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A Lei de Identificação Criminal e a Subjetividade do Juiz


Autoria:

Denise Mariano De Paula


Acadêmica de Direito da Faculdade Mineira de Direito da PUC/Minas. Pós- Graduada Lato Sensu em Direito Público pela PUC/Minas. Pós-Graduada Latu Sensu em Jornalismo e Práticas Contemporâneas pelo Unicentro-BH. Graduada em Comunicação Social pela PUC/

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Texto enviado ao JurisWay em 09/11/2010.



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1.      Introdução

 

  O presente artigo acadêmico se propõe a promover algumas reflexões relacionadas à identificação criminal, com enfoque à subjetividade que permeia tal procedimento, em face dos direitos e garantias constitucionais.

                  Essa abordagem apresenta acentuado grau de complexidade e divide a opinião dos estudiosos jurídicos, tendo em vista a flexibilidade que ainda existe acerca da necessidade da identificação criminal, sendo que, muitas vezes, sob a égide de regulamentar, tem-se efetivamente se apresentado como afronta às conquistas constitucionais, desrespeito à Lei Maior.

                  É exatamente nesta perspectiva, de defesa à supremacia da Constituição, além de lançar dúvidas, questionamentos acerca da subjetividade em torno da conveniência, ou não, de se exigir a identificação criminal, que empreenderemos essa pesquisa.

    O caminho a ser percorrido passará, de forma sucinta, por abordagens ao Direito Penal Constitucional, aos Direitos e Garantias Fundamentais, suscitando questionamentos sobre essa prática que tem representado um retrocesso para o direito contemporâneo, sobretudo no que tange aos direitos e garantias fundamentais.

 

2.      Processo penal-constitucional

A Constituição é o mais importante texto normativo de uma sociedade. Mais do que estabelecer direitos e garantias fundamentais, limitar o poder político, ela revela sua posição de supremacia, ao apresentar à sociedade normas que se expressam no conteúdo de direito, as quais não podem simplesmente passar despercebidas ou até mesmo ignoradas pelas normas infraconstitucionais. 

Kelsen defendia que a Constituição estabelece uma ordem jurídica fundamental, pois se trata de um conjunto de normas positivas que regem a produção do Direito, sendo este configurado como ordem normativa, cuja unidade se assenta numa ordem fundamental.

Em convergência a esse pensamento, manifesta-se José Afonso da Silva:

A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. (SILVA, p. 37, 1989).

            Kildare Gonçalves Carvalho, citando Teixeira, também tece comentários acerca do tema:

A Constituição, “como expressão do pacto social nada mais é – e por isso mesmo é muito – do que aquele acordo de vontades políticas desenvolvido em espaço democrático que permite a consolidação temporária – porém longeva – das pretensões sociais de um grupo, consolidando, hoje em dia, não apenas aquilo que diga respeito única e exclusivamente aos seres humanos individual, coletiva e difusamente, mas também os diversos fatores que influem na construção de um espaço e de um ser-estar digno no mundo – e.g. meio ambiente, espaço urbano, ecossistemas, etc. -, bem como as preocupações futuras para com aqueles que estão por vir, para além de funcionar como uma estratégia de estabilização de conquistas e de forjar instrumentos que dêem condições para a prática dos conteúdos nela expressos”. (TEIXEIRA apud CARVALHO, p. 269, 2008).

É exatamente em virtude de todo o exposto, que o estudo de questão envolvendo matéria jurídica deve se iniciar pela Carta Magna, uma vez que nela se encontram os preceitos fundantes do ordenamento jurídico.

Tratamento diferente não poderia adotar o processo penal, constituído por um corpo de normas jurídicas que têm por finalidade regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado (NUCCI, p. 77, 2010). A punição advinda desse processo é de restrição de direitos ou de privação da liberdade do indivíduo, que, por sua vez, trata-se de um dos bens jurídicos mais importantes da sociedade.

É certo que as normas penais constituem importante papel social ao responsabilizar aqueles que infringem as normas legais, entretanto essa responsabilização não pode se dar de forma autoritária, nem tampouco valendo-se de critérios meramente subjetivos.  É imperioso que se estabeleçam limites a esse ius punieni do Estado durante a persecução penal por meio da observação aos direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional.

No magistério de Guilherme de Souza Nucci:

O processo penal lida com liberdades públicas, direitos indisponíveis, tutelando a dignidade da pessoa humana e outros interesses dos quais não se pode abrir mão, como a vida, a liberdade, a integridade física e moral, o patrimônio, etc. Ensina Eugênio Pacelli de Oliveira que “depois de longa e sofrida vigência de uma codificação caduca em seus pontos estruturais – o CPP de 1941 – a Constituição de 1988 ser mais bem vinda. E, por todas as suas virtudes, na instituição de garantias individuais e no estabelecimento de uma ordem jurídica fundada na afirmação e proteção dos direitos fundamentais, há de se manter bem viva”. (NUCCI, p. 78, 2010).

A Constituição que assegura ao cidadão garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, e de tantos outros direitos indispensáveis aos seres humanos, também estabelece em seu art. 5º, LVIII, que: “o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. (BRASIL, 2008, p. 10).

Com relação a essa afirmativa, é relevante salientar algumas considerações:

 

3.      Identificação Criminal

Utilizada de forma indiscriminada no período anterior à Constituição, a identificação criminal, para os moldes contemporâneos, se constitui do uso de dactiloscopia, colheita de impressões digitais, e da fotografia do indiciado objetivando sua melhor identificação.

Segundo Luiz Flávio Gomes, se existe fundada dúvida acerca da identidade civil do sujeito, nada mais ponderado do que submetê-lo à identificação criminal.

A Constituição de 1988 transferiu para o legislador a tarefa de regular a matéria, a qual só foi cumprida no ano de 2000 com o advento da Lei 10.054. Esta norma estabelecia de forma incisiva as situações e, inclusive, os tipos penais aos quais o indivíduo, ainda que civilmente identificado, deveria se submeter à identificação criminal. Muito criticada à sua época, esta lei estabelecia que:

Art. 3o O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando:

I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; (BRASIL, 2000).

Mais condizente com a ordem constitucional, a Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, que revogou a Lei nº 10.054/00, em seu art. 1º, repetiu o conteúdo do texto constitucional sobre a vedação da identificação criminal, desvinculando seu cometimento de determinados tipos penais:

Art. 3º  Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais. (BRASIL, 2009).

 

Entende-se que, excetuando o disposto no inciso IV, as demais hipóteses são bastante plausíveis, tendo em vista que se fundam em elementos mais objetivos, como divergência e sonegação de informações por parte do identificado, irregularidade na documentação, ou mesmo na insuficiência de dados que levem à  identificação do indivíduo.

Entretanto, quando a lei justifica sua necessidade em situações em que “a identificação criminal for essencial às investigações criminais, segundo despacho da autoridade judiciária...” lança dúvidas, inseguranças quanto à utilização desse instituto. 

 

4.      Críticas ao inciso IV do artigo 3º da Lei nº 12.037/09

Verifica-se que houve modificação substancial da Lei nº 10.054/00 com a retirada do inciso I de seu art. 3. Nesse sentido, andou bem o legislador ao retirar de “campo” uma lei que ia de encontro aos princípios constitucionais, ao impor ao indiciado a obrigação de se sujeitar a uma identificação criminal pelo simples fato de ter cometido um determinado delito. No entanto, perdeu ele a oportunidade de por fim, de uma vez por todas, à celeuma que tal tema acarreta ao inserir no art. 3º o inciso IV, acima descrito.

Tal dispositivo relega ao subjetivismo do aplicador da lei o que vem a ser essencial às investigações policiais.

Para alguns, não há qualquer inconveniente ou situação humilhante no procedimento de identificação criminal. Não obstante, há de se convir que a colheita das impressões digitais, vulgarmente conhecida como “tocar piano”, e a confecção de fotos do indiciado muitas vezes induz o leigo a uma convicção de autoria, especialmente pelo fato de o processo ser público, ao qual toda a sociedade tem acesso. A situação ainda se agrava quando esses dados são exibidos pelos órgãos de imprensa.

O que serviria de instrumento para evitar erros quanto à identificação do indiciado ou acusado, em muitas das vezes se torna um procedimento vexatório, pendendo até mesmo para uma conduta preconceituosa e discriminatória, pois não é difícil presumir qual o tipo do cidadão é, na maioria das vezes, submetido a identificação criminal. A subjetividade costuma perpassar critérios como cor, raça, etnia, condições sócio-econômicas e culturais.

Assim sendo, torna-se altamente questionável o fato de lei infraconstitucional relegar a critérios subjetivos a tarefa de decidir sua necessidade ou não à persecução penal.

Paradoxalmente ao até aqui exposto, há situações em que o julgador, imbuído de altruísmo e de uma ética pessoal, dispensa a identificação criminal, e, com isto, escapa-lhe a oportunidade de identificar um sujeito de alta periculosidade.

Depreende-se da análise do inciso IV do art. 3º da Lei nº 12.037/09 que o poder dado ao magistrado para decidir, de ofício ou mediante representação de autoridade policial, do Ministério Público, ou da defesa sobre a identificação criminal, o coloca frente a difícil celeuma, pois agir fora das demais hipóteses do art. 3º, situações de dúvidas quanto à identificação do indiciado, poderia impor-lhe um desnecessário constrangimento, além de ferir princípios constitucionais.

Diante de tal situação, as normas de bom senso parecem ser as mais viáveis para se evitar uma afronta aos direitos e garantias fundamentais. Tais normas podem se traduzir no uso da razoabilidade, na aplicação do princípio da proporcionalidade, com vistas a mitigar os efeitos decorrentes da subjetividade da aplicação do inciso IV, artigo 3º, da Lei n 12.037/09. 

Ao dissertar sobre o conceito de proporcionalidade, ensina Vinicius Diniz Vizzotto:

Na mesma esteira está a posição de Antonio-Luiz Martinez-Pujalte, referindo-se que a tese de proporcionalidade compreende três elementos, a saber: a) juízo de adequação; b) juízo de necessidade e c) juízo de proporcionalidade em sentido estrito.

Assim, o primeiro elemento deve demonstrar que a medida que se avalia deve ser adequada para a consecução de um fim constitucionalmente lícito. O segundo, que a medida deve ser necessária, e não existe alternativa menos gravosa. Por derradeiro, avaliam-se os custos e benefícios, ou seja, as vantagens que se obtém com a medida devem ser maiores que as desvantagens que a mesma regra. (VZZOTTO, p. 141 e 142).

5.      Conclusão:

Depreende-se de todo o exposto que relegar a critérios subjetivos ou mesmo autoritários a decisão de se adotar ou não a identificação criminal não parece ter sido uma iniciativa feliz do legislador brasileiro, vez que, se por um lado, fere frontalmente princípios constitucionais, desrespeitando direitos e garantias dos quais não se pode abrir mão, como a integridade física e moral, por outro, corre-se o risco de, diante de uma demonstração altruísta e de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, comprometer a segurança da sociedade, ao dispensar a identificação criminal de indivíduo, devolvendo-o ao convívio social, provocando, com isso, estragos muitas vezes sem reparação.

É tarefa dos operadores jurídicos suscitar reflexões que venham trazer mais luzes a esse tema, buscar mecanismos que possam aprimorar sua aplicação prática com vistas a afastar a instabilidade, a insegurança no trato com a matéria, num esforço que visa à consolidação de o que aqui se apresentou como conquistas constitucionais, senão pela sociedade, pelo menos pelo poder legislativo.

 

Referências Bibliográficas:

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: PINTO, A. L. L.; WINDT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L. Vade Mecum Saraiva. 5 ed. São Paulo: Saraiva,2008.

BRASIL, Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, 02 out. 2009.

BRASIL, Lei nº 10.054, de 07 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 08 dez. 2000.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. rev, atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. São Paulo: RT, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT, 1989.

VIZZOTO, Vinícius Diniz. Restrição de direitos fundamentais e segurança pública: uma análise penal-constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo , v.14, n.57 , p. 109-131, out. 2006.

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