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Professores: Nós, os Covardes. A Busca de uma Teoria da Identidade Docente


Autoria:

Sebastião Fernandes Sardinha


Bacharel em ciências jurídicas pela UGF, pós-graduado em Docência do Ensino Superior pelo IAVM/UCAM, Gestão Estratégica pelo IAVM/UCAM, Sociologia, Política e Cultura pela PUC-Rio - Professor Universitário

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Resumo:

As transformações sociais, as reformas educacionais e os modelos pedagógicos derivados das condições de trabalho dos professores provocaram mudanças na profissão docente, estimulando a formulação de políticas por parte do Estado.

Texto enviado ao JurisWay em 17/09/2010.



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Professores: Nós, os Covardes. A Busca de uma Teoria da Identidade Docente.

1 – Primeiro panorama 

                     A Educação inicia-se com o nascimento do rebento a partir da primeira palmada do obstetra e assim seguem-se por toda a vida, com os diferentes referenciais, tais como a família, a igreja, Escola, grupos de amigos, no trabalho e em plena sociedade, e outros mecanismos de controle social.

                      As transformações sociais, as reformas educacionais e os modelos pedagógicos derivados das condições de trabalho dos professores provocaram mudanças na profissão docente, estimulando a formulação de políticas por parte do Estado.

                       A classificada “liberdade de cátedra”, tida como o último bastião da suposta oportunidade de ensinar o aprendizado livre, vem ruindo sob os olhares obsequiosos dos professores que tacitamente ou lenientemente vêm trocando a autonomia autorizada pela autonomia regulada.

                     A padronização do magistério dita a linha racionalizante a que o sistema submete os professores.

                     O atrelamento à autonomia regulada, progressivamente instalada nas hostes acadêmicas, sujeita as ações dos professores à Educação de Resultados.

                      O professor como sujeito social tem sido manipulado pelas estruturas dominantes, que usam o medo como vetor para promoção da subserviência profissional.

 

 

                     A subsunção aos processos e métodos internalizados através de programas educacionais alienígenas faz do professor um “operário”, reprodutor de políticas e idéias adredemente colocadas para a execução de um conhecimento ilegítimo, no entanto legal.

                                 Michael APPLE (2005, pag.110) afiança que a autonomia regulada enquanto regime de controle se baseia não na confiança, mas na profunda suspeição sobre os motivos e a competência dos professores.  Tais políticas levam à “perda de habilidades” dos professores, a intensificação de seu trabalho e a perda da autonomia e do respeito.

                                 Por encontrar-se em permanente situação de conflito, por almejarem as mesmas coisas, os homens, governados pela própria razão, alçarão de todos os meios para validar as condições de igualdade, renunciando a segurança em nome da liberdade.

                     2 - O Medo como vetor da subserviência

                           2.1 – Algumas patologias que decorrem do MEDO

                                      2.1.1 -  Síndrome de Burnout 

                     A Síndrome de burnout, também chamada de a síndrome do esgotamento profissional, aparece como resultado do desenvolvimento da fricção social e profissional, principalmente naqueles mais idealistas, por serem mais vulneráveis em face do fiel comprometimento com o trabalho escolhido.

                     O desapontamento profissional vem acompanhado do medo da marginalização profissional e pessoal.

                      Burnout em professores é um fenômeno complexo e multidimensional, resultante da interação entre aspectos individuais e o ambiente de trabalho.

                     Mary Sandra CARLOTTO (2003, pag.15) contribui citando vários autores e modelos que têm tentado explicar o burnout em professores a partir de diversas perspectivas.

                     WOODS (1999, Idem, Carlotto, pag. 23) aborda o burnout do professor partindo de um modelo sociológico e  apontando fatores em níveis micro, meso e macro.    

                     Fatores micro são os que se situam dentro da biografia pessoal e profissional do professor (comprometimento, valores, carreira e papéis desenvolvidos). Os fatores meso ou intermediários são os institucionais (tipo de escola, aspectos éticos da escola, aspectos culturais do professor e dos alunos) e os macro são todas as forças derivadas das tendências globais e políticas governamentais.

                     Estes níveis em interação desencadeiam o processo de “desprofissionalização” do trabalho do professor. Tal processo implica a proletarização do trabalho dos profissionais da educação.

                      Segundo este modelo, à medida que a economia capitalista avança, há uma preocupação em manter e promover a eficiência. Neste movimento há uma redução da amplitude de atuação do trabalho, as tarefas de alto nível são transformadas em rotinas, existindo uma maior subserviência a um conjunto de burocracia.

                     Também há menos tempo para executar o trabalho, menos tempo para atualização profissional, lazer e convívio social e poucas oportunidades de trabalho criativo.

                     Os professores, de acordo com esta visão, são mais técnicos do que profissionais.

                     LAMPERT (1999) diz que a educação hoje é vista e gerenciada como um negócio rentável. A comunidade, de uma forma geral, nota esta concepção de ensino, desenvolvendo uma percepção negativa em relação à mesma, com conseqüente desprestígio de todos os que dela fazem parte.

                          FARBER (1999) partilha em muitos aspectos da visão sociológica de Woods (1999) para explicar burnout, mas acredita que a chave do entendimento deste fenômeno está na abordagem psicológica, mais especificamente no sentimento do professor de que seu trabalho é pouco significativo. Professores como todas as pessoas, precisam sentir-se importantes, amados e de alguma forma especiais. Eles necessitam ter estas necessidades afirmadas por quem eles vivem e trabalham (p.165).

                     Sem se preocupar com a fonte de onde emanam os estressores, para o autor, burnout ocorre quando o professor sente que seus esforços não são proporcionais às recompensas obtidas e que futuros esforços não serão justificados ou suportados.

                       O autor destaca também a ênfase negativa dada às questões ligadas ao ensino, tendo freqüentemente seu foco voltado para dificuldades, o que tacitamente reforça o senso de vitimização do professor, tornando-o mais vulnerável ao burnout.                        Outra questão abordada por FARBER (1991) é que o sistema que define políticas muitas vezes exclui alguns professores das instâncias de poder, passando a sobrecarregar e a incrementar o estresse e o burnout nos que estão próximos a esta estrutura.

                      Os professores, afirma ainda, reagem de formas diferentes aos mais variados fatores de estresse, contudo está na relação aluno-professor a maior fonte de oportunidade de estresse e burnout, bem como de grandes oportunidades de recompensas e gratificações.

                      O desenvolvimento profissional não afeta apenas a maneira do professor lidar com as demandas de seu trabalho, mas também seu entendimento e representação de escola e ensino (p. 183).   

                      A análise de carreira de professores, técnica utilizada pelo autor em seus estudos, mostra duas importantes questões: a primeira é uma gama de concepções sobre eles mesmos (professional self) e a segunda é o sistema de crenças pessoais sobre o ensino (subjective educational theory). O autor destaca a importância de contextualizar a perspectiva biográfica, uma vez que professores e ensino estão próximos em seu contexto, tanto na dimensão temporal como na espacial.

         É importante considerar as características de trabalho do professor e as especificidades de suas instituições de ensino. “Diferenças entre professores e diferenças entre as escolas devem ser incluídas em qualquer modelo explicativo do burnout em professores” (p.225)  

         2.1.2 - O transtorno de estresse pós-traumático nos contextos de trabalho (TEPT).

                     O destaque dado à Síndrome de Burnout, não reduz a gravidade de outras patologias a que são acometidos os professores, mesmo que não sejam eles, “os outros”, tais como o estresse, estafa, doenças cardíacas e muitas que aparecem como subproduto daquela suso mencionada.

                     Júlia Nogueira DORIGO e Maria Elizabeth Antunes LIMA (2007, pag.23)  alertam que o TEPT é um transtorno que tem sido cada vez mais freqüente nos contextos de trabalho e, infelizmente, não tem sido dada a ele a devida importância. Sua prevenção na maioria dos casos é possível, em princípio, melhorando as condições de trabalho, de forma a evitar situações potencialmente traumáticas e, eventualmente, criando um sistema de acolhimento ao trabalhador que se envolva em alguma dessas situações.

                         É imperativo que haja maior quantidade de estudos não só deste, mas de outros transtornos desencadeados nos contextos de trabalho para que se possa atuar sempre com a perspectiva da prevenção e não apenas com a do tratamento de trabalhadores já incapacitados de exercer suas atividades produtivas.

                                                        2.1.3 - Distúrbios da voz 

                     O homem, desde seu nascimento, submete-se ainda que involuntariamente ao exercício laringológico, pois é submetido ao primeiro ato educacional, como já foi dito antes. Daí não mais irá parar até seu desaparecimento físico.

                      No entanto, o docente como outros profissionais que se valem da voz para o efetivo exercício do trabalho, estão sujeitos aos distúrbios da voz.

                      Vera L. R. FUESS e  Maria Cecília LORENZ (2003)  em trabalho acadêmico de grande valor, argumentam que a voz é um instrumento fundamental na vida profissional do professor.

                     Como elemento que deve convencer e influenciar o auditório, esta voz requer uma adaptação precisa dos órgãos da fonação sob pena do surgimento de sintomas disfônicos, mais ou menos precoces, prejudiciais ao prosseguimento do magistério (Garcia, 1986; Calas, 1989, Penteado, 1999).

                     Dados de literatura mostram que um a cada dois professores da ativa apresenta queixas e sintomas vocais, e que apresentam duas a três vezes mais estas queixas que outros  profissionais (Smith, 1998). Estes dados revelam a importância do problema, que devemos tentar abordar de maneira preventiva e curativa.

 

                      A prevenção desta afecção relacionada ao uso profissional da voz envolve a identificação de condições que predisponham à disfonia (anatômicas, infecciosas, psicológicas), a promoção de oportunidades de formação quanto a técnicas vocais e o cuidado com o nível de ruído no ambiente escolar e ao seu redor (SARFATI, 1987).

                     O ruído presente na escola dificulta a boa compreensão da mensagem transmitida ao educando, provocando modificações nos comportamentos vocal e psíquico dos professores (o nível sonoro médio da fala aumenta a partir do momento que o ruído ambiente ultrapassa 30 dBNS: efeito Lombard) (Sataloff, 1991; Calas, 1989).

                                 Segundo SMITH (1998) E MATTISKE (1998), apesar de estar claro que a atividade de ensino aumenta o risco de problemas vocais, os fatores de risco específicos para o desenvolvimento de disfonia entre professores ainda não estão definidos.

         3 - O Delírio da Mosca Azul e a dominação legal

                                 É interessante notar que John Locke, ao falar da educação do gentleman, insistiu que este deveria abandonar uma educação que priorizasse, nesta ordem, a eloqüência, a virtude e a sabedoria, em favor de uma educação que priorizasse, nesta ordem, a virtude, a sabedoria, a educação e o conhecimento. Com isto, Locke se posicionou claramente contra certo tipo de humanismo vigente, mas afeito à “cultura de verniz”, que à utilidade  ( Ghiraldelli Jr pag.28).

                                  A Lei 5540/68, diz Ghiraldelli (idem, 23), criou a departamentalização e a matrícula por disciplina, instituindo o curso parcelado através do regime de créditos.

                                 A departamentalização veio quebrar com uma possível união entre ensino e pesquisa. Os departamentos passaram a reunir professores-pesquisadores do que seria – mas que de fato não era -  uma mesma área do conhecimento, destruindo as reuniões por afinidades teóricas e impondo uma aglomeração de cunho corporativista.

                     O departamento era como é, na verdade, uma entidade fantasmagórica, em geral pouco democrática, que passou a espelhar, não raro, aqueles grupos de professores que estavam mais interessados em fazer carreira administrativa do que se dedicar ao ensino e a pesquisa. Esses grupos menos afeitos ao ensino e a pesquisa, gastando tempo em articulações de política interna da universidade, ganharam cargos administrativos e alimentavam todo tipo de vício: desde o nepotismo e a corrupção em contratações até a criação de linhas fantasmas de pesquisa.

                     Max WEBER (pag.28), discorrendo sobre a dominação racional expõe sobre as categorias fundamentais, afirmando, portanto, um exercício contínuo, vinculado a determinada regras, de funções oficiais dentro de determinada competência, o que significa um âmbito objetivamente limitado, em virtude da distribuição dos serviços obrigatórios, com atribuição dos poderes de mando eventualmente requeridos e limitação fixa dos meios coercitivos eventualmente admissíveis e das condições de sua aplicação.

                      A um exercício organizado desta forma denominamos “autoridade institucional”.

                     Continua Weber: o princípio da separação absoluta entre o quadro administrativo e os meios de administração e produção deve ser cotidianamente aplicado.

                      Em caso de racionalidade plena, não há qualquer apropriação do cargo pelo detentor. Quando está constituído um “direito” ao “cargo”, ele não serve normalmente para o fim de uma apropriação pelo funcionário, mas sim para garantir seu trabalho de caráter puramente objetivo (“independente”), apenas vinculado a determinadas normas, no respectivo cargo.

                      A departamentalização solidificou a distrofia que há entre educar e escolarizar.

                     A Escolarização, iniciada com a primeira infância pelas mãos maternas, seguiu-se pelas escolas confessionais, até as reformas do Marquês de Pombal em 1759, com a expulsão dos jesuítas, no caso brasileiro e de Portugal.

                        A secularização da escolarização, como elemento da educação, foi a grande marca deixada pelo Estado, que ressurgia fortificado pela burocracia.

                        A classe burguesa da qual compunha os Professores, fora apanhada de soslaio pelas transformações históricas do mundo do trabalho e da Educação, apercebendo-se tardiamente que fora engolida pelo sistema. 

                      De acordo com SOUZA et al (2003), até os anos de 1960, a maior parte dos trabalhadores do ensino gozava de uma relativa segurança material, de emprego estável e de certo prestígio social. Já a partir dos anos de 1970, a expansão das demandas da população por proteção social provocou o crescimento do funcionalismo e dos serviços públicos gratuitos, entre eles a educação.

                     A “mosca azul”, embora anterior, foi imortalizada nas letras machadianas, e ressurge diante da complexidade da sociedade educacional fornecendo um novo lote de aptidões deformativas da atividade docente.

                      As transformações impostas nas relações de trabalho dos docentes resultaram na expropriação pela classe dominante da originalidade intelectual daqueles, viciando sobremaneira o processo produtivo.

                    

 

 

                     Tosi RODRIGUES (2007, pag.40), propagando as lições de Marx, afiança que os trabalhadores foram duplamente expropriados pelos capitalistas, isto é, deles foram subtraídas duas coisas: os meios de produção da vida material e o saber do qual dependia a fabricação de um produto e a própria posição social do artesão.

                     No entanto, tal processo deu causa ao nascimento de uma superclasse de trabalhadores considerados situacionistas que alienam seu mister em troca de abeberar-se na sombra do capitalista.

                      O situacionismo acomodou os comensais do sistema, seja na coordenação, gestão, direção ou quaisquer outras atribuições estranhas à atividade docente, exercidos por eles, por vezes sem nenhuma habilitação técnica inerente ao cargo a ser exercida, com o compromisso de dar racionalidade, eficiência e produtividade ao sistema de ensino.

                     O Professor foi separado pela departamentalização, imposto pelo capitalismo, do controle autônomo que exercia sobre seu trabalho e também do fruto deste trabalho. O trabalho é então percebido pelo trabalhador como algo fora de si, que pertence aos outros. A isso, Marx dá o nome de alienação.

                     Por causa do trabalho alienado a que estão submetidos, os homens adquirem uma consciência falsa do mundo em que vivem, vêem o trabalho alienado e a dominação de uma classe social sobre outra como fatores naturais e passam, portanto, a compartilhar uma concepção de mundo dentro da qual só têm acesso às aparências, sem ser capazes de compreender o processo histórico real.

                        O desvio funcional transformou o caminho dos Professores, que desejosos de continuar no sistema, alienam aquilo que não têm. 

 

 

         Claus OFFE (1989, pág.180) aduz que o crescimento do trabalho mediador, regulador, ordenador e normalizante desempenhado no setor de serviços certamente não pode ser interpretado através do modelo de uma totalização da racionalidade do trabalho baseado na produção técnica organizacional economicamente eficiente de mercadorias pelos trabalhadores assalariados. Em vez disso, pode ser interpretado através do modelo de retorno dos reprimidos, no sentido de um aumento dos problemas de segunda ordem e dos custos de complexidade que se acumularam devido a mobilização dos trabalhadores assalariados; sob este ponto de vista, esses problemas e custos requerem agora um domínio de através dos trabalhadores ocupados em serviços de vários tipos ( por exemplo EDUCAÇAO, terapia, policiamento, comunicações) para que a ordem seja preservada em uma sociedade baseada no consumismo racional-formal. A racionalidade substantiva baseada em normas, que fora reprimida com êxito no trabalho produtivo e na transformação da força de trabalho em uma mercadoria vendável, volta à tona por assim dizer.

                     Acusando a repressão da racionalidade substantiva na esfera do trabalho assalariado, ela toma a forma de números crescentes de trabalhadores e profissionais qualificados em serviços, cuja tarefa principal é garantir institucionalmente a existência social através de um tipo especial de trabalho (pág.180).

                     Ao processo composto de idéias, concepções, procedimentos ordenados, que impinge aos docentes a subsunção a um “sistema amorfo”, fazendo-os acreditar que estão agindo por sua própria vontade, Karl Marx chamava de ideologia.

                    

 

 

         FAORO (2007, pág.33) enriquece o debate aduzindo que no paradigma marxista, a consciência ideológica é uma ilusória e uma falsa consciência (Lukacs, 1960, p.90). Uma classe cujo domínio político é exercido por uma minoria, no interesse dessa minoria, difunde-se, para que outras classes se iludam, confundindo-se na sua verdadeira consciência de classe.

         Os ideólogos dominantes lutam para que se oculte a essência da própria classe, universalizando-a em conceitos abstratos, ao mesmo tempo em que negam a autonomia dos interesses das outras classes. A consciência ilusória, ao se duplicar na falsa consciência, cobre a realidade e a revela, deformando-a; representa a figura do véu e da máscara (BOBBIO, 1977, p.113).

                       Portanto, o corrompimento profissional a que são submetidos os docentes, conscientes ou inconscientemente, transforma-os em marionetes do sistema.

                      Zygmunt BAUMAN (1998, pag.08)  vaticina que a civilização se constrói sobre uma renúncia ao instinto. Especialmente – assim Freud nos diz – a civilização (leia-se modernidade) “impõe grandes sacrifícios” à sexualidade e agressividade do homem. O anseio de liberdade, portanto, é dirigido contra formas e exigências particulares da civilização ou contra a civilização como um todo. “E não pode ser de outra maneira. Os prazeres da vida civilizada, e Freud insiste  nisso, vêm num pacote fechado com o sofrimento, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião. A civilização – a ordem imposta a uma humanidade .naturalmente desordenada – é um compromisso, uma troca continuamente reclamada e para sempre instigada a se renegociar.

                     O princípio de prazer está aí reduzido à medida do princípio de realidade e as normas compreendem essa realidade que é a medida do realista. “O homem civilizado trocou um quinhão das suas possibilidades de felicidades por um quinhão de segurança” (idem, BAUMAN).   

                                 3.1 – O assédio moral permissivo pelo docente

                      Lenientemente, o docente, na busca da manutenção do status perdido, renuncia (ou deixa submeter-se) aos  mais caros valores que regem a atividade interior do ser humano: a sua dignidade. Submete-se a todo tipo de humilhação à guisa de sacrifício por seus alunos e seu emprego. O assédio moral assacado pelos membros admitidos na superclasse é cotidiano e vexaminoso.

                     GUEDES (2003) destaca que o termo “mobbing” cunhado pelo etiologista Heinz Leymann, é a pior espécie de estresse social, uma forma de psicoterror. O fenômeno é classificado como um conflito cuja ação visa a manipulação da pessoa no sentido não amigável.

                     O terror psicológico no trabalho é uma forma de violência por vezes invisível de submeter o trabalhador a humilhações de ordem moral e psicológica, em ambiente de trabalho.

                     O trabalhador é condenado ao exercício involuntário do contrato de inação em contraposição ao contrato de atividade (de trabalho) revelando lesões em seus direitos personalíssimos, tais como a honra, a intimidade e a imagem.

         4- O incrível exército de Brancaleone

                     Mário Monicelli, na primorosa direção da Lâ?? lncredible Armata Brancaleone, (ITA.1965), parodiando Don Quixote, desnuda  sutilmente as assimetrias constantes na Europa feudal, valendo-se do trinômio “guerra, peste e fome”, anunciando o limiar do capitalismo.    

                       A metáfora histórica revela a pertinência da referência  com a atual situação da educação brasileira, mormente a classe docente e agora a “dissidente” classe dos trabalhadores na educação, a considerar que o quadro  é horroso e desanimador. 

                     A educação brasileira continua sendo submetida à mesma configuração da Europa feudal, prestando o sistema a tudo que é artifício político visando manter a massa (alunos) e  os esfarrapados (professores) ao nível da escolástica cristã.

                     A teimosia docente é um dado que não pode ser desprezado, pois os utópicos impedem o absurdo de tomar conta da realidade, nas palavras de Leonardo Boff.

                     Assim, concorrentemente aos céticos, temos os utopistas da Educação, que silenciosamente fazem a revolução social que a nação necessita.

                     São os docentes por vocação, que sem nenhum preparo técnico-pedagógico, insistem em propagar o saber nos mais longínquos rincões do Brasil.

                     O Estado tem uma dívida social que merece ser satisfeita, com mais trabalho, ensinamentos a todos aqueles que semeiam o saber, mesmo sem saber que sabem algo. São os sábios, porém não sabidos.

                     Aos aguerridos docentes, profissionalizados ou não, se faz mister a especialização, a consolidação de políticas públicas que impeçam a deterioração do patrimônio ufanista ou a encampação por “outras”  forças.

 

 

5– A Sociedade em Rede e o  Militantismo Docente

                     Manuel CASTELLS (2007, pag.33) salienta que o poder tem como base o Estado e seu monopólio institucionalizado pela violência, embora o que Foucault chama de microfísica do poder, incorporada nas instituições e organizações, difunda-se em toda a sociedade, de locais de trabalho a hospitais, encerrando os sujeitos numa estrutura rigorosa de deveres formais e agressões informais.

                     A marginalização docente é um fato que não pode ser desprezado, assim como sua declarada ausência de capacidade de organização classista.

                     O militantismo docente é vernáculo desconhecido pela maioria dos profissionais que ocupam o papel estratégico da Educação no Brasil.

                     O militantismo docente não pode ser confundido a sindicalismo docente, não por culpa deles, mas pela falta de legitimação corporativa.

                     A existência dos sindicatos “chapa branca” [1], no Brasil não é uma novidade, bastando um breve passeio pela História.

                     A falta de legitimação deu condições da instalação de minorias oligárquicas, que em nome da disposição de uma política de classe, do tipo “serei a nossa voz lá dentro do sistema”, criou o segundo aparelho a servir ao poder no momento instalado.

 

 

                     Todavia, o vício estrutural do “boteco sindical” não é uma característica da imposição do Estado, mas da fragilidade da categoria, que por falta de vontade política ou até mesmo de consciência, reverbera toda a política reivindicatória a um localizado grupo.

                     BAUMAN (1998, pag. 15), aduzindo sobre a localização do território com sede do poder, vaticina que a situação torna-se ainda mais ameaçadora e exige ainda mais vigilância no caso das coisas que não se movem decididamente por sua livre vontade, mas o fazem, além do mais, sem chamar atenções sobre si mesmas: elas desafiam não exatamente o modelo de pureza, mas o próprio esforço de protegê-lo, uma vez que, sem estar a par da invasão, não se sabe que chegou a hora de agir e pode-se facilmente ser tranqüilizado pela ilusão de segurança.

                     A construção artificial de “forças sindicais” atende às duas vertentes do Tecido social, no caso os docentes: satisfaz aos reacionários e apazigua os oprimidos. No primeiro caso, compõe-se no cumprimento de promessas por metas alcançadas e, no segundo, a leve sensação de torpor social, com a satisfação de urgências primárias. A ilustração é a criação da CLT, por Vargas, e do Estatuto do Trabalhador Rural, durante o regime militar.

                     Nos contornos da época do golpe militar os sindicatos existiam somente na forma implementada por Getúlio Vargas, sendo de estrutura corporativista e de caráter pró-governamental. O espaço de negociação entre trabalhadores e empresários foi dominado por “pelegos”, uma espécie de mediadores entre trabalhadores e empresários, que nem sempre representavam os interesses dos trabalhadores. Essa ligação corporativa ao Estado marcou o Movimento Sindical brasileiro durante muito tempo e permanece até hoje em alguns pontos (Fontoura, p.148-2009).

 

                     Resta-nos questionar: Quem é o estranho?  O oligarca que ocupa todos e quaisquer espaços vazios ou o legítimo que consciente ou inconscientemente abdica da oportunidade política de fazer a história da classe?

                     Os estranhos eram, por definição, uma anomalia a ser retificada. Sua presença era a priori definida como temporária, tanto quanto uma etapa, atual e fugaz, na pré-história da ordem ainda por vir. Uma coexistência permanente com o estranho e com o diferente, e a pragmática de viver com estranhos, não precisaram ser enfrentadas à queima-roupa, como uma perspectiva séria. E isso não seria necessário, enquanto a vida moderna continuasse nas mãos de um estado bastante ambicioso e bem dotado para prosseguir na tarefa (BAUMAN,1998, pag.30).

                     A viscosidade com que os estranhos aderem ao poder é assombrosa, levando ao questionamento da situação focal, se efetivamente não desejam assumi-lo, ou apenas viver de suas hostes?

                     BAUMAN( idem, pag.43), sempre presente, construindo a Teoria da Diferença, destaca que a diferença essencial entre as modalidades socialmente produzidas de estranhos modernos e pós-modernos, pelos motivos acima relacionados, é que, enquanto os estranhos modernos tinham a marca do gado de aniquilação, e serviam como marcas divisórias para a fronteira em progressão da ordem a ser constituída, os pós-modernos, alegre ou relutantemente, mas por consenso unânime ou por resignação, estão aqui para ficar. Parafraseando o comentário de Voltaire a propósito de Deus, se eles não existem, teriam de ser inventados. E são de fato inventados, zelosamente e com gosto – improvisados a partir de protuberantes, salientes, minuciosas e não-oportunas marcas de distinção. Eles são úteis precisamente em sua qualidade de estranhos: sua estranheza deve ser protegida e cuidadosamente preservada. É impensável marcos indicadores sobre o itinerário sem nenhum plano ou direção: devem ser como muitos, e como protéicos, e como as sucessivas e paralelas encarnações da identidade na interminável busca de si mesmo.    

6-  A busca da Identidade Docente e a  Globalização    

                     A busca da identidade, cremos, é o caminho para a descoberta da gênesis transformativa da atividade docente na consolidação da cidadania.

                     Gramsci (RODRIGUES 2007 pag. 56) destaca a construção de uma tipologia dos intelectuais, dentre os quais o intelectual orgânico, que surge da ligação direta com os interesses da classe que ascende ao poder. Surge exatamente para dar homogeneidade e coerência interna a concepção de mundo que interessa a essa classe, ou seja, surge para dar consciência a ela. O segundo tipo de intelectual é o tradicional, ou seja, uma classe de intelectuais que, em épocas passadas, foram intelectuais orgânicos das classes que eram então dominantes. A função dos dois tipos de intelectual, portanto, e a de ser um instrumento de construção e consolidação de uma vontade coletiva, de um consenso social em torno das idéias por eles veiculadas, das concepções de mundo do bloco histórico ao qual estão ligados, na luta pela hegemonia.

                     É pacifico que a Escola forma esses intelectuais, restando saber se eles contribuem para a formação dessa mesma escola.

                     É dentro desta totalidade que o docente se situa, pois não se define nem como um intelectual orgânico (não mais), e muito menos o tradicional.

                     O docente, ao perder o sentido existencial, abriu a lacuna da alienação.   

                     Já por essa época o indígena não é dado mais pelo português como tabula rasa, mas é dado pelo católico português como ocupado pelo herege francês ou inglês. A conversão, em fins do século XVI, opera duas ações de despejo contra o indígena: convertendo-o, desaloja-o da sua cultura; fazendo com que se revolte contra os “hereges”, desaloja-o de qualquer outra ocupação que não a católica. E, ambos os casos, fá-lo entrar nos conflitos maiores do mundo ocidental sem que tenha tomado parte dos acontecimentos, mero ator, mero recitador que é.  Duplamente despojado: A História européia é a história do indígena. Resta-lhe memorizar e viver com entusiasmo uma “ficção” européia (portuguesa, em particular) que se transcorre num grande palco que é a sua própria terra. E já no século XX nem mais a terra é sua. Terceira última e definitiva ação de despejo operada pelos colonizadores. (SANTIAGO, 1982, pag.15).

                     É importante notar como a colonização no mundo moderno só podia ser uma atividade DOCENTE, onde a memória era o dom mais requisitado. A tal ponto que historiadores contemporâneos nossos julgam acreditar que a origem de uma “inteligência brasileira” se dê quando colégios são criados no século XVI. Ou seja: quando a história alheia é imposta como matéria de memorização, de ensino, imposta como ÚNICA VERDADE.

                     Insistindo, RAPOSO, (2006) continua argumentando que essa situação de instabilidade institucional e de exclusão social, para além dos inconvenientes de ordem ética e moral, nos diferenciam dos países onde as regras funcionam para a maioria da população, proporcionando, conseqüentemente, adesão política, estabilidade institucional, planejamento econômico e desenvolvimento social.

                     Para ANTUNES (1995), "uma tendência generalizante e uníssona" de eliminação dos trabalhadores e de seu peso social, sublinhando a incorporação do trabalho feminino, o assalariamento intenso dos setores médios, decorrente da expansão dos serviços, e a multiplicação das formas de trabalho parcial, temporário, precarizado. Seria mais apropriado, argumenta, falar num "processo de maior heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora".

                     Essa situação nos confronta com um paradoxo da organização de nossa sociedade, a saber: a principal característica política das populações excluídas é a sua dificuldade em se organizar para reivindicar sua participação nos benefícios produzidos pela sociedade em geral.

                     Assim depreende-se que a problematização envolvendo a decadência e a pauperização da classe docente é de ordem estrutural, estando a convocar outras forças sociais e políticas, dentre as quais o Estado, a Sociedade, a classe dos professores e trabalhadores na Educação, para que irmanados possam buscar um Brasil mais justo, contribuindo para a formação do homem dócil.

                     A reassunção da identidade docente passa pela conquista da hegemonia política e ideológica com a vitória da batalha das idéias segundo Gramsci, pois os intelectuais organizam a cultura, são eles que definem os parâmetros pelos quais os homens concebem o mundo em que vivem, vêem a divisão do poder e riqueza de sua sociedade, e também definem se os homens percebem como justa ou injusta essa situação. (idem RODRIGUES, pag.77).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Instituições criadas pelo poder central, legalmente instaladas, embora ilegítimas, para fazer contraponto com as demais entidades opositoras aos regimes.

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