JurisWay - Sistema Educacional Online
 
Kit com 30 mil modelos de petições
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

DESVELANDO OS RACISMOS - uma reflexão sobre o Dia Nacional da Consciência Negra


Autoria:

Sérgio Luiz Da Silva De Abreu


Advogado, Graduação - UFRJ, Mestre em Ciências Jurídicas- PUC-Rio, Especialista em Advocacia Trabalhista - OAB/UFRJ, e em Direito Processual Civil - UNESA, Membro Efetivo do IAB, Associação dos Constitucionalistas Democratas, Prêmio Jubileu de Roma.

Endereço: R. Cel.josé Justino , 229
Bairro: Centro

São Lourenço - MG
37470-000


envie um e-mail para este autor

Resumo:

O artigo versa sobre as teorias racialistas e o papel dos direitos humanos no combate ao racismo e o lugar dos juristas na construção do discurso e das bases teoricas da promoção e defesa das populações vulneráveis.

Texto enviado ao JurisWay em 16/11/2010.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

DESVELANDO OS RACISMOS

uma reflexão sobre o

DIA NACIONAL DA CONSCIENCIA NEGRA

 

Sumário: 1 - A Arquitetura do Racismo. Suportes teóricos para a  Construção e Desconstrução do discurso jurídico-racial. 2- As concepções ideo-raciais brasileiras e suas influências no direito . 3- Superando as Incertezas e as Ambigüidades Jurídico-Conceituais no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Constitucional Brasileiro. 3.1.– Racismo.  3.2. – Discriminação.  3.3. – Preconceito 4- O papel do jurista no combate ao racismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

 

 

 

1 - A Arquitetura do Racismo. Suportes teóricos para a  Construção e Desconstrução do discurso jurídico-racial.

 

A análise da problemática das desigualdades raciais e do contexto social em que se encontra a comunidade afro-brasileira, tomando como princípio as matrizes teóricas que, historicamente, orientaram o pensamento racialista dominante na Europa a partir do século XVII e sua influência no pensamento nacional , abrem caminho para o enfrentamento jurídico das relações raciais no Brasil, inclusive desvelando o racismo e adoção de mecanismos jurídicos e aprimoramento legislativo e doutrinário acerca da questão.

 

Adotaremos, para melhor desenvolvimento do trabalho, a distinção entre “racismo” e “racialismo”, seguindo as referências utilizadas por Tzvetan Todorov. Racismo, para o autor búlgaro, designa comportamento, enquanto racialismo, as diversas doutrinas sob a temática racial.

 

O racismo implica, na maioria das vezes, uma hierarquização racial calcada em ódio e desprezo em relação às pessoas com características físicas diferentes. Entretanto, o racialismo é fundado nas doutrinas referentes às raças humanas, possuindo sustentação eminentemente ideológica, baseada, costumeiramente, no etnocentrismo. O racista comum não tem por fundamento argumentos “científicos”, diferindo dos ideólogos das raças, cujas visões teóricas podem implicar ou não comportamentos racistas.

 

A matriz todoroviana contribui significativamente na compreensão do instigante estudo sobre as desigualdades raciais.

 

A perenidade e a extensão universal do racismo, enquanto instrumento de dominação, provocaram e provocam até os dias atuais imensos genocídios. O racialismo, surgido como movimento de idéias na Europa Ocidental no período compreendido entre o século XVII e meados do século XX, tem sido o suporte “científico-ideológico” para opressão das comunidades étnicas historicamente oprimidas.

 

Michael Banton, contrariamente a Todorov, atribui parâmetros temporais diferentes, em que os biólogos debatiam a origem do homem, enquanto, no século XIX, a “Antropologia [desempenhava] um papel fundamental”.

 

Todorov, ao fixar o fim das teorias racialistas em meados do século XX, não levou em consideração que elas influenciariam os cientistas até os dias de hoje. Hernstein e Murray, autores de The Bell Curve, sustentam que os investimentos do poder público para reduzir desigualdades raciais são um ônus desnecessário para o Estado, uma vez que fatores genéticos determinam as causas da evasão escolar e do desemprego. Portanto, para esses, não se trata de uma questão social a ser resolvida pelo Estado. Não cabe dúvida que os americanos adotam o determinismo biológico, como uma das correntes do racialismo cientificista.

 

Para Michel Foucault o racismo está ligado ao que ele denomina de "biopoder", ou seja , o poder está definido em duas formas: o poder disciplinar que se aplica ao corpo por meio de técnicas de vigilância e das instituições punitivas, e aquele que daí em diante ele denomina "biopoder", que se exerce sobre a população, a vida e os vivos.  Segundo Foucault: "O que inseriu o racismo nos mecanismos do Estado foi mesmo a emergência desse biopoder. Foi nesse momento que o racismo se inseriu como mecanismo fundamental do poder, tal se exerce nos Estados modernos, e que faz com que quase não haja funcionamento moderno do Estado que, em certo momento, em certo limite em certas condições, não passe pelo racismo "[1]. Prossegue: "No contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção das raças, a hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos outros"[2]. Segundo o mesmo autor  o racismo se desenvolve com a colonização, no genocídio colonizador , conclui : "Portanto, o racismo é ligado ao funcionamento de um Estado que é obrigado a utilizar a raça, a eliminação das raças e a purificação da raça para exercer seu poder soberano".

 

Outra forma de racismo apontada por Foucault , e aquela em que o autor denominou de "o novo racismo, o neo-racismo",  Essas modalidades teriam surgido no século XX.  Conectado esse novo racismo ao racismo étnico – endêmico ao século XIX . Crê o autor portanto que "as novas formas de racismo, que se firmam na Europa no fim do século XIX e início do século XX, devem ser historicamente referidas à psiquiatria . É certamente no entanto que a psiquiatria, embora tenha dado nascimento a esse eugenismo, não se resumiu, longe disso, a essa forma de racismo que só cobriu ou confiscou uma parte relativamente limitada dela. "

 

Claude Lévi-Strauss in Raça e História , questiona  "Se não existem aptidões raciais inatas, como explicar que a civilização desenvolvida pelo homem branco tenha feito imensos progressos que nós conhecemos, enquanto as  dos povos de cor permaneceram atrasadas, umas a meio do caminho e outras atingidas por um atraso que se cifra em milhares ou dezenas de milhares de anos?".  Está exposta nesta indagação os equívocos acerca das desigualdades raciais.

 

Todorov traz, em sua obra, preocupações quanto ao desenvolvimento científico em nossos dias[3]. As manipulações genéticas, de conhecida base ideocientífica, foram cuidadosamente tratadas pelo professor Carlos Roberto de Siqueira Castro in Constituição aberta (tese de defesa de Titularidade em Direito Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Sustenta o emérito professor: “A novel legislação francesa, embora com apontadas ambigüidades, foi categórica no proibir, com rigor a sanção penal, qualquer manipulação ou alteração genética do embrião humano fecundado in vitro, onde se conclui a proibição do imponderável processo de clonagem ou de produção de clones humanos.” Na mesma esteira segue Sérgio Ferraz e demais autores citados pelo renomado constitucionalista.

 

Passaremos a roteirizar as principais teorias racialistas, utilizando os elementos em que as mesmas foram fundamentadas:

 

a)   A existência das raças;

b)   A continuidade entre o físico e o moral;

c)   A ação do grupo sobre o indivíduo;

d)   A hierarquia universal dos valores;

e)   A política baseada no saber.

 

a)   A existência das raças demonstra que os grupamentos humanos possuem características comuns. As diferenças decorrem da evidência entre as raças. Os opositores da teoria das raças, constróem sua fundamentação teórica em elementos históricos. Desde remotos tempos, os grupamentos humanos misturam-se entre si. A este argumento soma-se a constatação biológica. Biólogos contemporâneos abandonaram a noção de raça;

 

b)   A continuidade entre o físico e o moral confirma que as diferenças físicas determinam as diferenças culturais. Seria dizer, desse modo, que a transmissão hereditária do mental impossibilita modificá-lo pela educação;

 

c)   A ação do grupo sobre o indivíduo defende que o comportamento do indivíduo (tão determinista quanto à anterior) “depende, em grande medida, do grupo racial-cultural (ou étnico) a que pertence”  [4].

 

d)   A hierarquia universal dos valores não se contenta em afirmar que as raças são diferentes. Acredita também que umas são superiores às outras, implicando uma hierarquia única de valores com padrões de julgamentos universais. A escala de valores adotada é de origem etnocêntrica, tomando a partir desse critério valorações de ordem estética, intelectual e moral;

 

e)   A política baseada no saber parte do princípio da submissão das raças inferiores ou sua eliminação. Nesse caso, racialistas e racistas se complementam: o primeiro na teorização e o segundo na prática racista.

 

É bem certo que, o combate ao racismo é travado em diversos campos, sobretudo no ético-filosófico.

 

O ponto nevrálgico do racialismo é o “cientificismo”, impregnado pelo discurso ideologizado da neutralidade científica, o que tem sido o suporte teórico do etnocentrismo.

 

O cientificismo, pode-se dizer, é o iceberg, e o racialismo é a sua ponta aparente. Hoje em dia, as teorias racialistas não são bem aceitas, mas a doutrina cientificista continua tão próspera quanto antes.”

 

Outra distinção necessária no campo do racialismo é o anti-semitismo. Discriminação puramente cultural, uma vez que não é possível encapsulá-la nas clássicas doutrinas racialistas. Entretanto, os racistas incluíram na sua pauta odiosa de discriminação a categoria “semita”.

 

Trataremos de pormenores sobre os principais teóricos do racialismo e suas respectivas obras:

 

François Bernier, em 1686, adota pela pela primeira vez o termo “raça” em sentido moderno.

 

Linne, na França, empenha um longo esforço no sentido de investigar as espécies humanas.

 

Buffon in Histoire naturelle, apresenta o trabalho mais significativo sobre a questão racial. Trata-se de uma síntese de relatos de viagens, feitas entre os séculos XVII e XVIII, exercendo forte influência na literatura e nos trabalhos científicos, da época.

 

Conde de Buffon, fez chegar ao público, em 1749, os três primeiros volumes da Historie naturelle de l’homme, publicado no mesmo ano. Ele sustentava a existência natural da diferença da origem do homem e dos animais. (Animais são destituídos de razão e de palavra; o que os distingue dos homens.)

 

Entretanto, para o autor, embora havendo essa distinção, os homens, também no interior da sua unidade, obedeciam a níveis de hierarquização.

 

A racionalidade e a sociabilidade possuem componentes como “civilização”, “polidez”, “barbárie” e “selvageria”. Esses elementos variam da base ao cume da hierarquização.

 

“No cume se encontram as nações da Europa Setentrional, logo abaixo os outros europeus, depois vêm as populações da Ásia e da África, e, na parte mais baixa da escala, os selvagens americanos.[5]

 

Muitos dos enciclopedistas acreditam na hierarquização das raças, colocando no topo a civilização européia; mas ainda não podemos falar de racialismo. Buffon e Voltaire partilhavam das mesmas idéias e convicções, no que diz respeito à proximidade da natureza quase animal das raças inferiores. A divergência, portanto, dava-se no campo da origem do homem. Enquanto Buffon era homogenista, Voltaire era poligenista.

 

Buffon parte de uma classificação de culturas e não acreditava nos efeitos da educação; portanto, para ele, os negros são seres inferiores, e “afinal de contas é normal que sejam submetidos e reduzidos a escravidão”.

 

É sob esse argumento que os racialistas buscam fundamento “científico” na teoria de Buffon.

 

Outro aspecto da sua teoria é a correspondência entre raça, civilização e miséria. Segundo ele, a ausência de civilização produz a negritude da pele.

 

Negritude, rigor de clima e inexistência de civilização estão amalgamados. Físico e moral estão intimamente ligados. A estética também na teoria de Buffon apresenta-se etnocêntrica.

 

A constatação das diferenças culturais, no espaço e no tempo, não nos torna possível afirmar que os homens, por esse critério, são superiores ou inferiores uns em relação aos outros. Foi a utilização desses critérios que fundamentou a exploração através da colonização (séc. XIX) das nações “ditas racialmente inferiores”.

 

O detalhamento da teoria de Buffon é importante para a compreensão do que foi o pensamento racialista nos séculos que se seguiram. Acrescentamos que, outros autores sofreram fortes influências da teoria de Buffon. Destacamos:

 

Renan atribui características às três raças: a raça inferior é constituída pelos negros da África, pelos nativos da Austrália e pelos índios da América.

 

O que une as referidas raças é o seu grau de inferioridade cultural. Segundo ele, é próprio das raças inferiores serem primitivas ou não civilizadas. Não são civilizáveis, não são suscetíveis de progresso. Essa conclusão de Renan permite justificar sua tese poligenista. Para ele, o principal exemplo das raças inferiores são os negros: “Não há exemplo na história antiga ou moderna de um povoamento negro ter se elevado a um certo nível de civilização.”

 

Renan estabelece critérios sobre a raça que denomina “intermediária”, melhor dizendo, amarela, os asiáticos enfim (chineses, japoneses, tártaros e mongóis). Segundo ele, são civilizáveis até um certo grau. Deixamos de nos aprofundar na teoria de Renan, no que diz respeito a raça “intermediária”, para não fugir à temática do trabalho.

 

O núcleo central da teoria de Renan é a hierarquização das raças. Para ele a raça branca jamais conheceu a selvageria. A civilização está em seu sangue. Nesse sentido, a civilização para a raça branca é inata, enquanto para as demais, inassimilável.

 

O suporte teórico encontrado por Renan – “raças não perfectíveis” – foi o argumento poligenista.

 

A crítica do autor era dirigida ao ideal humanista da unidade e ao conceito da “perfectibilidade”, em Rousseau.

 

A radicalidade dessa concepção chegava à própria negação do darwinismo, na medida em que se duvidava não só de uma origem comum dos homens, como da possibilidade de se prever um destino conciliável.”

 

Outro aspecto de sua teoria é a justificação do expansionismo colonialista sobre os povos “ditos” inferiores. Renan não admitia a conquista de nações racialmente iguais. Para ele, era inadmissível imaginar a terra povoada unicamente por negros, “limitando tudo ao gozo individual no seio da mediocridade geral”. Prossegue o autor: “A ausência de idéias sãs sobre a desigualdade das raças pode levar a um total rebaixamento.”

 

Assim, Renan justificava toda a exploração do homem a partir de critérios “científicos” de superioridade. Para ele, “A exploração científica da Argélia será um dos títulos de glória da França do séc. XIX, e a melhor justificativa para uma conquista” (La sociéte berbére, p. 550).

A proposta Renaniana é eugênica, quando sustenta a transformação social e física através da contribuição da qualidade superior do sangue. Seu projeto imperialista está articulado com outro projeto, igualmente insustentável, sob o ponto de vista ético: a eugenia. Ambos acarretaram toda sorte de violação aos direitos fundamentais do homem.

 

O cientificismo determinista está repousado em dois postulados: o determinismo integral e a submissão da ética à ciência. Nessa esteira caminharam racialistas influentes do século XIX, como: Taine, Renan, Gobineau. Sob esses dois postulados, os citados autores afirmavam que “nenhum acontecimento ocorre sem causa”. Pensamento, comportamento, sentimento, enfim, todos os atos humanos são perfeitamente identificáveis e estáveis.

Nesse sentido, conclui Todorov:

 

Abandonamos o universalismo, em cujo quadro se forma a filosofia cientificista; era, portanto, não uma condição necessária, mas apenas uma circunstância contingente, já que esse cientificismo (fé no determinismo, submissão da ética) pode se combinar – e no séc. XIX se combinará preferencialmente – com o relativismo e a renúncia à unidade do gênero humano, com as doutrinas racialistas e nacionalistas, que encontrarão em Taine sua fonte de inspiração” (op. cit., p. 132).

 

Os cientificistas acreditavam que a ciência era européia, dado o grau de superioridade de sua gente, enquanto que os demais continentes – não civilizados ou civilizáveis – não atingiriam jamais o domínio do saber, em virtude de sua inferioridade. Portanto, o conhecimento era patrimônio genético, predeterminado dos povos da Europa.

 

Conhecimento e dominação faziam parte de um todo inseparável. As raças hierarquizadas, sob o critério “científico” da superioridade/inferioridade e, a relativização da ética, submeteram os povos “ditos” inferiores ao odioso processo de colonização.

 

Para muitos racialistas da época (Gobineau e Diderot), diante da história, os julgamentos éticos não têm pertinência.

 

Perseguindo a superioridade racial, os racialistas tinham um ideal de nação, vinculado diretamente com o que eles imaginavam ser o processo civilizatório. Xenofobistas e racialistas distinguiam-se no sentido de ser o primeiro vulgar, enquanto o segundo, “científico”. A postulação racialista cientificista visava à exploração das ditas raças inferiores e seu progressivo extermínio ou embranquecimento, com o fim de purificar a sociedade contaminada pela barbárie e selvageria das raças inferiores.

 

Os racialistas visavam, em suas doutrinas, aos aspectos culturais. Para tanto, subestimavam a língua de outras raças que não a sua. Foi nesse sentido que os colonizadores impunham seu idioma, por entender que a dominação – travestida de processo civilizatório – necessariamente tinha seu aspecto lingüístico.

 

Daí, o francofilismo sustentar que “um muçulmano que saiba francês jamais será um muçulmano perigoso” ou “a conservação e propagação da língua francesa são importantes para a ordem geral da civilização”.

 

A fé foi outro elemento de fundamentação racialista, diferenciando religião de magia. A primeira era o resultado da crença das raças superiores, enquanto a segunda era vista sob a óptica da inferioridade. A prática e o culto, dos chamados povos racialmente inferiores, tinham conotação animista.

A flagrante violação à liberdade de culto dos afro-brasileiros, tratado de forma preconceituosa, tem ressonância quotidiana. O racialismo de Nina Rodrigues classificou a religiosidade negra de “animismo fetichista”. A aludida denominação tinha o intuito de ressaltar que “os negros botavam alma nas pedras, nas árvores e em todos os objetos animados e inanimados de seu meio ambiente”. Esse trabalho de Nina Rodrigues, prefaciado por Arthur Ramos, trata das religiões de origem africana como demonstrações de primitivismo e degenerescência, próprios das raças inferiores.

 

Assim observa Beatriz Góis Dantas:

 

O discurso sobre religião e magia, está conotado negativamente como uma degenerescência ou como um estágio anterior e inferior àquela; remete às concepções evolucionistas do séc. XIX e ao aplicá-las aos cultos afro-brasileiros.”

 

Para o cientificismo racialista, o indivíduo é determinado pela sua ancestralidade racial e, em vista disso, nada adianta empreender esforços no âmbito educacional para atingir o nível de civilidade inato às raças superiores.

 

Le Bon, Taine, Helvetius, entre outros, foram adeptos do determinismo científico.

 

De acordo com Le Bon, “facilmente se faz um bacharel ou um advogado de um negro ou de um japonês, mas só se pode lhe dar um verniz, sem ação sobre sua constituição mental, (...) Esse negro ou esse japonês acumulará todos os diplomas possíveis, sem jamais chegar ao nível de um europeu comum”.

 

A aludida concepção é de abordagem culturalista.

 

Segundo David Brion Davis, in "O problema da escravidão na cultura ocidental", aponta Edward Long como um dos mais preconceituosos escritores do século XVIII. Em sua obra David Brion Davis apresenta um vasto painel de autores, nas mais diversas áreas do pensamento e das artes , que se manifestaram acerca da questão da escravatura.

 

Théoctiste, arauto do cientificismo destituído de qualquer parâmetro ético, afirma: “A grande obra se realizará pela ciência, não pela democracia.” E prossegue: “É preciso que a ciência se torne senhora do mundo, pois os cientistas encarnam o princípio superior da humanidade, ou seja, a razão.”

 

O cientificismo do século XIX alcançou no século XX dimensões aterrorizantes. O nacional-socialismo, com suas experiências biogenéticas, aviltou todo e qualquer princípio ético.

 

Hoje, com as denúncias das manipulações genéticas, tememos que mais uma vez a ideologia cientificista ocupe o lugar da ética.

Os Estados Unidos implementaram em 1932 o Projeto Tuskegee, que utilizou durante quarenta anos quatrocentos negros portadores do vírus da sífilis como cobaias. Denunciado em 1972, foi interrompido o projeto e suas vítimas foram indenizadas num montante de sete milhões de dólares. A comunidade afro-americana iniciou uma campanha no sentido de exigir do Estado americano desculpas formais pela “pesquisa”, de evidente cunho racista. O presidente Bill Clinton formalizou as desculpas em 16 de maio de 1997.[6]

 

Os malefícios do racialismo cientificista atingiram o continente africano, na conhecida partilha da África. O processo de emancipação foi obtido através das lutas de libertação em Moçambique, Angola, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Rodésia e, por último, com a extinção do regime apartheísta da África do Sul. A história da luta contra o poder colonial demonstrou que os argumentos de inferioridade racial nada mais foram que um meio de submeter e espoliar o continente africano.

 

 As teorias racialistas que inundaram o mundo, baseadas no cientificismo, marcadamente ideológico, traçaram um itinerário de segregação, submissão e exploração das nações “ditas pertencentes a raças inferiores”.

 

O europocentrismo ligado ao processo de colonização e a ideologia das civilizações dominantes foram as marcas dos últimos séculos. O darwinismo social serviu para explicar a hierarquização racial.

 

Afirmavam os evolucionistas que os povos não europeus deveriam seguir o itinerário das culturas dominantes. Os deterministas biológicos, ao contrário, pensavam o homem determinado pela raça.

 

Assim, na óptica dos deterministas biológicos:

 

Peyroux de la Coudrenière explicava, em 1814, o declínio da antiga Grécia pela presença, no seu sangue, de elementos impuros negros. Segundo Saint-Simon, os negros viviam num baixo grau de civilização porque biologicamente são inferiores aos brancos. Augusto Comte, pai influente do positivismo pensava que a superioridade da  cultura material européia tivesse, talvez, sua fonte de explicação numa diferença estrutural do cérebro do homem branco. Os dicionários e enciclopédias do séc. XIX são unânimes em apresentar o negro como sinônimo de humanidade de terceira.”

 

O negro, colocado à margem da história, onde nunca é visto como sujeito e sim como objeto, vem tendo ao longo do tempo sonegado seu direito à participação política. Na história das populações negras, o projeto de nacionalidade é sufocado pela ideologia imperialista e colonizadora.

 

As lutas pela emancipação dos povos africanos encontraram na produção discursiva dos escritores da “negritude” uma das respostas à pseudojustificativa do colonizador, que tentava legitimar a dominação, no sentido de reduzir o negro ontológica, epistemológica e teologicamente. Para isso, o colonizador se utilizava de dois elementos: a superioridade racial, dogmaticamente confirmada, e a inferioridade congênita dos negros.

 

A reação dos escritores da “negritude” buscava a identidade negra africana, pleiteando a “revisão das relações entre os povos, para que se chegasse a uma civilização não universal, como a extensão de uma regional imposta pela força – mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares.

 

Seus principais representantes combateram a ordem colonial, o imperialismo e o racismo. Dos seus quadros ideológicos, após conquistadas as soberanias nacionais, protagonizaram as mais importantes mudanças, no sentido de afirmar os valores culturais dos países recém-descolonizados.

 

Stanislas Adotevi, Franz Fanon, Cheikh Anta Diop, Alfredo Margarido, Marcin Towa, René Ménil, Senghor, Cesaire, entre outros, foram os ideólogos da “negritude”.

 

Outro movimento de grande importância foi o pan-africanismo. Nascido em 1900 durante o primeiro Congresso Pan-africano, tinha como objetivo lutar contra a política imperialista na África.

 

A perspectiva do movimento era a associação de todos os territórios para defender e promover sua integridade. “Sem pregar a volta para a África dos negros americanos, defendia os direitos destes enquanto cidadãos da América e exortava os africanos a se libertarem em sua própria terra”.

 

O pan-africanismo concebia a luta contra o colonialismo através da unidade racial, ou seja, “pan-negre”, tricontinental que nega a escravidão americana e a colonização européia.

 

La volonté du retour au continent des origines conjuguée à cette nouvelle conception de l’unite raciale provoquera au début du siécle un mouvement ‘pan-nègre’ tricontinental que tendait à la négation de l’esclavage americain et la colonisation européene.”

 

O pan-africanismo na América do Sul encontra-se bem debatido na obra Pan-africanismo na América do Sul – Emergência de uma rebelião negra, de Elisa Larkin Nascimento. O Negro Revoltado, obra organizada pelo Senador Abdias do Nascimento, traz a lume os principais documentos finais dos congressos e encontros sobre a questão racial no Brasil.

 

É sob a perspectiva da insubmissão ao domínio colonialista que os principais intelectuais africanos contribuíram com as organizações para libertação de seus países.

 

“(...) a obra do homem está apenas começando, e ao homem cabe vencer toda interdição imobilizada nos recantos de sua fé, e nenhuma raça possui o monopólio da beleza, da inteligência, da força.”

 

O arcabouço traçado pelos principais teóricos racialistas, anteriormente apresentados, teve forte influência no pensamento nacional, a partir das primeiras décadas do presente século. Raça e nacionalidade faziam parte do projeto de identidade nacional.

 

2- As concepções ideo-raciais brasileiras e suas influências no direito .

 

Passaremos agora a sumariar os principais autores nacionais.

 

A ciência determinista do século XIX trouxe-nos o enganoso conceito de raça.

 

Os autores brasileiros, fortemente influenciados pelas teorias de Renan, Le Bon, Taine e Gobineau, sendo o último um dos mais representativos, introduziram na produção acadêmica nacional as idéias racialistas que predominaram nas primeiras décadas deste século.

 

O conde Gobineau, autor de Essai sur l’inegalité des races humaines, obra publicada em 1853, era partidário do determinismo racial absoluto. Ao mesmo tempo compartilhava do darwinismo social, introduzindo a noção de “degeneração da raça”, resultado da mistura de espécies humanas diferentes. Adepto da teoria “monogenista e evolucionista social”, na medida em que seu argumento previa a impossibilidade do progresso para algumas sociedades compostas por “sub-raças mestiças não civilizáveis”.

 

Arthur de Gobineau permaneceu no Rio de Janeiro durante quinze meses como enviado francês. Sua correspondência diplomática a D. Pedro II pode ser encontrada na obra Arthur de Gobineau et le Brésil. Nos idos de 1869, o diplomata analisou francês a população e a estrutura política do Brasil.

A perspectiva de análise do diplomata francês atravessou o pensamento de diversos autores nacionais.

 

Já Silvio Romero, crítico literário, definia-se como darwinista social. Entendia que a raça e o ambiente eram os elementos necessários à compreensão da criação artística.

 

Explicava o autor que “todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas idéias. Os operários deste fato inicial têm sido: o português, o negro, o índio, o meio físico e a imigração estrangeira”.

 

Romero pensava que os europeus que imigraram para o Brasil no final dos anos de 1880 apressariam o processo de “branqueamento”.

 

Dizia o autor, segundo Guerreiro Ramos: “O negro não é só uma máquina econômica, ele é antes de tudo, malgrado sua ignorância, um objeto de ciência”. Apoiava-se nas idéias de Taine, Renan, Préville, Broca e Gobineau.

 

Euclides da Cunha, autor de Os sertões, adotava as opiniões dos principais representantes do “racismo científico”, como Gumplowcz e Lapouge. Para o escritor, “A mistura de raças muito diversas é, na maioria dos casos, prejudicial” e “a mestiçagem extremada é um retrocesso”;[7] e conclui: o miscigenado racial “é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores”.

 

Silvio Romero e Euclides da Cunha, ambos, propunham o “embranquecimento” como alternativa para uma nação, onde o negro e o índio era intelectualmente inferiores ao colonizador europeu.

 

Passemos agora a Oliveira Vianna. Igualmente adepto dos teóricos estrangeiros sobre raça, escreveu em sua obra intitulada Populações meridionais do Brasil que Gobineau, Lapouge e Ammon – seguidores da corrente européia do “racismo científico” – tratavam-se de “gênios possantes, fecundos e originais”.

 

O núcleo central do pensamento de Oliveira Vianna é a existência de um Estado autoritário como forma de corrigir o descompasso oriundo do transplante das instituições estrangeiras. Enfim, Oliveira Vianna, a partir de uma perspectiva autoritária e centralizadora do Estado, “escreveu vários textos para o debate constituinte e os projetos sobre o funcionalismo, o sindicalismo e o direito do trabalho[8]. Seguindo o figurino adotado pelas Constituições do primeiro pós-guerra, a Constituinte de 1934 foi marcada pela representação profissional no Congresso Nacional.

 

Outro influente formulador das teorias racialistas foi Paulo Prado, conhecido cafeicultor paulista. Tornou-se conhecido por suas contribuições financeiras para a Semana da Arte Moderna de 1922.

 

Para Prado, a arianização do Brasil era inevitável, uma vez que, sendo a população brasileira com um oitavo de sangue negro, perderia a aparência africana. Paulo Prado e Oliveira Vianna entendiam que a solução dos problemas nacionais estava na arianização do povo brasileiro.

 

A análise da produção acadêmica de Nina Rodrigues será melhor desenvolvida na segunda parte do primeiro capítulo, quando tratarei da reflexão interdisciplinar das desigualdades raciais.

 

Entretanto, nesta primeira parte estará presente o centro do pensamento de Nina Rodrigues.

 

O médico baiano, limitado pelo excessivo recurso às teorias alienígenas, publicou em 1894 As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. A aludida obra é dedicada a Lombroso, Ferri, Garofalo, Lacassagne e Corre. A proposta de trabalho é a criação de um código penal para brancos e outro para negros, tendo em vista as diferenças biológicas determinantes da superioridade e inferioridade raciais. Acrescenta que a inferioridade dos negros é a causa determinante da criminalidade.

 

Varnhagen concebia nação brasileira a partir de um projeto etnocêntrico onde o negro estava colocado num patamar de inferioridade em relação ao branco. Assim, Nilo Odalia in As formas do mesmo. Ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Viana, pontua o pensamento do historiador do seguinte modo: "A opção irrecorrível por uma Nação branca e européia nasce, segundo o autor da História Geral do Brasil, como o fruto amadurecido e temperado de uma experiência histórica em que as linhas da nova Nação são legadas e determinadas por uma civilização superior. Aos demais grupos étnicos e

Culturais, considerados vencidos, só lhes resta uma participação passiva no projeto da nova Nação e apenas na medida em que se deixarem ou forem absorvidos e integrados , racial e culturalmente, pelo branco – única fonte de legitimação, pois dele decorrem os valores básicos da nova nacionalidade".

 

Reafirmando o caráter etnocêntrico do historiador, prossegue: "Embora as três raças sejam desigualmente representadas no Panteão erigido por Vanhagen, com supremacia inconteste do elemento branco, as outras duas raças se fazem representar de maneira a que eles próprios, enquanto heróis, exemplifiquem o que pode a civilização do branco na recuperação dos melhores de civilizações inferiores".

 

Passamos agora a Gilberto Freyre, autor de Casa-grande e senzala, que tem como núcleo central de sua obra a denúncia e a crítica à sociedade patriarcal. Segundo Freyre, o Brasil é o resultado do “ethos patriarcal herdado da era colonial[9].

 

Para Freyre, a sociedade brasileira é multirracial: “o europeu, o africano e o indígena foram igualmente valiosos para a nossa formação”. Entretanto, sua análise não foi no sentido de promover o igualitarismo racial; ao contrário, reforçou o pensamento elitista do “branqueamento”.

 

Outra contribuição importante de sua obra, talvez a mais significativa, tenha sido sua teoria luso-tropicalista.

 

Na perspectiva culturalista de Freyre, as relações amistosas entre senhor e escravo eram possíveis em decorrência da dominação turco-otomana na Península Ibérica. Tal convivência tornou possível a harmonia entre as diferentes raças no Brasil. Assim, foi criado “um paradigma de convivência racial harmoniosa a introduzir, em meio a esse mundo de tensões[10]. A partir desse pressuposto culturalista, Freyre construiu o mito da democracia racial, opondo-se às teorias evolucionistas biológicas.

 

A crítica ao mito da democracia racial faz sentido, na medida em que dissimula a evidente discriminação racial, facilmente comprovada pelos índices apontados pelos órgãos oficiais e pelas OGNs, responsáveis pela publicação desses indicadores sociais.

 

Arthur Ramos, foi o continuador do trabalho de Nina Rodrigues, publicando as seguintes obras: O folclore negro no Brasil (1935); As culturas negras no Novo Mundo (1937); A aculturação negra no Brasil (1942) e Introdução à antropologia brasileira (1943-1947).

 

O historiador Sérgio Buarque de Holanda contribuiu para o debate sobre a questão racial, em Raízes do Brasil (1936), apontando como principais características do Brasil a “afabilidade”, a “hospitalidade” e a “generosidade” existentes em nossa estrutura social. Segundo o autor, os portugueses demonstraram uma “extraordinária plasticidade social combinada com a ausência completa, ou praticamente completa entre eles, de qualquer orgulho de raça.

 

Ao menos do orgulho obstinado e inimigo de compromissos, que caracteriza os povos do Norte.”

 

Nesse sentido, o autor se alia a Gilberto Freyre, quanto ao aspecto tolerante do colonizador, criando a categoria do “racismo cordial”.

 

Schwarcz, in Raça e diversidade, destaca que o ponto central do pensamento de Holanda é apresentar o “homem cordial”, mostrando que “na verdade, a cordialidade é só o topo, a ponta do iceberg, pois por baixo há uma sociedade profundamente hierarquizada.”

 

Enfim, trata-se de uma sociedade onde sistematicamente a hierarquização racial subtrai o exercício da cidadania.

 

Passemos agora à obra de Florestan Fernandes, no que pertine à questão racial.

 

Florestan Fernandes e Roger Bastide estavam alinhados no mesmo ponto, no qual invertiam a idéia de que o negro é um problema para o país.

 

O país, a sociedade, enfim uma estrutura social iníqua é que se constitui em um problema para a população negra: é essa sociedade que calibra a participação social e que manipula o destino histórico da população brasileira com características negróides, marginalizando-a, discriminando-a, preconceitualizando-a, bloqueando, assim, seus passos rumo a uma cidadania plena.”

 

A adoção da linha teórico-metodológica, enfatizando o empírico, procurando interpretar os fatos dialeticamente à luz de um referencial marxista, foi a inovação do trabalho de Fernandes no tratamento da questão racial.

 

Florestan Fernandes e Roger Bastide abandonaram o esquema culturalista de análise, aderindo às técnicas qualitativas da antropologia.

 

Para Florestan Fernandes a acefalização imposta pelas “raças dominantes, classes dominantes, elites políticas dominantes, decepam a cabeça daqueles que podem ameaçá-los, acefalizando um grupo oprimido”. Prossegue o sociólogo:

 

“O Brasil precisa tornar-se socialista para que as raças alcancem um padrão de democracia pelo qual elas se nivelem e o talento deixe de ser recrutado em termos não-igualitários, em termos de concentração racial de renda, cultura e de poder.”

 

Guerreiro Ramos enfoca a problemática racial, a partir da elaboração de uma hermenêutica da situação do negro no Brasil.

 

Sou negro, identifico como meu o corpo em que o meu está inserido, atribuo à sua cor a suscetibilidade de ser valorizado esteticamente e considero a minha condição étnica como um dos suportes do meu orgulho pessoal – eis aí toda uma propedêutica sociológica, todo um ponto de partida para a elaboração de uma hermenêutica da situação do negro no Brasil”.

 

Guerreiro Ramos conheceu a problemática racial a partir da assunção de sua negritude. O ponto central da sua análise é “a precariedade histórica da brancura como valor”. O etnocentrismo brasileiro está calçado na sôfrega tentativa de identificação com o padrão estético europeu. Os negros ávidos de embranquecimento sofrem o drama do psicologicamente dividido. A partir dessa perspectiva “carece de significação falar do problema do negro puramente econômico, destacado do problema geral das classes desfavorecidas ou do pauperismo. O negro é povo no Brasil”.

 

Guerreiro Ramos, propunha o conceito de cultura autêntica, contrapondo-se ao da transplantada, tão comum entre os autores que o antecederam.

 

Segundo Joel Rufino dos Santos, Guerreiro Ramos, para a sociedade modernizante, trata-se de um sociólogo populista, mas a originalidade do seu pensamento é admitir que “a democracia populista é a única linhagem político-ideológica original. Ou a negamos sumariamente, como costumam fazer os convictos da modernidade – de direita ou de esquerda –, ou nos valemos dela para elaborar novas estratégias de justiça social na atualidade”. Prossegue o historiador na análise do pensamento do sociólogo:

 

Para Guerreiro Ramos, pois, negro não é uma raça, nem exatamente uma condição fenotípica, mas um topo lógico, instituído simultaneamente pela cor, pela cultura popular nacional, pela consciência da negritude como valor e pela estética social negra. Um indivíduo preto de qualquer classe, como também um mulato intelectual ou um branco nacionalista (por exemplo), pode ocupar esse lugar e dele, finalmente, visualisar o verdadeiro Brasil. Como não lembrar a clássica definição de Clóvis Moura. Branco, no Brasil, é todo indivíduo que escolheu a cor dos colonizadores para se espelhar, negro o contrário?”

     

Roberto da Mattta publicou, em 1981, inquietante ensaio chamado Você sabe com quem está falando? Da Matta discute as estruturas sociais, sob a perspectiva de uma sociedade excludente, altamente hierarquizada.

 

Carnavais, malandros e heróis (1978) tem como originalidade a combinação de abordagem estruturalista e simbólica para diagnosticar o “dilema brasileiro”.

 

Antônio Cândido (1993) escreveu um ensaio intitulado Dialética da malandragem, onde analisa a obra Memórias de um sargento de milícias, introduzindo a idéia de “terra de ninguém moral”. Partilha Antônio Cândido das concepções de Da Matta quanto à hierarquização racial e à crítica da “evolução” racial harmoniosa. O mito das três raças é chamado por Da Matta de o “nosso racismo”.

 

Darcy Ribeiro entendia que: a única atitude moralmente defensável “para um intelectual brasileiro era a de reconhecer que sua sociedade era injusta, violenta e retrógrada” e que “reivindica a revolução”.

 

Antropólogo como Da Matta e igualmente saído dos estudos indígenas, a lucidez acadêmica e política de Darcy, ao analisar os problemas que envolvem a nacionalidade brasileira, fez dele um crítico das estruturas sociais que oprimem as camadas desfavorecidas de nossa sociedade.

 

Sua preocupação com a raça está evidenciada no seu último trabalho O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. A referida obra enfrenta a questão racial como a principal tarefa de todo intelectual envolvido com a superação das desigualdades sociais.

 

O alargamento das bases da sociedade, auspiciando pela industrialização, ameaça não romper com a superconcentração da riqueza, do poder e do prestígio monopolizado pelo branco, em virtude da atuação de pautas diferenciadas, só explicáveis historicamente, tais como: a emergência recente do negro da condição escrava à de trabalhador livre; uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, obstaculizando sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integrasse o negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais.”

     

Enfim, para Darcy, a mestiçagem nacional é a nossa maior singularidade.

Abdias do Nascimento, em 1938, teve seu nome ligado à militância do movimento anti-racista no Estado de São Paulo. Fundador do Teatro Experimental do Negro – TEN – (1944), exerceu as atividades de diretor e ator teatral. Segundo Guerreiro Ramos:

 

Abdias do Nascimento lançou muitos artistas negros que, de outra forma, provavelmente não teriam tido a oportunidade de revelar seu talento dramático.”

 

Na década de 70, depois do exílio nos Estados Unidos, participou ativamente do movimento negro internacional e das atividades acadêmicas em instituições africanas e norte-americanas. Professor emérito da Universidade de Nova Iorque (Centro de Pesquisas e Estudos Porto-riquenhos) e doutor honoris causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cunhou sua obra acadêmica no combate à discriminação racial. Seu “tour de force” é conciliar trabalho acadêmico e parlamentar.

 

Por ocasião do I Congresso do Negro Brasileiro, destaca que a problemática do negro tem “fisionomia própria”. Entretanto, se existe estreita ligação entre raça e classe, elas não se confundem e não se esgotam com o “problema geral do povo brasileiro”.

 

O corte epistemológico a partir dos trabalhos de Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento, Darcy Ribeiro e Roberto da Matta consiste na ruptura com as idéias hierarquizantes e excludentes sobre a temática racial. Assente, na opinião dos referidos autores, que a democracia passa, necessariamente, pela superação das desigualdades sociais.

 

3- Superando as Incertezas e as Ambigüidades Jurídico-Conceituais no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Constitucional Brasileiro.

 

A recusa à convivência, pautada nos princípios da “igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, faz incluir o racismo no debate pós-moderno acerca da tolerância.

 

Historicamente, o significado do termo tolerância está circunscrito à questão religiosa e, posteriormente, à problemática da intolerância político-ideológica. O tratamento que será dado ao tema se restringirá à intolerância étnico-racial. Porém, para compreendê-lo em sua urgência e atualidade, é preciso sumariar os principais pontos que fizeram do conceito o pressuposto básico do princípio da fraternidade.

 

A intolerância religiosa e ideológica implicam divergência sobre: “opinião ou conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico, passivo pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão”.

 

A intolerância racial, baseada em critérios físicos ou sociais, é antecedida pelo preconceito e conseqüente discriminação.

 

É nesse sentido que o princípio da tolerância consiste no reconhecimento da diferença, seja ela religiosa, política ou racial. O liberalismo, “transfere a teoria do laisser faire da política econômica para a atividade política geral[11]. Enfim, a tolerância “é a virtude da moderna democracia pluralista” pautada na “recusa consciente da violência como único meio para obter o triunfo das próprias idéias”.

 A intolerância religiosa tem sido responsável pelas mais sangrentas páginas da história da humanidade.

 

O significado do termo tolerância é dicotômico. Tolerância em sentido positivo é o reconhecimento e a convivência fraterna e solidária com a diversidade humana. Em sentido oposto, temos a tolerância negativa, “sinônimo da indulgência culposa, da condescendência com o mal, com o erro, por falta de princípios, por amor à vida tranqüila ou por cegueira diante dos valores”. A intolerância, a tolerância negativa, é o repúdio, a neutralidade benevolente, entendida como elemento “vital”, como “símbolo da sociedade livre”, enfim, militantemente intolerante e desobediente “às normas de conduta que toleram a destruição e a repressão”.

 

Herbert Marcuse, ao repudiar a “tolerância repressiva”, combate a tolerância aos ditadores, à ordem econômica espoliativa, que esmaga os “povos acabrunhados”. Enfim, a tolerância negativa, a tolerância diante do intolerável, torna inaudível os reclamos do “outro”. A tolerância negativa, a longo prazo, é condescendente com a injustiça social, com o racismo, enfim, com todas as teorizações e práticas que submetem o homem ao anti-semitismo, ou ao segregacionismo. A história da humanidade é constituída pela luta contra a opressão, “uma história de revoluções, das guerras de libertação dos hebreus contra os egípcios, dos levantes nacionais contra o Império Romano, das rebeliões dos camponeses alemães do século XVI, da revoluções americana, francesa, alemã, russa, chinesa e vietnamita”.

 

A intolerância sempre teve seus artifícios para excluir das comunidades “os diferentes”, os “indesejáveis” ou mesmo qualquer “outro”. Na idade média, a Grécia prescrevia os indesejáveis colocando-os no ostracismo. A Europa cristã na idade média institui a “morte civil” e morte eclesiástica (ex-comunhão). Segundo Hannah Arendt são as “distinções e diferenciações naturais e onipresentes que, por si mesmas, despertam silencioso ódio, desconfiança e discriminação”. Prossegue: “O ‘estranho’ é um símbolo assustador pelo fato da diferença em si, da individualidade em si, e evoca essa esfera onde o homem não pode atuar nem mudar e na qual tem, portanto, uma definida tendência a destruir”. É nesse sentido que a intolerância racial se manifesta no não-reconhecimento do “outro” enquanto ser humano. Por essa razão, Hannah Arendt assegura que um negro, quando não é considerado mais do que um negro, ele “perde juntamente com o seu direito à igualdade aquela liberdade de ação especificamente humana”. Por isso, todos os estigmas e estereótipos. Ele não é nada mais do que um animal chamado homem.

 

Tolerar significa portar, suportar, conviver com a diferença. O etnocentrismo encurrala o negro na sua autenticidade, insulta-o, avassala-o, mas o negro “apanha a palavra ‘preto’ que lhe atiram como pedra” e “reivindica-se como negro”. O negro faz da tolerância o significado dado pela língua francesa, o supporter, o combatente. De tolerado passa a sujeito ativo que milita o verbo combater.

 

Reivindica a sua diferença e “não tolera a arrogância ocidental que se deu o nome de universa.A intolerância, a tolerância negativa repressiva opressora, que entre nós pode ser traduzida como “democracia racial”, “provoca uma recusa e uma insurreição contra uma situação de fato, contra um comportamento, contra idéias que são no mesmo movimento um sofrimento contra a injustiça”.

 

Enfim, a tolerância é um valor híbrido: “elle détruit et elle construit”. Ela consiste em reconhecer os direitos das pessoas diferentes ou o direito à diferença. Em resumo, é aprofundar a dimensão comunitária da democracia.

 

Uma vez entendida as causas da intolerância racial, passaremos a examinar os conceitos de racismo, discriminação e preconceito.

 

A imprecisão dos conceitos é fruto da estratégia dos defensores da tolerância negativa. Os resultados dessa imprecisão têm em muito colaborado com a difusão das idéias racistas, bem como com as práticas discriminatórias.         

 

 

3.1.– Racismo

 

O primeiro conceito a ser tratado é o racismo, cujas bases foram fornecidas no item anterior. O racismo é o conjunto de idéias que classifica a humanidade em coletividades distintas, segundo atributos naturais ou culturais, estabelecendo critérios de hierarquização. A classificação baseada em critérios de superioridade e inferioridade racial é descrita como racista.

 

Seguramente as diversas concepções de racismo conduzem a imprecisão do conceito .  É certo, que não é indispensável precisar a pertença racial , enquanto realidade biológica, para entender o sentido do racismo.  A definição de racismo deriva de uma doutrina racialista , como já visto.  É prudente não reincidir no equívoco do conceito de raça dos anos setenta , enquanto definição exclusivamente sociológica , uma vez que se mostra insuficiente para distinguir  "raça" de gênero, etnicidade, classe social, ou qualquer outra forma de hierarquização social". Nos anos oitenta  o pós-estruturalismo, vindo de França , trouxe a consciência da ambigüidade da definição de "raça".  A questão é, ao chamarmos todo e qualquer tipo de discriminação de racismo, enveredamos para o campo metafórico.  Quando não afivelados os conceitos,  colocamos o racismo no campo figurativo. É nesse sentido que "seria mais correto designar tais práticas discriminatórias por termos específicos como "sexismo" , "etnicismo", etc. ... Em certos casos, ao contrário, o preconceito e a discriminação pressupõem ou se referem  à idéia de "raça" de maneira central. Nestes, as demais diferenças são imagens figuradas de "raça". São casos em que a hierarquia social não poderia manter um padrão discriminatório sem as diferenças raciais. Apenas aí poderíamos falar de racismo, ou racismos, de modo preciso". 

 

Podemos então dizer, que o racismo possui definições que abrangem a perspectiva biológica - oriunda do antigo biologismo - , a diferencialista cultural  e a perspectiva jurídico-política.

 

Segundo Christian Delacampgne  o "racismo, no sentido moderno do termo, não começa necessariamente quando se fala da superioridade fisiológica ou cultural de uma raça sobre outra; ele começa quando se faz a (pretensa superioridade cultural de um grupo direta e mecanicamente dependente da sua (pretensa) superioridade fisiológica; ou  seja, quando um grupo deriva as características culturais de outro grupo das suas características biológicas. O racismo é a redução do cultural ao biológico, a tentativa de fazer o primeiro depender do segundo. O racismo existe sempre que se pretende explicar um dado status  social por uma característica natural".  Leciona Colette Guillaumin : "a idéia de natureza (e de grupo natural) não pode ser eliminada das relações sociais, onde ocupa – mesmo que nos repugne ver – um lugar central. Ideologicamente escondida (já que a ideologia se esconde sob a "evidência"), a forma "natural", quer seja do senso comum ou já institucionalizada, constitui o âmago dos meios técnicos que utilizam as relações de dominação e de força para se impor aos grupos dominados".

 

 Appiah  distingue racismo em dois tipos: o extrínseco e o intrínseco. O primeiro "(...) traça distinções morais entre os membros de diferentes raças porque se acredita que a essência racial implica em certas qualidades moralmente relevantes. Os racistas extrínsecos baseiam a sua  discriminação entre os povos na crença de que os membros de raças diferentes se distinguem em certos aspectos que autorizam um tratamento diferencial – tais como honestidade, coragem ou inteligência. Tais aspectos são tidos (pelo menos em muitas culturas contemporâneas) como incontroversos e legítimos como base para o tratamento diferencial dispensado às pessoas".  O segundo os "Racistas intrínsecos, na min ha definição, são pessoas que fazem distinções de natureza moral entre indivíduos de raças diferentes porque acreditam que cada raça tem um status moral diferente, independente das características morais implicadas em sua essência racial. Assim como, por exemplo, muitas pessoas que são biologicamente relacionadas a outras – um irmão, um tio, um primo – derivam desse fato um interesse moral por essas pessoas, também um racista intrínseco pensa que o simples fato de ser da mesma raça é uma razão plausível para preferir uma pessoa a outra".

 

A dinâmica do racismo faz dele um conceito em permanente discussão. A experiência norte-americana e sul-africana demonstraram que a hierarquização racial, com bases “cientificistas”, segregou e relegou, no primeiro caso, a minoria afro-americana e, no segundo, a maioria negra sul-africana, às condições sociais mais subalternas.

 

O anti-semitismo moderno se distingue do antijudaísmo, principalmente por estar fundado em características religiosas e socioeconômicas. Aparentemente baseado em características raciais o antisemitismo, enquanto idéia racista, considera que as características biológicas fazem daquela comunidade a razão de todos os males econômicos e sociais.

 

As tensões sociais são uma das explicações do racismo que elege os “bodes expiatórios” para justificar a agressãodirigida contra grupos minoritários vulneráveis, acusados de responsáveis por males econômicos e sociais”. Quanto às explicações estruturais, o racismo resulta da frágil posição econômica e política, colocando certos grupos minoritários “regularmente sob o ataque em toda uma gama de diferentes situações”,  dominação e conseqüente espoliação – sob o fundamento “cientificista” de hierarquização racial.

 

O racismo, enquanto formulação de hierarquização racial, não é um fenômeno uniforme. Poderíamos falar sim, em racismos. “Existem muitos e diferentes fenômenos de racismo”.  Os diversos racismos estão ligados a fatores socioeconômicos e culturais.

 

Um judeu branco entre brancos pode negar que seja judeu, declarar-se homem entre homens. O negro não pode negar que seja negro ou reclamar para si esta abstrata humanidade incolor; ele é preto. Está encurralado na autenticidade”.

 

Imensas são as questões que envolvem o racismo na pós-modernidade. O racismo é “maladie sociale de la modernité”. Enfrentá-lo não é tarefa de pouco esforço. Confronta-se, por vezes, a intolerância jurídica ao racismo com princípios liberais, (liberdade de expressão). “La libérte d’expression ne donne pas le droit d’insulter une communauté”. Entretanto, “uma sociedade que não permite uma minoria (ou uma maioria) dizer coisas que podem ser interpretadas em prejuízo de outro grupo é um perigo. Mas toda sociedade onde se abusa da liberdade de expressão é também um perigo[12]. É na idéia de limites imanentes que encontramos a solução, uma vez que constitucionalmente não se pode conceber como forma típica do exercício de um direito as aparentes manifestações desse direito que violem o essencial de outros direitos ou valores constitucionais.

 

Autores, como Michel Wieviorka, classificam o racismo em neo-racisme, nouveau racisme, racisme différentialiste, e racisme culturel, como expressões modernas que traduzem uma experiência histórica. É necessariamente uma combinação de duas lógicas, uma de inferiorização e outra de diferenciação. Tanto a primeira quanto a segunda correspondem ao modo de estrutura social de relações de exploração econômica e dominação social. Racismo e exclusão são, portanto, faces da mesma moeda.

 

O racismo como forma de dissolução e absolutização da etnia é também uma "denegação da identidade de grupo, opondo-se ao direito de cada indivíduo a viver segundo um enraizamento comunitário(...) Tem por principal conseqüência, no campo político, fragilizar ou negar a existência de entidades comunitárias diferentes, ao mesmo tempo, cultural e etnicamente das outras(...). Portanto, o racismo revela-se etnocida"..

 

A análise de d'Adesky parte do modelo quadripartito de Pierre-André Taguieff, filósofo e cientista político. Nesse sentido Taguieff  esclarece a indeterminabilidade conceitual formulando a distinção entre quatro grandes tipos de racismo : Racismo universalista de tipo espiritualista., Racismo universalksta de tipo bioevolucionista ou biomaterialista., Racismo diferencialista de tipo espiritualista e Racismo diferencialista de tipo biomaterialista.

 

No plano jurídico o racismo sido tratado nos instrumentos jurídicos internacionais - além das Declarações Internacionais de direitos Humanos -(Convenção Internacional sobre todas as formas de discriminação racial, Convenção sobre Discriminação no Emprego e Ocupação , adotada pela OIT, Convenção contra Discriminação no Ensino, adotada pela UNESCO) . O primeiro, no artigo 1º , define "discriminação racial", como sendo" qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano(em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública".  O segundo, no artigo 1º define "discriminação" como sendo :a) toda, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha  por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) qualquer outra distinção , exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores quando estas existam, e outros organismos adequados.  Para o terceiro "discriminação" abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino e, principalmente: a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino; b) limitar me nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo.

 

         As Conferências Mundiais de Direitos Humanos vêm proclamando a tolerância e o respeito à dignidade da pessoa humano . Especialmente as Conferências preparatórias  da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas . Documento importante quanto à categorização dos conceitos , sobretudo o racismo, encontramos na Consulta de Bellagio ( Conjunto de recomendações produzidas por especialistas com vistas à Conferência Mundial da ONU) . Na primeira parte do Documento,  denominada a "natureza do racismo" ,  ele aponta a origem do racismo no colonialismo e na escravidão, e se mantém como "ferramenta para ganhar e manter o poder" .

 

         No plano interno o nosso texto Constitucional, coadunado com a ordem jurídica internacional, repudia o racismo .  Na ordem jurídica interna, a legislação infraconstitucional  de combate ao racismo vem sendo paulatinamente aperfeiçoada, embora insuficiente ante as profundas questões que envolvem as relações raciais no Brasil.  Tal insuficiência deve-se ao mito da democracia racial que adiou em muito o enfrentamento da problemática racial.

 

Enfim, o racismo, enquanto instrumento de dominação, estabelece critérios de inferioridade e superioridade, a partir da hierarquização racial.

 

 

 

3.2. – Discriminação

 

O segundo conceito a ser tratado é a discriminação racial. A palavra aparece no fim do século XIX, na França e na Alemanha. Ela foi utilizada na Psicologia, sem a idéia de tratamento desigual, para definir o fato de distinguir ou discernir. A idéia de tratamento diferenciado, desigual, aplicado a pessoas ou grupos de pessoas, apareceu no século XX, em matéria econômica e sobretudo no direito e na política, para as minorias e todas as formas de tratamento desigual.

 

A discriminação tanto pode ser social, racial, como sexual. Entretanto, aqui trataremos apenas da discriminação racial. O conceito de discriminação na linguagem jurídica representa a reafirmação do princípio da igualdade sob a forma negativa do princípio da non-discrimination. É assim que o princípio da não-discriminação é considerado como princípio fundamental da internacionalização dos direitos do homem.

 

Não se pode confundir o princípio da non-discrimination com o princípio da discriminação positiva. A discriminação positiva adota medidas legislativas no sentido de equalizar as desigualdades sociais, beneficiando as categorias desfavorecidas. São medidas compensatórias no campo fiscal, ocupacional (cotas no mercado de trabalho) e educacional (cotas nos estabelecimentos de ensino). Seu fundamento é a compensação das perdas históricas sofridas pelas pessoas ou grupos desfavorecidos. O princípio da discriminação positiva obedece a uma lógica social que não encontra lógica correspondente na linguagem.

 

Discriminação é a imposição de trato diferenciado em diversos âmbitos da vida social. Os âmbitos onde se exerce a discriminação racial são numerosos e às vezes se confundem com a idéia de segregação. A dinâmica da discriminação impede que sua enumeração seja exaustiva.

O conceito de discriminação aparece em vários instrumentos jurídicos internacionais, tais como a Convenção sobre a eliminação de Todas as forma de discriminação racial , a Convenção da UNESCO contra a Discriminação na Educação e a Convenção nº 111 da OIT que versa sobre a Discriminação em matéria de emprego e profissão e por último a Declaração dos princípios de tolerância da UNESCO.  Os conceitos assentados nos referidos instrumentos normativos internacionais, bem como na Declaração sobre a Tolerância são desenvolvidos sob o aspecto conceitual  na obra de Joaquim B. Barbosa Gomes –Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade -quando classifica a Discriminação nas categorias de  Discriminação intencional ou tratamento discriminatório , Discriminação por impacto desproporcional ou adverso(A Teoria do Impacto Desproporcional – "Disparate Impact Doutrine" ) , Discriminação na aplicação do direito, discriminação de fato e Discriminação manifesta ou presumida e as exceções: hipóteses de discriminação legítima, ou seja, "situações especiais ,porém , o tratamento discriminatório é chancelado pelo Direito".

 

Os obstáculos e as proibições infundadas nos campos educacional e ocupacional podem atingir o indivíduo ou uma coletividade racializada[13].

 

Assim é que os resultados do apartheid social relega os afro-brasileiros às condições de subalternização, perpetradoras das desigualdades sociais, enumeradas no primeiro capítulo.

 

 

3.3. – Preconceito

 

A definição de preconceito deriva do latim prejudicium, julgamento prévio, rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. O preconceito racial é a predisposição, parcialidade ou prevenção dirigida a um grupo racializado. As “noções de julgamento prévio desfavorável, efetuado antes de um exame ponderado e completo e mantido rigidamente, mesmo em face de provas que o contradizem” resultam das teorias racialistas racistas que incorporam no senso comum os estigmas e estereótipos de inferioridade racial.

 

Diversos são os aspectos do preconceito. Os julgamentos categóricos antecipados têm elementos cognitivos, afetivos, avaliatórios e volitivos.

 

As generalizações empíricas não são necessariamente universais. Portanto, o preconceito não é monopólio de uma dada sociedade ou cultura. O preconceito racial é a base das práticas discriminatórias, que em muitos casos orientam as políticas públicas.

 

O preconceito racial dirigido aos afro-brasileiros está consagrado na extensa fraseologia racista, nos comportamentos discriminatórios baseados em prejulgamentos de inferioridade intelectual e propensão a práticas criminosas. Enfim transformaram a “natureza benigna e afirmativa do melting pot” em discurso degenerativo, cuja única saída para construção da nação brasileira seria a aniquilação da dignidade do afro-brasileiro. Assim no dizer de Ricardo Franklin Ferreira, "O preconceito racial no Brasil, foi criado a aprtir da interação entre dois grupos – uma classe política e economicamente dominante que assumiu uma concepção de mundo considerada superior e estigmatizou o outro grupo, neste caso , o dos não brancos, caracterizando-o como de qualidade inferior, crença que passa a ter função de justificar a dominação sobre ele. ... Assim , o preconceito contra a população afro-descendente tanto se dá em relação a variáveis raciais, visíveis na constituição fenotípica, quanto em relação as variáveis étnicas, entendidas como aspectos culturais também de menor valia."

 

Assegura Florestan Fernandes  in A integração do negro na sociedade de classes , que o preconceito de cor é uma categoria histórico-sociológica construída pelos "brancos" e é, em larga medida, compartilhada pelos próprios "não brancos". É uma manifestação típica da formação sociocultural da civilização luso-brasileira, comportando questões ideológicas de padrões ideais de civilização, como o eurocentrismo , postura segundo a qual a Europa é considerada o berço e da cultura "universal", concepção de tremenda imprecisão histórica, que faz com que o europeu seja considerado um homem "superior" aos asiáticos, africanos e americanos.

 

4- O papel do jurista no combate ao racismo.

 

No limiar do novo milênio, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, ganha novos contornos em função da denominada globalização. As discussões acerca do lugar que é ocupado pelo Direito no Mundo Globalizado, têm (des)locado o pensamento jurídico para novos paradigmas epistemológicos, sobretudo no que pertine às questões que envolvem a problemática dos direitos humanos. Nesse sentido, tem sido importante o papel do jurista internacional, diante dos processos de mudanças. Tais demandas embora hoje configurem um quadro de "novos direitos"  , nada mais são que a cristalização de conquistas extraídas dos embates travados entre os extratos sociais privilegiados – superintegrados – e àqueles que foram espoliados e vilipendiados por incisivos processos de exclusão social, econômica, política e cultural.

 

O jurista em nossos tempo, convive com a dramaticidade do conflito de valores e princípios de culturas que convivem no mesmo território e reivindicam  a preservação desses valores e preceitos.

 

Indaga-se se é possível a coexistência de princípios e valores de comunidades marcadas por profundas diversidades culturais, compatibilizando princípios e valores universais com princípios e valores comunitários.

A resposta é afirmativa, porque o direito manifesta-se nas intencionalidades axiológicas, nos princípios que orientam os membros comunitários na mesma situação concreta de convivência social.

 

O jurista é  chamado a integrar o momento histórico, a fazer parte da dinâmica social – impossível a impessoalidade estática – interpretando segundo valores e princípios dinâmicos historicizados, pois ao jurisdicizar os fatos, as normas assumem a sua dinâmica histórica.

 

"O que determina , certamente, um sentido histórico e dinâmico no jurídico é uma função concretamente determinadora e constitutiva no chamado a explicitá-lo. Pois , ao serviço de uma idéia dinâmica de justiça que se deverá realizar histórico-concretamente, o pensamento jurídico deixa de ser um esquema inteiramente dependente de um jus normatum , para ser  acto cooperante de uma justitia normans.

 

Enfim, a verdadeira função do jurista é "assumir criticamente a idéia de direito e de a realizar historico-concretamente, na explicitação constituinte do próprio direito".

 

O importante papel na luta contra a violação dos direitos humanos, em período de  acirradas altercações sobre as questões de direitos humanos face a globalização, coloca o jurista internacional compondo o cenário daqueles que estão comprometidos  "com a comunidade  ética, pautada no princípio universal da convivência justa, fraterna e solidária".

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Desvelar os racismos é romper com a tradição mitológica da democracia racial que tem ao longo da história brasileira colocado a população  afro-brasileira no mais profundo e agudo processo de exclusão .  As investigações científicas acerca do racismo tem  revelado o caráter transdisciplinar da problemática racial. O direito conjugado com os mais amplos saberes vem contribuindo para a construção de novas epistemologias  centradas nas relações raciais.  As iníquas desigualdades raciais afastam os afro-brasileiros do exercício dos direitos fundamentais, negando-lhes cidadania e aviltando o respeito à dignidade da pessoa humana.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

 

ABREU, Sérgio. Os Descaminhos da Tolerância. O princípio da Igualdade e da         Isonomia no Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 1999.

 

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia.Letras,1989.

------------------.Sistema Totalitário. Lisboa: Publicações Dom Quixote,1978.

------------------.A condição humana. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1981.

 

BANTON, Michel. A idéia de raça. São Paulo: Martins Fontes,1977.

 

BOAHEN, ADU. História Geral da África. A África sob dominação colonial.1880-1935, vol. VII , Coord. Adu Boahen.

 

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus 1992.

 

BORREIL, Jean. O verbo ausente. A tolerância por um humanismo herético. Porto Alegre: LPM, 1993.

 

CASSIS, Célia Maria et alii. Djarama. Fatos africanos que a história julgará. São  Paulo: Bels, 1976.

 

D'ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multi-culturalismo racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira . São Paulo. Fundação Editora UNESP, 1997.

 

DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2001.

 

DUMOUCHEL, Paul. La tolérance  n 'est paspluralisme. Sprit nº 224, 1996.

 

DUARTE, Fernanda e RIBAS VIEIRA , Jose. Teoria. Teoria da Mudança Constitucional: sua trajetória nos Estados Unidos e na Europa. Rio de Janeiro, Renovar, 2005.

 

FERNANDES, Florestan. Significado do protesto negro. São Paulo, Cortez, 1989.

 

FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais. Uma Introdução. Porto Alegre: Fabris, 1991.

 

FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-descendente: identidade em construção. São Paulo. EDUC, Rio de Janeiro. Pallas,2000.

 

FLEM, Lydia. Le racisme. Le mond de ... Paris: MA. Editions, 1985.

 

FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo. Martins Fontes. 2001.

--------------------. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France(1975-1976) .São Paulo. Martins Fontes.1999.

 

GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro. Renovar. 2001.

 

GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo. Ed. 34, 1999.

 

HERRNSTEINS, Richard J, et alii. The Bell Courve. New York: The Free Press, 1994.

 

LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. Lisboa. Editorial Presença. 2000.

 

LEMING, Cynthia Greggs et alii. Multiculturalism in the United States. New York: Greenwood Press, 1992.

 

M. BONIMPA, Melchior. Ideologies de L'independence africaine. Paris: Editions L'Harmattan.

 

MARCONDES, Carlos Eugênio.(org). Candomblé. Desvendando entidades. São Paulo: EMW Editores, 1987.

 

MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. Rio de janeiro: Livraria Boffoni, 1947, V. III.

 

MUNANGA, Kabengele. 2ª ed. Negritude. Usos e sentidos. São Paulo: Editora Ática, 1988

 

NASCIMENTO, Abdias. A energia do inconformismo. Dionysos .Ten. Minc. Fundacen, nº 28, 1988.

--------------------------------. Orixás. Guerreiro Ramos. O mundo tribal de Abdias do Nascimento. Rio de Janeiro, IPEAFRO, 1995.

 

OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Teoria Jurídica e Novos Direitos. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris. 2OOO.

 

PEREIRA, João  Baptista Borges. A questão racial brasileira na obra de Florestan Fernandes. Revista USP nº 29, mar,abr.mai.96.

 

PERRET, Bernard. Controverses. Représ Legalité des chances, nouvelle figure du progress socia. Paris: Sprit, 1996.

 

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São paulo: Cia das Letras, 1995.

 

 

RODRIGUES, Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1935.

 

SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo .São Paulo: Cia. Das Letras, 1995.

 

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Negras Imagens. São Paulo: EDUSP, 1996.

 

SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. Declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos. Revista Forense, 1997.

 

SKIDMORE, E. Thomas. O Brasil visto de fora. São Paulo: Paz e Terra, 1994.

 

TODOROV, Teveztan,. Nós e os outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.

 

WATERLOT, Ghislain. Voltaire ou le fanatisme de la tolerànce.Sprit. nº 224, 1996.

 

WIEVIORKA, Michel. Racisme et exclusion. L'exclusion et L'étates de savoirs. Paris: Editions La Découverte, 1996.

---------------------------. El espacio del racismo. Barcelona: Paidós, 1991.

---------------------------. (org). Racisme et modernité. Paris, III, Editions La Découverte

 

WUCHER, Gabi. Minorias: Proteção Internacional em Prol da Democracia. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira.2000.

 

ZERBOKI, Joseph. História da África Negra. Lisbôa, 1972, v.1 e 2 .

  



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Sérgio Luiz Da Silva De Abreu) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados