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AVANÇOS DA TUTELA JURISDICIONAL E QUESTÕES HODIERNAS SOBRE SUA EFETIVIDADE


Autoria:

Sérgio Quezado Gurgel E Silva


Pós-Graduado em Direito do Emprego Público pela Universidade de Coimbra/Portugal, Pós-Graduando em Direito Empresarial pela Estácio de Sá, Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade Paraíso do Ceará.

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Resumo:

O presente trabalho aborda a desenvoltura histórica da tutela jurisdicional e trata de algumas questões atuais pertinentes acerca de sua efetividade.

Texto enviado ao JurisWay em 08/06/2010.

Última edição/atualização em 25/04/2012.



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Introdução

 

A tutela jurisdicional, numa definição sintética, é a função do Estado de dirimir, pacificar e, por conseguinte, resolver conflitos que surgem no seu âmbito de atuação político-jurídico seguindo um procedimento de aplicação de leis aos casos concretos de modo a aproximar-se o máximo possível de um decisum justo. Há que se considerar que a idéia de comparecimento estatal na resolução destes embates entre particulares e entre estes e os entes públicos sofreu uma série de modificações para se consolidar na estrutura hoje contemplada.

Não obstante, deve ser tomado o Direito Romano como base, dado o fato de a exposição se concentrar na tutela jurisdicional brasileira e esta, por sua vez, estar intimamente relacionada com as descobertas e desenvolturas ocorridas no ordenamento clássico romano.

Como um primeiro momento pode-se dar enfoque à idéia de vingança privada autêntica do período inicial, qual seja a da realeza, do Estado tendo como característica simplória a permissibilidade da decisão por parte da vítima de como será retribuído o injuriante que cometeu a conduta reprovável, ou seja, o privus seria naturalmente legitimado a solucionar o conflito existente da maneira que melhor o convier. Não digo que naquele período havia um Estado omissis nas questões jurisdicionais, simplesmente não havia esta preocupação, não existia um órgão competente para julgar e solucionar conflitos, portanto, tal atribuição era dada ao próprio interessado, tendo em mente que o decisum não era de forma alguma vinculado a qualquer regulamento, não havia restrição alguma à pena que poderia ser imposta.

A primeira grande alteração efetuada sobre esta realidade procedimental foi a da regulamentação incidente sobre determinados casos. Ainda não se podia falar em tutela jurisdicional pública, ao privado ainda era cabível a autodefesa, no entanto, neste momento, de acordo com os parâmetros estabelecidos em lei, aqui tratando de estabelecer um princípio básico de proporcionalidade que seria mais adiante remodelado a partir das necessidades da sociedade que evoluía constantemente.

Somente para constar uma idéia dessa proporcionalidade, cito o artigo do Código de Hamurabi do 18º A.C. que, embora a parte do Direito Romano, já dava certa importância a este princípio. Normalmente ao se tratar deste regulamento ordinário histórico, sempre nos vem a mente a idéia de “olho por olho, dente por dente” que é uma forma popular da cláusula 196 (das 282) prevista na coluna XII (de XXI) com o seguinte texto vertido “se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho”. Ora, com a clareza do sol do meio dia pode-se observar a completa relação entre a conduta reprovada e a pena estabelecida. E nos casos em que não se teria a possibilidade de uma imposição proporcional tão simples haveria ao menos uma aproximação, que poderia ser econômica, o que assemelha-se bastante com a nossa idéia de reparação civil, como exemplo pode-se falar ma cláusula 205 da Lei de Hamurabi que estipulava que “se o escravo de um homem livre espanca um homem livre, se lhe deverá cortar a orelha”

Retornando ao desenvolvimento procedimental romano acerca da tutela jurisdicional, ainda inexistente, no terceiro momento começa-se a imaginar que a vítima e o acusado podem acordar sobre a resolução do conflito, o que Poe fim à idéia da vingança privada, como exemplo está grafado o art. 11 do tomo VII da Lei das XII Tábuas, reputando que “se alguém fere a outrem, que sofra a lei do talião, salvo se houver acordo.”, ou seja, já se cogitava na possibilidade de um participação plural e mútua acerca do decisum em alguns casos, poderia, no entanto, a lei trazer uma obrigatoriedade de como deveria ser a intensidade da pena, devendo o particular obedecer a este regulamento, como também poderia simplesmente abrir margem para o consenso entre as duas partes (informais ainda).

A máxima de Ulpiano de “não prejudicar o próximo” seria por demais subjetiva para se reputar suficiente a reger um universo infinito de condutas sociais que podem ser por muitos consideradas ilícitas, neste momento começa a trabalhar o Estado em prever normativamente tipos penais e condutas ilícitas de forma objetiva e o enquadramento das condutas nestas previsões passaria a ser tão somente do Estado. Não somente atribui-se a competência ao poder público como também se começa a trabalhar num processo formal igualmente regulado por lei, também conhecido como legis actiones, o primeiro sistema processual até então.

Faz-se mister comentar sobre as autoridades judiciais que solucionariam os conflitos processuais. Em uma primeira fase seria de competência dos pretores o exercício do jurisdictio, de forma que na grande maioria das vezes este papel era realizado pelos governadores das províncias que também detinham o título de pretor. O juiz que logo foi atribuído da missão de julgar os conflitos era escolhido pelas próprias partes, não necessariamente sendo togado, esta figura surge posteriormente, comumente era um cidadão leigo e, obviamente, tinha total relação com ambos os pólos da ação, inexistindo a idéia de imparcialidade, portanto.

A partir dos desdobramentos do processo jurisdicional romano, as Estados europeus começaram a se adequar a este modelo comprovando a importância na outorga da execução e efetividade dos direitos constituídos nas normas de cada ordenamento aos representantes do próprio poder público, tendo como pressuposto básico a idéia de que esta seria a maneira mais prática de se consubstanciar justiça nas soluções de conflitos, ressaltando, a medida do desenrolar histórico, princípios como o da imparcialidade do juiz, da precisão de licitude das provas, do contraditório e ampla defesa e da própria lealdade processual. Sobre esta evolução constante trata com afinidade Ada Pellegrini Grinover,

 

“É claro que essa evolução não se deu assim linearmente, de maneira límpida e nítida; a história das instituições faz-se através de marchas e contramarchas, entrecortada freqüentemente de retrocessos e estagnações, de modo que a descrição acima constitui apenas uma análise macroscópica da tendência no sentido de chegar ao Estado todo o poder de dirimir conflitos e pacificar pessoas. [1]

 

Maneiras Primárias De Resolução De Conflito

 

Com o estabelecimento do contrato social urge que se estabeleça de imediato formas de pacificação de conflitos. Como formas primordiais para o alcance deste fito há que se falar em autonomia e heteronomia, aquela abarcando a autotutela e a autocomposição e esta a jurisdição convencional, arbitragem, mediação e conciliação. A grande distinção entre os dois grupos maiores é na parte que tange aos partícipes na resolução das divergências, enquanto na autonomia somente pode-se falar numa relação bilateral, na heteronomia há a presença de um terceiro que atuará como mediador.

A priori, a autotutela é um instrumento de manifestação unilateral de vontade que vem sido vencido com as mudanças processuais. É objeto de estudo detalhado de John Locke como combate ao estado autoritário de Thomas Hobbes, aquele alegava que, sendo alguns direitos provenientes da própria natureza, os próprios indignados seriam legítimos a punir os infratores, uma colaboração entre todos os cidadãos e estes e o próprio Estado na fiscalização e aplicação nas normas, isto era contrário à idéia de Hobbes de que a “tutela privada” teria sido totalmente cedida ao órgão estatal designado a este fim. Pode-se dizer que há uma repulsa atual à autotutela, pois tênue é a linha que a separa da abusividade cometida sob a desculpa de se fazer “justiça com as próprias mãos” podendo inclusive, em alguns casos, ser tipificado como um crime previsto no art. 345 do Código Penal. Não obstante, ainda há claros resquícios desta solução, como se pode observar no direito de retenção, no desforço imediato, prisão em flagrante, legítima defesa da posse e outros atos. Sob uma perspectiva otimista, este instrumento colabora com o desentupimento de processos no judiciário, se algumas condutas são consideradas ex vi legis lícitas, permitidas, logo, os privados podem logo dirimir alguns embates. Um tema bastante interessante, mas que não será abordado aqui é aquele que tange a autotutela na seara administrativa. Sub você de Cândido Rangel Dinamarco,

 

“A autotutela, como espécie egoísta de autocomposição unilateral, é anti-social e incivilizada, razão por que em princípio a lei a proscreve e sanciona (CP, art. 345, crime de exercício arbitrário das próprias razões). Ao próprio Estado é vedada a autotutela em muitas situações (p.ex., efetuar descontos nos vencimentos de seus funcionários sob a alegação de danos causados ao patrimônio público), sem embargo da chamada autoexecutoriedade dos atos administrativos.”  [2]

 

A autocomposição, por sua vez, não precisa ser observada com tanta cautela como o anterior, dado que este pode constituir em nocividade à efetividade normativa. No entanto é preciso observar algumas peculiaridades acerca do assunto já que reputa-se que alguns bens jurídicos objetos de lide são indisponíveis, v.g. a vida e a liberdade (a priori), tornando impossível o acordo acerca destes entes. As formas de autocomposição contempladas no direito interno brasileiro são a transação, renúncia e submissão. Vale ressaltar a importância de informar às partes que acordam sobre o instituto da autocomposição como forma de evitar vícios para que, pura, seja capaz de alcançar o fito explanado por José Augusto Rodrigues Pinto,

 

“Aproximar os protagonistas de um conflito de interesses, estimulando-os a encontrar solução negociada que lhe ponha fim” [3]

 

Tem a arbitragem[4] adquirido grande espaço nos tempos hodiernos em que a morosidade é uma característica marcante do Poder Judiciário, seria uma boa definição para o termo em estudo a concedida por Donaldo J. Felippe:

 

“Procedimento extrajudicial que permite a resolução de conflitos em separado dos Tribunais, sendo decididos por um ou mais árbitros, escolhidos espontânea e conscientemente pelas partes, os quais agem como juízes de gato e de direito, visando à pacificação de interesse disponíveis em choque (bens suscetíveis de apreciação econômica), quando ocorrem desacordos ou desavenças, produzindo efeito entre as partes e sucessores.” [5]

 

Nesta definição supra podemos observar vários pontos para a caracterização da justiça arbitral como a existência pressuposta do conflito, a escolha voluntária e pura de ambas as partes daquele que figurará como árbitro e a sentença de efetividade de cunho obrigatório e constitutiva de título executivo.

A mediação, por sua vez, também se mostra presente um terceiro participante no litígio, no entanto difere da arbitragem e da conciliação quanto aos seus poderes. Nesta modalidade o juiz convencionado tem tão somente o título de assessor das partes, é um mero mediador com o papel de impedir o desvirtuamento da questão principal do conflito e auxiliar as partes à solução do problema através do estímulo, nunca sugerindo acordos.

Já na conciliação, as partes do litígio já possuem um consenso elaborado, necessitando somente a sua consubstancialização em um acordo a ser feito na presença do terceiro. O conciliador, por sua vez, tende a interferir na negociação apresentando possibilidades de acordos, aqui divergindo da mediação. Quando ambas as partes alcançarem um ponto médio em que se satisfaçam equitativamente quanto aos bônus e ônus a conciliação terá tido sucesso.

Finalmente, a jurisdição convencional é, ou deveria ser, o meio pacificador subsidiário, ou seja, quando não couber nenhuma outra maneira de se resolver o conflito extrajudicialmente, aí deveríamos recorrer ao Judiciário. Aqui poderemos comentar a previsão constitucional de que a tutela jurisdicional como competência estatal protegerá os direitos contra lesão e ameaça a lesão, não sendo obrigatório que as partes tenham ingressado no juízo arbitral, v.g., para que os juízes e tribunais abram suas portas para o indivíduo.

 

Modalidades Da Tutela Jurisdicional

 

Eis que a doutrina diverge acerca do tema em tela. Umacorrente é adepta da corrente trinária, que deita berço nos anos 70 e vem perdendo seguidores desde a última década com as constantes reformas no âmbito processual. Trata esta doutrina das tutelas declarativa, que tinha como finalidade a elaboração de uma sentença de declaração de uma certeza sobre um dado fato até então controverso, como, v.g., a prescrição aquisitiva; constitutiva e desconstitutiva, que impunham no próprio processo em questão a alteração ou extinção de relações jurídicas e direitos incertos;  e condenatória como no caso da condenação a entrega de montante pecuniário ou de coisa objeto de obrigação, muito se pode encontrar de vestígios dessa modalidade de tutela quando se fala em obrigações de facere e de suas formas de exeqüibilidade previstas em sentença condenatória.

Atualmente diversas são as críticas elaboradas a esta teoria supra, como se pode observar nos ensinamentos de Humberto Theodoro Junior,

 

“Tanto as [sentenças] que se dizem executivas como as mandamentais realizam a essência das condenatórias, isto é, declaram a situação jurídica dos litigantes e ordenam uma prestação de uma parte em favor da outra. A forma de realizar processualmente essa prestação, isto é, de executá-la, é que diverge. A diferença reside, pois, na execução e respectivo procedimento. Sendo assim, não há razão para atribuir uma natureza diferente a tais sentenças. O procedimento em que a sentença se profere é que foge dos padrões comuns. Esse, sim, deve ser arrolado entre os especiais, pelo fato de permitir que numa só relação processual se reúnam os atos do processo de conhecimento e os do processo de execução. O procedimento é que merece a classificação de executivo lato sensu ou mandamental”  [6]

 

Fala-se, portanto, na incapacidade da teoria trinária de abordar os diversos efeitos das sentenças, como, por exemplo, naquela que é substitutiva à declaração de vontade como modo de proteção ao direito do promitente comprador que já quitara todas as parcelas da compra de um imóvel e encontra recusa no adimplemento do vendedor em fazer um contrato definitivo de compra e venda. Pois com o objetivo de sanar este problema, a doutrina mais moderna vem adotando para si a teoria quinária da tutela jurisdicional.

Pontes de Miranda é um dos grandes idealizadores desta nova classificação das tutelas jurisdicionais já exaltando uma nova visão sobre as modalidades que abarcariam as sentenças de efeitos mais diversos,  quais sejam as modalidades mandamental e executiva, diz o douto doutrinador:

 

“A ação declarativa é ação a respeito de ser ou não-ser a relação jurídica; de regra, a ação constitutiva prende-se à pretensão constitutiva, res deducta, quando se exerce a pretensão à tutela jurídica. Quando a ação constitutiva é ligada ao direito, imediatamente, não há, no plano da res in iudicium deducta, pretensão constitutiva (há-a, no plano do direito subjetivo à tutela jurídica, que é a especialização, pelo exercício da pretensão à tutela jurídica em pretensão constitutiva); a ação de condenação supõe que aquele ou aqueles, a quem ela se dirige, tenham obrado contra o direito, que tenham causado dano e mereçam, por isso, ser condenados (com-damnare); a ação mandamental prende-se a atos que o juiz ou outra autoridade deve mandar que se pratique. O juiz expede o mandado, porque o autor tem pretensão ao mandamento e, exercendo a pretensão à tutela jurídica, propôs ação mandamental; a ação executiva é aquela pela qual se passa para a esfera jurídica de alguém o que nela devia estar, e não está” [7] (Grifos nossos)

 

Como se pode observar, houve um acréscimo de modalidades, a executiva e a mandamental, à teoria trinária. A ação executiva já é dotada, por sua própria natureza, de força imediata de execução, diferenciando-se da condenatória por esta ter tão somente sua efetividade diferida, ou seja, naquela não há que se falar em ação de execução para o cumprimento da sentença.

A tutela mandamental tem a sua distinção a partir da conseqüência do descumprimento da ordem proferida na decisão final, enquanto a desobediência à sentença nas ações executórias e condenatórias incide em conseqüências sobre o patrimônio do indivíduo, a mandamental pode recair sobre a esfera penal (crime de desobediência), como também sobre a civil (astreintes) sendo, portanto, interessante esta modalidade nos casos em que se mostra necessário o impedimento de lesão ou seu agravamento a um direito proveniente de possíveis ilícitos.

 

Análise Tridimensional Da Tutela Jurisdicional

 

A partir de um olhar cultorológico acerca do tema, poderíamos notar que a efetividade da tutela jurisdicional depende indubitavelmente do estudo e observância dos requerimentos da sociedade. Ora, o Brasil possui extensões continentais, de forma que em seu vasto território existem diversas culturas e realidades e é com isto que deve se preocupar ao estipular uma normatização capaz de suprir as necessidades desta sociedade heterogênea.

Imaginando o colossal contraste existente entre a capital São Paulo e um pequeno município interiorano tal como Barro (CE) poderia haver uma mesma realidade nestas duas localidades? O nível de aculturação dos indivíduos que moram nestes dois lugares seria semelhante? É óbvio que há uma discrepância enorme entre os dois objetos de comparação, possuindo, portanto, cuidados distintos e adequações igualmente diversas na medida do possível, sem olvidar os princípios basilares do direito como um todo.

Sob o prisma epistemológico da efetividade da tutela jurisdicional deve-se analisar o objeto de estudo em paralelo com o direito positivado. Como já foi dito, o direito deve se preocupar em suprir as precisões da sociedade, de forma a tornar efetivo o dever ser jurídico. E, pode-se dizer que apesar de ainda debilitados, caminhamos para uma melhoria neste ponto, ao abrirmos portas para os indivíduos mais humildes com a justiça gratuita, o incentivo à procura da defensoria pública, o estabelecimento de Juizados Especiais dentre outras medidas que vêm alterando a concentração do acesso à justiça somente a uma parte privilegiada da sociedade.

Na perspectiva deontológica, deve-se considerar a questão da tutela jurisdicional em relação com a sua valoração ética. Ada Pellegrine é uma adepta à ideologia de que é bastante interessante observar as garantias constitucionais e o direito processual sob a perspectiva do cidadão comum e que os valores da sociedade devem influir na melhoria da atuação estatal como pacificador de conflitos,

 

“Considerando os escopos sociais e políticos do processo e do direito em geral, além de seu compromisso com a moral e a ética, atribui-se extraordinária relevância a certos princípios que não se prendem à técnica ou à dogmática jurídicas, trazendo em si seríssimas conotações éticas, sociais e políticas, valendo como algo externo ao sistema processual e servindo-lhe de sustentáculo” [8]

 

Da Morosidade Processual

 

Premissa máxima do saudoso Rui Barbosa exalta a importância da observância da aplicação da tutela jurisdicional no caso concreto:

 

“Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” [9]

 

 Aqui nos deparamos com uma garantia constitucional em que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” [10] (Grifos nossos), que, no entanto vem se mostrando ineficaz, discrepante com a realidade do fatídico mundo da prática.

Apesar de em muito contribuir os julgadores com esta mora é plenamente compreensível que uma parcela dos fautores causadores desta indesejável realidade são as próprias garantias dadas como o contraditório e a ampla defesa, o alargamento de prazos para recorrer ou apresentar contestação concedidos à Fazenda Pública nos moldes do art. 188 do CPC. E estes instrumentos processuais não podem simplesmente ser removidos do nosso ordenamento, pois somente transformaria um processo justo (pois a estes cômodos se contrapõem alguns incômodos, a Fazenda Pública, por exemplo, possuem os prazos maiores por ser alvo de vários processos) e lento em um injusto veloz e, acredito que seja preferível aquele a este. Neste mesmo sentido se posiciona Cândido Rangel Dinamarco,

 

"Aprimorar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios formativos (lógico, jurídico, político, econômico), é uma tendência universal, hoje. E é justamente a instrumentalidade que vale de suficiente justificação lógico-jurídica para essa indispensável dinâmica do sistema e permeabilidade às pressões axiológicas exteriores: tivesse ele seus próprios objetivos e justificação auto-suficiente, razão inexistiria, ou fundamento, para pô-lo à mercê das mutações políticas, constitucionais, sociais, econômicas e jurídico-substanciais da sociedade" [11]

 

Mas como foi dito, a demora no trâmite processual em muito se relaciona com a conduta dos próprios juízes e tribunais, como pode-se vislumbrar na pesquisa feita pela ONG Transparência Brasil recentemente em que o ministro Joaquim Barbosa do STF demora, em média, 79 semanas para julgar um único processo e em suas costas está aproximadamente 13.500 processos. Nas instancias inferiores o caso não é tão alarmante, mas também deixa muito a desejar, claro, ressalvando as exceções, pois enquanto alguns falham pela omissão no mister, outros poucos compensam esta debilidade com um esforço dobrado.

Num contexto hodierno, a morosidade é um problema enfrentado por diversos países e, obviamente, não é de fácil solução. Processos chegam a tramitar por décadas em virtude do formalismo e da burocracia como empecilhos de certa forma necessários para manter o saudável trâmite processual.

É verdade que esta demora do judiciário causa bastante desconforto e ansiedade para ambas as partes que, recorrem ao judiciário já desmotivadas e cientes de que não serão contempladas tão cedo logo, muitas desistem de mover ações já por desacreditarem na eficiência da entidade pública. Ensina-nos de Arruda Alvim que “a duração de todo e qualquer processo causa um ‘dano marginal’ no dizer de inumeráveis juristas” [12].

 

Do Acesso À Justiça

 

Sob os ensinamentos do mestre Hermes Zanetti Júnior em sua célebre obra,

 

“Quando se fala em garantias constitucionais da ação, a primeira delas é o acesso à Justiça, o qual, para Couture, como direito à ação, é uma espécie do gênero de petição. Uma vez abandonada a autotutela, a justiça de ‘mão própria’ pelo cidadão, o Estado passa a a garantir o acesso à jurisdição.” [13]

 

Como já mencionado anteriormente, é preciso que no mundo dos fatos se mostre consubstanciada a entrega dos direitos àqueles que os merecem, devendo, portanto, sob a responsabilidade do Estado, tornar efetiva a aplicação do direito material nos casos concretos. Para tanto, vários obstáculos vêm sido superados a fito de implementar num acesso à efetividade do próprio direito processual como a eliminação de custas na justiça gratuita[14], a elaboração de juizados especiais, a humanização da justiça, o incentivo ao ativismo do juiz e a programação de uma tutela jurisdicional diferenciada para direitos coletivos e difusos, que será vista mais adiante.

Ora, não seria justa a idéia de que os cidadãos, sacrificando parcela de sua liberdade natural, como leciona Rousseau, para que haja harmonia no convívio em sociedade (contrato social), legitimando o Estado a supervisionar e solucionar os conflitos internos e este acaba tornando a realidade materialmente inacessível a uma parcela da população, o que naturalmente geraria um ordenamento jurídico ineficaz, dada a impossibilidade de serem aplicadas no plano concreto. De forma similar considera Hermes Zanetti quando afirma que “uma vez que o Estado retira do indivíduo o poder de autotutela deve, em contrapartida, fornecer a jurisdição” [15]. Como está expresso no item 40 da Magna Charta Libertatum de 1215 do Rei João sem Terra, “Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito de qualquer pessoa a obter justiça.” Este texto histórico ressalta um princípio basilar da conjectura de nosso Estado, ao menos na formalidade, que seria a democracia e que atualmente está previsto de forma similar como uma garantia constitucional, ex vi legis, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito[16].

Curioso é o ponto na seara do Direito Processual Penal em que permite, na omissão no oferecimento da denúncia no azo legal (em crimes de ação penal pública condicionada), que a própria vítima ou seu representante legal tome para si a titularidade de promover a ação. É interessante esta questão, prevista tanto na Constituição Federal como no Código de Processo Penal[17], pois é uma demonstração de que o Estado pode se mostrar negligente (no caso, no oferecimento da denúncia) e a lei acabe por transferir o direito ao ente privado para que este próprio ingresse com a ação, colaborando, destarte, com a eficácia das normas jurídicas no plano material.

Elaborando um comparativo entre o acesso efetivo à justiça de algumas décadas passadas e o atual, podemos vislumbrar um ponto marcante que poderia justificar boa parte dos hodiernos empecilhos deste assunto. Antigamente seria o direito processual que se submetia tão somente à aplicação do direito material, os ritos e formalidades seriam mínimos a fim de simplesmente tornar efetiva as normas jurídicas, obviamente muito se perdia com a ausência de algumas figuras essenciais procedimentais, mas pode-se dizer que hoje o papel se inverteu totalmente, as formalidades e a burocracia tomaram terreno de forma que o próprio direito material só se mostrará aplicado ao caminhar por um emaranhado de procedimentos complexos e alguns, de certa forma, inúteis e desnecessários.

Tem-se olvidado, por fim, do objetivo real da tutela jurisdicional, que é tornar efetiva no plano concreto as normas de direito, fazendo justiça e, como diria o jurisconsulto romano Ulpiano, “dando a cada um o que é seu” relembrado pelo ilustre doutrinador uruguaio Capelletti:

 

“A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. Nosso enfoque, aqui, será primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas não poderemos perder de vista o segundo. Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedade modernas, pressupõe o acesso efetivo.” [18]

 

Portanto, ao se ter em mente a questão do acesso à justiça, não se deve imaginar somente o mero acesso formal à tutela jurisdicional, mas incluir neste paradigma a idéia de uma tutela justa e igualmente eficaz (e efetiva, obviamente).

 

Considerações Finais Acerca Da Tutela Jurisdicional

 

Na perspectiva de que os problemas do acesso à justiça e do tempo razoável de duração do processo podem ser consideravelmente reduzidos, temos que acordar que o judiciário e o legislativo muito têm trabalhado da concretude deste programa.

Um grande avanço que tem contribuído imensamente com a implementação da tutela jurisdicional o mais eficaz possível foi o desenvolvimento da tutela diferenciada que, sob os ensinamentos do mestre Luiz Guilherme Marinoni, “o direito processual não pode se contentar com um único procedimento e uma única forma de tutela” [19]

A tutela jurisdicional diferenciada surge com o intuito de facilitar o trâmite de alguns processos ao adaptar as normas processuais ao próprio caso concreto, ou seja, superando algumas imagens burocráticas em vários pontos, acelerando a resolução satisfatória da lide. O implemento nas modalidades de tutela da teoria quinária também contempla a aplicação das medidas mais interessantes a cada caso.

Como maneira prática de melhoria ao que tange a dificuldade de atendimento à razoável duração do processo, medidas simples e aparentemente sem importâncias podem, de fato, contribuir bastante no implemento desta garantia, como exemplo transcrevo parte da Portaria 29/2010 de04.05.2010,

 

“O juiz de direito Edinaldo Muniz dos Santos, no uso de suas atribuições legais e regulamentares; considerando todo o disposto no art. 3º da Resolução 13/2007, do Conselho de Administração do Egrégio Tribunal de Justiça do Acre; considerando o tempo nada desprezível que se perde nos cartórios e secretarias em razão de não haver (não somente nesta, mas em todas as comarcas do Estado) uma padronização eficiente quanto ao entranhamento de folhas nos processos; considerando que boa parte desse tempo se perde para a marcação do local onde a folha a ser entranhada deve ser furada, haja vista a inexistência de um padrão uniforme para todos os processos e todas as unidades judiciárias; considerando que atualmente o modelo de papel A4 é utilizado de forma absolutamente predominante por todos os atores processuais (juízes, promotores, defensores, procuradores, delegados, advogados, partes, peritos, etc.), sendo realmente bastante rara a utilização de outro modelo de papel (exemplo: papel ofício); considerando que, segundo a Wikipédia (http://pt.wikipedia.org), o ‘A4 é o tamanho de papel mais utilizado em casas e escritórios em todo o mundo’”

 

Finalizando, é de suma importância manter sempre em mente o objetivo final da tutela jurisdicional e as maneiras mais cabíveis de torná-la efetiva no contexto prático pois a importância das normas processuais é tamanha que poderá implicar no desfalecimento do próprio direito material caso se mostrem injustas ou mal-elaboradas.

 

Bibliografia

 

ALVIM, Arruda, Manual de Direito Processual Civil, Volume II, 12ª Edição, RT, 2000.

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BARBOSA, Rui, Oração aos Moços – Discurso aos Bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo em 1920, Editora Mensário Acadêmico Dionysus, 1921.

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DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, 14ª Edição, Editora Malheiros, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, Volume I, 6ª Edição, Malheiros Editores, 2009.

FELIPPE, Donaldo J. Dicionário Jurídico de Bolso, 18ª Edição, Editora Millennium, 2007.

GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; Teoria Geral do Processo, 22ª Edição, Editora Malheiros, 2006.

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ZANETTI JÚNIOR, Hermes, As Garantias Constitucionais da Ação. Editora CopyMarket.com, 2000



[1] GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; Teoria Geral do Processo, 22ª Edição, Malheiros Editores, 2006, pág. 29.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, Volume I, 6ª Edição, Malheiros Editores, 2009, pág. 56.

[3] PINTO, José Augusto Rodrigues, Direito Sindical e Coletivo do Trabalho, Editora LTr, 1998, pág. 258.

[4] Para mais detalhes acerca do assunto, recomendo o artigo científico do douto Alex Olivera Rodrigues de Lima intitulado “Arbitragem, um novo campo de trabalho” incluindo comentários à Lei 9.307/96.

[5] FELIPPE, Donaldo J. Dicionário Jurídico de Bolso, 18ª Edição, Editora Millennium, 2007, pág. 25.

[6] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. l, 41ª Edição, Editora Forense, 2004, pág. 476.

[7] MIRANDA, Pontes, Tratado das ações, t. I, RT, 1970, pág. 32.

[8] GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; Teoria Geral do Processo, 22ª Edição, Editora Malheiros, 2006, pág. 29.

[9] BARBOSA, Rui, Oração aos Moços – Discurso aos Bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo em 1920, Editora Mensário Acadêmico Dionysus, 1921, pág. 42.

[10] Art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal Brasileira de 1988 acrescentado pela EC 45/2004.

[11] DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, 14ª Edição, Editora Malheiros,  2009, pág. 24.

[12] ALVIM, Arruda, Manual de Direito Processual Civil, Volume II, 12ª Edição, RT, 200, p. 401.

[13] ZANETTI JÚNIOR, Hermes, As Garantias Constitucionais da Ação. Editora CopyMarket.com, 2000, pág. 6.

[14]O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, art. 5º, LXXIV da Constituição Federal Brasileira de 1988

[15] ZANETTI JÚNIOR, op. cit. pág. 8.

[16] Art. 5º, XXXV da CFB/88.

[17] Arts. 129, I e 5º, LIX da CF/88 e arts. 29 e 38, caput, última parte, do CPP.

[18] CAPELLETTI, Mauro e Bryant Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Grace Northfleet, Editora Safe, 1998, pág. 8.

[19] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos, Revista dos Tribunais, 2004.

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