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O papel da mídia na edificação de um Estado penal seletivo e policialesco


Autoria:

Felipe Augusto Rocha Santos


Graduado em Direito pelas Faculdades de Vitória - FDV, tem interesse no diálogo do Direito com outras áreas do conhecimento pertinentes, tais quais a sociologia jurídica e a filosofia.

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Texto enviado ao JurisWay em 14/01/2010.



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O PAPEL DA MÍDIA NA EDIFICAÇÃO DE UM ESTADO PENAL SELETIVO E POLICIALESCO*



Felipe Augusto Rocha Santos**



RESUMO


O objetivo precípuo deste trabalho é a realização de uma análise crítico-expositiva acerca da influência que a mídia exerce na construção de um Direito Penal seletivo, balizado por um Estado que incrementa sobremaneira a sua prerrogativa punitiva e minora sua atuação no combate às desigualdades impostas pelo neoliberalismo. Como técnica de pesquisa, utilizaremos a documentação indireta para recorrer pertinentemente ao pensamento de autores da Criminologia Crítica, da Filosofia e da Sociologia, tais quais Félix Guattari, Nilo Batista, Zygmunt Bauman, dentre outros, com o intuito de mostrar como o discurso oficial da imprensa tenta ocultar a política de perseguição a determinados segmentos da sociedade. Ainda a título metodológico, faremos uso do método de abordagem indutivo e do método de procedimento estruturalista, para tentar revelar que atualmente os meios de comunicação transmutam-se em eficientes mecanismos de dominação e propagam a insegurança geral, propulsora do clamor pela coerção estatal e legitimadora da banalização da violência contra as classes pobres.



PALAVRAS-CHAVE: mídia; seletividade penal; insegurança




INTRODUÇÃO


Àqueles que vociferam em favor de um “Direito autossuficiente”, todo nosso desgosto. Para estes, sugere-se que não se aventurem nas linhas a seguir. O presente trabalho volta os olhos para um dos artifícios que contribuem de forma veemente para a perpetuação de um sistema penal seletivo – o espaço midiático. Eis que não hesitaremos em analisá-lo sob os alvitres da criminologia crítica e do enfoque sociológico.


Se a maior vantagem do discente é ter ainda muitos caminhos por escolher, optamos pelo pluralismo e multidisciplinaridade no estudo do Direito Penal (bem como do Direito como um todo), alinhando-nos à esteira de Boaventura de Sousa Santos1. Sua proposta de coadunação de campos do conhecimento como pressuposto para a formação de um profissional desapego dos grilhões da inércia e do normativismo visceral vai ao encontro do que deveria ser o valor mais caro ao penalista: uma visão menos técnica e mais humana.


Metodologicamente, utilizaremos a documentação indireta como técnica de pesquisa, adotando como base bibliográfica autores da Criminologia Crítica (sobretudo Nilo Batista, Vera Malaguti, Zaffaroni, Wacquant), da Sociologia (Zygmunt Bauman) e da Filosofia (Félix Guattari). Ademais, utilizaremos o método de abordagem indutivo, partindo dos mecanismos particulares engendrados pela mídia para compreender o panorama geral da difusão da seletividade penal; e o método de procedimento estruturalista, indo do aspecto concreto das relações sociais modernas e das estratégias midiáticas de seleção penal a um modelo de Estado penal repressivo.


Neste sentido, trilharemos um percurso que se inicia com a produção de subjetividades delineada pelo filósofo francês Félix Guattari, com vistas a entender a forma como os meios de comunicação têm enorme influência sobre o imaginário social e contribuem para a edificação de um Estado repressivo. Em um segundo momento, será exemplificada a forma por meio da qual a mídia confere enorme espaço a programas e notícias complacentes com a seletividade penal e com a criminalização dos miseráveis. Por fim, daremos enfoque ao medo pulverizado entre sociedades modernas e a forma como a insegurança é reforçada pela mídia e legitima as políticas de exacerbação punitiva. Aqui, daremos especial atenção às preleções do sociólogo Zygmunt Bauman.


Dada a complexidade e extensão do tema, aproveitaremos nossas breves linhas para apresentar críticas à relação entre mídia e sistema penal que pouco ressoam no espaço jurídico, acadêmico ou social, com a intenção de levar ao leitor noções básicas sobre o assunto em destaque e despertar maior interesse sobre aspectos pouco abordados e desbravados no estudo criminal.



1 A PRODUÇÃO DAS SUBJETIVIDADES


Na marcha inicial de nosso percurso rumo a uma breve compreensão da forma como a mídia contribui para a construção de um sistema penal mega-punitivo, elevaremos o ideário do filósofo e psicanalista francês Félix Guattari, especificamente no que tange à sua teoria da produção das subjetividades. Pensador de nítida orientação anti-capitalista, não surpreende que suas percepções pouco ressoem no espaço público hodierno.


As subjetividades seriam uma construção histórica e social que orientam o pensar e o agir do sujeito, conformando-o, muitas vezes, a realidades deletérias, pelo simples fato de que lhe foi introjetada uma percepção pré-moldada; o pensamento foi orientado em dissonância com a verdadeira substância do indivíduo, mas, ainda assim, tal forma de pensar torna-se imperativa em virtude da força dessas moldagens históricas e sociais. Para Guattari, essa produção de subjetividades adquire um papel de inabalável destaque em termos de dominação2.


Em consonância com o próprio pensador (1986, p.31), “a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro do social”, de modo que tem a potencialidade de conformar toda uma esfera de pensamentos. É neste certame que apontamos para uma das mais eficientes (senão a maior das) ferramentas de dominação moderna: os meios de comunicação. O espaço midiático capitaneia a produção de subjetividades, determinando o que deveremos pensar, como deveremos reagir, etc. É a força dominadora das sugestões3.


Porém, é evidente que essa dominação requer artifícios que ocultem a carga de seu signo. Por questões políticas, ela não pode ser imposta mediante discurso cristalino: “A barbárie institucionalizada é bem quista”, “Todo criminoso deve ser odiado”, “A política de extermínio nos é conveniente”. Ideias assim têm de ser inculcadas de forma paulatina e engenhosa, para que, então, se tornem naturais. Por exemplo,


Quando uma potência como o EUA quer implantar suas possibilidades de expansão econômica num país de Terceiro Mundo, ela começa por, antes de mais nada, trabalhar os processos de subjetivação. Sem um trabalho prévio das forças produtivas de formação prévia das forças produtivas e das forças de consumo, sem um trabalho de todos os meios de semiotização econômica, comercial e industrial; as relações sociais locais não poderão ser controladas (GUATTARI, 1986, p.31, grifo nosso).


Ora, para que tudo isso se apresente como um dado natural e ordinário, é necessário que se produzam subjetividades dominantes que orientem a subserviência a essas sugestões. Concomitantemente, sobrepujam-se as subjetividades que, em outro plano, teriam o condão de subverter a ordem opressiva.


Assim, a mídia produz as subjetividades que insculpem na sociedade ideologias restritas e convenientes a determinadas classes. Um instrumento engenhoso e assustadoramente eficaz para entranhar no imaginário social a criminalização da pobreza, a demonização das classes subalternas e a necessidade de um Estado policial. É este o contorno mais pernicioso da mídia no atual sistema penal.

Tal qual exposto supra, a produção dessas subjetividades dominantes revela-se como uma das estratégias para que determinada ideologia seja efetivamente imposta e aceita no corpo da sociedade. Os meios de comunicação, servis à ideologia do Estado punitivo, erguem o baluarte da repressão institucionalizada e justificam a truculência punitiva estatal em prol da “segurança” e da “ordem” – quando, em verdade, este rigor punitivo do Estado é inversamente proporcional à sua atuação social: a mesma mão invisível tão cara às diretrizes neoliberais reveste-se com uma pesada luva de ferro quando o Estado é chamado a exercer sua atividade punitiva.


A mídia se alicerça sobre a propagação da insegurança na teia urbana e serve de maneira prestimosa à lógica penal seletiva e exterminadora das massas indesejáveis, na medida em que legitima esse poder interventivo. Batista (2003, p. 51) acentua com brilhantismo que,


A qualquer ameaça de diminuição deste poder, os meios de comunicação de massa se encarregam de difundir campanhas de lei e ordem que aterrorizam a população e aproveitam para reequipar para os “novos tempos”. Os meios de comunicação em massa, principalmente a televisão, são hoje fundamentais para o exercício do poder de todo o sistema penal, seja através dos novos seriados, seja através da “invenção da realidade” para “produção da indignação moral”, seja pela fabricação de estereótipos do criminoso.


Tudo isso é engendrado em minúcias e naturalizado, porquanto se produzem subjetividades que propagam esses imperativos. Seja por intermédio de programas e seriados, de discursos retóricos de autoridades reverberados em telejornais ou até mesmo da teledramaturgia – todos com assustadora potencialidade de servir de referência à conduta dos telespectadores –, conforma-se o imaginário social e molda-se o sectarismo da população à apartação dos setores mais vulneráveis.


O movimento “Lei e Ordem” se encaixa perfeitamente a este cenário: escolhe-se o inimigo e dá-se início a uma varredura de indesejáveis patrocinada pela mídia e levada a cabo pelo braço robusto do Estado penal. Sob os alvitres da “segurança”, a política criminal volta os olhos para os “consumidores falhos” ou aqueles “cujos meios não estão à altura dos desejos” (BAUMAN, 1999, p.57); nascidos sob o signo da privação relativa4 e vítimas da doutrina do capitalismo e do consuma se puder.


A mídia, por seu turno, conclama para si a inglória tarefa de disseminar as subjetividades que legitimam as políticas criminais de extermínio imprescindíveis à segurança das classes merecedoras e adaptadas à lógica consumerista. Essas camadas altas e médias da sociedade valem-se do círculo midiático para vociferar por um Estado mais atuante no campo penal e omisso no plano social. Evidentemente, esse plus punitivo recai sobre as audiências “c”, “d” e subsequentes, justamente os portadores da patologia atribuída aos impossibilitados de consumir.


Na tentativa de persecução do fim – qual seja, a garantia de tranquilidade e segurança dos “justos” e dos “merecedores” (os aptos à era do consumo) – lança-se mão de todos os meios necessários. Ao erguer este baluarte maquiavélico, a sociedade e a mídia compactuam com a indolência estatal e promovem a varredura da “escória”. A contraproducência maior reside precisamente nesta apetência imediatista das camadas dominantes por políticas criminais voltadas para o derramamento de sangue e exclusão dos inconvenientes: o sono que essas classes garantem hoje, amanhã será perturbado pelos que elas estão ajudando a excluir.


Mas tolice seria pensar que políticas criminais alternativas, tais qual a criminologia interacionista, fossem ser contempladas no espaço midiático. Os meios de comunicação têm seu modus operandi atrelado às campanhas de segregação, de sorte que, apesar de valerem-se do brasão “vox populi, vox Dei5, orientam suas ações ao arrepio das parcelas desfavorecidas do corpo social. Alinhados aos detentores do poder, os veículos da mídia servirão justamente às políticas criminais daqueles aos quais a mudança da lógica punitiva não soa nem um pouco conveniente.


A mídia e o esculpimento das subjetividades servem com maestria à institucionalização da violência em benefício dos “bons” e em detrimento dos “maus”, perpetuando, assim, um torpe cenário de maniqueísmo social.



2 A SELEÇÃO DAS NOTÍCIAS E A PERPETUAÇÃO DA SELETIVIDADE PENAL


Com a monopolização da comunicação, monopoliza-se aquilo que vira notícia. Incursões policiais sanguinárias são apresentadas como necessárias para a manutenção da ordem; os morros são expostos como o receptáculo de toda a perversão e mal da sociedade; discursos estigmatizantes de políticos são apresentados como palavras heróicas. Há toda uma cuidadosa manipulação dos fatos que serão levados à plateia da grande mídia e cravados em seu ideário por intermédio da produção subjetiva.


O sociólogo francês Loïc Wacquant, por exemplo, já esteve diversas vezes no Brasil, mas suas visitas passaram quase despercebidas. Expoente nos estudos das chagas do sistema carcerário a partir das desigualdades sociais e das políticas de criminalização da miséria, o autor teve reservado na mídia nacional um espaço irrisório, quase inexistente, para fazer-se ouvir pela população.


Dar voz a Wacquant oportunizaria a retirada de véus ideológicos que freiam a inquietação ante a lógica punitiva hodierna. Ainda que timidamente, dar-se-ia margem a pensamentos subversivos individuais que, aglutinados, poderiam ensejar questionamentos e mudanças. É evidente que a mídia e seu servilismo aos poderosos e à mão de ferro estatal não se aproximaria desse risco. Se o palco midiático não é nem um pouco receptivo a Wacquant, em suas páginas ele é incensurável na exposição da influência dos meios de comunicação na engenharia do Estado megapunitivo:


A mídia contribui para criar um discurso histérico, irrealista, um discurso que impede a reflexão e o debate cívico. Ela tem uma enorme responsabilidade na degradação da situação e na popularidade do método de gestão penal da ilegalidade social. (WACQUANT, 2003)

Essa gestão penal da ilegalidade social, em conformidade com Wacquant, é dirigida por um “Estado-centauro”, isto é, um Estado cuja cabeça liberal repousa sobre um corpo autoritarista (WACQUANT, 2003, p.20-21). Aqui, remetemo-nos de novo à ideia da mão invisível que atua na proteção social e veste uma luva de ferro na hora de punir.


A noção do Estado-centauro encontra seu esteio no neoliberalismo, na medida em que o Estado opta pela plena abstenção ante as relações de mercado, mormente no que diz respeito às relações que têm ligação direta com a perpetuação das desigualdades. Por outro turno, o corpo do centauro troca a abstenção pela ação, quando o mercado torna imperiosa a intervenção para a manutenção da “ordem social”.


A criminalização da miséria aparece quando a sociedade abraça a ideologia neoliberal e quando se procura organizar o conjunto de relações sociais sobre a base de relação de mercado, encarando-as como se fossem relações próprias de uma empresa. (WACQUANT, 2003, grifo nosso)


É aí que a parte robusta do centauro estatal entra em cena de maneira prestimosa aos preceitos do capitalismo liberal: pujança para punir e para calar as multidões excluídas da lógica consumerista. Em salvaguarda ao laissez faire, laissez passer que rege o mercado, o Estado exacerba, na mesma medida, sua ausência no combate às discrepâncias sociais – em resguardo à auto-regulamentação do mercado – e sua atuação no combate às classes marginalizadas pelo Capital.


Tal noção da passagem do Estado providência para o Estado penitência denunciada por Wacquant tem de ser trancada a sete chaves pela exposição da mídia. Ao mesmo tempo em que se esconde essa verdade, os meios de comunicação valer-se-ão, com uma desfaçatez assombrosa, de todas as artimanhas possíveis para legitimar a truculência estatal sobre os indivíduos selecionados.


Para ilustrar esse potencial que os instrumentos da mídia têm para reproduzir a violência, Eugênio Raul Zaffaroni atesta, com a precisão que lhe é peculiar:


na necessidade de uma criminalidade mais cruel para melhor excitar a indignação moral, basta que a televisão dê exagerada publicidade a vários casos de violência ou crueldade gratuita para que, imediatamente, as demandas de papéis vinculados ao estereótipo assumam conteúdos de maior crueldade e, por conseguinte, os que assumem o papel correspondente ao estereótipo ajustem a sua conduta a estes papéis. (ZAFFARONI, apud BATISTA, 2003, p. 57)


2.1 A PROGRAMAÇÃO QUE CRIMINALIZA A MISÉRIA


Não à toa, uma programação cuidadosamente delineada contribui sobremaneira para uma eficaz difusão das subjetividades entre os espectadores. Neste passo, temos “de um lado o autor do crime, da infração, do conflito com a Lei, do outro, a participação daqueles que assistem, cada vez mais extasiados, à encenação do horror que se banaliza a cada dia” (FIGUEIREDO, 2007, p. 309).


A glorificação da violência e a consequente banalização do horror é fomentada pela veiculação de programas e notícias que incrementam a demonização dos indesejáveis e corroboram com a seletividade penal. Os programas, jornais e telejornais estampam com naturalidade as notícias mais bárbaras e os crimes mais atrozes, sedimentando na sociedade, com a mesma naturalidade, a sede pelo castigo, conforme assevera Hulsman (1997, p.116): “A mídia, que sempre noticia os casos mais dolorosos, atos irreparáveis, tem a tendência de ouvir as vítimas – sobretudo as famílias das vítimas – que clamam por vingança”.


Neste plano, ao fomentar a sede por vingança e o combate imediato aos causadores do dano, os veículos comunicativos preterem debates profundos e fenomenológicos que revelariam a barbárie social da qual emana o crime enquanto elemento reacionário. Entretanto, os meandros percorridos pela seletividade penal e pela mídia que lhe é servil optam pelo etiquetamento de sujeitos específicos, fazendo do crime um atributo ontológico do ser – precisamente, dos seres apartados da sociedade de consumo6.


Em sua obra “Difíceis Ganhos Fáceis”, leitura obrigatória para quem deseja se aventurar pelos meandros da criminologia crítica, Batista relembra um episódio do famigerado “Você decide” que bem delineia a vitória das subjetividades orientadas para a exclusão:


No dia 12 de abril de 1997, num episódio do programa da Rede Globo intitulado “Você decide”, em que os telespectadores decidem o final da história, 79.493 pessoas optaram pela morte, por vingança, de um jovem infrator que havia participado de um assalto violento. [...] A vitória do extermínio foi avassaladora. (BATISTA, 2003, p.35, grifo nosso)


É evidente que a opção pelo aniquilamento por si só já representava um vilipêndio ao bom senso e à Constituição e um afago às barbáries da auto-tutela e do linchamento público. Afora isto, é ainda mais assombrosa a forma como a opção pela morte se mostrou palatável aos telespectadores. A título de porcentagem, no referido episódio, o extermínio do jovem contou com a aprovação de nada menos que 56% dos votantes, sendo que apenas 14,1% optaram por deixá-lo fugir7.


Muito menos sutil era a abordagem do extinto “Linha Direta”, programa que elevava a política de extermínio a níveis dantescos, criando em suas reconstituições uma verdadeira espetacularização do derramamento de sangue. A forma como a edição tendenciosa do programa moldava uma perfeita demonização do acusado foi exposta de forma emblemática pelo criminólogo Nilo Batista, na análise que fez de episódio transmitido em 12 de agosto de 1999:


O interesse do Instituto Carioca de Criminologia pelo programa Linha Direta foi despertado por uma notícia que relatava a morte, em confronto policial, de um assaltante cuja biografia criminal fora dias antes exposta naquele programa (12.ago.99). O programa subseqüente (19.ago.99) comemorava o feito. (BATISTA, 2002, p.287)


Se a intenção do programa já era demonizar o assaltante Marcos “Capeta”, a alcunha que ele carregava foi a cereja do bolo para que a reconstituição montada o colocasse em meio a chamas, numa perfeita representação do inimigo a ser aniquilado. Batista prossegue sua análise com a exposição contrastante entre o construído no episódio e a morte do assaltante:

O exame do primeiro programa mostra um cruel Marcos “Capeta”, chefe de numeroso bando, que maneja uma metralhadora ponto 50, instalada na carroceria de uma picape, contra policiais atônitos, que empunham revólveres calibre 38, numa Kombi que explode. [...] Lamentavelmente, os documentos depõem em outro sentido. Marcos “Capeta” foi morto numa casa situada em local ermo, isolada e portanto facilmente sitiável. Seu corpo tinha 22 orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo, além de uma aparentemente desnecessária lesão contusa na região cervical. [...] a metralhadora ponto 50 da encenação do Linha Direta simplesmente não existia. O numeroso bando também estava reduzido a um garoto de 14 anos, com pelo menos oito lesões de projéteis de arma de fogo. (BATISTA, 2002, p.287-288, grifo nosso)


A discrepância entre a encenação transmitida para os telespectadores e a realidade evidenciada pelo extermínio do assaltante revela que a tarefa desempenhada em “Linha Direta” resumia-se a criar o perfeito arquétipo do vilão (ou leia-se inimigo), para o qual seria orientado todo o ódio da população, embriagada pelo discurso torpe e tendencioso do programa e movida pelo desejo de vingança.


A exposição de Batista (2003, p.288) ainda traz à baila o enorme leque de garantias constitucionais que são vilipendiados por programas dessa espécie. “Você decide”, “Linha Direta”, e, mais recentemente, “Força Tarefa”, “Cidade Alerta”, dentre tantos outros, descambam para o cerceamento da presunção de inocência e do direito ao julgamento do acusado8, promovendo o verdadeiro caráter de “executivização da comunicação social”.


É mister destacar que o papel de monstro a ser executado é reservado para os marginalizados, para os habitantes das favelas e para os egressos e futuros hóspedes do sistema penal. As políticas criminais repressivas do Estado e a Polícia que as concretizam devem ser maquiladas pela mídia e sua atuação deve ser subjetivamente propagada como impreterível para a manutenção da ordem. O recente “Força-Tarefa” foi prestimoso a essa estratégia:


Em parceira com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o "Força-Tarefa" só mostrará o lado bom da polícia (civil e militar) e dos bombeiros. Cenas que possam prejudicar a imagem, como o lado mais enérgico dos policiais, foram editadas. Essa foi uma das condições para que a Globo pudesse, por três meses, durante 24 horas, acompanhar de perto a ação policial e dos bombeiros. (REIPERT, 2008)

A construção de simulacros como esses só ilustram a maneira como a mídia obtém enorme êxito ao propugnar ou sugerir a luta contra atores sociais específicos, justamente aqueles aos quais será atribuído o rótulo de ameaçadores da segurança das classes beneficiadas e que, por este motivo, devem receber um tratamento diferenciado por parte do Estado. Conforme atesta ZAFFARONI (2007, p.18), são os indivíduos escolhidos como inimigos, sujeitos que têm sua condição de pessoa negada pelo Direito e que são considerados meramente sob o aspecto de ente perigoso ou daninho.


Não é difícil verificar, pois, que o inimigo atual são esses setores vulneráveis, inaptos à sociedade de consumo e, portanto, marcados pela privação relativa. Na era pós-industrial, a pobreza torna-se inadmissível e é recepcionada pela prisão, que, nos tempos modernos, junta a mutilação física costumeira no século XV com a mutilação moral9. Nas palavras de Batista (2003, p.56), “[...] seja através dos novos seriados, seja através da ‘invenção da realidade’ para ‘produção de indignação moral’ seja pela fabricação de estereótipos do criminoso”, os veículos de comunicação se mostram fundamentais para o exercício desse poder do sistema penal.


Eis que, na luta infrene contra o inimigo, a programação que perpetua a seletividade penal serve com maestria aos desideratos do Estado Penal moderno. Ao arrepio da Constituição, os veículos de comunicação promovem a imediata condenação social e legitimam as políticas criminais voltadas para as classes talhadas pela discrepância social. As armas se voltam para um alvo engenhosamente delimitado. Em esmagadora maioria, os televisores destes inimigos estão nas favelas; reduto ameaçador da segurança, propagador de todos os males que afligem as elites e representativo da doença urbana cuja profilaxia torna-se estritamente a repressão.



3 A DIFUSÃO DA INSEGURANÇA – O “MEDO LÍQUIDO” EM BAUMAN


O medo tem muitos olhos e enxerga coisas no subterrâneo” – Com esta frase de Miguel de Cervantes, em Dom Quixote, o sociólogo Zygmunt Bauman apresenta a obra “Medo Líquido” e inicia sua análise sobre o medo generalizado que recai sobre a realidade contemporânea, sobretudo a partir do início do século XXI. A falta de domínio sobre a tecnologia, a natureza, a economia globalizada e as próprias relações sociais submerge o ser humano na liquidez das sociedades modernas, criando o crescente medo de tragédias nucleares, catástrofes naturais, crises econômicas e violência.


A Era Moderna revelou um estado de complexidade e incertezas que trouxe à tona perigos de diversas espécies. Alguns ameaçam o corpo e as propriedades, outros ameaçam a segurança do sustento – renda, emprego –, e há aqueles que assustam a posição do indivíduo na hierarquia social – sua identidade de classe, gênero, étnica (BAUMAN, 2008, p.10). Essas ameaças advêm justamente da incerteza e da falta de controle dos sujeitos sobre a liquidez da modernidade; sobre um tempo em que só é concreta a necessidade de se proteger das ameaças que habitam a escuridão10.


O perigo em atirar pedras na escuridão a fim de combater uma ameaça que sequer estamos enxergando se aproxima do conceito de “medo derivado” trazido por Bauman. Esse medo tem o poder de orientar o comportamento do ser humano para perigos que muitas vezes sequer existem ou que requerem tratamentos mais específicos. É um medo social,


[...] culturalmente “reciclado”, ou [...] um “medo derivado” que orienta seu comportamento (tendo primeiramente reformado sua percepção do mundo e as expectativas que guiam suas escolhas comportamentais), quer haja ou não uma ameaça imediatamente presente (BAUMAN, 2008, p.9).

Neste plano, nas preleções do sociólogo, esse medo em particular é uma estrutura mental estável, melhor descrita como uma sensação de suscetibilidade ao perigo e de iminente insegurança e vulnerabilidade. Impossível, pois, não correlacionarmos o “medo derivado” à produção de subjetividades que tanto reiteramos no presente trabalho. A reforma da mundividência dos indivíduos guiará suas formas de pensar, sentir e agir, orientando suas ações para ameaças ilusórias:


Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo que inclua a insegurança e a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente, mesmo na ausência de ameaça genuína, às reações adequadas a um encontro imediato com o perigo; o “medo derivado” adquire a capacidade da autopropulsão. (BAUMAN, 2008, p.9, grifo nosso)


Neste trecho de nosso trabalho, é revelada a forma simbiótica como medo e produção subjetiva se abraçam na realidade contemporânea. Nas linhas iniciais, mostramos como as subjetividades entranham-se no imaginário social e a forma nebulosa e engenhosa como a mídia é solícita a essa tarefa. Na análise do pensamento de Bauman, vemos que o “medo derivado” revela como a sociedade líquido-moderna tenta criar medos e torná-los dados naturais da contemporaneidade.


Em breves linhas, combate-se o medo do medo; a sociedade líquida apresenta-se como um dispositivo para reprimir a aversão ao perigo e tornar a convivência com o medo algo tolerável. Todavia, tal qual ocorre na inculcação das subjetividades, essa tarefa é feita de forma silenciosa. Ela reverbera os medos de perigos fantasiosos e silencia os medos provenientes de perigos que não se desejam combater, pelo simples fato de que estes últimos perigos integram a estrutura de determinada sociedade.


Vejamos: a realidade presente, marcada pelo cenário de infrene globalização, por sua vez balizada pelos imperativos indeléveis do consumismo e da integração e proteção dos mercados, traz perigos teratológicos à humanidade, mas que serão devidamente silenciados. Assim os ditames neoliberais que esmagam a proteção social e a distribuição de renda em prol do regozijo dos poderosos do Capital criam uma massa excluída que vê na ilegalidade a última chance de sobrevida.


Ocorre é que, em termos de manipulação do medo, a ameaça é atribuída ao resultado, não à causa: os atores excluídos da dinâmica capital-consumista neoliberal são tarjados pelos paladinos do Estado como inimigos, perigosos, ameaçadores, etc., e, por tal motivo, são eles os dignos de medo e que devem ser combatidos. Por outro lado, a verdadeira causa do perigo, anteriormente exposta, é ocultada e perde-se em neblina11. O retrato cadavérico da exclusão dos indesejados passa a não ser temido pelo fato de que ele sequer é conhecido.


Como resultado, a força engenhosa dos “medos derivados” sugeridos pelos dirigentes das sociedades líquidas deturpa a ação dos indivíduos, porquanto a profusão exponencial de perigos propugna o extermínio dos sujeitos ameaçadores e não reflete as ameaças que deveriam de fato ser combatidas. No plano em análise, não reflete a monstruosa desigualdade advinda dos preceitos neoliberais e, por conseguinte, a perniciosidade das políticas de criminalização da miséria e de varredura dos inaptos à liquidez do consumo moderno.


É neste palco que o Estado penal plenipotenciário vale-se da mídia para ressoar as penas privativas de liberdade como única alternativa para o crime. Qualquer delito – desde que praticado por um membro da escória – é pressuposto para que se entoem gritos por cadeia e “justiça”. Penas alternativas e discussões holísticas e sociológicas, voltadas para a compreensão da atitude do apenado no seio da sociedade neoliberal são preteridas. O medo injetado nas veias dos telespectadores de jornais e programas punitivo-seletivos vai bradar por tolerância zero e exclusão imediata da “ameaça”:


Reorganizar o caos através de discursos punitivos tem sido uma constante nos veículos de comunicação, que encontram na sociedade da era pós-industrial um caminho natural para o encarceramento dos pobres. (ZACCONE, 2007, p. 124)


A disseminação desse cenário de pânico constante adquire dois contornos: como vimos, para as classes dominantes a ideia de ameaça latente fomenta o sentimento por segurança a qualquer custo. Assim, o agigantamento do Estado policial é justificado e quisto, pois apazigua o medo. Já para as classes subalternas o medo tem a finalidade de impedir que esses indivíduos atentem contra a ordem. Em “atentar contra a ordem”, lê-se qualquer tentativa de se contestar a própria condição de desigual e abandonado pela sociedade.


O medo, pois, revela-se num passivo num aspecto ativo. No plano passivo, ele impede a subversão dos excluídos ante o contexto da desigualdade social e tenta aprisioná-los a um eterno estado de letargia, conformados a sua condição inferior. No plano ativo, relativo ao medo das classes privilegiadas, ele legitima exatamente a repressão sobre as massas periféricas do Capital, costumeiramente designadas como a morada dos temidos “bandidos” e importunadores da “ordem”:


A mídia e a opinião pública destacam o seu cinismo, a sua afronta. Não merecem respeito ou trégua, são os sinais vivos, os instrumentos do medo e da vulnerabilidade, podem ser espancados, linchados, exterminados ou torturados. Quem ousar incluí-los na categoria cidadã estará formando fileiras com o caos e a desordem, e será também temido e execrado. (BATISTA, 2003, p. 36, grifo nosso)


Fica-nos evidente que propagação do medo torna a sociedade refém de seu próprio clamor por imediatismo punitivo. A despeito de conferir segurança, a assimilação de “medos derivados”, disseminados sobretudo pelos meios de comunicação em massa, conforma o imaginário social e orienta seu agir para um perigo fantasmagórico (no caso, a constante ameaça das classes pobres), moldado pela torpeza do discurso neoliberal do Capital – verdadeiro centro irradiador das desigualdades sociais e, por isso, o concreto perigo a ser combatido.


Amarrado pela força das subjetividades, o imaginário é domado por tais medos derivados e enxerga esse perigos ilusórios por toda parte, “inexpugnáveis e indestrutíveis se não forem combatidos ao estilo de uma verdadeira guerra, digamos, uma cruzada” (BATISTA, 2003, p. 36). Dessa forma, nesta cruzada punitiva o derramamento de sangue tornar-se-á quisto, ou ao menos necessário, uma vez que, ante a ameaça dos contingentes perigosos que habitam os morros (ou quilombos) a segurança deve ser garantida a qualquer custo.


A liquidez das sociedades modernas encharca as classes altas e médias em medo sanguinolento e permite que a mídia promova o extermínio simbólico desses indivíduos já subjugados pelo esquecimento social e que só aguardam a execração pública que os conduzirá ao cárcere. A seletividade punitiva, junto à banalização da violência e à glorificação de um Estado policialesco, resume uma era em que o “nós” perdeu qualquer sentido de coletividade para se sentir “[...] inseguro, ameaçado e amedrontado, mais inclinado ao pânico e mais interessado em qualquer coisa que tenha a ver com tranqüilidade e segurança” (BAUMAN, 2009, p.13).



CONSIDERAÇÕES FINAIS


É inegável que a aceitação de um Direito Penal seletivo está espraiada pelo imaginário social. As políticas criminais modernas de executivização imediata dos delinquentes e de afastamento de preceitos constitucionais encontram assombrosa aceitação da sociedade. Os poucos que não compram essa ideia são justamente os vitimados pelas políticas de exclusão social e que serão recepcionados pela putrefação do cárcere.


Dirigida por um Estado cujos tentáculos abraçam as classes adaptadas às imposições do Capital e apartam os subjugados pela desigualdade, a mídia perpetua o olhar seletivo e vale-se de sua abrangência mundial para promover a execução pública dos sujeitos cujos meios não podem comprar o que é vendido nos espaços reservados para a propaganda.


As instituições propagadoras dessa seletividade do Direito Penal são muitas; dentre elas, a mídia adquire esse papel de veemente destaque devido à extensão que tem no mundo atual à força que possui na inculcação de subjetividades e na proliferação do medo.


No plano das classes favorecidas, vimos que esse medo aumenta o anseio pelo rigor punitivo sobre os “inimigos” da segurança; enquanto, no terreno dos excluídos, o medo tenta sedimentar uma sensação de constante vigilância: aqueles que ousarem incorrer em comportamentos delituosos têm de saber que o Estado Policial está de olhos voltados – quase exclusivamente – para eles.


Neste sentido, entendemos que o rompimento da noção de autossuficiência do Direito Penal, com uma maior valorização da interdisciplinaridade no estudo das políticas criminais tem o condão de desnudar chagas que são infimamente conhecidas por serem magistralmente escondidas.


Assim, nada melhor que comprar as ideias de Hulsman (1997 p.44), no tocante à sugestão do rompimento dessa solidariedade moderna às instituições, de modo a oportunizar o desnudamento da solidariedade verdadeira, em relação ao outro, com a retomada de um "nós" que parece ter perdido o sentido.


Não poderíamos encerrar de outra maneira senão com as palavras de Alessandro Barata (apud BATISTA, 2003, p.33) no prefácio de “Difíceis ganhos fáceis”:


Não é tarefa do historiador dar receitas para mudar a sociedade, assim como não é tarefa do poeta melhorar o mundo. Mas, como o poeta, ao fazer da realidade uma metáfora, nos ajuda a reconhecer o sentido e a manter a distância e a liberdade necessárias na luta para melhorá-la, também o historiador e o sociólogo, pelo fato de revelarem como andavam e como andam realmente as coisas na sociedade, já começaram a mudá-la.


Desta forma, é fácil atribuir o rótulo de utópico ou de idealista àqueles que ousam questionar algo que lhes inquieta. Mas os verdadeiros desvairados são aqueles que optam pela inércia e pela estagnação e assistem ao ruir da esperança perante seus olhos. O pensamento é o berço da mudança. Entretanto, há que se transpor a barreira do mero pensamento, para que não adormeçamos na contemplação e deixemos que a preguiça nos adie a luta.


O sistema penal moderno, por intermédio da luta pela quebra de paradigmas e pelo descortinamento de práticas seletivas que em nada aumentam a segurança da sociedade, ainda pode se livrar das algemas que lhe acorrentam a humanidade.


Tudo o que foi feito pelo homem também pode ser refeito” – BAUMAN, 2005, p.14


REFERÊNCIAS


BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, Ano 7, n. 12, p. 271-288, 2º sem. 2002.


BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.


BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.


______. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.


______. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.


FIGUEIREDO, Vando Valle de. A violência sobe no palco: o que dizer dos espectadores? In: BASTOS, Ruth; ÂNGELO, Darlene; COLNAGO, Vera (Org.). Adolescência, violência e a lei. Rio de Janeiro: Cia. de Freud; Vitória: Escola Lacaniana de Psicanálise, 2007.


GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica – cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1986.


HULSMAN, Louk; Celis, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas – o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1997.


MIGUELOTE, Carla. Entrevista com Loïc Wacquant. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2009.


REIPERT, Fabíola. Globo corta cenas para proteger a polícia. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2009.


SALLES, Marcelo. O fascismo ontem e hoje. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2009.


WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.

ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.


ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.

* Artigo científico apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Direito de Vitória, como requisito parcial para aprovação na disciplina de Direito Penal II, orientado pela Profª Mestre Nara Borgo Cypriano Machado.

** Graduando no 4º período do curso de Direito modelo das Faculdades de Vitória – FDV, estagiário da Procuradoria Federal do INSS – Vitória. E-mail: felipefdv@gmail.com

1 Sua ideia de uma “revolução democrática da justiça” se volta para a valorização de um discente atento à realidade circundante, numa oposição ao Ensino Bancário do Direito. No campo penal, v.g., contestamos a disseminação do maniqueísmo entranhado no sistema penal moderno: a lógica do cárcere para os socialmente indesejáveis; a garantia da segurança para as pessoas de bem.

2 Talvez por ser uma dominação que dispensa a coerção física. Sua eficiência reside em seu caráter simbólico, uma vez que naturaliza a absorção de signos que não necessariamente representam a essência do sujeito. Daí surge outro poder tenebroso do achatamento das subjetividades: ao ser reiterada no sujeito, uma subjetividade dominante pode obstaculizar subjetividades que fomentariam a insurgência contra a opressão.

3 Em entrevista ao jornal “A Nova Democracia” (n. 34, abril de 2007), a pós-doutora em psicologia e fundadora do grupo “Tortura Nunca Mais”, Cecília Coimbra, revela o potencial da mídia em produzir “esquemas dominantes de significação e interpretação de mundo”; denúncia que permeia seu livro Operação Rio: o mito das classes perigosas.

4 O fenômeno sociológico da privação relativa diz respeito ao sentimento de o indivíduo não compreender o porquê de não ter algo que ele julga ser-lhe devido. Este sentimento de privação, de frustação, é relativo ao fato de não se poder possuir elementos materiais que a sociedade insiste em sugerir como indispensáveis. Não se satisfazem os anseios pois lhe faltam condições objetivas para tal.

5 Outra forma ardil que a mídia usa para sedimentar suas verdades é atribuir para si o papel de porta-voz do povo, quando, em verdade, ela fala por uma plateia deveras restrita. Assim, ao mesmo tempo em que se cria a ilusão de que o povo tem voz, são ressoadas e solidificadas subjetividades interessantes somente a alguns poucos – íntimos dos ditames da lógica do consumo.

6 Este ponto é o eixo central da troca de paradigmas no estudo criminológico; enquanto a criminologia positivista concentrava os estudos no criminoso, “causa” do crime, a criminologia crítica da reação social volta atenção para os motivos pelos quais determinados sujeitos são definidos como criminosos. Na preleção de Zaccone (2007, p. 42), em vez de se questionar quem é o criminoso, passa-se a indagar por que o criminoso é levado a delinquir. Assim, a criminalidade passa a ser vista não como objeto, mas como produto da reação social.

7 De um total de 141.493 votos, além dos 56,1% que escolheram ver a morte do jovem infrator, 44.000 (31%) optaram pela sua prisão, e apenas 20.000 (14,1%) “deixaram-no” fugir.

8 Em seu artigo, Batista recorda que o “Linha Direta” inicia sua empreitada punitiva apenas três anos após o processo penal brasileiro assumir, com o advento da lei no 9.271/96, o direito de o acusado conhecer a acusação real para se defender.

9 Wacquant (2007, pp. 43 e ss.) traça uma linha em que é possível compreender a troca da aplicação dos suplícios e das penas de morte a partir da Era Industrial. Havia a necessidade de domesticar os “indesejáveis” para a produção industrial e de combater os que ousavam resistir, mas a matança despertava a turba, de modo que tinha de ser substituída por outros meios de eliminação. O encarceramento foi a opção perfeita: as prisões inóspitas se encarregariam de manter as altas taxas de mortalidade.

10 Na escuridão, no terreno do “subterrâneo”, tudo pode acontecer, mas não há como dizer o que virá . A escuridão não é, em si, a causa do perigo, mas é o habitat natural da incerteza e, portanto, do medo. “Medo” seria o nome que damos a nossa incerteza; nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito para combatê-la (embora sequer a conheçamos).

11 Thomas Mathiesen (apud BAUMAN, 2008, p.13) demonstra que, como ocorre com muitos sentimentos angustiantes e que representariam uma contestação à ordem vigente, é feito um processo de “silenciamento silencioso” que impede a disseminação desses medos que soam ameaçadores para a ordem – hoje, de mercado.

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