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A inconstitucionalidade da incomunicabilidade do indiciado


Autoria:

Amanda Cristina Luciano


Graduando em direito pela Pontificia Universidade Catolica de Minas Gerais

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Resumo:

A incoerência com o art.21 do CPP e o Estado democrático de direito no qual vivemos. Os princípios constitucionais devem ser indiscutivelmente cumpridos, sob pena de termos uma simulada garantia aos princípios fundamentais constitucionais.

Texto enviado ao JurisWay em 17/11/2010.



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1 A Inconstitucionalidade do Artigo 21 código de processo penal

 

O Art. 5º  da Constituição Federal prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, isso significa dizer que devemos tratar a pobres, ricos, negros, brancos, todas as pessoas da mesma maneira, sem distinção e igualdade deverá ser capaz de garantir o tratamento igualitário dos indiciados, que vez ou outra são tratados como se culpados fossem. A desculpa de possíveis repercussões negativas nas investigações não é desculpa para diferença de tratamento, pois se a idéia é proteger os inquéritos e as provas produzidas, devemos criar outros mecanismos de controle, que não a incomunicabilidade do indiciado. Para exemplificarmos a inconstitucionalidade do artigo em discussão, citaremos o art. 136 § 3o da CF, que proíbe expressamente a incomunicabilidade do preso.

 

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

§ 3º   Na vigência do estado de defesa:

IV -  é vedada a incomunicabilidade do preso.

 

O Brasil como um país democrático de direito, têm positivado em sua constituição a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e ainda o respeito à dignidade da pessoa humana, portanto não pode conviver com o despropósito previsto no artigo 21 do Código de processo penal, in verbis:

 

Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.”

Parágrafo único. “A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963).

 

Ainda de acordo com a constituição cidadã, em seus incisos LXII e LXIII, os quais prevêem que, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada e também que o preso será informado de seus direitos, entre os quais, o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado, nos deixa claro que a pessoa do indiciado, como a de qualquer outra pessoa deverá ser sempre protegida.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXII -  a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII -  o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

 

 

Antes da reforma do parágrafo único do artigo 21 do CPP, a incomunicabilidade atingia até mesmo a pessoa do advogado, prejudicando a defesa e o contraditório, porém após a alteração da redação do parágrafo único, determinando-se o respeito ao disposto no art. 89, III do Estatuto da ordem dos advogados do Brasil (lei 4.215, de 27 de Abril de 1965) não se admitiu a incomunicabilidade do preso com o defensor. Ninguém poderá ser considerado culpado sem sentença condenatória transitada em julgado.

Com a incomunicabilidade estamos punindo o indiciado, sem sequer, sabermos se ele é realmente o culpado e ainda que fosse considerado culpado, após o transito em julgado de sentença condenatória, deveríamos tratá-lo com o devido respeito digno de qualquer ser humano.

Verifica-se a urgente necessidade de alteração do artigo 21 do CPP, devido sua ineficiência, tendo em vista que o principal objetivo, qual seja a total separação do indiciado com o mundo exterior, não é efetivada na prática, pois, o mesmo terá contato com seu advogado, de forma a não dificultar a defesa e a garantia constitucional ao contraditório, logo, a medida não traz nenhum benefício eficaz às investigações. A incomunicabilidade do indiciado é uma afronta ao principio da dignidade da pessoa humana e contrário ao Estado democrático de direito. Não há a menor razoabilidade nessa medida, que fere o Estado democrático de direito e não deixa de ser uma ofensa a presunção de inocência prevista no art. 5º, LXII da CF.

Permitindo que tal norma continue ativa no código de processo penal, estamos permitindo que o princípio norteador da modernidade “a igualdade de todos sem distinção de qualquer natureza”, não passe de palavras escritas na constituição, que demonstre uma representação da linguagem falada por meio de signos gráficos, porém que não produzir um efeito real não atinge aos mais necessitados do amparo judicial.

A interpretação mais adequada a ser dada ao artigo 21 do código de processo penal, será aquela que levará em consideração a intenção da Constituição cidadã, que valoriza a dignidade da pessoa humana e prevê princípios norteadores da aplicação do direito, tendo sempre em vista a razoabilidade, a proporcionalidade, a igualdade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana, o contraditório, a ampla defesa dentre outros, afinal os princípios funcionam também como fonte de legitimação do direito, norteando o magistrado a aplicação mais justa do direito.

Antônio Scarance nos ensina que:

A cada dia que passa, acentua-se a ligação entre constituição e processo, pelos estudos dos institutos processuais, não mais acolhida no sistema fechado do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: É esse o caminho, já ensinava LIEBMAN, que transformara o processo de simples instrumento de justiça em garantia da liberdade...” “Hoje tende por quase toda a parte ver-se a constituição verdadeiras normas jurídicas, que proíbem a lei ordinária, sob pena de inconstitucionalidade material, que contenha uma regulamentação eliminadora do núcleo essencial daquele direito. (Processo Penal Constitucional, Antonio Scarance, pg.51,52)    

 

 

2 Interpretação literal x Interpretação teleológica

 

A Constituição Federal sem seu artigo 136, § 3º, IV disciplina que na vigência do estado de defesa é vedada a incomunicabilidade do preso, porém o art. 21 do Código de processo penal prevê a possibilidade da incomunicabilidade do indiciado, que sempre dependerá de despacho nos autos e que será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação criminal o exigir. Será que não estaremos mascarando um estado ditatorial ao permitirmos que um ser humano fique incomunicável? Em um Estado democrático de direito, no qual, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não seria paradoxal a permissão da incomunicabilidade do indiciado? A medida restritiva adotada é apta a atingir o fim proposto? Existe outra medida menos gravosa apta a lograr o mesmo objetivo? O sacrifício imposto ao indiciado, titular de direitos individuais indisponíveis previstos na constituição cidadã, está em uma relação proporcional com a importância do bem jurídico que se pretende salvaguardar; no caso, as investigações?

Todas essas indagações deverão ser respondidas à sociedade.

Parte da doutrina tem equivocadamente entendido ser cabível a incomunicabilidade do indiciado, como nos relata o autor Guilherme de Souza Nucci:

Há posição na doutrina admitindo a vigência da incomunicabilidade e justificando que o art. 136, §3o, IV, da Constituição federal, voltou-se unicamente a presos políticos e não a criminosos comuns. Alis, como é o caso da previsão feita pelo código processo penal. (ART21)

(Nucci, Guilherme de Souza, Manual de Processo penal e execução Penal. 6ª edição, pg. 170).

 

 

Tal entendimento tem mostrando claramente a retrógrada interpretação literal ao código processo penal em detrimento da interpretação teleológica, a qual valoriza não só o sentido vazio e gramatical das palavras expressas no texto da lei, mas também sua alma, sua intenção, busca a vontade da lei, por meio de um confronto lógico entre seus dispositivos, bem assim sua finalidade, em seu sentido mais profundo.

A interpretação ao artigo 21 do código processo penal deverá ter sempre em vista a constituição federal, a orientadora maior do sistema jurídico, adaptando as interpretações das normas vigentes ao sentido e finalidade das modernas exigências sociais.

 

No direito Brasileiro, como o demonstrou Francisco Campos a constituição não é apenas certo numero de preceitos cristalizados em artigos e parágrafos, mas sim uma unidade estrutural, um valor de cultura, um conjunto orgânico e sistemático de caráter normativo sob a inspiração de um pensamento diretor. (Francisco Campos, Direito Constitucional, 1956, vol. II, pg. 63 e seguintes.)

 

3 Conclusão

 

Entendemos que hoje em face da constituição da República, não cabe mais falarmos em incomunicabilidade do indiciado, principalmente porque a convenção de Costa Rica, incorporada ao direito brasileiro com força de emenda constitucional, assegura ao acusado o direito de comunicar-se livremente e em particular, com seu defensor publico” (art. 8º, n.2, d), o que demonstra que o indiciado não deverá ficar por completo afastado do mundo exterior.

O indiciado deve ser tratado com o mesmo respeito e dignidade dispensadas às demais pessoas. Não podemos condenar previamente um ser humano, pois de acordo com a constituição, ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, porém a própria legislação vigente em nosso país, legitima atos contrários ao disposto acima, quando desrespeitamos os direitos do indiciado, o tratando como se culpado fosse, estamos demonstrando a sociedade que na prática nem todos são iguais perante a lei.     

  Os aplicadores do direito deverão estar atentos as leis que flagrantemente afrontam a constituição Federal, a norma suprema de nosso ordenamento jurídico, sempre tendo em vista a igualdade entre todas as pessoas, sem nenhum tipo de discriminação. Tentamos demonstrar que o artigo 21 do CPP, deverá ser urgentemente alterado por nossos legisladores, uma vez que não podemos ter em nosso ordenamento normas contrárias a constituição. A incomunicabilidade do indiciado é uma afronta ao principio da dignidade da pessoa humana e contrário ao Estado democrático de direito. Não há a menor razoabilidade nessa medida, que fere o Estado democrático de direito e flagrantemente não deixa de ser uma ofensa a presunção de inocência prevista no art. 5º, LXII da CF.

A sociedade aguarda esperançosa, que os princípios constitucionais sejam perceptíveis na prática e não só garantidos constitucionalmente, porém ao permitirmos que vigore leis contrárias as garantias constitucionais, como ocorre com o previsto no artigo 21 do CPP, estamos legitimando a idéia de que a igualdade, a isonomia, a dignidade da pessoa humana,  tem exceções. O indiciado não pode ser privado de sua liberdade, com o ínfimo propósito de não atrapalhar as investigações. O correto seria que as investigações não fossem tão morosas, o Estado deve criar outros mecanismos para aperfeiçoar os procedimentos no que tange as investigações. A desculpa de deixar incomunicável o indiciado, no intuito de não prejudicar as investigações, não condiz com um país que preza pela liberdade e pela justiça.  O artigo 21 do CPP é inconstitucional e deve ser refutado do mundo jurídico.

Esperamos que a tão aguardada reforma do Código de processo penal humanize seus conceitos e retire de vez do nosso ordenamento jurídico o desastroso artigo, ora mencionado. Mas enquanto o artigo 21 CPP permanecer vigente em nosso ordenamento jurídico, entendemos que deve o magistrado ter a perspicácia e sensibilidade de verificar em cada caso concreto, se a restrição ao indivíduo é realmente necessária, adequada e se tal procedimento se justifica pelo valor que protege.

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