JurisWay - Sistema Educacional Online
 
Kit com 30 mil modelos de petições
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

Os Presos e o Sufrágio.


Autoria:

Adonai Araújo Cardoso


Estudante do 7º Semestre do curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, campus XV.

envie um e-mail para este autor

Texto enviado ao JurisWay em 10/11/2010.

Última edição/atualização em 11/11/2010.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

Com o advento da Constituição Federal de 1988, inúmeros foram as inovações e os avanços sociais introduzidos no Brasil, sobretudo relacionados aos direitos e garantias das pessoas. Tal caráter, dentre outros elementos, foi um dos responsáveis por proporcionar a esta Carta o apelido de “Constituição Cidadã”.

No título I, artigo 1º, são elencados os Princípios Fundamentais que representam os valores mais altos da sociedade brasileira, servindo, portanto, como orientação para todas as demais normas e regras do ordenamento jurídico. Dispõe o artigo primeiro:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.     

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

 

            Devido ao propósito do presente artigo, merece destacada importância o conteúdo do inciso II uma vez que o estudo dos Direitos Políticos está umbilicalmente relacionado com a noção de Cidadania.

            Segundo o ilustre advogado e estudioso do direito José Francisco Cunha Ferraz Filho, “cidadania é o status jurídico-político que confere à pessoa humana a capacidade de participar, direta ou indiretamente, da vida civil e política do Estado”. Portanto, é cidadão, no estrito sentido da palavra, aquele que é titular de capacidade eleitoral ativa, ou seja, do poder de votar, e assim, interferir nas decisões políticas e na vida institucional do Brasil, direta ou indiretamente.

            Contudo, esta capacidade não é inata ao ser humano, mas adquirida quando preenchidos os requisitos e pressupostos estabelecidos pela própria Constituição, mais precisamente em seu art. 14, ao tratar dos Direitos Políticos - que têm, por objetivo, permitir e garantir a soberania popular insculpida no já citado art. 1º, parágrafo único. Vejamos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

                I – plebiscito;

                II – referendo;

                III – iniciativa popular.

                § 1º O alistamento eleitoral e o voto são:

                               I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

                               II – facultativos para:

                                               a) os analfabetos;

                                               b) os maiores de setenta anos;

                                               c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

§ 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período de serviço militar obrigatório, os conscritos.

                § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

                               I – a nacionalidade brasileira;

                               II – o pleno exercício dos direitos políticos;

                               III – o alistamento eleitoral;

                               IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;

                               V – a filiação partidária;

                               VI – a idade mínima de:

                                               a) 35 anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) 21 anos para Deputado Federal, Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-prefeito e juiz de paz;

                                               d) 18 anos para Vereador.

                § 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e que os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

§ 6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

                § 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

                               I – se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II – se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

 

Para o doutrinador Alexandre de Moraes, os Direitos Políticos são:

“... direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir atributos da cidadania.”  

            Entretanto, tal qual ocorre com a quase totalidade dos direitos resguardados pela Constituição, os Direitos Políticos não são absolutos, existindo possibilidade, prevista no próprio texto constitucional, de restrição destes. É o que reza o art. 15:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:    

                               I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

                               II – incapacidade civil absoluta;

                               III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

                               IV – recusa obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

                               V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º.

            Para os fins propostos no presente, nos interessa o preceituado no inciso III, que representa, em verdade, uma causa de suspensão dos Direitos Políticos.

            Trata-se de suspensão, e não de perda, pois os sentenciados permanecerão com seus direitos políticos privados até que ocorra a extinção da punibilidade, em outras palavras, uma vez cessados os efeitos da condenação criminal transitada em julgado, o cidadão passa a exercer novamente tais direitos, conforme entendimento pacificado pelo do Tribunal Superior Eleitoral:

Súmula 9: A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos.

                Como sabiamente percebeu Alexandre de Moraes ao se debruçar sobre as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), é preciso frisar que o disposto no art. 15, III, da CF, não distingue o tipo de infração penal cometida, abrangendo não só aquelas decorrentes da prática de crimes dolosos ou culposos, mas também as decorrentes de contravenção penal, independentemente da aplicação de pena privativa de liberdade.

            Quando falamos da suspensão dos Direitos Políticos, estamos nos referindo à impossibilidade, transitória, de exercício do direito de eleger (capacidade eleitoral ativa) – aliás, objeto deste trabalho – e de ser eleito (capacidade eleitoral passiva).

            Por razões óbvias, o condenado que cumpre a pena pela qual foi sentenciado, não poderia votar, uma vez que está “pagando o preço” por ter, nas palavras de Carlos Eduardo Siqueira Abrão, “descumprido uma ‘vontade geral’, opondo-se contra o Estado e contra o próprio povo”.

            Mais óbvias ainda são as razões de não poder pleitear mandatos eletivos, mediante eleição popular, pois o objetivo maior do legislador, ao esculpir dentre as condições de elegibilidade o pleno gozo dos direitos políticos (art. 14, § 3º, II, CF), foi, como ressalta Alexandre de Moraes, o de “permitir que os cargos públicos eletivos fossem reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da representação democrática”.

            Por outro lado, em respeito ao chamado Princípio da Inocência – instituto notadamente intrínseco ao Direito Penal, que tem sido foco de ferrenhas discussões na seara Eleitoral após a sanção da Lei Complementar 135/2010, apelidada erroneamente de “Lei da Ficha Limpa” – ou Princípio da Não-culpabilidade, que encontra guarita também na Carta Magna, tal restrição prevista no art. 15, III da CF somente é aplicável, em se tratando de capacidade eleitoral ativa, aos casos em que contra o cidadão pesa condenação criminal transitada em julgado – sendo diverso o trato com a capacidade eleitoral passiva, que é abarcada por outros institutos, a exemplo da previsão do art. 2º, da Lei Complementar nº 135 que alterou o art. 1º, I, da lei Complementar nº 64/90, passando a serem inelegíveis aqueles que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 08 anos após o cumprimento da pena pelos crimes elencados na norma eleitoral.

            Portanto, os presos transitórios, ou seja, aqueles que, apesar de recolhidos a estabelecimento de privação de liberdade, não possuírem condenação criminal transitada em julgado, permanecem com os Direitos Políticos parcialmente preservados, uma vez que ainda podem exercer o direito de voto, que é instrumento de exercício do direito de sufrágio.

            Acredito ter sido esta a intenção do Legislador Originário e também não é outro o entendimento atualmente adotado pelo TSE e STF.

            Portanto, uma vez que o preso transitório ainda goza de um Direito Político que é protegido pela Carta (o direito de votar), e encontra-se privado de outro direito de suma importância, que é a liberdade, que o impossibilita de livre e efetivamente exercer o primeiro, sob pena de ferir direitos e garantias fundamentais, o Estado tem a obrigação de prover os meios necessários para que os presos que se encontram aguardando a “sentença final” possam sufragar.    

            A despeito do que muitos imaginam, o Estado, principalmente através da Justiça Eleitoral, de fato tem adotado medidas que permitem que estas pessoas tenham realmente acesso a este direito - medidas estas que vão desde o cadastramento eleitoral, passando pelas propagandas dentro dos recintos prisionais, até a votação.

            No entanto, como não poderia ser diferente, foi necessária a criação de mecanismos que pudessem além viabilizar o exercício do sufrágio, resguardar a segurança da sociedade. Assim, o TSE, a cada eleição, elabora uma resolução que tem por objeto, especificamente, regulamentar o processo eleitoral nestas circunstâncias excepcionais, buscando aliar, com base no princípio da razoabilidade, as noções de cidadania e a preservação da ordem e da paz social.

            Nas eleições de 2010, a resolução responsável pelo ordenamento do processo eleitoral em estabelecimentos penais – e também em unidades de internação de adolescentes – é a nº 23.219, e poderá atingir, segundo fontes ligadas ao TSE, o montante de aproximadamente 170.000 presos provisórios.

            Basicamente, toda esta resolução é composta por indicações (I) dos períodos em que devem ser realizados os atos necessários à operacionalização do sufrágio nas instituições penais, tais como os serviços de alistamento, revisão e transferência que devem ser feitos até o dia 05 de maio de 2010, e a nomeação dos membros para compor as mesas receptoras de votos e de justificativas, feita até o dia 20 de abril de 2010; e (II) das condições para o exercício do voto, tais como o efetivo alistamento e a não incidência, até o dia da eleição, de sentença penal condenatória com trânsito em julgado.      

            Ponto que chama bastante atenção neste diploma legal é o fato de ser permitida a presença dos candidatos nas seções eleitorais instaladas nos estabelecimentos penais, entretanto, na condição de fiscais natos. Quanto às propagandas realizadas por estes, o TSE, em resposta a consulta feita pelo Tribunal Regional Eleitoral do estado do Piauí (TER-PI), “decidiu” pela proibição da propaganda eleitoral de candidatos nos presídios, restando possível apenas àquelas veiculadas pelo rádio, televisão e pela imprensa escrita.

            O argumento principal utilizado pelo ministro Arnaldo Versiani, relator da consulta, foi o de que a proibição prevista no artigo 37 da Lei nº 9.504/97, que veda a realização de propaganda eleitoral de qualquer natureza em bem pertencente ao Poder Público, aplica-se também aos estabelecimentos prisionais e unidade de internação de adolescentes, sendo tal vedação intransponível.

            Neste ponto, data máxima venia, critico severamente a lei 9.504/97 pelo fato de que no mesmo artigo que veda a veiculação de propaganda de qualquer natureza, ao serem abordadas as ressalvas quanto esta proibição, não é incluída a referente aos estabelecimentos prisionais ou de internação de menores.

Ora, se existe, por exemplo, a possibilidade de veiculação de propagandas nas dependências do Poder Legislativo, entendo ser mais relevante ainda a necessidade de que tais propagandas, frente a impossibilidade de locomoção plena dos presos, fossem realizadas em sua completude nos recintos prisionais.

Por fim, considero que mesmo com a deficiência apontada anteriormente, a legislação eleitoral, bem como a própria Justiça Eleitoral, tem caminhado na direção de aprimorar o sistema eleitoral brasileiro tornando-o merecedor de louváveis honrarias, pois tem prestigiado, de forma incontestável, os princípios de cidadania norteadores da Constituição Federal de 1988, buscando garantir, mesmo frente às inúmeras adversidades, um dos direitos mais importantes àqueles que historicamente têm sido marginalizados e relegados à própria sorte – os presos –, que é o direito de sufragar.   

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Constituição Federal Interpretada - Artigo Por Artigo, Parágrafo Por Parágrafo - Machado, Antonio Claudio Costa; Ferraz, Anna Candida da Cunha.

- MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

- http:// www.tse.gov.br/internet/eleicoes/normas_2010/inst_resol.htm

- http://www.tse.gov.br/internet/midia/informativo/InformativoTSE_ano_XII_24.rtf.

 

 
Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Adonai Araújo Cardoso) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados