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DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 155 DO CPP


Autoria:

Pedro H. S. Pereira


Licenciado e bacharel em Filosofia, e bacharel em Direito.Pós-graduado em direito público e especializando em educação ambiental. Advogado Militante e presidente da Comissão de Meio Ambiente da 37ª subsecção da OAB/MG.

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Resumo:

O trabalho trata da nova redação dada ao art. 155 do CPP, que, mantendo a possibilidade de que o julgador se embase em provas oriundas da fase inquisitorial em sua sentença, contraria fronalmente o atual paradigma oriundo da Carta Magna.

Texto enviado ao JurisWay em 26/02/2010.



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O ano de 2008 foi recheado de reformas na legislação processual penal, visando maior celeridade e atualização daquilo constante do CPP, que tem quase 70 anos de vigência.

Dentre as modificações de maior destaque, encontram-se as ocorridas no procedimento do júri (lei 11.719), e a perpetrada na parte relativa às provas (arts. 155 a 250 do CPP.)

Nas mudanças do título referente às provas, chama atenção aquela relativa à formação da convicção do juiz quando do embasar de seu convencimento.

O texto anterior versava no art. 157 que “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”, o que absurdamente oportunizava que magistrados fundamentassem condenações apenas naquilo colhido em sede inquisitorial.

Como se sabe pelas regras processuais penais, no decurso do inquérito, em regra não há direito ao contraditório e ampla defesa, pois conforme explicita o professor Tourinho Filho no primeiro volume de seu “Processo Penal”:

Durante o inquérito, o indiciado não passa de simples objeto de investigação, Nele não se admite o contraditório. A autoridade o dirige secretamente. Uma vez instaurado o inquérito, a Autoridade Policial o conduz à sua causa finalis (que é o esclarecimento do fato e da respectiva autoria), sem que deva obedecer a uma seqüência previamente traçada em lei. Ora, o que empresta a uma investigação o matiz da inquisitorialidade é, exatamente, o não permitir-se o contraditório, a imposição da sigilação e a não-intromissão de pessoas estranhas durante a feitura dos atos persecutórios. Nela não há Acusação nem Defesa. A Autoridade Policial, sozinha, é que procede à pesquisa dos dados necessários a propositura da ação penal. Por tudo isso, o inquérito é peça inquisitiva. (1999, p.213).

 

Devido à inexistência de oportunidade ao devido processo legal, em hipótese alguma se pode aceitar que um juiz sedimente sua decisão apenas naquilo oriundo de fase na qual não há direito de resposta.

Por óbvio, aquelas provas que necessitam ser produzidas no momento do crime como a necropsia, ou antecipadas por algum motivo específico (depoimento de testemunha idosa) devem ser plenamente consideradas pelo julgador no momento da decisão. Porém, as que podem ser produzidas sobre o crivo do contraditório como oitiva de testemunhas, nunca devem ser consideradas se também havidas em sede inquisitorial.

Acontece que a redação do art. 155 do CPP não avançou da forma que seria devido. Em vez de sedimentar aquilo já afirmado na doutrina e seguido pela jurisprudência, dizendo que “o juiz não pode se basear em provas colhidas em sede inquisitorial”, versou apenas que o julgador não pode “fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”. (grifou-se). Quanto à parca mudança, observa Norberto Avena em seu “Processo Penal Esquematizado:

A exigência do contraditório judicial agora incorporada ao Código pela nova legislação, na verdade, não produzirá grandes conseqüências em termos práticos, pois há muito se consolidou a doutrina e a jurisprudência pátrias no sentido de que apenas a prova realizada na fase das investigações policiais, à revelia das garantias do contraditório e da ampla defesa, não tem força bastante para fundamentar a condenação. (2009, p.380)

  

Acerca disso explicita também o juiz Guilherme de Souza Nucci em seu “Código de Processo Penal Comentado”, ressaltando que a mudança não ousou tanto quanto seria necessário:

[...] nesse contexto, a reforma deixou por desejar, uma vez que somente reafirmou o entendimento já consolidado- logo, inócuo fazê-lo- de que a fundamentação da decisão judicial, mormente condenatória, não pode calcar-se exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. [...] Portanto, a reforma teria sido mais ousada se excluísse a ressalva “exclusivamente” do art. 155, caput, do CPP. O juiz não poderia formar sua convicção nem fundamentar sua decisão com base nos elementos advindos da investigação. (2008, p.341-342)

  

Conforme ressaltado por Nucci, a palavra “exclusivamente” é aquilo que torna o artigo 155 discrepante à recente ordem Constitucional. Diante da contínua reafirmação pelos Tribunais do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º LV, da CRFB/88), não era de se esperar que o artigo fosse redacionado da forma como é mantido no corpo do CPP, pois como lembra julgado de relatoria do Min. Celso de Mello, o processo penal é meio de resguardo aos direitos e garantias do acusado, e não forma de inquisição:

A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu. A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido — e assim deve ser visto — como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu — que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória —, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público. A própria exigência de processo judicial representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual. (HC 73.338, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/12/96) (grifou-se)

 Por mais que o julgador tenha repulsa à criminalidade e critique o princípio constitucional da presunção de inocência, não pode manter em suas decisões resquícios do período ditatorial, através de embasamento em peças de inquérito. Como bem lembram mais dois julgados do Supremo Tribunal Federal, já não mais é obrigação do denunciado comprovar sua inocência, como ocorria na época do Estado Novo:

Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, nº 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se — para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica — em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. (HC 73.338, Rel. Min. Celso De Mello, DJ 19/12/96)

É sempre importante reiterar - na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria - que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). (HC 83.947. Relator Min. Celso de Mello. Julgado em 07/08/2007)

 Assim, é inaceitável que uma sentença tome parte de peças colhidas no inquérito, pois apenas servem para que a acusação obtenha provas que possam ensejar o início da persecutio criminis. Tê-las como meio de embasamento da sentença (principalmente condenatória), é consentir que a Constituição seja jogada às traças, possibilitar que retroaja. Certamente não é esse o intuito dos operadores do Direito.  

Logo, o caput do art. 155 do CPP deve tomar interpretação conforme a Constituição, ou seja, necessita ser lido sem que conste da palavra “exclusivamente”:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (grifou-se)

 

Tal entendimento, embasado pela crítica de Nucci, é ressaltado por vários autores. Segundo Ivan Luís Marques da Silva em sua obra “Reforma Processual Penal de 2008”:

Se prestarmos atenção na redação literal do art. 155, podemos detectar que a livre apreciação está condicionada ao fato das provas terem sido produzidas sob o manto do contraditório, em juízo. [...] Ou seja, a convicção do juiz não está livre para apreciar as provas sem o contraditório judicial. (2008, p.62.)

 Também acentuam a crítica Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, que no “Curso de Direito Processual Penal”, explicam que:

Quanto aos elementos colhidos na fase preliminar, não devem ser valorados na sentença, afinal, não foram passíveis de contraditório nem ampla defesa, e sequer estão no altiplano das provas. (2009, p.329).

 

Assim ainda afirma o Procurador Rômulo de Andrade Moreira no artigo “A reforma do Código de Processo Penal- provas”:

Se é verdade que a expressão “prova produzida em contraditório judicial” fortalece a exigência constitucional da observância do devido processo legal, o certo é que o acréscimo do referido advérbio de exclusão fez cair por terra o que desejavam os autores do anteprojeto. Ao prescrever que o Juiz não pode fundamentar a sua decisão exclusivamente nos atos investigatórios, a contrario sensu, defere-se ao Magistrado a possibilidade de motivar a sua sentença com base em alguns elementos informativos colhidos na investigação (ainda que não todos), o que é uma afronta à Constituição Federal. A lei deveria sim proibir categoricamente a utilização de quaisquer elementos informativos adquiridos na primeira fase da persecutio criminis, salvo, evidentemente, as provas irrepetíveis, antecipadas e produzidas cautelarmente. (2009).

 

Por fim, é triste notar que o legislador preferiu por manter a possibilidade de que algo com resquícios ditatoriais continue em voga no âmbito judicial. Teve a oportunidade de deixar de lado o advérbio “exclusivamente”, pois não bastasse sua inexistência no projeto de lei apresentado pela comissão presidida por Ada Pelegrini Grinover (Projeto de Lei nº. 4.205/2001), ainda pôde ser suprimido pelo Senado Federal, como lembra o professor Antônio Milton de Barros no artigo “A reforma do CPP sobre provas”:

No Senado Federal, o texto recebeu emenda para que fosse retirada a expressão "exclusivamente", sob o argumento de que as informações colhidas na investigação não são provas produzidas de acordo com o contraditório, não devendo sequer ser levadas em consideração pelo juiz criminal. Mas, tal emenda não foi acolhida pelo Relator na Câmara, Dep. Flávio Dino [...] (2009).

 

Devido ao desinteresse ou desconhecimento das repercussões que surgiriam com a redação que “permite” o uso de provas do inquérito policial como meio de fundamentação, a celeuma mantém-se instaurada.

É certo acreditar que aqueles juízes mais prudentes continuarão a deixar de lançar mão daquilo produzido sem observância do devido processo legal, ressalvadas as provas que não podem se repetir e as cautelares. De outro lado, até que a Corte Magna se pronuncie sobre o assunto, outros magistrados continuarão abusando daquilo expresso no inquérito policial, afiançando provas forjadas, depoimentos colhidos mediante tortura e humilhação.   

 

 

Referências:

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Método, 2009.

 

BARROS, Antonio Milton de. A reforma do CPP sobre provas. Reafirmação do sistema inquisitivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1862, 6 ago. 2008. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2009.

 

BRASIL. Decreto-lei 3.698 de 3 de outubro de 1941.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.

 

BRASIL. Lei 11.690 de 9 de junho de 2008.

 

LOPES JUNIOR, Aury. Bom para quê (m)? In. Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, julho 2008, p. 09.

 

MARQUES DA SILVA, Ivan Luís.  Reforma Processual Penal de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

MOREIRA, Rômulo de Andrade. A reforma do Código de Processo Penal – provas. In: Revista Jus Vigilandibus. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/34898. Acesso em 04 de agosto de 2009.

 

NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

 

TÁVORA, Nestor & ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Podium, 2009.

 

TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1999. Vol. I.

OBS: Originalmente publicado em: http://jusvi.com/artigos/41348.

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