Outrossim, saliente-se que reinaria o caos e a incerteza jurídica se o Presidente da República pudesse criar ou extinguir os tipos penais. O cidadão estaria à mercê da possibilidade de vir a se instalar contra si um processo tipicamente kafkiano (1).

 

Ademais, merece a consideração que a medida provisória não tem o condão de revogar a lei, mas, apenas suspender a eficácia desta; pois, apenas se e quando for convertida em lei pelo Legislativo, ela terá a possibilidade de revogar a lei, com esteio no art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, cuja eficácia outrora suspendera.

 

Já, muito diferente do que muitos operadores do direito pensam, é possível a adoção de medidas provisórias na Constituição estadual e na Lei Orgânica, respectivamente, pelo Governador e pelo Prefeito, obedecido em todo caso o princípio constitucional da simetria. Nessa esteira, importante destacar o seguinte julgado:

 

“Podem os Estados-membros editar medidas provisórias em face do princípio da simetria, obedecidas as regras básicas do processo legislativo no âmbito da União (CF, art. 62). 2. Constitui forma de restrição não prevista no vigente sistema constitucional pátrio(CF, § 1º, do art. 25) qualquer limitação imposta às unidades federadas para a edição de medidas provisórias. Legitimidade e facultatividade de sua adoção pelos Estados-membros, a exemplo da União Federal” (STF- Pleno- Adin nº 425-5/TO –Rel. Min. Maurício Corrêa. Diário da Justiça, 18.02.04, p.18) (2).

 

      DOS REQUISITOS

 

             Feitas as ponderações introdutórias, mister analisar  os requisitos essenciais da espécie normativa excepcional, trazidos pelo caput do art. 62, da CF: relevância e urgência. Ou seja, a medida provisória juridicamente se legitima a partir da urgência e relevância de sua adoção; daí a não convalidação da ruptura do pacto tripartite de separação dos Poderes. A intenção do legislador, ao permitir um regime jurídico em que se previu a existência de tal instrumento ímpar, foi a de garantir a segurança e agilidade em relação a ações por parte do Chefe do Executivo, em meio a casos extremos, isto é, urgentes e relevantes.

 

 Porém, embora plausível a idéia que imbuiu o constituinte, não é o que se observa na atualidade: o referido instrumento excepcional, apesar de todas as cautelas constitucionais, é usado pelo Chefe do Executivo para simplesmente legislar; tornando-se um verdadeiro curinga. Da excepcionalidade de sua natureza migrou para banalização. Tudo, ou melhor, quase em 99,99% dos casos, é motivo para adoção de medidas provisórias. Em 2007, o Brasil teve editadas, conforme o site do planalto (www.planalto.gov.br), 70  medidas provisórias; o que representa a média de mais de 5 MP por mês.

 

A partir dessa análise no caso sub examine, observa-se a necessidade de se inquirir a quem compete avaliar o preenchimento dos requisitos de urgência ou relevância para a adoção das medidas provisórias. Seria ela um juízo discricionário do Presidente da República ou seria baseada em um critério objetivo e, portanto, passível de controle de constitucionalidade ?

 

A regra e o ideal, de fato, é que os requisitos de urgência e relevância para adoção das medidas provisórias sejam avaliados pelo próprio Presidente da República, por meio de seu juízo discricionário; entretanto, admite a doutrina e a jurisprudência o controle de constitucionalidade das medidas provisórias, principalmente no que tange ao preenchimento de suas características essenciais. Nesse sentido, extrai-se a lição de Alexandre de Moraes (3):

 

“O controle jurisdicional das medidas provisórias é possível, tanto em relação à disciplina dada a matéria tratada pela mesma, quanto em relação aos próprios limites materiais e aos requisitos de relevância e urgência. A essa última forma de controle jurisdicional, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, desde a constituição anterior e a respeito dos antigos Decretos-lei, é inadmiti-lo, por invasão da esfera discricionária do Poder Executivo, salvo quando flagrante o desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar.”

 

            Na jurisprudência, observa-se o seguinte julgado:

 

                        “Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o art. 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas Provisórias, decorrem, em princípio, do Juízo discricionário de oportunidade e valor do Presidente da República, mas, admite o controle judiciário quanto ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto.” (STF Pleno - Adin nº 162-1/DF. Rel Min. Moreira Alves. Diário da Justiça, 19 set. 1997) (4).

 

Encontra-se, ademais, na doutrina, autores, como, por exemplo, o livro de Price Waterhouse (5), o qual pugna pela apreciação de tais condições (urgência e interesse público relevante) pelo Congresso Nacional, que deverá, antes proceder ao exame do conteúdo material das medidas, verificar se as mesmas atendem àqueles pressupostos constitucionais. Não muito diferente, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (6) arrematam que a regra é a não-apreciação pelo Supremo da urgência, mas, em casos flagrantemente não urgentes, há a prestação jurisdicional para reconhecer a inconstitucionalidade da espécie em comento.

 

Assim sendo, diante da larga discricionariedade do Presidente da República, adveio a Emenda Constitucional nº 32/01, cujo mérito foi o de estabelecer justamente limites materiais e temporais para edição das medidas provisórias. Apesar de a EC nº 32/01 ter servido de triagem temática e temporal no processo de edição das medidas provisórias pelo Presidente da República, ainda há casos de ausência dos requisitos essenciais para sua adoção. Nesse diapasão, encontra-se a Adin nº 1.753- DF, j. em 16-4-9- STF (7), responsável por consignar que a alteração do prazo para o ajuizamento da ação rescisória em matéria ambiental, em relação à Fazenda Pública, não era matéria urgente; motivo pelo qual deveria ter sido utilizado outro caminho do processo legislativo regular, com o oferecimento de projeto de lei ordinária.

 

CONSEQUÊNCIAS AO REGIME DEMOCRÁTICO

 

            O fenômeno da utilização de um instrumento, cuja natureza é ou, pelo menos, deveria ser excepcional, de forma rotineira ou banalizada, põe em xeque a célebre tripartição de Poderes, o sistema de pesos e contrapesos da obra clássica de Montesquieu (8), consubstanciada no art. 2º, da CF. Eis que enquanto ao Executivo cabe administrar, ao Legislativo cabe a função legiferante; apenas, em casos atípicos e não típicos, o Executivo legisla, julga e o Legislativo administra, julga.

           

            O problema, como dito, não concerne à existência no plano normativo interno das medidas provisórias, e sim na sua utilização indevida e irresponsável, de forma a desgastá-la. Sobreleva o fato de que em algumas circunstâncias, pela necessidade de urgência, relevância, há realmente uma situação concreta em que obriga o Chefe do Executivo a tomar atitudes imediatas, cuja demora, em relação à espera de um processo legislativo ordinário, poderia trazer danos ou lesões a direitos individuais de uma maneira irreversível.

 

            Ademais, insta relevar que a má utilização das medidas provisórias acarreta uma lentidão aos demais projetos de leis em tramitação no Congresso Nacional. Nesse sentido, a Constituição Federal dispõe, nos termos do art. 62, § 6º, que caso a medida provisória não seja apreciada em até 45 dias, ela entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas, do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. Com a conseqüente pauta dos demais projetos de leis sobrestadas, o Congresso deverá dar prioridade a medidas provisórias. Encontra-se em tal ponto o problema, pois, se o número de medidas provisórias editadas pelo Executivo for alto; logo, ou o Legislativo terá de se desdobrar para apreciá-las e ainda deliberar acerca de projetos de lei, baseados na iniciativa de seus membros; ou então, exercerá um papel meramente coadjuvante de transformar ou não a medida provisória em lei, deixando em um plano secundário a aprovação de projetos da iniciativa dos próprios parlamentares.

 

            Em tal caso, correr-se-ia o risco de se transformar o Legislativo em um poder cuja função primária é a de simplesmente aprovar ou não as medidas provisórias. Obviamente que não é somente o excesso de medidas provisórias que colabora com a morosidade no processo legislativo brasileiro, mas, também uma série de outros fatores conjugados, como, por exemplo, a falta de vontade política e os poucos dias úteis de expedientes. Diante desses cânceres, projetos importantes para a sociedade, como a da reforma tributária, simplesmente são olvidados em alguma gaveta do Congresso Nacional.

 

             Segundo os dados do próprio site do planalto (www.planalto.gov.br) até o dia 09 de janeiro de 2008, chega-se à ilação de que o número de edição de medidas provisórias é alto: em 2006, foram cerca de sessenta e cinco medidas provisórias; em 2007, o número aumentou para 70; e em 2008, ano este que mal começou, editaram-se já 2 medidas provisórias. Saliente-se, outrossim, que vinte e uma dessas medidas provisórias, pelo menos até o dia 09.1.08, data da última atualização do site do planalto quando da elaboração do presente ensaio, estavam ainda em tramitação no Congresso Nacional. Este, por sua vez, só retomará suas atividades, nos termos do art. 57, da CF, em 2 de fevereiro. Até lá, é bem provável que o Executivo aumente o número das estatísticas aqui passadas.

 

 CONCLUSÃO:

  

            Conclui-se que, apesar de o constituinte originário ter previsto a necessidade, nos casos de urgência e relevância, da adoção de medidas excepcionais com força de lei pelo Presidente da República; tal instrumento banalizou-se. De sua natureza excepcional migrou, há tempos, para uma rotina usurpadora de abuso do poder legiferante. Não se trata de um posicionamento político ou partidário; muito menos, esquerda ou direita, ou então governo ou oposição; o que se observa, de fato, é que, desde a época remota do extinto decreto-lei, há a tendência de o Chefe do Executivo usá-lo, na maioria das vezes, de maneira irresponsável e irregular. Assim, com vistas a coibir abusos, descortina-se a proposta de controle de constitucionalidade das medidas provisórias, seja em relação aos seus limites temporais ou materiais, seja em relação ao juízo de urgência e relevância quando eivado por arbitrariedade ou abuso.  

 

 NOTAS/ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  

(1)-KAFKA, Franz. O Processo. Editora Martin Claret, Trad. Torrieri Guimarães. A alusão ao processo kafkiano refere-se ao livro que conta a história de Joseph K., que enfrenta contra si um processo infindável, cujo conteúdo é confuso e desconhecido pelo próprio réu;

 (2)-STF- Pleno- Adin nº 425-5/TO –Rel. Min. Maurício Corrêa. Diário da Justiça, 18.02.04, p.18;

 (3)-MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Jurídico Atlas, 20º ed., 2006;

 (4)-STF Pleno - Adin nº 162-1/DF. Rel Min. Moreira Alves. Diário da Justiça, 19 set. 1997;

 (5)-WATERHOUSE, Price. A Constituição do Brasil 1988 – Comparada com a Constituição de 1967 e Comentada. Editora Bandeirante S/A Gráfica e Editora, 1989;

 (6)-ARAÚJO, Luiz Alberto David, Júnior, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, 9º ed., 2005;

 (7)- STF- Pleno -Adin nº 1.753- DF, j. em 16-4-98;

(8)-MONTESQUIEU, Charles de S. B. L'Esprit des lois. 2 vol. Éditions Garnier Frères, Paris.

 

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