JurisWay - Sistema Educacional Online
 
É online e gratuito, não perca tempo!
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

UMA VISÃO ATUAL DO CASO "DOS IRMÃOS NAVES"


Autoria:

Melquíades Peixoto Soares Neto


Advogado e Especialista em Direito Constitucional e Tributário.

envie um e-mail para este autor

Resumo:

O presente trabalho traz uma visão contemporânea a respeito de situação fática ocorrida em 1934, onde, à época, ocorreram diversas infringências aos direitos fundamentais de dois cidadão brasileiros.

Texto enviado ao JurisWay em 16/05/2010.

Última edição/atualização em 17/05/2010.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

 

UMA VISÃO ATUAL DO CASO DOS “IRMÃOS NAVES”

 

1 - INTRODUÇÃO

A investigação, tida como fim do presente trabalho, recai sobre uma decisão judicial datada de 04 de julho de 1939 proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, antigo Tribunal de Apelação do estado.

Tem como objetivo principal o estudo paralelo entre a decisão retro citada (fonte) e o regime atual, havendo inúmeras diferenças e pontos em contraposição. Estas diferenças fazem com que tal estudo se torne importante, pois demonstram as diversas modificações que ocorreram no panorama histórico e no próprio Direito, tida como ciência social.

Para o estudo da evolução da ciência do Direito é necessária a análise das suas fontes, bem como a interpretação destas, observando o momento histórico e as implicações da época que influíram na sua formação.

Partindo-se para uma visão mais informativa também vemos a relevância do presente estudo, pois o objeto deste é uma decisão judicial que se baseou em um erro judiciário tremendo, grosseiro, vendo-se, pois, que não só o momento histórico e o regime presente à época influíram para a criação desta decisão, mas também a própria ignorância e paixão das autoridades judiciárias. Como veremos muitos dos fundamentos anteriormente usados no estudo desta fonte não são mais aceitos no momento atual da ciência do Direito, inclusive muitos negados de forma principiológica, como medidas assecuratórias dos direitos e garantias fundamentais trazidos pela nossa nova ordem constitucional de 88.

O fato, objeto de tal decisão, é conhecido como "O caso dos irmãos Naves", ocorre no final de 1937, e têm relevância criminal, remontando ao desaparecimento de um indivíduo do âmbito do seu município, movimentando as autoridades civis e a própria população para o esclarecimento do evidente "sumiço". Não há uma clara resolução do caso em apreço, observando-se nesse estágio uma afronta evidente ao princípio da presunção de inocência, a posteriori esta afronta passa a "soberania dos veredictos", afronta se consideramos o entendimento atual. Na época do fato havia como veremos um embasamento legal, diferentemente do regime atual no Brasil.

Existem muitas diferenças entre o que foi visto nas diversas fases do processo que resultou na decisão objeto deste estudo e o acervo principiológico tanto do direito material em si, como da processualística atual.

Essas diferenças são mais notáveis no campo do Direito Probatório, visto na seara do Processo Penal, e no procedimento do Tribunal do Júri. A primeira tem como base o entendimento da validade da confissão durante, ou antes, da instrução criminal e a segunda a soberania dos veredictos. Mas, é de se observar também o apego dos julgadores a sentença de pronúncia que levou os acusados ao Plenário, como veremos a partir do teor do acórdão estudado.

Objetivando o melhor entendimento e estudo da fonte em epígrafe, será utilizada uma bibliografia especializada, não só em relação às diversas áreas do Direito, "afetadas" pela fundamentação da referida decisão judicial, mas também ao momento histórico presente à época e suas implicações, bem como esclarecimentos sobre o fato em si.

Pela influência que este teve para com a fonte em estudo, se fazem necessárias a sua descrição objetiva e histórica proposta a seguir.

 

2 - VISÃO OBJETIVA DO FATO E ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NA DECISÃO (FONTE) RESULTANTE DO MOMENTO HISTÓRICO.

Como dito anteriormente, o acontecimento se deu no final de 1937.

Com o desaparecimento de um cidadão, chamado Benedito Pereira Caetano, da cidade de Araguari/MG, tendo em vista que este estava na posse de uma vultosa quantia em dinheiro, advinda de uma grande negociação de cereais, a Polícia deste município se mobiliza para a resolução de tal desaparecimento, sendo motivada inicialmente pelos irmãos Sebastião José Naves e Joaquim Naves Rosa, amigos e sócios da suposta vítima.

A Polícia toma as medidas de praxe como ouvida de pessoas, buscas etc., mas sem resultados satisfatórios. Com a mudança do Delegado que presidia o inquérito (designado especialmente para tal feito, tendo em vista a ausência de resolução de caso por parte do Delegado anterior) e, também, com o depoimento de uma testemunha, trazendo evidências de que os supostos responsáveis pelo desaparecimento de Benedito seriam os irmãos Naves, inicia-se uma série de perseguições, torturas e ilegalidades praticadas pelo presidente do inquérito, contra estes, seus parentes e próximos com o fim de, a qualquer custo, encontrar um responsável pelo desaparecimento.

Com a confissão de Joaquim e posteriormente de Sebastião, ambas coagidas através dos métodos ilegais mencionados anteriormente dar-se início a um processo criminal contra os mesmos. A partir daí, percebe-se a afronta dita antes. Sem cadáver, sem o dinheiro que a suposta vítima carregava consigo, apenas com confissões (claramente obtidas por meios ilícitos, meios de coação física e moral) é atribuído o crime de latrocínio a Sebastião e Joaquim. Observa-se assim o valor dado a esta espécie de prova no processo penal da época, e a própria inobservância da mesma, suprindo a falta de prova material, diga-se essencial, do crime de latrocínio.

Sendo este um delito de vestígios, delito material, é necessária a prova de tal fato, não podendo ser atribuída a existência desta espécie de crime se não há o elemento probatório indispensável para evidenciar o mesmo.

Não só no início do processo criminal acolhe-se a confissão, vale dizer, única prova existente nos autos do processo contra os irmãos Naves, além de depoimentos de algumas testemunhas que não trazem indícios veementes da prática do delito objeto do processo, mas também a pronúncia posterior dos réus para ir ao Júri Popular. Pode-se dizer que todo o processo baseou-se nesta prova, dispensando, como visto totalmente os vestígios materiais do suposto crime de latrocínio

Com a pronúncia dos acusados inicia-se a segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri, com duas absolvições, ambas por seis voto a um, sendo que o primeiro julgamento foi considerado nulo pelo TJ de MG, alegando nulidade na quesitação.

Havendo a segunda absolvição, o MP recorre e, aí se vê um dos pontos centrais do estudo: o TJ reforma a decisão do Júri condenando os irmãos Naves a 25 anos e 06 meses de reclusão. Assim, observa-se uma dissonância flagrante com o regime atual do ordenamento jurídico processual penal: não há obediência ao princípio da soberania dos veredictos, como anteriormente dito, mas esta possui base legal, qual seja, o Decreto Lei 167, de Janeiro de 1938, em seu Art. 96, previa a hipótese de reforma da decisão do Júri por parte do Tribunal de Apelação, se este se convencesse de que havia clara afronta à prova produzida nos autos. Cabe a transcrição do referido dispositivo:

Art. 96. Se, apreciando livremente as provas produzidas, quer no sumário de culpa, quer no plenário de julgamento, o Tribunal de Apelação se convencer de que a decisão do júri nenhum apoio encontra nos autos, dará provimento à apelação, para aplicar a pena justa, ou absolver o réu, conforme o caso.

Ver-se assim a clara diferença existente entre os dois regimes, isso pode ser justificado pela época em que se deu a ocorrência de tal acontecimento e a edição do próprio Decreto-Lei que serviu de base legal para a reforma por parte do Tribunal. Estávamos no Estado Novo, Era Vargas, mais precisamente a decisão do TJ é datada de 04 de Julho de 1939. O poder judiciário era pressionado pelo executivo, que mantinha o monopólio do poder estatal, sendo este fator caracterizado no transcorrer dos acontecimentos pela designação de um Delegado Especial para a resolução do desaparecimento, como visto anteriormente.

Evidencia-se o embasamento legal que o TJ da época tinha para reformar a decisão do Júri, não havendo respeito à atual soberania dos veredictos, mas deve-se observar não só o dispositivo legal que deu base para o acórdão do Tribunal, permitindo que este reformasse a decisão objeto do recurso de apelação interposto pelo MP, mas também o fundamento deste, ou seja, unicamente a confissão, dispensando a produção de prova material que trouxesse em si os vestígios do fato criminoso. Ademais a inobservância do princípio da presunção de inocência, já que a ausência de prova material do fato imputado aos irmãos Naves excluiria a responsabilidade criminal dos mesmos por inteligência do mencionado princípio.

Condenados, Joaquim Naves Rosa e Sebastião José Naves são recolhidos em reclusão. Somente em 1952, com a aparição de Benedito Pereira Caetano, o Judiciário percebe o tamanho erro que cometera. Somente Sebastião pode desfrutar do prazer de provar sua inocência, pois seu irmão Joaquim fora acometido por tuberculose e faleceu em 28 de agosto de 1948, no Asilo da Sociedade de São Vicente Paulo, de Araguari.

Com, irrefutável inocência dos acusados, é movida ação de indenização, futuramente procedente, contra o Estado, para ressarcir os danos sofridos, em benefício a Sebastião e a família de Joaquim, já que este havia falecido em data anterior.  

Urge salientar que o "erro" praticado pelo judiciário teve como uma das causas as ilegalidades materializadas pelo Delegado de Polícia de Araguari (tenente Francisco Vieira dos Santos) conseguindo uma confissão forjada através de ameaças das mais graves possíveis, mas o nosso estudo centra-se nos fundamentos utilizados na decisão reformadora por parte do TJ e no momento histórico em que esta ocorreu. Por óbvio que era necessária tal ressalva, pois, muito embora o judiciário tenha sido inconseqüente e sem o mínimo de bom senso, houveram vicitudes caracterizadas por torturas e ameaças na fase pré-processual que influíram para o desdobramento do processo criminal dos Irmãos Naves.

O advogado dos réus e autor do livro que remonta a história dos irmãos Naves bem observou tal elemento, ciente de todas as ilegalidades praticadas pela polícia contra seus constituintes, viu a falta de bom senso e cautela na análise do processo criminal, sem observar os principais elementos que nele existiam, dispensando totalmente o mais importante elemento probatório. O autor, se referindo ao TJ diz que o mesmo "achou desnecessária a comprovação material do próprio crime pela acusação. Aceitou como correto o processo por um crime de latrocínio em que não se havia visto sequer ou tido notícias de um cadáver e onde não se sabia a suposta vítima tinha mesmo o dinheiro em seu poder. Por que tão inusitado procedimento num tribunal que prima por sua moderação, cautela em bom senso?" (Alamy Filho, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário, pag. 310 - Belo Horizonte: Del Rey, 1993, reimpressão, 2000).

Como visto pelo próprio advogado dos acusados a justiça andou mal e não só se utilizou da base legal a ele concedida em relação a não existência da soberania do Júri pelo Decreto-Lei 167 de 1938, como também se usou da velha máxima antes válida no Direito de que a "confissão é a rainha das provas".

Dentre as muitas influências vistas até então que resultaram no conteúdo do acórdão que condenou os irmãos Naves deve ser incluído o momento histórico em que ocorreu tal fato. Alem disso, saber até onde dado momento interferiu nesta decisão.

Então, para fins de simplificação do objeto de estudo, o fato aqui evidenciado passou por duas fases distintas (em relação a sua análise): inicialmente, com o Inquérito Policial, a formação da convicção por parte da Polícia que resultou de uma busca obsessiva por culpados de um crime que nunca ocorreu, e posteriormente as diversas influências, advindas principalmente da fase inicial, que levaram os Desembargadores que julgaram a apelação do MP diante da absolvição (por parte do Júri) dos réus a reformar a sentença do mesmo. Os integrantes da Câmara Criminal do TJ também levaram em conta (isto fica claro no acórdão) a sentença de pronúncia proferida no sumário de culpa, partindo dos mesmos fundamentos desta decisão.

3 - ANÁLISE HISTÓRICA. ESTADO NOVO. ERA VARGAS COMO INFLUENTE NA COVICÇÃO DOS JULGADORES DO CASO

O Estado Novo (1937 - 1945) se caracteriza como uma das fases (a última) da chamada "Era Vargas" que se estende de 1930 até 1945, teve como principal elemento a outorga de uma nova Constituição, evidenciada pela concentração de poderes nas mãos do Poder Executivo em obediência apenas formal ao princípio federativo. Será esta característica abordada aqui, diante da importância para o estudo das motivações que levaram ao conteúdo do acórdão condenatório direcionado aos irmãos Naves.                                 

Se referindo a organização dos Poderes na Constituição de 1937 evidencia Pedro Lenza que "a teoria clássica de tripartição de poderes de Montesquieu foi formalmente mantida. Entretanto na prática, tendo em vista o forte traço autoritário do regime, o Legislativo e o Judiciário foram 'esvaziados'". (Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado - 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 67).

Percebe-se, portanto, a concentração do poder estatal, mesmo que disfarçadamente pela manutenção e aparente obediência ao princípio federativo, nas mãos do Poder Executivo.

Neste dado momento houve a dissolução do Congresso Nacional, sendo assim a supressão do Poder Legislativo, passando a função legislativa, enquanto não se reunisse o Parlamento Nacional, à edição de Decretos-leis por parte do Presidente, e a subordinação do Poder Judiciário diante do Poder Executivo. As causas de índole política ficam afastadas do judiciário, portanto a própria justiça eleitoral fica impossibilitada de funcionar.

Observa-se nesta nova constituição um poder judiciário menos bem estruturado do que o atual, com competências diminuídas e forjando uma suposta legalidade diante do executivo.

Seria correto afirmar que houveram influências além do poder jurisdicional do estado-juiz para a condenação dos acusados, isto pelo fato de ser designado um Delegado de Polícia especialmente para a investigação do desaparecimento de Benedito Pereira Caetano, tendo em vista a ausência de resolução do fato (fato este que não teria realmente resolução que não fosse a fuga da suposta vítima) por parte da Autoriade Policial que inicialmente presidia o Inquérito.

Nesta época, em um estado instável, diante da possibilidade de um conflito mundial (que realmente veio a ocorrer em 1945) as questões políticas, tais como possíveis golpes militares ou permanência de governantes no poder, estavam em primeiro plano, e secundariamente estavam os direitos e garantias fundamentais, vítimas da imensa inobservância na fase de Inquérito e do "fechar de olhos", posterior, por parte do Judiciário, não percebendo a coação incrustada nos elementos probatórios apresentados pelo MP, no caso em estudo.

Quanto às preocupações do Estado à época, mencionadas no parágrafo anterior, não se tira outra conclusão do preâmbulo da Constituição de 1937:

 ''Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro, à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classe, e da extremação ou conflitos ideológicos, fundados, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob funesta iminência da guerra civil; atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente (...)''.

Sendo assim, uma desatenção, talvez motivada pelo acervo constitucional limitado de competências e atribuições do judiciário e pelos objetivos principais da Carta Magna, resultando na desobediência de bases fundamentais na caracterização do delito que era investigado, bem como a dogmática presente ao momento em estudo e a busca obsessiva por responsáveis de um crime que nunca ocorreu, foram indispensáveis para a caracterização do erro judiciário aqui visto.

O procurador dos réus evidencia isto em sua obra, citando o período chamado de "Estado Novo" como influente em tamanha falta de bom senso, além da própria interpretação dos julgadores, e não só isso, a própria edição do Decreto-Lei pelo executivo que retira a soberania do Tribunal do Júri:

“o regime ditatorial recém-instalado pressionava a justiça, com a retirada da soberania do júri popular, por decreto do executivo, pois, fosse ainda soberano o tribunal popular, em suas decisões, não teria ocorrido o previsto e 'tremendo erro judiciário de Araguari';".(Alamy Filho, João. O caso do irmãos Naves: um erro judiciário, pag. 310 - Belo Horizonte: Del Rey, 1993, reimpressão, 2000).

Com isso, ou seja, a base legal dada aos julgadores da época para que, observando-se uma contradição flagrante entre a decisão do Júri e a prova dos autos (o que não ocorreu), foi possível a reforma da sentença proferida em plenário, vale ressaltar, duas vezes de absolvição. Além da base para efetuar tal ação, o Judiciário devia obediência a uma Constituição sem visão garantista se comparada com a atual, isto é, sem maior observância aos princípios que regem os direitos e garantias fundamentais, acompanhada de um regime ditatorial.

Sua redação, feita pelo Ministro da Justiça do governo de Vargas (Francisco Campos) buscava primordialmente um meio de suspender as eleições do ano seguinte, ou seja, 1938, trazendo diversas modificações favoráveis à manutenção de Vargas no poder, por esta razão a supressão do Poder Legislativo em prol do poder de edição da mais variada gama de Decretos-Lei por parte do Chefe do Poder Executivo, diante da reunião do Legislativo que nunca veio a ocorrer.

De qualquer forma, não se justifica o fato de ser desconsiderada a ausência de cadáver e dinheiro como ocorreu in casu. Parte-se desta dedução a análise em paralelo da decisão do TJ e o que se entenderia hoje sobre o fato.

4 - OBJETO DE ESTUDO. FONTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. ANÁLISE DA FONTE ESCOLHIDA

 

Este é o inteiro teor do Acórdão condenatório proferido pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, julgando a apelação interposta pelo Ministério Público em face da absolvição de Joaquim e Sebastião Naves, segue-se:

"ACÓRDÃO (fls. 129 e 131v) - Vistos, relatados e discutidos, os autos de apelação criminal da comarca de Araguari, apelante a Justiça e apelados Sebastião José Naves e Joaquim Naves Rosa. Benedito Pereira Caetano era amigo de Sebastião José Naves Rosa e sempre que ia a Araguari hospedava-se em casa deste. Em 26 de Novembro de 1937, na liquidação de negócios de arroz que se achava depositado num armazém de Antonio Lemos & Filhos, recebeu um pagamento em cheque contra o Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais, agência de Araguari, na importância de 90:048$500 e promoveu recebimento do dinheiro na citada agência no dia 27. Conhecedores desse fato de que Benedito havia recebido aquela avultada quantia, tramaram os réus um meio de se apoderarem do dinheiro, o que lhes foi fácil porque Benedito hóspede de Joaquim e em quem depositava inteira confiança com a circunstância de serem sócios em um caminhão. Havia na cidade de Araguari uma festa por ocasião da inauguração da ponte Veloso, local onde estavam armadas diversas barraquinhas e em uma delas Benedito se divertira até alta madrugada. Chegando a vítima a casa de Joaquim este a convidou a dar um passo a Uberlândia; aceito o convite foram a casa de Sebastião, onde os três tomaram o caminhão e seguiram para a cidade vizinha. Na ponte do Pau Furado, no rio da Velhas, parou o caminhão a pretexto de beberem água. O denunciado Joaquim levava uma corda para enforcar a vítima, e Sebastião, para guardar o dinheiro, uma lata de soda vazia. Em dado momento, Sebastião segura Benedito pelas costas, tolhendo-lhe os movimentos, enquanto Joaquim que já havia preparado o laço colocou-o no pescoço da vítima puxando-o violentamente. Sebastião solta Benedito e segura em uma das extremidades da corda e ambos apertam o nó para o estrangulamento. Praticado o latrocínio ambos revistaram o corpo de Benedito, encontraram a quantia cobiçada, de que se apoderaram, atiraram o cadáver na correnteza do rio da Velhas e enterraram o dinheiro dentro da lata de soda perto do local do crime. Voltaram à cidade às cinco horas da manhã; com o intuito de iludirem a polícia e afastarem de si as suspeitas, fingiam procurar o amigo, mostrando-se preocupados com o seu desaparecimento. O crime não teve testemunha de vista, e nem podia ser presenciado, não só pela sua espécie como porque foi praticado às primeiras horas da madrugada, digo, de manhã em lugar ermo. Os apelados confessaram o delito judicial e extrajudicialmente, com todas as suas circunstâncias e tudo foi confirmado pelos depoimentos das suas mulheres, testemunhas informantes. Guilherme Malta depôs que viu na noite do crime um caminhão amarelo em movimento na cidade e no dia seguinte cedo encontrou-se com o mesmo caminhão, bem parecido com o primeiro, que era guiado por Sebastião (fls. 74). João Cardoso afirma que viu, às 5 horas da madrugada de 29 de novembro da porta de sua casa que fica à beira da estrada entre Uberlândia e Araguari, passar o caminhão pertencente ao denunciado Joaquim, guiado por este, estando nele o outro denunciado Sebastião; reconheceu perfeitamente ambos os denunciados; e que o caminhão era de com amarela (fls. 111). A mulher do acusado Joaquim afirma que, ás 2 horas da madrugada, seu marido convidara Benedito para ir com ele a Uberlândia indo ambos à casa de Sebastião de onde partiram; que regressaram às 5 horas, com a notícia terrível de que Benedito havia desaparecido. Os apelados sabiam que Benedito havia recebido dinheiro, tanto que o censuraram por isso dizendo que devia ter deixado para retirar este dinheiro no dia de volta para sua fazenda (fls. 105). Todos estes fatos provam a responsabilidade criminal dos réus! O despacho de pronúncia bem apreciou a prova, com atenta análise e conclui por considerar os acusados responsáveis pelo delito praticado. A autoria está perfeitamente constatada. Dificilmente se fará tão plena prova de autoria de latrocínio. A negativa, portanto, não se concilia com a prova feita nos autos. Estão provadas as circunstâncias articuladas no libelo, que demonstram premeditação. Reconhecem o bom comportamento anterior dos acusados. Só uma testemunha os desabona. Em conclusão: Acordam em Câmara Criminal do Tribunal de Apelos do Estado de Minas Gerais dar provimento ao recurso parar cassar do júri que nenhum apoio encontra nos autos, e, nos termos do Art. 96, do decreto-lei 167, condenar os réus Sebastião José Naves e Joaquim Naves Rosa no grau submáximo do art. 359, da Consolidação das Leis Penais, a 25 anos e 6 meses de prisão celular e multa de 16 1/4 por cento sobre o valor do objeto roubado. Cumprirão a Pena na Penitenciária de Neves, e cada um deles pagará Rs. 200$000 de selo penitenciário. Pagas as custas em proporção pelos réus.

Belo Horizonte, 4 de julho de 1939

aa) Batista de Oliveira (presidente).

Pedro Nestor (relator).

Henrique Bawden.

Pedro Licínio.

Paulo Mota.

Alfredo de Albuquerque.

Leão Starling, vencido em parte pois aplicava a pena no grau submédio, em face da jurisprudência pacífica deste e do Supremo Tribunal Federal.

Sizenando de Barros.

Sabino Lustosa.

Presente: a) Lincoln Prates."

(Transcrição retirada do livro "O caso dos Irmãos Naves: Um erro Judiciário. Alamy Filho, João. Belo Horizonte: Del Rey, pag. 312 a 314, 1993, reimpressão, 2000).

Observada tal decisão parte-se para sua análise crítica em confronto com a atualidade, não se dispensando seu momento histórico e a influência que o inquérito teve para com o segundo grau de jurisdição, como dito em momento anterior deste trabalho.

4.1 - Ausência de fundamentação coerente e apego a decisão de pronúncia. Impossibilidade diante da hipótese de reforma através do recurso.

Percebe-se que a fonte em estudo, acima transcrita, não guarda grande fundamentação, se detendo a uma maior descrição do fato do que a sua própria razão. Não se justificam os poucos fundamentos utilizados pelos Desembargadores. Inclusive caindo em omissões e obscuridades.

O acórdão menciona a decisão de pronúncia, proferida em primeiro grau, como de boa apreciação da prova produzida, baseando-se nesta, de forma implícita, para fundamentar o seu julgamento.

É de se observar, porém, que a decisão de pronúncia em muito se difere do julgamento do Júri, e que dirá de uma apelação impugnando tal decisão, principalmente quando se considera a possibilidade de reforma por parte do Tribunal permitida pela legislação da época.

 O sumário de culpa (como é chamada a primeira fase do Júri) como a própria terminologia utilizada deixa claro, é uma análise diferenciada, não indo além dos indícios de autoria e materialidade exigidos para que se vá a julgamento diante dos jurados. Nesta fase o juiz apenas analisa se houve realmente crime (indícios de materialidade) e se há indícios de que o autor do fato é quem figura no pólo passivo da ação penal, isto é, o acusado.

A fase de pronúncia é preparatória em relação ao Plenário, pois tem como fim evidenciar a competência do Tribunal do Júri, isto é, demonstrar, através do material probatório trazido aos autos, a provável existência de um crime doloso contra a vida e a sua suposta autoria. Em momento posterior, na segunda fase do Júri, é que se analisará o mérito, julgando ou não os réus como responsáveis pelo crime.

Mesmo com a análise, dita pelo acórdão que: "bem apreciou a prova", na fase de pronúncia, não podem os Desembargadores simplesmente se utilizar desta para fundamentar a sua decisão. A visão das provas no julgamento do recurso que visa reformar a decisão do Tribunal do Júri (possível à época) deve ser como se no primeiro grau e na segunda fase do procedimento fosse, analisando se há realmente contradição entre a prova produzida e a decisão do Júri, e não simplesmente uma análise similar a pronúncia, que não aprecia realmente o mérito da causa.

No momento atual do nosso ordenamento jurídico processual penal tal fundamentação é inconcebível, é o que se deduz da redação do Art. 413 do CPP:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Outro fator que impossibilita a sentença de pronúncia como fundamentação da condenação é a utilização do principio in dubio pro societate, em caso de dúvida a respeito da existência de tais indícios. Sendo assim, na dúvida pronuncia-se o réu.

Vê-se que nesta fase é possível mitigar a dúvida em favor do réu, pois a análise do mérito será em fase posterior e, conseqüentemente, as provas produzidas em plenário, bem como a análise das que já se encontram nos autos, deve ser feita com maior atenção e valoração mais criteriosa, se diferenciando, portanto, da valoração feita na primeira fase do procedimento do Júri.

É o que acolhe a maior parte da doutrina como bem assevera Eugênio Pacelli de Oliveira, mesmo não sendo favorável a tal entendimento evidencia que "é costume doutrinário e mesmo jurisprudencial o entendimento segundo o qual, nessa fase de pronúncia, o juiz deveria (e deve) orientar-se pelo princípio do in dubio pro societate, o que significa que, diante de dúvida quanto a existência do fato e da respectiva autoria,a lei estaria a lhe impor a remessa dos autos ao Tribunal do Júri (pela pronúncia)." (Curso de Processo Penal, décima edição, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008, pág. 575).

Percebe-se, pelo que foi visto, que a fundamentação utilizada no acórdão por parte dos julgadores do recurso de apelação interposto pelo MP não é coerente, já que se utiliza, basicamente, do conteúdo da sentença de pronúncia em primeiro grau, não sendo observado que naquele momento o que estava sendo julgado era o mérito do processo, e não simplesmente a admissibilidade de um julgamento perante plenário pela existência de um crime doloso contra a vida e de um suposto autor deste delito.

O que se pode concluir é que há na verdade uma análise aprofundada também na fase de pronúncia, mas esta análise não objetiva a busca da verdade a respeito da responsabilidade ou não dos acusados, mas sim a provável existência de um crime doloso contra a vida e sua respectiva e suposta autoria, para fins de afirmação da competência do Tribunal do Júri, e este não era o objetivo do Tribunal no julgamento daquela apelação, mas sim a verificação ou não da responsabilidade criminal dos acusados a partir da possível demonstração de contradição da decisão do Júri com as provas produzidas nos autos.

4.2 - Substituição da prova material (exame de corpo de delito) pela confissão dos acusados.  

Ao demonstrar o apego em relação a sentença que pronunciou os réus no primeiro grau o Tribunal de Justiça, inevitavelmente, acata a confissão feita pelos mesmos. Caso esta não fosse a única prova produzida durante toda a instrução, ou seja, viesse acompanhada de um exame de corpo de delito, demonstrando a existência real da morte de Benedito Pereira Caetano, bem como o desaparecimento do dinheiro, caracterizando assim o crime de latrocínio, seria justificável a condenação de Joaquim e Sebastião Naves, pois os Desembargadores não tinham ciência das coações feitas aos mesmos, mas não houve outra prova além da confissão mencionada.

O Tribunal, no teor de sua decisão, não menciona a inexistência de cadáver e do dinheiro, além disso, não justifica os seus fundamentos diante desta, de certa forma foge de tal omissão, se refugiando na confissão coagida dos irmãos Naves.

Como se sabe o crime de latrocínio é um delito material, que deixa vestígios, e para sua comprovação não bastam unicamente provas testemunhais ou confissões (relativamente), a constatação material, através do exame de corpo de delito, de que houve efetivamente a morte e o roubo (finalidade) é elemento probatório indispensável para a acusação.

É interessante mencionar que durante o Processo Criminal que resultou na decisão aqui vista, o Juiz de primeiro grau, ainda na fase de pronúncia, requisitou a prova da materialidade do crime de latrocínio investigado, convertendo o julgamento em diligência para este fim.

O Magistrado que presidia o processo, em seu sumário de culpa, Dr. Arnaldo Moura, ressalta a necessidade de, em não podendo ser feito o exame de corpo de delito direto, seja feito de forma indireta. Sendo assim, a não existência do cadáver e do dinheiro objeto do roubo poderia ser suprida pelo depoimento de pessoas que viram tais vestígios materiais, hipótese do Art. 196 do CPP vigente à época e Art. 172, parágrafo único do atual CPP.

Essa é a transcrição do despacho do Juiz, visto às fls. 137 dos autos do mencionado processo:

"Converto o Julgamento em diligência para proceder-se ao corpo de delito, direito ou indireto.

O exame de corpo de delito, nos crimes que deixam vestígio, é termo essencial ao processo (CPP, Art. 473, §2°).

Os autos não dão notícia das providências levadas a efeito para a descoberta do cadáver.

Não se juntou o auto de corpo de delito.

Se não se fez o direto, deve ser feito o indireto, de acordo com o disposto no Art. 196 do CPP por depoimento de testemunhas que tenham visto o cadáver ou que saibam das providências realizadas pela polícia para o encontro, sem resultados positivos, do mesmo cadáver. Voltem

Uberlândia, 24 de fevereiro de 1938.

a) Arnaldo Moura"

(Transcrição retirada do livro "O caso dos Irmãos Naves: Um erro Judiciário. Alamy Filho, João. Belo Horizonte: Del Rey, pag. 312 a 314, 1993, reimpressão, 2000).

A Polícia, em obediência a esta requisição, "efetuou" buscas no local do crime com o objetivo de encontrar o cadáver da suposta vítima, bem como "levou" um dos acusados para o local onde o mesmo, em uma das confissões, mencionou ter enterrado o dinheiro dentro da "lata de soda" citada no acórdão do TJ.

As buscas, no entanto, foram infrutíferas, pois não conseguiram localizar os vestígios materiais do delito imputado aos irmãos Naves. Dessa forma, a Polícia tratou de logo buscar depoimentos que suprissem o exame de corpo de delito direto, depoimentos coagidos como as confissões dos acusados.

Mesmo com os depoimentos "arranjados" pela Polícia, o tenente Francisco Vieira dos Santos oficia o Juiz, justificando a omissão da prova em questão pelo transcorrer de lapso temporal da ciência do crime até as buscas.

Injustificadamente o Juiz, na pronúncia, e posteriormente o Tribunal no julgamento da apelação em apego a sentença proferida no sumário de culpa, acatam tal justificativa. Daí se tira a classificação de "erro Judiciário" do caso em questão.

Tanto o Órgão acusador como o Judiciário foram "cegos", ou pelo menos se fizeram em relação à prova indispensável para a caracterização do latrocínio, praticando uma omissão com o fim de fundamentar a condenação dos acusados.

Como se conclui da própria legislação da época (mencionado Art. 473, § 2° no despacho transcrito retro) o corpo de delito é prova indispensável à acusação em relação ao processo que julga um crime de vestígios, mesma conclusão é retirada do Art.158 do atual CPP. Este mesmo dispositivo legal é taxativo em dizer que a prova em exame não pode ser substituída pela confissão do acusado:

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Daí se vê a falta de bom senso dos Desembargadores, deixando de observar a falta de elemento indispensável à acusação dos réus, condenando-os, e cometendo um tremendo erro. Como foi dito, não se nega a "pressão" sofrida pelo Judiciário no regime da época, tendo em vista o monopólio do poder nas mãos do Executivo, característica trazida pela Ordem Constitucional proveniente da Constituição da Era Vargas.

No nosso atual regime, garantista pela própria característica da nossa Constituição de 1988 seria inadmissível tal fundamentação, pois além da ausência do elemento probatório aqui analisado, corre a favor dos acusados o princípio do in dubio pro reu, não permitindo a condenação sem que haja prova real de cometimento do delito e da autoria deste. O mencionado princípio guarda íntima relação com a verdade real, embora criticada, elemento que deve estar presente durante todo o Processo Criminal.

Por tudo que se expõe conclui-se que não seria necessária a aparição de Benedito para a fundamentação de uma posterior ação de indenização, se levarmos em conta o nosso atual regime. Contudo, devido ao momento histórico em que estavam imersos os irmãos Naves, foi preciso a existência de um "morto-vivo" para que a Justiça, literalmente "cega", quisesse enxergar.

4.3 – Valor da confissão como fator de fundamentação do acórdão de TJ de Minas Gerais.

Como visto durante todo o conteúdo do trabalho a confissão por parte dos acusados foi o elemento probatório relevante na valoração dos Desembargadores para a condenação. Viu-se também que esta foi a única prova desfavorável aos acusados, não suprindo o dever da acusação de arcar com o ônus da prova.

Não se retira a relevância de uma confissão dentro de um processo, ou até mesmo extrajudicialmente, mas, a confissão sozinha, não é capaz de retirar a presunção de inocência atribuída aos acusados.

A nossa legislação, atenta a tal fato, possui dispositivo próprio regulamentando a relevância da confissão no bojo do processo penal, afirmando literalmente que quando o crime deixa vestígios a o exame de corpo de delito não poder ser suprido pela confissão do acusado (Art. 158, CPP).

Mesmo se considerarmos a hipótese de corpo de delito indireto não há como caracterizá-lo diante das provas nos autos. Os próprios julgadores foram omissos em mencionar tal hipótese, justamente pelo fato dela não se apresentar nos autos do processo. Ao mencionarem os depoimentos de testemunhas não fica caracterizada a provável existência dos vestígios do crime, pois os depoimentos em si só falam de fatos anteriores ao próprio delito (se admitindo que este existisse), a não ser o de uma das esposas dos acusados, mas mesmo assim não menciona cadáver nem dinheiro.

Esta fundamentação utilizada no acórdão condenatório nos faz pensar que o critério utilizado pelos Julgadores para a condenação foi justamente a relevância da confissão, partindo do entendimento de que esta prova poderia suprir a ausência de qualquer outra, até mesmo o exame de corpo de delito. Mas deve-se levar em conta o princípio do in dúbio pro reo e a caráter de retratabilidade que a confissão possui, e isto foi visto durante o processo, nos dois plenários realizados no tribunal do Júri (duas absolvições) os acusados se retrataram, afirmando inclusive que as confissões anteriores teriam sido coagidas e agora que estavam em segurança não hesitariam em falar a verdade.

Nosso CPP atual em seu Art. 197 afirma que “o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”. Sendo assim, nos dias atuais, o julgador deve analisar a confissão e as outras provas produzidas, em confronto. Assim deveriam ter agido os Desembargadores, afinal de contas o interrogatório em que os acusados se retrataram da confissão não deixa de ser uma prova, dessa forma, por óbvio, era necessária uma análise dos depoimentos em confronto com a anterior confissão.

Além do interrogatório existiam depoimentos de pessoas que estavam presas no mesmo cárcere em que os acusados se encontravam, afirmando que presenciaram a violência praticada contra os mesmos.

Após a idade média, onde as investigações inquisitoriais eram presente, não se admite a confissão como a “rainha das provas”, Guilherme de Souza Nucci em obra especializada sobre o assunto evidencia que “falar em confissão como ‘rainha das provas’ é voltar no tempo, afundando-se na ilusão – talvez com um propósito comodista – de que o ser humano arrepende-se com facilidade é, pois esta é a minoria absoluta”. (Nucci, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal – 2 ed. rev. e atual. – São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, pág. 183 e184, 1999).

Aí se vê mais um elemento de fundamentação do acórdão em que não se encontra nexo tanto com a dogmática atual como a da época do fato, pois nos dois momentos a confissão não supria a ausência do exame de corpo de delito e nem poderia afastar o ônus da prova e a presunção de inocência.

5 – CONCLUSÃO

Foi visto a grande importância que este estudo possui.

Poder analisar uma fonte de época anterior em confronto com o momento atual é muito produtivo e relevante para a ciência do Direito, pois é a partir daí que conseguimos enxergar a utilização real dos princípios que regem o nosso ordenamento jurídico.

O “caso dos irmãos naves” foi imerso a injustiças e ilicitudes durante todo o seu transcorrer, submetendo os “inocentes” a um processo em que jamais deveriam ter figurado, mas já que estavam figurando como réus haviam de ser obedecidas as garantias que regem o devido Processo Legal no âmbito criminal, tais como a presunção de inocência e a relevância da confissão como meio de prova.

Ainda que possibilitado de reformar a decisão do Júri no primeiro grau o Tribunal deveria ter sido mais prudente e técnico. Muito embora se deva considerar o Estado ao qual o judiciário fazia parte.

A retirada do princípio da “soberania dos veredictos”, ou na melhor das hipóteses o seu temperamento, foi fator relevante para o erro ocorrido. Muito embora o Judiciário fosse submetido a um Poder Executivo monopolizador, acompanhado de um governo ditatorial característico da Era Vargas, deveria ter visualizado a verdadeira função do poder jurisdicional do Estado-Juiz. Um acórdão com poder de reformar uma absolvição de um crime doloso contra a vida, transformando-a em condenação tem o direito pleno de liberdade de um cidadão nas mãos, portanto, pela gravidade do delito, uma vida social e, diga-se de passagem, cidadão inocente.

Tudo que foi visto só nos leva a perceber ainda mais a tamanha prudência que um Julgador deve ter ao proferir uma decisão, independentemente da época, dos poderes que possui, pois o Direito Criminal existe para regulamentar tudo aquilo que é relevante, numa intensidade que os outros ramos do Direito não conseguem regulamentar, ou seja, regulamentar a liberdade, a vida, a segurança e uma gama incontável de outras garantias. O nosso Direito Penal não regulamenta somente as condutas puníveis, as exceções, mas também o que deve ser observado para que se considere alguém autor destas referidas condutas, isso tudo através da própria lei, de decisões, de ordenamentos anteriores e até mesmo de costumes, ou seja, das suas fontes.

Por isso analisar somente a lei em si, sem observar sua vontade, origem ou aplicação, sem analisar as fontes que ajudam na sua interpretação junto com os métodos de hermenêutica, é assim, como o “caso dos irmãos naves”, um erro tremendo, uma falsa visão da correta aplicação da lei e, portanto, um fator que deve ser retirado da atual dogmática da Ciência do Direito.

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

 

ALAMY FILHO, João. O caso dos Irmãos Naves: um erro judiciário – Belo Horizonte: Del Rey, 1993, reimpressão 2000.

 

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, 1 volume: Parte Geral. 28 ed. ver. e atual. – São Paulo. Saraiva, 2007.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2009.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002

 

NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2 ed., rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1999.

 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 10 ed. Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris, 2008.

 

 

 

 

 

 

           

 

Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Melquíades Peixoto Soares Neto) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados