Thaísa Figueiredo Lenzi
O direito à saúde é assegurado constitucionalmente, e expressamente registrado na Carta Magna como um dever do Estado de garantir a sua promoção, proteção e recuperação mediante políticas sociais e econômicas. Desta feita, as ações e serviços públicos de saúde, constituem-se em um sistema único, do qual o Poder Público se incumbe de sua regulamentação, fiscalização e controle.
Inseridos nesse contexto, vislumbramos a categoria dos Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias. A Lei Federal n.º 11.350 de 05 de outubro de 2006, entre outras disposições regulamentou a atividade peculiar desses trabalhadores.
O Artigo 2º da citada lei, declara que o exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional.
É evidente a especificidade da função exercida, bem como a relevância dos serviços dessa categoria à toda população, vez que as atribuições desses agentes, além da promoção da saúde mediante ações domiciliares no âmbito da comunidade, também inclui as atividades de prevenção e controle de doenças, como é o caso do Agente de Combate às Endemias.
No entanto, o dispositivo legal em comento se ateve a situações superficiais que não alteraram substancialmente o quadro “sui generis” já estabelecido entre esses agentes, qual seja, o de servidor de fato que, perante à administração pública não é possuidor dos direitos inerentes aos servidores públicos.
Para “sanar” a lacuna da Lei 11.350/2006, em 05 de fevereiro de 2010, foi publicada a Emenda Constitucional n.º 63 que alterou o § 5º do art. 198 da Constituição Federal, dispondo sobre piso salarial profissional nacional e diretrizes para os Planos de Carreira de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate a endemias. O texto anterior previa o seguinte:
“§ 5° Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias”.
O texto atual, resultante da emenda, tem a seguinte redação:
"Art. 198 (...)
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial”.
Verifica-se portanto, que o atual teor do § 5º do artigo 198 da Constituição Federal, em verdade cuida-se de uma norma constitucional de eficácia limitada, isto é, só manifestará a plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo legislador constituinte após a emissão do ato normativo previsto ou requerido por ela, qual seja: a futura edição de uma Lei Federal que disporá sobre o regime jurídico, piso salarial, as diretrizes do Plano de Carreira e regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias.
Há de se registrar ainda que a Emenda Constitucional n.º 63, por se tratar de matéria atual em nosso sistema jurídico, os Tribunais e Cortes Superiores ainda não foram instados a proferir entendimentos jurisprudenciais nesta seara.
No que se refere a conceituação das normas constitucionais de eficácia limitada, oportunas são as lições do procurador federal e professor Marcelo Novelino[1], vejamos:
“ A aplicabilidade dessas normas é indireta, mediata e reduzida, pois só incidem totalmente sobre os interesses objeto de sua regulamentação jurídica após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais. Apesar de não possuírem, desde sua entrada em vigor, uma eficácia positiva, são dotadas de eficácia negativa, ab-rogando a legislação precedente que lhe for incompatível e impedindo que o legislador edite normas em sentido oposto ao assegurado pela Constituição.” (grifamos)
O Sistema de Direito Positivo Brasileiro obedece uma estrutura piramidal. É dizer, todas as normas que o compõem obedecem e, principalmente, retiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição da República.A ordem constitucional irradia sua força normativa por todo o ordenamento jurídico, criando uma barreira formal, material einterpretativa.
Ademais, não se pode olvidar do princípio lapidado pelo professor de Direito Público e Eclesiástico da Universidade de Freiburg na Alemanha,Konrad Hesse[2], em sua obra“A Força Normativa da Constituição”,pugnando que “o princípio da força normativa da Constituição confere a esta plena eficácia, ou seja, a todo o custo as proposições mandamentais ali elencadas devem ser rigorosamente observadas”.
É inquestionável a superioridade das normas constitucionais sobre as ordinárias. Dado o caráter dinâmico do direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida, isto é, pelo procedimento determinado por uma outra norma, esta representa o fundamento imediato de validade daquela.
A norma que regula a produção, como é o caso do § 5º do Artigo 198 da Constituição Federal, é a norma superior, e, para todos os fins, deve ser observada. Enquanto isso, os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias vão realizando seus trabalhos sem uma regulamentação específica que de fato beneficiem a categoria.
[1] NOVELINO,Marcelo.Direito Constitucional.4ªed.rev.atual e ampl - Rio de Janeiro.Forense;São Paulo.Método.2010.
[2] HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991