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Da defesa dos costumes à proteção da dignidade sexual


Autoria:

Aline Guimaraes Matos De Santana


Estudante do 9º semestre do curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana

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Resumo:

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, alterou o Título VI da Parte Especial do Código Penal e o art. 1o da Lei de Crimes Hediondos, acrescentando o art.244-B ao ECA. Este trabalho almeja discorrer brevemente sobre essas mudanças.

Texto enviado ao JurisWay em 05/01/2010.



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DA DEFESA DOS COSTUMES À PROTEÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL.

 

Resumo

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, alterou o Título VI da Parte Especial do Código Penal e o art. 1o da Lei de Crimes Hediondos, acrescentando o art.244-B ao ECA. Este trabalho almeja discorrer brevemente sobre essas mudanças, suas origens e conseqüências.

Palavras-chave: costumes, Lei 12.015/09, alterações, dignidade sexual.

 

 

1          Crimes contra os costumes

O homem, diante do destino inexorável da morte, só tem como meio de perpetuação o procriar, a sucessão de vidas. Diante disso, o instinto sexual é de inegável grandeza. A principio, o ato de reprodução se realizava com a nudez brutal do instinto, porém com o decorrer dos tempos, com a civilização, o progresso e a cultura, desenvolveu-se o amor, sentimento que enobreceu a força instintiva, importando na seleção do individuo para o ato sexual.

Mais do que com o amor foi com o pudor que a disciplina do sexo contou. Ao que tudo indica, foi quando a mulher ocultou, voluntária ou forçadamente, suas partes pudendas, que se manifestou o pudor. Este, segundo acredita Morselli[i], nasceu com o instinto de propriedade do homem que teria obrigado a mulher a ocultar partes do corpo, para que outros não a desejassem. Havelock Ellis[ii] acrescenta que a mulher ter-se-ia coberto: num gesto primitivo e animal para evitar o coito quando ainda não tinha atingido a fase de procriação, na qual começa a desejar o homem; por receio de suscitar repugnância pelas secreções; pelos ritos e pelas cerimônias celebrados por temor da influência misteriosa do sexo. Deve-se ressaltar que o pudor veio a ser um sentimento também do homem que mais tarde percebeu-lhe ser necessário, em nome da sua própria dignidade e reputação.

Foi assim que o pudor veio a ser um sentir não só do indivíduo como também da coletividade, ditando as normas a serem estabelecidas em nome da moral e dos costumes. Essas regras foram observadas para que os indivíduos pudessem conviver e o Estado não foi indiferente à tutela dos direitos que surgiram dessas relações interpessoais. Sob o ponto de vista repressivo, veio o código penal de 1940, estabelecendo os “crimes contra os costumes”. Noronha[iii] chega a considerar que nada perderia essa lei se usasse o nome “crime contra o pudor”, já que todos os delitos que compuseram esse título tiveram como denominador comum a ofensa a esse sentimento individual e social, além de que essa expressão estaria mais ao alcance do povo, por ser o pudor vulgarmente conhecido como sentimento de pejo ou vergonha suscitado por um ato de natureza sexual.

Juridicamente, diz-se que o costume caracteriza-se por dois elementos que o geram e justificam: o corpus ou consuetudo, que consiste na prática social reiterada do comportamento (uso objectivo, de acordo com a expressão longi temporis praescriptio) e o animus, que consiste na convicção subjectiva ou psicológica de obrigatoriedade desses comportamentos enquanto representativos de valores essenciais, de acordo com a expressão opinio juris vel necessitatis. Os crimes contra os costumes então foram as condutas que a sociedade de forma reiterada rechaçou e que o individuo, de modo geral, acreditou não ser corretas, a ponto de o Direito condiderá-las ilícitos penais.

 

 

2          Crimes contra a dignidade sexual

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009 estabeleceu nova redação para o Título VI do Código Penal, substituindo o termo “crimes contra os costumes” por “crimes contra a  dignidade sexual. Não havia modificação nessa parte da legislação desde 1940 e é claro que a sociedade brasileira mudou muito seu comportamento desde aquela década, a codificação penal precisava ser atualizada, de forma a atender às necessidades oriundas das relações interpessoais vigentes.

A nova nomenclatura do Título supracitado não conta mais como os chamados “costumes”, pois estes remetiam o intérprete à idéia de defesa da forma como as pessoas deveriam se comportar sexualmente na sociedade. Mais importante do que a defesa do individuo, estava o que socialmente se admitia dele e para ele. O foco dos juristas não era, destarte, a proteção da dignidade humana, como preceitua o art. 1°, III, da Constituição de 1988.

O legislador ao escolher a expressão “crimes contra a dignidade sexual”, harmonizou a norma penal à Carta Magna e à realidade dos bens jurídicos protegidos pelos tipos penais elencados naquela parte do Código. Albergou-se com isso, a tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada pessoa humana.

 

 

3          Principais alterações implementadas pela Lei nº 12.015/09

A Lei 12.015/09 trouxe importantes avanços na defesa da dignidade humana, na sua face sexual. Eis as principais alterações implementadas.

No que diz respeito ao estupro, este deixou de ser um crime cometido somente contra mulheres e passou a ser definido como “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (grifo nosso). Com isso, o atentado violento ao pudor passou a fazer parte do delito de estupro previsto no artigo 213 do Código Penal e houve o reconhecimento de estupro de pessoas do sexo masculino que passam assim a ter tratamento igualitário em relação às mulheres. Vê-se de forma clara a sopreposição de preconceitos,  homofobias e “pudores” pela defesa do ser humano.

Vale dizer que se passou a considerar como hediondo não só o crime de estupro (que agora inclui o que antes se considerava atentado violento ao pudor) como o de estupro do vulnerável (qualquer ato libidinoso contra menores de 14 anos ou pessoas com deficiência mental), os quais, observado o disposto no art. 5º, XLIII da CF/88, são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. A nova norma penal passou então a atuar de forma a expandir a defesa da dignidade sexual dos menores de idade.

O Capítulo II do Título VI do Código Penal deixou de ser “Da Sedução e da Corrupção de Menores” para intitular-se “Dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável”. Assim se cria toda uma tutela diferenciada quando as vítimas foram crianças e adolescentes menores de 14 (catorze) anos, ou se tratar de pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental não tiver o necessário discernimento para a prática do ato, ou, por qualquer motivo, não possa defender-se. O Código agora protege de maneira expressa o menor de 14 anos, definindo objetivamente que a relação sexual com menor de 14 anos é estupro. Isso acaba com a discussão sobre se a presunção de violência, se esta seria relativa ou absoluta. Todos os casos de presunção de violência do art. 224 foram revogados.

Para ampliação da proteção à criança e ao adoloescente, criaram-se ainda novos tipos penais:

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

No que se refere ao crime de rufianismo e ao favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, a nova lei considera como agravante o fato do crime ser cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância da criança.

No intiuto de reprimir condutas típicas contra os menores de idade, as penas de todos os crimes sexuais foram aumentadas caso sejam cometidos contra adolescente maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos ou se o resultado for lesão corporal de natureza grave e ampliou-se inclusive a pena para agentes que têm obrigação de cuidado, proteção ou vigilância sobre vítimas (ascendente, padrasto, cônjuge etc). O autor de assédio sexual a menores de 18 anos, que era (até então) apenado entre 1 e 2 anos de reclusão, terá a pena aumentada de 1 ano e 4 meses a 2 anos e 8 meses.

Trouxe o Art. 225 da Lei 12.015/2009 profundas implicações na forma do tratamento processual que deverá ser ministrado aos Crimes Contra a Liberdade Sexual e aos Crimes Sexuais Contra Vulnerável. A regra vigente, não permite mais o oferecimento da queixa crime pelo ofendido, como regra, a propositura da ação penal pertence ao parquet, garantindo ao Ministério Público a defesa da sociedade nestes casos, não podendo jamais desistir da ação e sequer dispô-la.

No tocante ao parágrafo único do Art. 225 do Código Penal, deverá proceder-se mediante ação penal pública incondicionada se a vítima for menos de dezoito anos ou pessoa vulnerável. Nestes casos, nos quais as condições de defesa das vítimas são minoradas, houve por bem o legislador ministrar tratamento diferenciado para a propositura da ação, que independe de manifestação do ofendido, ou de seu representante, para o oferecimento da denúncia pelo promotor público.

Impende consignar, que a definição de pessoa vulnerável está estipulada na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde: “II. 15 - Vulnerabilidade - refere-se a estado de pessoas ou grupos, que por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido”.

A Lei nº 8.069/90 (ECA) também sofreu alterações. Ela passou a vigorar acrescida do art. 244-B que determinou pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, para a corrupção ou facilitação de corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la, inclusive utilizando-se de quaisquer outros meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo na Internet.

 

 

4          Conclusões

A Lei 12.015/09, pelas alterações realizadas, convergiu o nosso Código Penal à orientação normativa de nossa Carta Magna. Firmou-se a proteção da dignidade da pessoa humana como norte a ser observado na aplicação dos tipos previstos no Título VI do Código Penal.

Observa-se que as novas nomenclaturas, tipificações, qualificações, sanções e procedimentos tendem a coadunar as normas à realidade social de hoje. Não cabe mais a defesa de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres por conta de pudores defendidos e impregnados há décadas atrás. Não cabe mais, em nome de um ideal de família, fugir das situações de violência doméstica, onde aquele que devia proteger, fere. Não cabe mais fechar os olhos para o aumento da exploração sexual de jovens e crianças. Não cabe mais protelar um maior envolvimento do Ministério Público na defesa da dignidade sexual.

Além das modificações explícitas supracitadas, é mister ressaltar as implicações que surgem na interpretação desses dispositivos legais. O nome dado a um Título do Código Penal deve ser considerado na análise de cada figura típica nele contida. Por meio de uma interpretação teleológica, o intérprete tentará alcançar a finalidade da norma e, para isso, avaliará o título no qual está inserido o tipo, fazendo uma leitura sistêmica a fim de descobrir a proteção legal que se quer prestar com o tipo penal.

Os juristas estão diante de avanços consideráveis no campo do Direito Penal e devem ter o compromisso de aplicar as normas jurídicas tendo como guia o respeito à dignidade humana, ao desenvolvimento sexual saudável. Combater preconceitos, tabus em prol de condições de uma convivência social benéfica: esse deve ser o desafio.

 

 



[i] Morselli apud Noronha. NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.

[ii] Havelock Ellis apud Noronha. NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.

 

[iii] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.

 

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

GOMES, Luiz Flávio. Crimes contra a Dignidade Sexual e outras Reformas Penais. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1872027/crimes-contra-a-dignidade-sexual-e-outras-reformas-penais. Acesso em: 15/10/09.

GRECO, Rogério. Adendo Lei 12.015Dos Crimes Contra Dignidade Sexual (2009). Disponível em: http://www.scribd.com/doc/20088841/Rogerio-Greco-Adendo-Lei-12-015-Dos-Crimes-Contra-Dignidade-Sexual-2009 . Acesso em: 15/10/09.

Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.

Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

 

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Comentários e Opiniões

1) Joselino (09/05/2010 às 20:20:25) IP: 187.78.61.239
O direito brasileiro definia assim porque está ligado de uma maneira muito forte à ideologia patriarcal. A legislação penal que vigorou entre nós nos primeiros anos do Brasil foram as ordenações filipinas, e essas expressões todas derivam delas. A ideia de pudor, por exemplo, está intimamente ligada a recato, honestidade, virgindade, defloramento. Antes, cabia ao marido pedir a anulação do casamento caso sua mulher tivesse sido deflorada por outro homem. A questão da virgindade era o ponto alto.


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