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A importância de o Município formular a sua própria política para a zona rural


Autoria:

Helio Mattos De Moraes


Advogado em Belo Horizonte, MG. E-mail: heliomoraes@gmail.com

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Texto enviado ao JurisWay em 22/06/2010.



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Na obra Direito Urbanístico Brasileiro (1), ao tratar do processo de planejamento municipal, o Professor José Afonso da Silva assinala o seguinte:

 

“Considera-se processo de planejamento a definição de objetivos determinados em função da realidade local e da manifestação da população, a preparação dos meios para atingi-los, o controle de sua aplicação e a avaliação dos resultados obtidos.”

 

Esse insigne doutrinador observa ainda, que tal planejamento se realiza:

 

“Pela elaboração, manutenção atualizada e execução de: I – um plano de desenvolvimento municipal, que é o plano de governo, pelo qual cada prefeito definirá as prioridades e objetivos de seu governo em função da realidade local.”

 

O Professor Edésio Fernandes, planejador urbano possuidor de vasta experiência e autor de inúmeras obras e trabalhos relacionados ao direito urbanístico brasileiro, através do artigo denominado “O mito da zona rural (2)” aborda de maneira objetiva e brilhante assunto atual que aflige a maioria esmagadora dos municípios brasileiros, qual seja: a noção equivocada de que o Município não tem competência para agir dentro das suas próprias zonas rurais.

 

Tomemos como exemplo o caso específico da Serra do Cipó, no estado de Minas Gerais, onde os efeitos nocivos dessa noção equivocada de competência podem ser substancialmente agravados devido às seguintes peculiaridades: no espaço territorial do Município existe uma unidade de conservação federal de proteção integral; as zonas urbanas e zonas rurais se encontram parcialmente envolvidas por uma Área de Proteção Ambiental (APA) e pela zona de amortecimento de um Parque Nacional; as terras da região, inadequadas para as atividades rurais, possuem enorme potencial turístico; e tais unidades de conservação – o Parque Nacional e a APA – ainda não possuem os seus respectivos planos de manejo.

 

Então, seguindo a abordagem desenvolvida por esse renomado pesquisador em seu artigo, e providenciando as necessárias adequações à realidade da Serra do Cipó, observamos que dentro do processo de planejamento municipal é essencial a imediata formulação de uma política para a zona urbana e também para zona rural.

 

Nas décadas de 1970 e 1980, no auge do chamado regime militar de característica ditatorial centralizadora, foi erguida a maioria do arcabouço normativo que tutela o meio ambiente.

 

Esse conjunto normativo estabelecia medidas regulatórias, mas deixava de lado a participação do Município nos processos de planejamento, administração, fiscalização e controle do meio ambiente.

 

Segundo o estamento tecnocrata da época, que nos grandes centros passou a ocupar o poder e a cuidar da gestão ambiental, os políticos e administradores municipais eram incapazes de participar ou contribuir nesse processo. Muito pelo contrário: atrapalhavam.

 

A partir dessa realidade fática, nos anos seguintes os municípios começaram a buscar o reconhecimento da sua importância no estado federativo brasileiro, sendo que a Constituição da República de 1988 consagrou de maneira expressa a autonomia municipal em termos políticos, legais e financeiros.

 

Em seguida, através de suas leis orgânicas, os municípios cuidaram de consolidar em definitivo a nova situação.

 

Não obstante a crescente canalização de recursos financeiros e o contínuo fortalecimento político, infelizmente sobrevive o sentimento distorcido de que os municípios sem tutela permanente são incapazes de cuidar dos seus verdadeiros interesses locais, e, muito menos, de cuidar de suas próprias zonas rurais.

 

Além do mais, lamentavelmente, também sobrevive o entendimento equivocado de que os municípios não têm jurisdição sobre a zona rural do seu próprio território, com relação à competência legislativa envolvendo o uso e ocupação do solo, que seria atribuição exclusiva da União Federal.

 

Essa visão obtusa infelizmente tem causado enormes prejuízos e distorções por esse País afora, desde a falta de concessão de alvarás de construção e de licenciamento de atividades na zona rural, até a proliferação com fins tipicamente urbanos de assentamentos ilegais através dos denominados condomínios horizontais, loteamentos fechados, parcelamentos rurais dissimulados, sucessivos desmembramentos, e, inclusive, a instalação de prédios e equipamentos institucionais da União e do Estado sem qualquer tipo de consulta ao Município. Nas zonas rurais também não há fiscalização municipal.

 

Diante dessa situação e com o objetivo de evitar tantos tipos de problemas, inúmeros municípios têm optado por reduzir drasticamente ou acabar totalmente com as zonas rurais, acreditando que assim produzem condições de exercer um controle mais efetivo sobre seu território.

 

Evidentemente essa abertura indiscriminada da ocupação urbana na zona rural em terras com vocação agropecuária em alguns casos pode ser danosa, pois além de prejudicar a produção rural, pode também comprometer as áreas de preservação de mananciais e importantes partes da cobertura vegetal.

 

Mas tal abertura também pode ser vantajosa, pois, por exemplo, se a vocação do Município for essencialmente turística e ele se localizar nas proximidades de grandes centros urbanos, a aplicação pura e simples da atual legislação para zona rural será inadequada, e sequer vai atender os interesses da maioria dos munícipes.

 

Aqui se faz necessário abrir um parêntese para observar que cabe ao próprio Município estabelecer, através de lei, os limites das zonas urbanas e das zonas de expansão urbana, e, por conseguinte, também todos os limites da zona rural.

 

Assim sendo, levando em conta o brocardo jurídico de que quem pode o mais, pode o menos, então não há como explicar a incompetência do Município para agir sobre as zonas territoriais criadas através de sua própria lei, incluídas como visto as zonas rurais.

 

De acordo com a legislação vigente as únicas duas restrições dos municípios nas zonas rurais são, em primeiro lugar, a determinação do tamanho mínimo do módulo rural, e, em segundo lugar, a cobrança do imposto territorial rural (ITR), sendo que da arrecadação desse último o Município inclusive participa.

 

Não se pode também esquecer que toda e qualquer atividade que envolve o uso e ocupação do solo rural deve necessariamente ser aprovada pelo Município, mas para isso é essencial tanto a formulação prévia das diretrizes e critérios de tal uso e ocupação do solo, como da existência de uma política rural municipal.

 

Ademais, o Município não pode perder de vista que ao tomar tais providências deve necessariamente levar em conta o “interesse local” previsto na vigente Constituição da República, termo claramente inclusivo, adequado para evidenciar o status de sua condição de ente federado autônomo, que pode exercer atividade legislativa suplementar aos Estados e à União.

 

A lamentável idéia de que o Município é hiposuficiente e incapaz de formular sua própria política rural não pode ser perpetuada. Esse pensamento distorcido, que tem origem no período de autoritarismo do país, época das decisões centralizadas, necessita ser modificado.

 

Ao invés de entregar seu espaço territorial à ação muitas vezes ineficaz e incompetente de órgãos estaduais e federais distantes, que sem levar em conta os verdadeiros interesses do Município, e até a vocação da região, na prática utilizam a legislação geral sem qualquer critério hermenêutico, de maneira ampla, tendenciosa, autoritária e equivocada, e inclusive como arma para fazer ameaças e pressão.

 

Portanto, não há dúvida, sempre levando em conta a vocação da região e os verdadeiros interesses locais é que as zonas rurais devem fazer parte do planejamento municipal, sendo dotadas de uma legislação adequada e abrangente, de maneira a promover o desenvolvimento integrado e sustentável.

 

De resto, é oportuno lembrar a memorável conferência realizada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Melo, na cidade de Belo Horizonte, ocasião que ao abordar os rumos do municipalismo brasileiro, pontuou o seguinte:

 

“O natural e compreensível, pois, é que a menor das células de organização política – o município – represente o ponto de partida para todos nós. Enquanto não for o município brasileiro o verdadeiro irradiador das idéias, das concepções, orientadoras da nacionalidade, dificilmente o País encontrará a trilha que todos nós desejamos. É nas pequenas unidades que se tonifica a consciência dos problemas. O político brasileiro cunhou, com muita sabedoria a frase: Ninguém vive na União, ninguém vive no Estado, todos vivem no Município.”

 

Em seguida, depois de destacar que quem tem o poder não precisa de leis, pois basta-lhe o poder; que quem não tem o poder é que necessita de pautas, de regras que, de antemão, lhe ofereçam, no mínimo, alguma segurança, alguma certeza quanto ao amanhã; e de alertar que a lei só pode ser aplicada de acordo com a sua racionalidade; esse brilhante advogado e doutrinador observou:

 

“É próprio de país subdesenvolvido interpretar a lei na sua literalidade, deixando de lado uma lição antiqüíssima: Conhecer as leis não é conhecer-lhes as palavras – disse Celso. É preciso alcançar-lhes o sentido – disse São Paulo em epístola aos Coríntios: A letra mata, o espírito, porém, vivifica.”

 

E encerrando, ele arrematou:

 

“As leis, sobretudo as de direito público, costumam ser interpretadas no Brasil na sua literalidade, ignorando a razão de ser, o espírito e o sentido delas.”



(1) SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. Malheiros Editores, São Paulo, 2008, p. 135-136.


(2) FERNANDES, Edésio. O Mito da zona rural. Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Disponível em: http://www.irib.org.br. Acesso em: 7 fev. 2010.



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